segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Se guardando para quando o Carnaval acabar

No norte do planeta, a noticia do Carnaval chega de repente. Normalmente quando um amigo ou parente avisa que é feriado no Brasil. Aí a gente se dè conta que, nos trópicos, o ano talvez comece na 4ª Feira seguinte. Mesmo assim, por aqui os tambores não esquentam e os terreiros continuam escuros.

Não é culpa dos gringos. A imprensa, de fato, ignora a festa. Mas isso é tudo o que se poderia esperar dado nosso esforço continuado em direção ao isolamento ou irrelevância. Tanto fizemos, que o (autoproclamado) maior espetáculo da terra passa desapercebido fora das fronteiras tropicais.

Sem problemas. Carnaval não é mesmo para qualquer um. Requer um comportamento especial. É melhor mesmo ser alegre do que triste. Embora no Carnaval, nunca é muito claro onde termina o efeito do álcool e onde começa a felicidade.


Nestes tempos em que boas notícias não são novas, embora infinitas, jamais são boas, é admirável a capacidade de uma nação de suspender seus problemas por quase uma semana para se entregar a uma festa. É fenômeno misterioso mesmo.

Misterioso, mas admirável. Enquanto isso, os navios vão abandonando os ratos que naufragam. Nada que valha a pena prestar atenção ou não possa esperar até a 4ª feira. Ou melhor, a 5ª Feira, porque ninguém é de ferro. Ou mesmo a semana seguinte se tiver a sorte de pertencer as castas privilegiadas ao qual o Estado agora (ou nem tão agora) pertence.

Criticar felicidade alheia não é nem prudente e muito menos de bom gosto. Além de, em tempos de mídia social, é até arriscado. Resta a quem não sai para o Carnaval, apenas esperar. Quem vê gente parada, distante, garante que eles não sabem sambar. Estão se guardando para quando o carnaval acabar.

Torcem para que o ano realmente recomece daqui a pouco. Quem sabe. No país admirado por Deus, o ano só começa se quando golpes de abdômen não empurram decisões importantes para depois da semana santa.

Resta, portanto, esperar. E aproveitar a felicidade efêmera (mesmo que alheia) com alegria. Afinal, se um dia a gente vai rir disso tudo, porque não começamos agora?

Elton Simões 

Gente fora do mapa

@ Sebastião Salgado
Sebastião Salgado

Preservar o direito, ampliar transparência, defender a democracia

Há meio século atrás, no anfiteatro da Faculdade de Direito de Lisboa, Marcelo Caetano ensinava que um processo podia ser anulado por simples “vício de forma”. Na rebeldia ignorante dos meus verdes anos, todo eu me insurgia: como era possível – interrogava-me, indignado – que a forma fosse mais importante que o fundo da questão?! Na altura, isso parecia-me um pretexto da ditadura para, por essa via, proteger interesses inconfessáveis.

Cinquenta anos volvidos, assistindo a numerosos casos, em Portugal e no Brasil, em que procuradores e juízes invocam o fundo moral das questões para justificar o desrespeito por normas secularmente consagradas destinadas a garantir os direitos da defesa, a minha preocupação é a inversa: como é possível que, em plena democracia, juízes e procuradores se arvorem – com a ajuda dos media – em justiceiros e acabem até, nalguns casos, por se transformar em instrumento ao serviço de objetivos políticos, como se a justiça fosse a continuação da política por outros meios?

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As corregedorias internas ou os conselhos superiores das magistraturas oferecem uma primeira via de recurso. Mas sendo eles de natureza predominantemente corporativa, é pouco provável que venham a decidir contra os seus pares. Se o círculo se fecha, onde está a saída?

Em artigo publicado esta semana no semanário Expresso, o jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares propõe pôr termo à independência e autonomia funcional do Ministério Público, reforçando a cadeia hierárquica de subordinação face a um PGR politicamente responsável perante o governo.

Com todo o respeito pela opinião do meu amigo e ex-colega de Direito e profissão, fazer isso seria um retrocesso. O caso do Brasil está aí para o provar. Enquanto o Ministério Público Federal não obteve – com a Constituição de 1988 – a autonomia de que hoje desfruta, muitos casos de crime comum e corrupção não chegavam sequer a ser investigados.

Uma autonomia – note-se – ainda assim limitada, uma vez que o chefe do executivo federal manteve o poder discricionário de escolher o Procurador Geral da República. Mas que (suprema ironia!) aumentou com Lula, quando este aceitou passar a fazer a escolha a partir da lista tríplice apresentada pelos próprios procuradores.

