terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Brasil do futuro


Método de Bolsonaro consolida 'manicômiocracia'

A corrida presidencial de 2018 deixou uma má impressão. Mas a maioria do eleitorado fez vista grossa, no pressuposto de que campanha eleitoral é assim mesmo —um período em que alguns loucos recebem uma licença legal e dinheiro público para apresentar suas credenciais para dirigir o hospício. O que não se imaginava é que Jair Bolsonaro, depois de prevalecer sobre a insanidade alheia, transformaria rapidamente o seu governo numa espécie de centro terapêutico para tratar o presidente da República de sua esquizofrenia.

O processo de carbonização de Gustavo Bebianno, um ex-coordenador de campanha que Bolsonaro alojou num dos gabinetes ministeriais do Planalto, revelou que o presidente saltou do leito do Albert Einstein para o divã. Bolsonaro exibe um comportamento que oscila entre o maníaco e o depressivo.

Na semana passada, antes de deixar o hospital, Bolsonaro gravou entrevista para a TV chamando o ex-amigo Bebianno de mentiroso e anunciando que colocara a Polícia Federal no encalço dele. Até os amigos e auxiliares que o aguardavam em Brasília acharam que Bolsonaro agiu como um maníaco, capaz de fazer oposição a si mesmo. Seguiu-se um vaivém protagonizado por um presidente depressivo, com dificuldades para resolver a crise que ele mesmo fabricou. Às vésperas do final de semana, mandou dizer que já assinara a demissão do ministro. Mas o Diário Oficial circula na segunda-feira sem a exoneração de um Bebianno que foi mantido nas manchetes em estado crônico de demissão por quase uma semana.

O Brasil não merecia semelhante castigo. Depois de suportar a "esquizogovernança" de Dilma, de encarar a clepto-análise de grupo de Temer e de descer ao manicômio prisional em que Lula se finge de preso político, o país terá de aturar mais uma presidência de miolo mole. Às vésperas da chegada do pacote anticrime e da reforma da Previdência no Congresso, Bolsonaro desperdiça energias com uma demissão que seria resolvida com os poucos segundos necessários para acomodar uma assinatura numa folha de papel. O nome disso é caos. Considerando-se que o governo mal começou, não resta ao brasileiro senão "jair se acostumando" com a manicômiocracia.

Aprendendo a jogar no início do governo

Chegamos à metade dos tais cem dias de lua de mel do governo. Teve de tudo : Davos, caso Queiroz/Flávio, cirurgia, Brumadinho, pacote penal, circo no Senado, incêndio no CT do Flamengo, laranjal no PSL desmentido, fritura. E o país, como na canção: vivendo e aprendendo a jogar.


Estamos todos aprendizes. Eles, a governar. Nós, a sermos governados por algo diferente. Com a perspectiva de um Estado menor. Um ministério com menos sindicalistas e mais militares. Situando-nos em outro mapa. Alguns, a desconfiar que talvez exista um caminho liberal, diverso do ideal socialista da esquerda e do autoritarismo da direita. Talvez, abandonar rótulos e ofensas da história recente e reconhecer que andamos chamando o centro de direita, que FH é diferente de Bolsonaro, Tony Blair não era Thatcher, Clinton não era Trump, Macron não é Le Pen. E, a partir daí, examinar o que estamos vivendo.

Por um lado, há recuos sensatos. Declarações atabalhoadas dão espaço a teleprompter e porta-voz. Já o Twitter…

Nas relações exteriores, a realidade mostra os riscos de bravatas. A ambiguidade em relação à intervenção militar na Venezuela periga ter consequências nefastas. Restrições árabes às exportações brasileiras ensinam a ir devagar com o andor a caminho de Jerusalém.

Por aqui, Brumadinho e os efeitos do temporal no Rio provam que cuidado com meio ambiente é coisa séria, vai muito além de retórica ou indústria de multa. Também a tragédia no Ninho do Urubu reforça o dever e a responsabilidade de prevenção, manutenção, fiscalização .

