segunda-feira, 31 de agosto de 2015
A (frágil) democracia na América
A democracia decai. Há algum tempo isso é dito pelo Club de Madrid, Freedom House e o National Endowment for Democracy, entre outros. Ao final da terceira etapa, fomos testemunhas de uma paulatina “recessão democrática”, nas palavras de Larry Diamond. A prolongada crise econômica europeia, o ressurgimento dos nacionalismos e dos partidos xenófobos, o fracasso da primavera árabe e, por outro lado, a estabilidade alcançada por diversas autocracias falam de um clima global inóspito para a democracia.
Na América Latina, entretanto, é mais do que isso. A narrativa dos anos oitenta foi marcada pelos direitos humanos e a transição. O argumento dos anos noventa foi sobre as democracias que delegavam, não liberais e híbridas, construções conceituais que enfatizavam a robustez dos processos eleitorais, apesar de seus déficits nas áreas de direitos da população e separação de poderes. Essa linguagem hoje é insuficiente: a noção de recessão democrática não descreve a regressão autoritária em curso.
Tal regressão não pode ser compreendida desconectada do efeito dos preços favoráveis da última década. Muitos governos democraticamente eleitos, com o boom das matérias primas, tiveram assegurados preços de venda históricos e recursos fiscais sem precedentes. Foram usados para aumentar a arbitrariedade do Executivo, financiar máquinas clientelistas de profunda imersão na estrutura social e estendidas no território e, desse modo, buscar a perpetuação no poder. É paradoxal que a prosperidade desse século tenha prejudicado mais as instituições democráticas do que a crise da dívida e a hiperinflação do século anterior. Isso convida a repensar a teoria.
O ponto fundamental dessa deterioração foi a reforma constitucional, um verdadeiro vírus latino-americano que não respeita fronteiras e ideologias. Foi feita pela esquerda, pela direita e pelos (mal denominados) populistas. Foi feita por todos, e todos com o objetivo de se manter no poder por mais tempo do que o estipulado ao chegar ao poder. De um mandato a dois, de dois a três e de três à reeleição indefinida. A regressão autoritária foi inevitável. Um presidencialismo sem alternância não pode ter outro destino a não ser adquirir traços despóticos.
A reforma per se não é o problema, e sim que a constituição se transforme em uma roupa feita sob medida para o presidente da vez, um conjunto de normas com seu sobrenome e escritas com sua caneta. A perda da neutralidade das regras do jogo dilui a noção de igualdade diante da lei e fragiliza a separação de poderes, o devido processo e as garantias individuais, princípios que dão sentido ao viver em democracia. Não é de surpreender, portanto, assubsequentes restrições à liberdade de imprensa e a intimidação a juízes e promotores independentes, práticas frequentes na região. É o menu completo da manipulação.
Veja o infográfico |
A democracia é um contrassenso na ausência do Estado de Direito. É difícil garantir justiça e proteger liberdades e direitos sem uma norma jurídica objetiva, neutra, impessoal e equitativa. Desnecessário falar da capacidade decrescente do Estado para monopolizar os meios de coerção, cuja imediata consequência foi a exacerbação do crime organizado e a corrupção, sintomas iguais da degradação institucional.
É quase o nascimento de um novo tipo de regime político. Nele, a corrupção é, justamente, o componente central da dominação. É muito mais do que o ato ilegal de ficar com o dinheiro público. A corrupção faz as vezes de partido político: seleciona políticos, organiza a disputa eleitoral e exerce a representação – e, sobretudo, o controle – territorial. Cristaliza desse modo a pós-democracia latino-americana.
O desafio do futuro é a mudança do ciclo econômico. A desaceleração produzirá um crescimento bem modesto nos próximos anos, e isso sem contar os sérios problemas macroeconômicos de alguns países; a Venezuela, Argentina e Brasil, em ordem de gravidade. A América Central terá desequilíbrios no setor externo pela diminuição do subsídio da Petrocaribe e a diminuição das exportações à Venezuela. O Caribe, que está muito endividado, sofrerá os aumentos da taxa de juros nos Estados Unidos.
As dificuldades econômicas colocarão pressão sobre o sistema político. Se, além disso, o poder das instituições democráticas estiver diluído, a volatilidade macroeconômica poderá acabar em uma intensificação do conflito social. As vozes mais ouvidas serão as das novas classes médias, 70 milhões de pessoas que deixaram a pobreza, mas que são especialmente vulneráveis diante de mudanças bruscas na economia e no emprego. O grande desafio virá da população jovem, mais preparada do que seus pais, mas também mais desempregada. Não é por acaso serem eles os mais desafiados pelo processo político. A frustração social poderá ser generalizada.
Ou talvez não e, pelo contrário, resida ali a grande oportunidade, a consequência não buscada (conceito criado pelo grande Albert Hirschman) do boom e do clientelismo redistributivo. Acontece que essas novas classes médias já não querem ser clientes, súditos, peças descartáveis da máquina de perpetuação. São cidadãos, pedem seus direitos, detestam a corrupção, querem qualidade institucional, têm voz e capacidade de ação coletiva, resistem à pós-democracia. É isso que se vê hoje nas ruas de São Paulo, Caracas, Quito, Cidade da Guatemala e San Miguel de Tucumán.
A América Latina continua sendo ela mesma: pouco Estado, um sistema político fragmentado, instituições inexistentes e uma enorme sociedade civil, cada vez mais atuante. Depois da onda bolivariana e de tanta perpetuação, é preciso voltar a funcionar. A boa notícia são os novos e bons ares democráticos do futuro que sopram nessas ruas latino-americanas.