Então, como evitar ou limitar os excessos a que vimos, infelizmente, assistindo?

Se proibições não resolvem, a solução óbvia é aumentar a transparência e a participação da sociedade civil. Por exemplo, abrindo as sessões das corregedorias e/ou dos organismos reguladores e fiscalizadores a organizações da sociedade civil como a Ordem dos Advogados, reforçando e ampliando simultaneamente as possibilidades de recurso. Só isso nos pode defender das fake news, dos fake process e das fake sentences.

Em democracia não me parece haver outra alternativa. Na certeza, porém, de que sem o respeito pelas normas consagradas que garantem – desde a Grécia! – os direitos e liberdades dos cidadãos face aos abusos e arbítrio do poder, é a própria democracia que está em perigo.

Inaceitável, por exemplo, que juízes e/ou procuradores se pronunciem publicamente antes do exame das causas, alimentando campanhas de imprensa em que o resultado já está adquirido antes mesmo do julgamento. Ou que, já em juízo, o magistrado não observe a devida imparcialidade e em vez de “indiferente investigador da verdade” acaba por se “transformar em inimigo do réu” – como já no século XVII assinalava esse expoente do iluminismo penal que era César Beccaria.

Em política, Marcelo Caetano estava errado, mas quanto ao direito, tinha toda a razão – não há processo justo se a forma estiver viciada – os fins não justificam os meios e em caso de dúvida, pro reo.

Carlos Fino 

Vergonha zero


Eu acho muito pouco. É isso que você queria ouvir? Agora coloca lá: "O desembargador disse que é muito pouco"
Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças (TJ-SP), dono de mais de 60 imóveis em São Paulo que recebe o benefício

Cristiane Brasil vai acabar desmoralizando Deus

Roberto Jefferson chorou ao anunciar aos jornalistas que sua filha Cristiane Brasil seria nomeada ministra do Trabalho por Michel Temer. ''Estou com orgulho e surpreso”, disse na ocasião. “É emoção que me dá. É um resgate”, acrescentou. Nesta segunda-feira, indagou-se ao ex-presidiário do mensalão se não cogita desistir da indicação de sua herdeira, pendurada de ponta-cabeça nas manchetes há mais de um mês. E Jefferson: “Está nas mãos de Deus.”

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Citado nominalmente pelo cacique do PTB, Deus deveria ser convidado para prestar depoimento no Supremo Tribunal Federal, cuja presidente, Cármen Lúcia, expediu a mais recente das liminares que separaram Cristiane Brasil da poltrona de ministra. Não é justo que o Todo-Poderoso, que levou tantos anos para construir sua reputação, seja associado a um enredo tão desqualificado.

A despeito de tudo o que está na cara, o Planalto mantém a nomeação de Cristiane Brasil. A filha de Jefferson também não se deu por achada. Se ela conseguir ocupar o assento de ministra do Trabalho por cinco segundos, a boa fama do Altíssimo estará irremediavelmente comprometida. Restará demonstrado que Deus não existe. Ou, por outra, muitos serão levados a acreditar que Deus não merece existir.

É certo que a Suprema Corte brasileira já não desfruta de uma imagem imaculada. Mas ainda é o ponto do Judiciário mais próximo do Olimpo. Ouvido por Cármen Lúcia, Deus teria a oportunidade de esclarecer que está em toda parte. Mas, de maneira geral, é o Tinhoso quem controla a escolha de ministros da gestão de Michel Temer.

Símios aperfeiçoados

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É preciso viver em estado de prevenção. Não ir na enxurrada do coletivismo e morrer afogado num bairro econômico ou numa colônia balnear, resistir às pressões políticas mirabolantes, quer sejam de uma banda ou de outra, manter a condição do homem-artista em luta com o homem-massa foi sempre o que em mim se tornou claro desde que aos poucos tomei posse da minha personalidade. É fatal que se caminhe para a sanidade de vida das classes baixas, é humano que isso se faça, no entanto também é humano, mais talvez, que se lute desesperadamente para que a condição mais sagrada do homem evolua libertando-se das massas satisfeitas com a assistência médica, televisão e funeral pago. Essa massa vai criar um novo espírito animal, vai catalogar-se em Darwin e, convencidos que essa massa está feliz, constatamos ao fim de pouco tempo que esses grandes grupos de populações standardizadas deixaram de pensar e o seu sentir é apenas tatual, sem nada de sublimação em momentos mais íntimos. 