Num governo com reduzida base de apoio no Congresso, as redes sociais entram em campo. Senadores fotografam e postam seus votos — que o STF, cumprindo a lei derretida, determinara que fossem secretos. Dão uma surra nos velhos caciques. Algo diferente de ganhar no grito e na manobra.

Aprende-se na marra. Com direito a reviravoltas nascidas de palpites do que está sendo chamado de núcleo biruta. Indo para onde?

Que outras batatas estarão assando nesse forno?

Jair: os Bolsonaro, Moro e a Previdência

Bolsonaro vai a reboque da onda que o trouxe até aqui. O presidente é um híbrido com muito mais tempo de vida dentro do que fora da privilegiatura. Não decidiu ainda nem de que lado da mesa da negociação da Previdência quer se sentar.

Diziam que o dr. Ulysses, “pai” da “Constituição dos Miseráveis”, esta que fez de nós os próprios, era capaz de inverter 180º o sentido do seu discurso entre o início e o fim da mesma frase sem mudar de cara, tal era o seu faro para antecipar o que a plateia queria ouvir. Esse medo do que as redes sociais e suas “fake news” podem fazer com a cabeça do povo é bobagem. Perigo mesmo é o que elas permitem que o povo faça com a cabeça dos demagogos ao dar-lhes acesso à sua intimidade. O salto pode ser das mesmas proporções que permitiram que facebook’s e google’s montassem negócios de mais de US$ 1 trilhão espionando a vontade dos consumidores.

As redes foram decisivas para levar o presidente até a embocadura da rampa. E é ao filho problema da vez que se atribui a glória de te-lo feito. Mas desde então os Bolsonaro – Jair inclusive – têm se mostrado o que há de pior no governo Bolsonaro. Ja se comemorou como a melhor qualidade do presidente o desprendimento com que voltou atras de alguns dos seus erros. O problema é que ele tem voltado atras também dos acertos, especialmente os que diziam respeito “aos meninos”. É verdade que entre entradas e saídas de hospitais o governo só começou 5a feira passada. Mas vai tão solta a rédea que só dá para pensar positivamente na família lembrando-se da alternativa que havia e rezando para que os velhos generais do “poder moderador” consigam, de alguma forma, conter esse desembesto.



Foi o Brasil quem virou a mesa do lulismo. Os supostos liderados andam adiante do pretenso líder. Só que sem saber exatamente pra onde pois, sofrido o bastante para repudiar o que está aí, o brasileiro não tem a menor idéia sobre os modernos arranjos institucionais capazes de arranca-lo à servidão em que nasceram e morreram todas as gerações verde-e-amarelas pois a censura à exposição dessas alternativas é a obra mais exitosa de todos os colonizadores passados e presentes da ralé que sustenta a corte.

A novela do cacife com que sua excelência se dispôs a permitir que Paulo Guedes entre no jogo da reforma da previdência contra a privilegiatura entrincheirada no Legislativo, no Judiciário, no Ministério Publico e no Executivo diz tudo. Com a aposta inicial rebaixada pelo chefe do alto dos seus 58 milhões de votos, as feras que andavam com a boca seca até diante de um governo sem voto algum, voltaram a salivar grosso.

E no entanto, na questão da previdência, assim como na das mudanças para conter o crime organizado com ou sem mandato, não existe qualquer sombra da mais leve dúvida. O dinheiro é um só e não é o estado que o produz. Tudo que ele sabe fazer com esse material é transferi-lo de uns bolsos para outros. E no Brasil esse trafego se tem dado numa contra-mão tão obscena que o assunto passou a ser tratado como o segredo de Fátima, aquele que não pode ser revelado sem que a igreja desmorone. Ninguém fala nos números exatos, nem do dinheiro que cada marajá embolsa, nem das mordomias em que se lambuzam pornograficamente, mas a carga de impostos que tudo isso custa está tão alem do limite que permite ao país competir por empregos na arena global sem a certeza de perder que o problema já não são só os 30 milhões de desempregados e sub-empregados de hoje, é o sinal errado fazer a boiada estourar e não sobrar nenhum.