Os quatro cavaleiros do Apocalipse
Me digam aí: o que existe em comum entre certas torcidas organizadas de times brasileiros, os “gerentes de franquia” dos fast foods de fé, os hierarcas do crime nos presídios brasileiros e os militantes vagabundos do PT e suas franjas? Todos fazem parte de quadrilhas, que se organizam no vácuo policial existente por aqui. Infiltram-se na sociedade pagante e ficam cacarejando, provocando, dissimulando e invertendo o sinal dos valores aqui praticados, com o único intuito de se darem bem. Falta enquadramento nessa cena, meus caros. Simples assim.
Qualquer marola no status vigente e tome uma lei qualquer para proibir a sacolinha plástica, o capacete, a faca de churrasco e outras firulas, para se deixar tudo como está e fingir que algo está sendo feito para coibir esses ajuntamentos. Não está. Falta ao brasileiro a noção de vigília de nossa combalida democracia. Falta a devida fiscalização da vida pública, oportunamente sufocada por todos os bandos irmanados, que não querem transparência em suas condutas delinquentes.
A vida não está fácil nem pra quem quer ser bandido hoje em dia, pois o território tomado de véspera pelos fora-da-lei exige que o meliante seja sindicalizado, pague imposto, dízimo, propina e aliciamento, se quiser exercer a profissão criminosa sem ser molestado pelos demais integrantes desses irmanatos da vigarice. Tirar um ignorante de sua ignorância e torná-lo um elemento crítico desse sistema é muito difícil. Fácil mesmo é torná-lo massa de manobra dos interesses servis de todas essas escumalhas reunidas e fazê-los amorfos aos reais interesses de nossa sociedade.
Não é mera coincidência que estes quatro “cavalos” do apocalipse estejam metidos até a crina na criminalidade que aqui campeia sem lenço nem documento. Por trás de cada um deles, a ginga, a malemolência, a vigarice rematada de várias oligarquias criminosas, todas elas querendo garantir o inferno legislativo e burocrático em que nos encontramos exatamente para manter as frestas por onde eles sobem na vida sem fazer força. Futebol, igreja, roubo e política são quatro álibis perfeitos para acomodar estes antros de picaretas reunidos.
Eles acreditam que a sociedade fará vistas grossas ao tunganato que representam, uma vez que o outro lado do cavalo mostra um “efeito social” que não passa de fachada para a prática impune de delitos. Notem que a passagem da simples contravenção – tolerada e até incentivada pela sociedade – para a criminalidade pura e simples é o moto contínuo dessas sofisticadas organizações criminosas, no caminho do “sucesso” de suas empreitadas larápias. Alguém no final sempre tem que pagar a conta.
Elevada à condição de comitiva presidencial, a quadrilha petista mostra agora toda a sua real natureza: queriam mesmo era se darem bem na vida sem fazer força, às custas dos fiéis, militontos e eleitores. Queriam mesmo é fazer alguns de otários. Praticar pequenos furtos. Aposto que nem eles imaginavam que chegariam tão longe com suas pretensões marretas. A polícia chegaria antes. Até agora, não chegou. E não chegou exatamente pela forma como as coisas se estruturam – ou se desestruturam – por aqui.
Tudo é feito para a polícia não chegar. Para o pau que dá em Chico não dar em Francisco. Para, no máximo, o operador ser preso, sem molestar o mandante. Me parece que um ano inteiro de denúncias diárias de uma Lava Jato vai fazendo a sociedade lentamente acordar para os golpes a que vem sendo vítima. Falta agora chamar a polícia. Falta que ela venha. Todo o resto se resolve a partir daí. Ou vocês acham mesmo que são muito diferentes entre si o bonecão de posto inflável daquele meliante, o bispo flagrado com a bíblia na cadeia, a turma que coloca fogo no carro alegórico da escola de samba dos desafetos e um Marcola, comandando o crime de uma prisão de segurança máxima no interior da nação de incautos em que nos transformamos?
Qualquer marola no status vigente e tome uma lei qualquer para proibir a sacolinha plástica, o capacete, a faca de churrasco e outras firulas, para se deixar tudo como está e fingir que algo está sendo feito para coibir esses ajuntamentos. Não está. Falta ao brasileiro a noção de vigília de nossa combalida democracia. Falta a devida fiscalização da vida pública, oportunamente sufocada por todos os bandos irmanados, que não querem transparência em suas condutas delinquentes.
A vida não está fácil nem pra quem quer ser bandido hoje em dia, pois o território tomado de véspera pelos fora-da-lei exige que o meliante seja sindicalizado, pague imposto, dízimo, propina e aliciamento, se quiser exercer a profissão criminosa sem ser molestado pelos demais integrantes desses irmanatos da vigarice. Tirar um ignorante de sua ignorância e torná-lo um elemento crítico desse sistema é muito difícil. Fácil mesmo é torná-lo massa de manobra dos interesses servis de todas essas escumalhas reunidas e fazê-los amorfos aos reais interesses de nossa sociedade.
Não é mera coincidência que estes quatro “cavalos” do apocalipse estejam metidos até a crina na criminalidade que aqui campeia sem lenço nem documento. Por trás de cada um deles, a ginga, a malemolência, a vigarice rematada de várias oligarquias criminosas, todas elas querendo garantir o inferno legislativo e burocrático em que nos encontramos exatamente para manter as frestas por onde eles sobem na vida sem fazer força. Futebol, igreja, roubo e política são quatro álibis perfeitos para acomodar estes antros de picaretas reunidos.