Cada minuto a mais que os empregados do estado mais regiamente pagos do planeta, ricos o bastante para pagar saúde, educação e segurança privadas da melhor que há, conseguirem esticar os seus privilégios custará uma escola, um remédio, um policial a menos para os brasileiros mais deseducados, mais doentes e mais expostos ao crime do favelão nacional que não terão dinheiro para se aposentar nunca enquanto isso continuar assim. E a nossa montanha anual de cadáveres está aí para provar que não ha assalto a mão armada de pistola que mate mais que esse arrastão permanente a mão armada de lei.

Quanto à suposta “impopularidade” da reforma aqui fora, a verdade é a seguinte. Quem consegue escapar do tiroteio, que é o urro da miséria dizendo a Brasilia a que extremo ela chegou, já vive mais de 80 anos hoje. E na velocidade com que a medicina avança quem está começando a trabalhar agora vai viver bem mais de 100. Quanto mais cedo se aposentarem os privilegiados de uma sociedade que tem, toda ela, a mesma expectativa de vida, mulheres um pouco mais, para mais tarde os preteridos terão de adiar a sua porque cada tostão que alguém levar a mais que a média será surrupiado de quem ficar com o que sobrar.

Não existe um único brasileiro que não saiba disso. Sai pra lá, portanto, com essa conversinha de pedir mais tempo ou querer dar mole pra este ou aquele grupo. Ouvi-la da boca de quem tem privilégios – e toda a família Bolsonaro tem – ofende tanto a quem se solicita que aguente mais um pouco de miséria pra que eles tenham de abrir mão de um pouco menos do luxo pelo qual não pagaram que a parcela menos poluída deste governo, não só a que foi importada do país real mas também a que nunca saiu da caserna, sentiu o rubor na face e mostrou vergonha na cara. Mas a turma de Brasília, aí incluídos os paladinos da justiça com bons serviços prestados na outra luta desta nação, permanece muda como se não fosse com eles.

Tuítem o que tuitarem os Bolsonaro e passe as leis que passar o ministro Moro, o que for feito agora na previdência é que vai determinar que quantidade de desgraças o estancamento da hemorragia fiscal poderá evitar para esta e para as próximas gerações de brasileiros. Não dá para não fazer o que é preciso fazer já e encarar o Brasil de frente. Aliás, deixemos isso de consciência para quem vier a provar que tem uma: não dá para não fazer o que é preciso fazer já e esperar que cesse a guerra do Brasil.

Imagem do Dia


Demissão de Bebianno não será a última decepção de eleitores com Bolsonaro

A demissão de Gustavo Bebianno não é a primeira nem será a última decepção que eleitores de Bolsonaro terão com o presidente. Foi sempre assim no passado, e haverá de ser assim no futuro, com outros mandatários. O cacife de um presidente começa a ser corroído no dia seguinte à sua vitória e se acelera depois da posse. Talvez com a exceção de Lula, todos os demais presidentes brasileiros saíram do governo menores do que entraram.

No caso de Bolsonaro, o que chama mais atenção é a velocidade de cruzeiro que este desgaste tomou imediatamente depois da decolagem. Não que Bebianno fosse um ícone para o governo. Nada disso. Mas a sua saída, no topo de um escândalo de laranjas usados para desviar dinheiro público destinado ao partido do presidente, foi exatamente o que mais Bolsonaro atacou na campanha. A intromissão do filho do ministro em assunto que deveria ser de Estado, de governo e, no máximo, de Justiça, também representa um desgaste desnecessário.

A avalanche de más notícias neste início de governo, a começar com o escândalo do outro filho, parece ter surpreendido os brasileiros. Aquele vendaval de mensagens em redes sociais que protegiam Jair Bolsonaro durante a campanha não se vê agora. Ainda estão por aí muitos dos que defendem intransigentemente o presidente e atacam todos os que ousam criticá-lo. Mas são poucos, a maioria está quieta, esperando para ver até onde a coisa irá.

Imagino que estão torcendo silenciosamente para que Bolsonaro consiga enfim começar a governar sem sobressaltos. A vantagem do presidente nesse momento é que as questões substantivas ainda serão discutidas. A maior delas, a reforma da Previdência, pode dar a Bolsonaro chance de se recolocar diante dos brasileiros.

Emenda permite que militares reformados sejam nomeados para cargos civis

Há uma importante emenda, colocada no projeto de reforma previdenciária que quarta-feira será entregue ao presidente Bolsonaro para ele decidir qual o texto que escolherá a ser enviado como mensagem ao Congresso. Segundo os repórteres Idiana Tomazelli e Felipe Frazão, essa emenda foi incluída na proposição elaborada pela equipe do ministro Paulo Guedes para permitir que militares da reserva possam ter acesso ao serviço público federal.
Não se trata de nomeação para cargos comissionados, uma vez que tal acesso é assegurado pela legislação. Trata-se de acesso a cargos de carreira. Ou seja dar possibilidade de que voltem ao exercício efetivo no funcionalismo federal.
Se fosse a reconvocação do reformado para funções militares, a lei encontra-se em vigor desde 1956. Os movimentos político-militares de 11 e 21 de novembro de 1955 para garantir a posse de JK na presidência da República, só se tornaram possíveis com a liderança dos Generais Teixeira Lott e Odilio Denys. Formaram a sólida base militar que garantiu o governo eleito pelas urnas. Acontece que o general Lott foi nomeado Ministro do Exército, enquanto o general Denys, comandante do 1º Exercito cairia na reforma, pois tinha 65 anos de idade.

Então para solucionar o impasse e manter sólida a base de JK, a solução foi enviar um projeto de lei ao Congresso possibilitando que o presidente da República pudesse reconvocar para o serviço ativo militares que foram transferidos para a reserva. O Congresso aprovou o projeto e JK o transformou em lei.
Agora o objetivo é que integrantes das Forças Armadas não só possam ser convocados para o universo militar como nomeados para o serviço público civil. Com isso, como é natural e lógico, acumularão os vencimentos da reforma adicionando-os à remuneração do cargo civil. Abre-se assim uma nova perspectiva em torno dos quadros do funcionalismo público. A ideia é preencher vagas existentes, uma vez que os concursos públicos encontram-se suspensos.

Pode se estranhar a adoção de tal caminho, mas no entanto ele leva a uma outra conclusão. Já que os militares poderão, mesmo reformados, ingressar no serviço público, nada mais lógico do que assegurar que idêntica solução possa ser estendida também aos próprios funcionários civis. Já que no caso de convocação dos aposentados, da mesma forma que os militares os servidores civis podem receber suas aposentadorias somando-as a remuneração decorrente também de uma convocação até agora impossível pela lei mas que tornar-se-á possível com base no exemplo da emenda adicionada à reforma da Previdência.

Nada como uma pressão, aliás legítima, para que o direito seja igual para todos.

Problemas são bem maiores


Caso Bebianno tem mais problemas que a questão dos laranjas
 Hamilton Mourão, vice-presidente

Os fantasmas que podem derrubar Bolsonaro

Começam a se perguntar no exterior quem manda no Brasil e quanto durará o presidente Bolsonaro. A resposta poderia ser: governam muitos e ninguém. É que o capitão reformado Jair Bolsonaro, de extrema direita, eleito com 57 milhões de votos, praticamente ainda não começou a governar. Há quem governe por ele ou contra ele. Quanto isso durará é algo que saberemos logo. Decidirá o Congresso, aprovando ou descartando suas grandes reforma, da Previdenciária à da luta contra a violência. Se naufragarem, o Governo acaba. E o Brasil vai à bancarrota. Se bem sucedido, o Governo segue o seu destino pelos próximos quatro anos.