Elevada à condição de comitiva presidencial, a quadrilha petista mostra agora toda a sua real natureza: queriam mesmo era se darem bem na vida sem fazer força, às custas dos fiéis, militontos e eleitores. Queriam mesmo é fazer alguns de otários. Praticar pequenos furtos. Aposto que nem eles imaginavam que chegariam tão longe com suas pretensões marretas. A polícia chegaria antes. Até agora, não chegou. E não chegou exatamente pela forma como as coisas se estruturam – ou se desestruturam – por aqui.
Tudo é feito para a polícia não chegar. Para o pau que dá em Chico não dar em Francisco. Para, no máximo, o operador ser preso, sem molestar o mandante. Me parece que um ano inteiro de denúncias diárias de uma Lava Jato vai fazendo a sociedade lentamente acordar para os golpes a que vem sendo vítima. Falta agora chamar a polícia. Falta que ela venha. Todo o resto se resolve a partir daí. Ou vocês acham mesmo que são muito diferentes entre si o bonecão de posto inflável daquele meliante, o bispo flagrado com a bíblia na cadeia, a turma que coloca fogo no carro alegórico da escola de samba dos desafetos e um Marcola, comandando o crime de uma prisão de segurança máxima no interior da nação de incautos em que nos transformamos?
O nada e o tudo
Seria melhor se as aflições pudessem ser atribuída a um só evento. Ou a causa única. Ou mesmo a culpado determinado. Mas não. O desastre atual foi construído. Metódica, insistente, e laboriosamente.
Mediocridade, como subdesenvolvimento, requer tempo, persistência e, na falta de melhor palavra, talento para, diante de muitas opções, escolher sempre as erradas.
Não houve encruzilhada fatal onde o rumo errado foi tomado. A verdade, é que a cada curva, não se desperdiçou a oportunidade de escolher o pior. Invariavelmente tomando o caminho fácil no curto prazo, mas desastroso no futuro.
E futuro tem estas coisas. Um dia chega. Se transforma em presente. Cobra ou recompensa as ações e decisões passadas. Transforma em preço e custo as oportunidades perdidas.
Talvez pudéssemos ter construído um presente melhor. Bastaria investir na solução dos problemas que todos nós sabemos ser importante. Todos estão carecas de saber que educação é importante. Que o estado é ineficiente. Que o serviço público é trágico. Que os impostos são altos. E muito mais.
Ninguém discorda do diagnóstico. Apenas o aceita como fatalidade auto imposta. Não deixa de ser irônico que o consenso sobre necessidades não gere consenso (ou até mesmo debate) sobre as suas soluções.
Sinal de mediocridade. Ou de tempos de mediocridade. Época em que governos fingem que governam enquanto desgovernam. Época de oposição que não opõe. Época de eleitores que procuram desesperadamente por candidatos. Época de votos órfãos.
Triste enredo de protagonistas estão cada vez mais irrelevantes. Tempos em nada é realmente tudo o que se pode esperar.
Antes que se arrebente
Há gente experta na política a vaticinar que o Brasil só escapará da encalacrada atual depois de esborrachar-se no muro. Não bastaria antever a aproximação do armagedom para mudar de rota. Seria preciso experimentá-lo.
Souvarine, o sabotador anarquista do "Germinal" de Zola, era um esteta do gênero: "Ateiem fogo aos quatro cantos das cidades, ceifem os povos, arrasem tudo e, quando nada mais sobrar deste mundo podre, talvez surja dele um melhor", dizia e praticava. A proclamação chega a ser esplêndida na literatura. Quando acontece na vida vivida, é apenas desgraça.
É para a desgraça certa que se desenrolam os acontecimentos da política brasileira. Estivesse a crise resumida a quizilas de poder, não haveria razão para desespero, mas ela arrasta para o fogo a segurança material de 200 milhões de almas.
O problema é como restaurar a responsabilidade dos atores políticos no momento em que o príncipe do nosso sistema, o presidente da República, reduziu-se a figura simbólica. A saída mais rápida seria repactuar forças em torno de Dilma Rousseff, o que no entanto tem sido dificultado pela inapetência da presidente e pela sua proximidade dos vetores desagregadores representados por Lula e pelo PT.
Não será possível salvar o governo Dilma, o ex-presidente Lula e o PT. Se a presidente continuar conectada ao seu mentor e ao seu partido, ninguém mais chegará perto dela para negociar saídas. O isolamento ficará tão intenso que a renúncia se tornará um recurso de misericórdia.
Outra opção seria organizar em torno de Michel Temer um governo de fato, fundado na partilha de responsabilidade com grupos dominantes no Congresso. A substância do acordo teria de conter reformas dolorosas nas despesas e nas receitas do Estado, além da "despetização" do Executivo. A um pacto forte assim, Dilma seria obrigada a submeter-se ou cair fora.
Souvarine, o sabotador anarquista do "Germinal" de Zola, era um esteta do gênero: "Ateiem fogo aos quatro cantos das cidades, ceifem os povos, arrasem tudo e, quando nada mais sobrar deste mundo podre, talvez surja dele um melhor", dizia e praticava. A proclamação chega a ser esplêndida na literatura. Quando acontece na vida vivida, é apenas desgraça.
É para a desgraça certa que se desenrolam os acontecimentos da política brasileira. Estivesse a crise resumida a quizilas de poder, não haveria razão para desespero, mas ela arrasta para o fogo a segurança material de 200 milhões de almas.
O problema é como restaurar a responsabilidade dos atores políticos no momento em que o príncipe do nosso sistema, o presidente da República, reduziu-se a figura simbólica. A saída mais rápida seria repactuar forças em torno de Dilma Rousseff, o que no entanto tem sido dificultado pela inapetência da presidente e pela sua proximidade dos vetores desagregadores representados por Lula e pelo PT.