Tudo isso porque o sangrento atentado que sofreu durante a campanha e que o afastou do poder fez que o novo presidente chegasse tarde ao Planalto. São muitos os que já haviam se apropriado do governo. Ao mesmo tempo, Bolsonaro se vê açoitado por uma manada de fantasmas que não lhe dão sossego. Fantasmas que foram, alguns deles, crescendo no seio de sua própria família.


O que levou o sociólogo Celso Rocha de Barros, da Universidade de Oxford, a prognosticar na Folha de S.Paulo que, se não forem diluídos esses fantasmas que criaram “um cenário de inferno”, a presidência de Bolsonaro “poderia não chegar nem ao Carnaval”. Até quando o Brasil poderá continuar aparentemente sem leme e sem saber ao certo quem está tomando decisões à sombra? Manda o presidente ou mandam seus filhos? Mandam os militares que ele levou para o Governo?

Carlos Bolsonaro, filho do meio entre os três herdeiros do presidente do primeiro casamento — todos os três com mandato popular —, já tinha insinuado que quem deseja a morte física ou política de seu pai não são somente seus inimigos, mas também pessoas próximas a ele. Pensou-se em seu vice, o general Hamilton Mourão, que na verdade está virando o eixo da balança e o apagador de incêndios, e que não pode ser demitido porque foi sacramentado nas urnas junto com o presidente. Se no passado os vice-presidentes eram jarras de enfeite no poder, desta vez o vice aparece como quem toma decisões, desfaz confusões e aconselha prudência. Assim, começa a angariar a simpatia popular. Afinal de contas, num Governo com quase 50 militares, o vice é um general, e o presidente um capitão que, além disso, foi afastado do Exército, ainda jovem, por indisciplina.

Manda, aparentemente à sombra, o vice-presidente. Mandam os dois ministros mais importantes, o da Economia, Paulo Guedes, e o da Justiça, Sergio Moro. Ambos deveriam representar o símbolo da revolução bolsonarista, o relançamento da economia em chave liberal e a luta contra a corrupção política para deixar a velha política para trás. Hoje, entretanto, poderiam acabar também eles arrolados pelos fantasmas do presidente.

Mandam, embora por enquanto apenas à sombra, todos os outros militares dos quais Bolsonaro quis se cercar como proteção. Eles são a grande incógnita. Entraram na política por caminhos democráticos, sem golpes, mas são sempre militares, para quem a disciplina faz parte de sua idiossincrasia. Não permitirão que as coisas saiam de seu caminho. São a esperança para uns, e o temor de outros. Eles detestam as máfias. E manda também o clã familiar dos três filhos do presidente. Mandam tanto que essa intromissão deles nos momentos mais críticos da nova presidência é um dos temas mais analisados e que mais preocupação despertam no mundo político atual.

Alguns fantasmas com nomes e sobrenomes perseguem hoje Bolsonaro e colocam sua presidência em perigo. Eles formam uma rede que Fernando Gabeira descreveu como sendo de “rivalidades, tramas e ciúmes”. E poderiam acrescentar-se também traição e vinganças, ao estilo das máfias passadas e recentes.

Entre esses fantasmas estão o assassinato, ainda sem autores oficiais, de Marielle Franco, vereadora do Rio, ativista dos direitos humanos, negra, feminista, favelada e com futuro político. Adriano Magalhães, ex-policial procurado e desaparecido por possivelmente estar envolvido na morte de Marielle, teve a sua mãe e sua esposa trabalhando no gabinete do então deputado e hoje senador Flávio Bolsonaro, o filho mais velho do presidente, que inclusive o condecorou.

Há também o fantasma de outro ex-policial, Fabrício Queiroz, ex-motorista de Flavio e amigo de longa data de Jair Bolsonaro, que teve uma movimentação milionária flagrada pelo COAF, e a quem a polícia não consegue interrogar. Queiroz é também um velho amigo de Magalhães.