Não será possível salvar o governo Dilma, o ex-presidente Lula e o PT. Se a presidente continuar conectada ao seu mentor e ao seu partido, ninguém mais chegará perto dela para negociar saídas. O isolamento ficará tão intenso que a renúncia se tornará um recurso de misericórdia.
Outra opção seria organizar em torno de Michel Temer um governo de fato, fundado na partilha de responsabilidade com grupos dominantes no Congresso. A substância do acordo teria de conter reformas dolorosas nas despesas e nas receitas do Estado, além da "despetização" do Executivo. A um pacto forte assim, Dilma seria obrigada a submeter-se ou cair fora.
Tempos de incerteza
As grandes tragédias da humanidade se movem em torno de um eixo com quatro elementos: os fatos, as incertezas, o acaso e a incompetência. É evidente a associação deles nos acontecimentos relevantes da história política do Brasil, por exemplo.
Na Revolução de 30, os quatro elementos estiveram presentes na incompetência política de Washington Luiz no gerenciamento da base política, na ruptura da política café com leite (fato), na incerteza das adesões ao movimento e no acaso do assassinato de João Pessoa.
O assassinato de João Pessoa foi o elemento detonador da ampla indignação que derrubou o regime e levou Getúlio Vargas ao poder. Vale lembrar que Pessoa foi assassinado por questões paroquiais, que pouco se relacionavam com o ambiente político federal.
No impeachment de Fernando Collor tínhamos a certeza da corrupção do governo (fato), a ausência de uma base política (incompetência), o acaso da delação do irmão Pedro e a incerteza do processo de impeachment. A combinação de tudo resultou no afastamento do presidente do governo. Desses dois episódios marcantes pode derivar uma analogia com o momento presente. Na conjuntura atual temos, simultaneamente, a presença dos quatro elementos mencionados. E de forma destacada.
Começamos pelos fatos. São abundantes as evidências e provas de muitos dos “malfeitos” no âmbito fiscal, gerencial e político. A cada dia, como numa triste procissão, nossa desgraça pública é revelada em alas. São fatos do passado e do presente numa trágica combinação que nos afastou décadas de um futuro melhor. Mas ainda falta o fato concreto, de evidência inequívoca, de envolvimento da Presidência com os malfeitos. Estamos, ainda, no campo das especulações.
A incompetência está presente em posição de destaque onde aparece a incapacidade – coibir a corrupção, o desperdício de dinheiro público e a destruição de valor da Petrobrás. Outra vertente foi a demolição da credibilidade fiscal, com o aumento irresponsável de gastos, que não conseguiram impedir o País de cair em profunda recessão. O terceiro exemplo é a histórica incompetência política do primeiro mandato de Dilma, que afetou dramaticamente o funcionamento do presidencialismo de coalizão. Tal incompetência prosseguiu no novo mandato, fortalecendo as dissidências e tumultuando o ambiente político.
O acaso está no início da Operação Lava Jato, que esbarrou num doleiro e fez a casa cair para o sistema capitalista brasileiro. Tudo começou quando a Polícia Rodoviária Federal, numa batida de rotina em março de 2013, apreendeu um caminhão perto de Araraquara. O veículo tinha um carregamento de mais de 600 quilos de cocaína. O episódio foi a ponta do fio que levou ao novelo da Operação Lava Jato, o maior escândalo de corrupção do mundo moderno.
O quarto elemento é a incerteza. Neste quesito temos um imenso desfile de questões. Por exemplo, as investigações em Portugal que resultaram na prisão de um ex-primeiro-ministro e um banqueiro podem respingar no Brasil? As delações de três ex-diretores da Petrobrás, além das revelações de Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, vão ampliar o universo de investigados? Os empreiteiros presos vão engordar o cordão de delatores? As novas delações vão expandir o número de envolvidos?
São incertezas intensas demais para permitir uma clara delimitação da crise política. Para piorar, as incertezas têm um forte viés negativo e apontam para um quadro de agravamento. Estamos longe do fim da crise política e profundamente limitados pela incerteza dos acontecimentos. O que remete à necessidade de elevada competência política e desprendimento dos principais atores políticos.
Fica claro que, pelo tamanho e pela diversidade da crise, o governo não tem a menor condição de resolvê-la sem descer do salto alto e buscar o entendimento com todas as forças políticas relevantes e com as principais instituições. O governo deve se reinventar para conseguir – o que é incerto – chegar a seu termo. Não há, ainda, essa percepção. Desde 2013 Dilma começou a perder o controle da agenda e nunca mais conseguiu retomá-la. Ela é passageira num trem desgovernado.
A Agenda Brasil, posta por Renan Calheiros e turbinada por Joaquim Levy, é uma boa iniciativa. Mas que se deve caracterizar pela efetividade, e não pela extensão das boas intenções. Pelo menos ambos demonstraram estar dispostos a atuar. Ao contrário do setor privado, que continua à deriva, e da oposição, que parece não ter muito o que dizer a não ser repetir o que todo mundo sabe. A agenda Calheiros-Levy teve o condão de ocupar os espaços políticos e reduzir o clima de “sinistrose” que abalava o País.
No entanto, tudo continua em aberto. O quarto elemento continua dando as cartas. Tudo seria previsível se o mundo político não estivesse, como está, andando sem rumo em campo minado sem detector e sem mapa. Tal circunstância reforça, ainda mais, a necessidade de as instituições atuarem presentes e com muita responsabilidade. Não cabem declarações mal colocadas, como a do presidente da CUT, Vagner Freitas, sobre partidários da presidente estarem “entrincheirados e com armas na mão”, nem mesmo impulsionar o processo de impeachment sem bases concretas. Devemos ter, sobretudo, muita responsabilidade.
Como disse o general Carl Clausewitz, “o acaso e a incerteza são os dois elementos mais comuns e mais importantes numa guerra”. Nossos estrategistas devem ter em mente que não estão no controle e que Brasília continuará a funcionar, por um bom tempo, fortemente influenciada pelos ritmos ditados pelas investigações de Curitiba, que mandam uma mensagem clara: estes são tempos de incerteza.
Na Revolução de 30, os quatro elementos estiveram presentes na incompetência política de Washington Luiz no gerenciamento da base política, na ruptura da política café com leite (fato), na incerteza das adesões ao movimento e no acaso do assassinato de João Pessoa.
O assassinato de João Pessoa foi o elemento detonador da ampla indignação que derrubou o regime e levou Getúlio Vargas ao poder. Vale lembrar que Pessoa foi assassinado por questões paroquiais, que pouco se relacionavam com o ambiente político federal.
No impeachment de Fernando Collor tínhamos a certeza da corrupção do governo (fato), a ausência de uma base política (incompetência), o acaso da delação do irmão Pedro e a incerteza do processo de impeachment. A combinação de tudo resultou no afastamento do presidente do governo. Desses dois episódios marcantes pode derivar uma analogia com o momento presente. Na conjuntura atual temos, simultaneamente, a presença dos quatro elementos mencionados. E de forma destacada.
A incompetência está presente em posição de destaque onde aparece a incapacidade – coibir a corrupção, o desperdício de dinheiro público e a destruição de valor da Petrobrás. Outra vertente foi a demolição da credibilidade fiscal, com o aumento irresponsável de gastos, que não conseguiram impedir o País de cair em profunda recessão. O terceiro exemplo é a histórica incompetência política do primeiro mandato de Dilma, que afetou dramaticamente o funcionamento do presidencialismo de coalizão. Tal incompetência prosseguiu no novo mandato, fortalecendo as dissidências e tumultuando o ambiente político.
O acaso está no início da Operação Lava Jato, que esbarrou num doleiro e fez a casa cair para o sistema capitalista brasileiro. Tudo começou quando a Polícia Rodoviária Federal, numa batida de rotina em março de 2013, apreendeu um caminhão perto de Araraquara. O veículo tinha um carregamento de mais de 600 quilos de cocaína. O episódio foi a ponta do fio que levou ao novelo da Operação Lava Jato, o maior escândalo de corrupção do mundo moderno.
O quarto elemento é a incerteza. Neste quesito temos um imenso desfile de questões. Por exemplo, as investigações em Portugal que resultaram na prisão de um ex-primeiro-ministro e um banqueiro podem respingar no Brasil? As delações de três ex-diretores da Petrobrás, além das revelações de Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, vão ampliar o universo de investigados? Os empreiteiros presos vão engordar o cordão de delatores? As novas delações vão expandir o número de envolvidos?
São incertezas intensas demais para permitir uma clara delimitação da crise política. Para piorar, as incertezas têm um forte viés negativo e apontam para um quadro de agravamento. Estamos longe do fim da crise política e profundamente limitados pela incerteza dos acontecimentos. O que remete à necessidade de elevada competência política e desprendimento dos principais atores políticos.
A Agenda Brasil, posta por Renan Calheiros e turbinada por Joaquim Levy, é uma boa iniciativa. Mas que se deve caracterizar pela efetividade, e não pela extensão das boas intenções. Pelo menos ambos demonstraram estar dispostos a atuar. Ao contrário do setor privado, que continua à deriva, e da oposição, que parece não ter muito o que dizer a não ser repetir o que todo mundo sabe. A agenda Calheiros-Levy teve o condão de ocupar os espaços políticos e reduzir o clima de “sinistrose” que abalava o País.
No entanto, tudo continua em aberto. O quarto elemento continua dando as cartas. Tudo seria previsível se o mundo político não estivesse, como está, andando sem rumo em campo minado sem detector e sem mapa. Tal circunstância reforça, ainda mais, a necessidade de as instituições atuarem presentes e com muita responsabilidade. Não cabem declarações mal colocadas, como a do presidente da CUT, Vagner Freitas, sobre partidários da presidente estarem “entrincheirados e com armas na mão”, nem mesmo impulsionar o processo de impeachment sem bases concretas. Devemos ter, sobretudo, muita responsabilidade.
Como disse o general Carl Clausewitz, “o acaso e a incerteza são os dois elementos mais comuns e mais importantes numa guerra”. Nossos estrategistas devem ter em mente que não estão no controle e que Brasília continuará a funcionar, por um bom tempo, fortemente influenciada pelos ritmos ditados pelas investigações de Curitiba, que mandam uma mensagem clara: estes são tempos de incerteza.
Populismo agonizante
É da natureza do populismo partir do princípio de que o povo é ignorante e acrítico, incapaz de discernir o falso do verdadeiro em matéria de política. O populismo prospera onde a ignorância impera. Os populistas, portanto, cultivam a ignorância. Um de seus truques é repetir mentiras incansavelmente até que sejam aceitas como verdades. É o que estão fazendo Lula, Dilma e o PT, no desespero de sobreviverem no fundo do poço em que foram colocados pelo descrédito popular. Para eles, tudo o que não convém ao populismo petista é “golpe”. Principalmente fazer oposição ao governo.