E há o misterioso autor do atentado contra Bolsonaro, que em plena campanha eleitoral atravessou seu ventre com uma faca e o colocou à beira da morte, Adélio Bispo de Oliveira, sobre cuja identidade e passado pairam um grande mistério, assim como sobre os famosos advogados que o defendem sem que se saiba quem os paga. Tudo é tão misterioso que há até quem afirme ainda hoje que não houve atentado nenhum, nem agressor, nem faca. Seria tudo uma montagem para vitimizar o candidato.

E agora somou-se a esses fantasmas o último e mais misterioso, o de seu agora ex-ministro da Secretária da Presidência da República, Gustavo Bebianno, que havia sido o personagem-chave da eleição de Bolsonaro e seu advogado pessoal, e que preside o partido que o acolheu como candidato, o PSL. Acusado de corrupção e possível detentor de muitos segredos sobre Bolsonaro e sua família, Bebianno foi praticamente demitido através das redes pelo filho político mais novo de Bolsonaro, o vereador Carlos, que o acusou de mentir, criando a primeira crise real do novo Governo. Nesta segunda, o porta-voz do Governo Bolsonaro, Otávio de Rego Barros, confirmou sua exoneração, decidida por razão de “foro íntimo” do presidente, segundo Barros.

Estamos desta vez frente ao pior dos fantasmas que podiam aparecer no cenário do novo presidente. As mensagens enigmáticas enviadas pela imprensa e pelas redes sociais por parte de Bebianno, o novo fantasma de Bolsonaro, lembram as ordens das velhas máfias, com suas advertências, avisos e ameaças. Porque há traições que em algumas esferas não são permitidas e acabam sendo duramente castigadas.

Como correspondente na Itália deste jornal, pude ter, em Palermo, capital da Sicília, uma longa conversa com o então juiz-estrela do combate à máfia, Giovanni Falcone, que tinha levado à prisão e julgamento quase 400 membros da temível organização criminal siciliana. Foi um processo que estremeceu a Itália. O juiz vivia blindado. A porta de seu escritório só podia ser aberta por dentro por ele mesmo. Contou-me como a máfia trabalhava, com seus ritos sumários. Quando saímos da entrevista, descemos pelas amplas escadas com quatro policiais de cada lado com as pistolas à mostra. Na rua, esperavam-no seis carros pretos, todos iguais, com as sirenes ligadas. Antes de entrar num deles, aleatoriamente, disse-me ao se despedir: “Tudo isto não serve para nada. Quando quiserem me matar me matarão”. Foi o que aconteceu quando havia deixado de ser juiz para ir trabalhar no Ministério da Justiça, a fim de contribuir para alterar a legislação penal contra os mafiosos e contra a corrupção política. Fizeram voar pelos ares o carro que num fim de semana levava o ex-juiz e sua esposa do aeroporto de Palermo para sua casa.

Mas por que eu quis recordar esse caso jornalístico? Porque o que começa a se refletir na nova era política no Brasil às vezes se parece muito com o que ocorreu na Itália, depois que a máfia governava junto com o poder político e até decidia nas urnas. Foi quando a operação Mani Pulite, a Lava Jato da época, acabou com a velha política e levou o líder socialista e ex-premiê Bettino Craxi ao exílio, sendo sucedido por Silvio Berlusconi, empresário liberal e conservador, também ele acusado de corrupção.

E hoje? A Itália, com a esquerda encurralada, faz parte desse espasmo da extrema direita autoritária europeia que começa a preocupar quem continua apostando em governos democráticos empenhados na defesa das liberdades e dos diferentes, com ênfase nos novos pobres do mundo. O que não significa que só a esquerda seja capaz disso. Não o são, certamente, as máfias e seus jogos de fantasmas, os interesses ocultos, a política que não possa ser feita à luz do sol e que prospera por baixo do pano das pequenas ou grandes cumplicidades de tipo mafioso, das “rivalidades, tramas e ciúmes” que Gabeira critica. E também das possíveis traições e vinganças. Será possível governar assim?