Diante de uma plateia de mais de 2 mil pessoas em Montes Claros, Minas Gerais, Luiz Inácio Lula da Silva não fez cerimônia: “Eu gostaria que todos aqueles que todo santo dia inventam um golpe para tirar Dilma aprendessem a respeitar a democracia (...). Se eles querem o poder, que esperem 2018. Mas não venham com golpe”. A presidente Dilma foi mais sutil – imaginem só – falando a atletas em solenidade no Palácio do Planalto: “É possível sofrer derrotas, dificuldades no caminho, mas todo atleta levanta e segue em frente. Muitas vezes não ganha na primeira, na segunda ou na terceira. E segue lutando para ganhar. E respeita o resultado do outro atleta, que é o vencedor”. Por sua vez, o presidente do PT, Rui Falcão, em reunião com lideranças petistas em São Paulo, queixou-se de que a oposição tenta “enfraquecer a presidente”. Esperava o quê?
A regra de ouro que o lulopetismo quer ver aplicada – aos outros, é claro – é a seguinte: quem perde uma eleição, como aconteceu com Aécio Neves e Marina Silva em outubro do ano passado, tem de se recolher à condição de derrotado e “respeitar a democracia”. Qualquer iniciativa para “enfraquecer a presidente” é tentativa de promover “terceiro turno”. Exigir que eventuais ilicitudes cometidas na campanha presidencial de Dilma sejam investigadas é “golpe”. Falar em impeachment da chefe do governo – recurso constitucional que o PT defendeu contra seu hoje aliado Fernando Collor – é “atentado à democracia”. Em resumo: está proibido fazer oposição.
A partir do momento em que chegaram ao poder, os petistas se deram conta de que seu grande problema passava a ser como nele se manter. A solução era óbvia: fazer alianças, não importa com quem nem a que custo. É verdade que nos primeiros anos o panorama social melhorou. E não se deve desmerecer essa importante conquista. Mas, se nessa questão há mérito, sobra demérito na igualmente fundamental questão moral. A crônica policial e forense dos últimos anos demonstra que a corrupção tomou conta da política e da administração pública em níveis sem precedentes. Como temos repetido neste espaço, Lula e o PT não inventaram a corrupção, mas tornaram-na prática generalizada, endêmica. E beneficiaram-se disso, tanto no plano político quanto no material, como se constata pelo elenco de endinheirados petistas encarcerados – ou ainda em liberdade.
Sobraram para o PT o discurso – o que não representa nenhuma dificuldade para políticos que, como Lula, nunca desceram do palanque – e a esperança de que, por força da repetição, suas patranhas se tornem verdades. Mas é uma esperança vã. O brasileiro não é idiota. Nem um competente encantador de multidões como Lula consegue enganar todo mundo, todo o tempo. O “terceiro turno” das pesquisas de opinião demonstra que o Brasil repudia categoricamente o populismo lulopetista.
Até lembra algum país
Oposição é violenta e rejeita diálogoMinistro equatoriano do Interior, José Serrano, nega qualquer violência e repressão do governo equatoriano aos opositores, destacando que o país vive uma democracia. Leia e veja mais
Dilma no teatro do absurdo
Quando Dilma assumiu pela segunda vez, alguns analistas afirmaram que enfrentaria uma tempestade perfeita, tal a configuração de fatores negativos que a cercavam. Esses analistas não contavam ainda com a desaceleração chinesa nem com a tempestade das tempestades: o El Niño, que deve ser intenso este ano. Hoje, é possível dizer que Dilma enfrenta uma tempestade mais que perfeita. Além dos fatores habituais, economia e política, ela terá de se preparar para grandes queimadas no Norte e inundações no Sul do Brasil.
Como deputado, trabalhei no tema El Niño em 1998. Não se consegue impedir as consequências do aquecimento do Pacífico Sul. Com alguma preparação adequada é possível atenuá-las. Usando a velha tática petista, quando o El Niño chegar, o governo vai sair gritando: “toma que o filho é teu”.
Ela decidiu agora que seu próprio secretario pessoal será o articulador político. Isso me lembra uma peça de Harold Pinter: dois andarilhos entram numa cozinha de restaurante e, de repente, começam a surgir pedidos de pratos suculentos. Na magra mochila de viagem, tentam achar algo que possa pelo menos atenuar a pressão dos pedidos.
Dilma está tirando da sua mochila um secretário pessoal para ser a interface com as raposas do Congresso. Certamente vão devorá-lo, com o mesmo apetite dos índios que comeram o bispo Dom Pero Sardinha no litoral brasileiro. Dilma e o PT estão fazendo um aprendizado doloroso com as palavras. Em certos momentos criam uma nova língua; em outros, limitam-se a cortar as frases a machadadas. Dizem, por exemplo: “nunca um governo investigou tanto a corrupção”. Mas hesitam horrorizados diante da conclusão lógica: descobrimos que somos nós os culpados.
Pela primeira vez, Dilma mencionou o assalto à Petrobras, lamentando o envolvimento de algumas pessoas do PT. O tesoureiro do partido está preso. Tantos anos de assalto. Dilma custou a reconhecê-lo. Meses depois, está desapontada porque havia gente do PT. Não sei o que é pior: fingir que não viu ou levar tanto tempo para descobrir.
Dilma disse que não pode garantir que 2016 será maravilhoso. Claro que não pode. Primeiro porque os fatos econômicos apontam para um ano difícil. Segundo, porque em 2016 ninguém sabe onde ela estará. “Demorei a me dar conta da gravidade da crise”, disse ela. Era um governo de idiotas ou de mistificadores? Como não se dar conta de uma realidade ululante?
Valeria entrevistar agora aquela assessora do Santander que descreveu a crise. Perseguida pela campanha de Dilma e pelo próprio governo, acabou sendo demitida pelo banco. Como será que ela reagiu à desculpa esfarrapada? Naquele momento, Dilma não apenas demorava a se dar conta da crise. Considerava descrevê-la como um ato de terrorismo eleitoral.
Dilma recusou-se a reduzir ministérios. Agora, aparece um ministro dizendo que vão cortar dez, mas não menciona quais nem quando. O discurso do governo é apenas cascata. A própria Dilma é uma cascata, inventada por Lula. Dirigiu o setor de energia no Brasil, com fama de gerentona. Deu quase tudo errado, do preço da conta de luz à ruína da Petrobras.
Essa história de coração valente é um mito destinado a proteger a roubalheira de agora com o manto de uma luta pretérita. É uma versão atenuada dos braços erguidos de Dirceu ao ser preso pela primeira vez. Há varias razões para se respeitar o passado. Uma delas é realçar a necessidade da luta contra o governo militar, reconhecendo, no entanto, na luta armada um equivoco histórico. E no seu objetivo estratégico, a ditadura do proletariado, uma aberração que os tempos modernos desnudaram com absoluta nitidez.
Como um personagem do teatro do absurdo, Dilma vai continuar buscando na mochila vazia respostas patéticas para as demandas complexas que o momento coloca.
Muita gente acha que não há motivo para impeachment. Mas o Ministro Gilmar Mendes, pelo menos ele, teve o cuidado de examinar as irregularidades de campanha e propor um cruzamento com os dados da Lava-Jato.
O Brasil é dirigido por um governo que transformou a política numa delinquência institucional. O país acaba de descobrir o maior escândalo de corrupção da História. Gilmar Mendes apenas colocou o ovo de pé: houve um grande escândalo de corrupção que beneficiou o PT. Dilma fez uma campanha milionária. Depoimentos do Petrolão indicam que o dinheiro foi para a campanha. Empresas fantasmas já apareceram. Por que não investigar o elo entre a campanha de Dilma e as revelações da Lava-Jato?
Não se trata de ser contra ou a favor. Trata-se apenas de não sentar nos fatos, Como velho jornalista, sei que os fatos são como baioneta: sentando neles, espetam.
Fernando Gabeira
Ela decidiu agora que seu próprio secretario pessoal será o articulador político. Isso me lembra uma peça de Harold Pinter: dois andarilhos entram numa cozinha de restaurante e, de repente, começam a surgir pedidos de pratos suculentos. Na magra mochila de viagem, tentam achar algo que possa pelo menos atenuar a pressão dos pedidos.
Dilma está tirando da sua mochila um secretário pessoal para ser a interface com as raposas do Congresso. Certamente vão devorá-lo, com o mesmo apetite dos índios que comeram o bispo Dom Pero Sardinha no litoral brasileiro. Dilma e o PT estão fazendo um aprendizado doloroso com as palavras. Em certos momentos criam uma nova língua; em outros, limitam-se a cortar as frases a machadadas. Dizem, por exemplo: “nunca um governo investigou tanto a corrupção”. Mas hesitam horrorizados diante da conclusão lógica: descobrimos que somos nós os culpados.
Pela primeira vez, Dilma mencionou o assalto à Petrobras, lamentando o envolvimento de algumas pessoas do PT. O tesoureiro do partido está preso. Tantos anos de assalto. Dilma custou a reconhecê-lo. Meses depois, está desapontada porque havia gente do PT. Não sei o que é pior: fingir que não viu ou levar tanto tempo para descobrir.
Dilma disse que não pode garantir que 2016 será maravilhoso. Claro que não pode. Primeiro porque os fatos econômicos apontam para um ano difícil. Segundo, porque em 2016 ninguém sabe onde ela estará. “Demorei a me dar conta da gravidade da crise”, disse ela. Era um governo de idiotas ou de mistificadores? Como não se dar conta de uma realidade ululante?
Valeria entrevistar agora aquela assessora do Santander que descreveu a crise. Perseguida pela campanha de Dilma e pelo próprio governo, acabou sendo demitida pelo banco. Como será que ela reagiu à desculpa esfarrapada? Naquele momento, Dilma não apenas demorava a se dar conta da crise. Considerava descrevê-la como um ato de terrorismo eleitoral.
Dilma recusou-se a reduzir ministérios. Agora, aparece um ministro dizendo que vão cortar dez, mas não menciona quais nem quando. O discurso do governo é apenas cascata. A própria Dilma é uma cascata, inventada por Lula. Dirigiu o setor de energia no Brasil, com fama de gerentona. Deu quase tudo errado, do preço da conta de luz à ruína da Petrobras.
Como um personagem do teatro do absurdo, Dilma vai continuar buscando na mochila vazia respostas patéticas para as demandas complexas que o momento coloca.
Muita gente acha que não há motivo para impeachment. Mas o Ministro Gilmar Mendes, pelo menos ele, teve o cuidado de examinar as irregularidades de campanha e propor um cruzamento com os dados da Lava-Jato.
O Brasil é dirigido por um governo que transformou a política numa delinquência institucional. O país acaba de descobrir o maior escândalo de corrupção da História. Gilmar Mendes apenas colocou o ovo de pé: houve um grande escândalo de corrupção que beneficiou o PT. Dilma fez uma campanha milionária. Depoimentos do Petrolão indicam que o dinheiro foi para a campanha. Empresas fantasmas já apareceram. Por que não investigar o elo entre a campanha de Dilma e as revelações da Lava-Jato?
Não se trata de ser contra ou a favor. Trata-se apenas de não sentar nos fatos, Como velho jornalista, sei que os fatos são como baioneta: sentando neles, espetam.
Fernando Gabeira
Escassez de lideranças
Neste contexto, agravado pela crise econômica que corrói ainda mais a confiança dos cidadãos nos seus governantes, fica ainda mais evidente a carência de lideranças capazes de assumir as rédeas do país para conduzi-lo a um futuro mais digno. Tanto é assim, que gente de fora da política, mais especificamente alguns líderes de setores empresariais, sindicais e associativos, vêm manifestando a vontade de interferir diretamente na administração pública, pela pressão objetiva sobre o Executivo e o Legislativo ou mesmo com propostas de soluções para os problemas que os políticos não conseguem resolver.
Se é injusto generalizar, como fazem alguns cidadãos indignados que invariavelmente associam a política à desonestidade, também parece inquestionável que os detentores de mandatos e os partidos que representam não estão fazendo a lição de casa. Seria bom ouvir de brasileiros uma manifestação como a que foi feita nesta semana pelo ex-presidente uruguaio José Mujica, em visita ao Rio de Janeiro. Ele pregou a humildade entre os políticos e esclareceu: “Não é uma apologia à pobreza e à miséria, mas os políticos têm que viver como a maioria, e não como a minoria privilegiada”.
Na falta de lideranças políticas que deem exemplo de integridade, a população tem dedicado sua atenção e sua admiração a agentes públicos que investigam e julgam os desvios da política _ caso de juízes e promotores que se destacam no exercício de suas atribuições. É um sinal claro de que o Brasil está carente de líderes éticos e comprometidos com os interesses coletivos.
O pau e a vergonha alheia
Quantas vezes na última semana você ouviu o provérbio "pau que dá em Chico dá em Francisco? " Quando uma frasezinha pega, fica ali na boca do povo remoendo, passa para lá e para cá, participa de várias atividades, mesmo que o seu sentido se esvaia antes de chegar ao final da história
Já que nem tudo é tão democrático assim, em um país de desigualdades tão marcantes como o nosso é que essa do pau batendo em Chico e Francisco não rola mesmo. Só o Chico é que toma uns tecos. O Francisco dá alguma carteirada e se pica, lépido com seus títulos e diplomas; se possível até esfrega na nossa cara um foro especial e alguma imunidade parlamentar. Ou algum cargo de ex.
Ex-presidente, por acaso, tem um monte rodando por aí. Um não, dois, três, contando o do saco roxo que anda fazendo aparições (cinco, se contarmos o quieto Sarney e o viajante FHC que de vez em quando aparece, dá uns pitacos e some). Um, visto em boneco gigante, inflável, camisa listrada, saiu por aí, Pixuleco, carregado pela oposição para tudo quanto é canto. E o de verdade, carne, osso e barba num road movie promocional esquisitíssimo. Inflado, fica insuflando. Sobe na tribuna, pega um microfone e logo vem brandindo alguma ameaça feita em voz grossa, alta e rouca, de quem se faz de mouco e não ouve a voz das ruas. Não vê que a coisa não está de brincadeira, que não é hora de marketing eleitoral populista. Quanto mais as pessoas olham a cara dele, com mais raiva vão ficando.
Para nos deixar mais boquiabertos ainda com tanta coisa acontecendo e desacontecendo, como se não bastasse os personagens em ação, esses dias teve o outro ex-do-passado-distante-e-longínquo-que-adoraríamos-ver-enterrado que ressuscitou, no palco do teatro do absurdo onde apresentou um monólogo com direito a todas as caretas que deve ter treinado à exaustão antes na frente do espelho. Ninguém merece. Os palavrões que disse fizeram a sessão ser proibida para menores de idade que não podem ver filmes de terror e sangue injetado nos olhos.
Acompanhar a política nacional nos últimos tempos virou mesmo um exaustivo exercício de paciência e de vergonha alheia - expressão que agora entendo mais do que nunca, em sua exatidão e plenitude impressionante do que é a capacidade humana de sempre nos surpreender e decepcionar. Ora é a presidente saudando a mandioca e dobrando a meta imaginária, o seu zero particular. Ora é um boquirroto que na verdade está mesmo tentando só salvar a sua própria pele - viu que o caldo está entornando - para tentar retomar glorioso daqui a alguns anos, assobiando e repetindo que não sabia, que errou, mas que isso não se repetirá.
Aí alguém lá em cima tem alguma ideia que acha de gênio e resolve soltá-la em balões: as da vez foram criar mais um imposto com nome pomposo e disfarce, além do corte dos longos cabelos da Esplanada dos Ministérios, mas só dez dedinhos; nada de navalhadas radicais. Daí? Daí nada. O imposto morreu, ainda bem, sufocado pela gritaria. E os cabelos? Ah, os cabelos continuam os mesmos - o que mudará será a voz.
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E sem oposição também. Por falar em vergonha alheia, com a oposição que temos quem precisa de governo? Eles próprios se exterminam entre si, ou caindo do muro na lama, pelo lado errado, ou equilibrando-se em cima dele e rezando pela cartilha de algum profissional da fé e fiscal de costumes, mais sujos do que outro pau, o pau-de-galinheiro.
É uma novela. Acaba uma, começa a outra. Um novelo a desenrolar, e cada mês que passa - e estão passando - se torna mais surpreendente seu roteiro, seus vai-e-vem. Nossa própria resiliência e resignação.
Somos todos Chico.
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