O mundo que pensa, do artista e do intelectual, tem de libertar-se do incômodo desses homens que trouxeram como contribuição para a humanidade uma ideia abstrata do coletivo em marcha, que passaram a emitir sons, como pequenas estações emissoras, que não precisam de se articular em palavras, bastando-lhes os gestos. Ao fim e ao cabo aqueles que julgaram ter contribuído para a evolução da humanidade, dessa massa informe, é com tristeza, se ainda forem vivos, que constatam o facto de terem criado mais uma categoria animal, símios aperfeiçoados, em substituição do processo normal e não aflitivo do homem que evolui gradualmente dentro da sua própria missão de homem.

Ruben A.

Imagem do Dia

The purpose of life is to live a purpose  Repost via @sun_gazing. Check her out for an inspiring daily spiritual journey. #sungazing ✨ // #femmehunting

Apodrece a reputação de Cristiane Brasil, e ninguém liga

Constrangimento? Nenhum para um presidente da República como Michel Temer, acostumado a passar por constrangimentos dia sim, e o outro também.

Se o ex-deputado Roberto Jefferson não se convencer, e nem convencer a filha de que ela deve renunciar à pretensão de assumir o Ministério do Trabalho, tudo continuará como está.


Ou seja: o ministério vago há 30 dias; a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) exposta a toda sorte de denúncia; e a posse dela barrada pela Justiça e sem data para ser reexaminada outra vez.

Jefferson não quer perder a chance de recuperar o prestígio que perdeu desde que foi cassado, condenado e preso por envolvimento no mensalão do PT. Ele já mandou em parte do governo. Quer voltar a mandar.

A duas semanas de a reforma da Previdência ser votada na Câmara dos Deputados, o presidente Michel Temer não pode dar-se ao luxo de perder um só voto do PTB de Jefferson, de partido algum.

Mesmo que não perca, a reforma tem tudo para ser empurrada com a barriga porque o governo carece do número de votos suficientes para aprová-la – 308 de um total possível de 513.

É isso que justifica a paralisia de Temer, embora ele saiba que a reforma irá para o brejo. Outro dia, em conversa com um ministro no banheiro do seu gabinete, Temer disse: “Sei que não vai dar, mas que posso fazer?”

De resto, mesmo sem reforma, Temer precisa da companhia do PTB de Jefferson se quiser tentar a reeleição. E – pasmem! – Temer quer. Quer muito. Não pensa em outra coisa. E não esconde.

Não porque imagine que se reelegerá – tarefa impossível. Mas para manter-se no centro do palco, defender seu legado e, no segundo turno, negociar seu apoio a um dos dois finalistas.

Vaidade, meu pecado favorito! O pecado favorito de Temer, Jefferson e Cristiane, mas não só.

Saber o certo

O país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo
Agustina Bessa-Luís

O teatro da imoralidade

Pena que a discussão sobre a reforma da Previdência enverede para questões menores, referentes às mais diversas formas de interesses particulares e partidários, quando está em questão o interesse coletivo. Perde-se a noção de bem maior, de bem público, como se os bens particulares devessem primar sobre o todo. São os privilégios defendidos com tanto afinco pelas corporações do Estado, como se eles se confundissem com o atendimento das demandas de seu estamento burocrático, seja no Executivo, no Legislativo, no Judiciário ou no Ministério Público. São também os interesses de políticos e partidos, que barganham suas demandas para a aprovação da reforma como se, de novo, o bem menor devesse ter primazia sobre o maior.

A palavra moralidade, em suas diferentes modalidades, com destaque para as moralidades administrativa e política, está recorrentemente em pauta. A sociedade luta por moralidade, assim como dizem fazer juízes e promotores. Acontece que cada setor tem uma acepção específica de moralidade que, bem examinada, talvez não resistisse ao teste de universalidade, de seu valor para todos os cidadãos.

Será que o atendimento de demandas das corporações pode ser qualificado como moral, embora se apresente sob o manto da moralidade pública? Não haveria uma máscara que deveria ser desvelada? Quando juízes e promotores, representados por suas instituições de classe, defendem seus privilégios, podem eles dizer que estão tendo uma atitude moral?

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Um exemplo atual, fora do escopo da reforma da Previdência, é bastante ilustrativo. Juízes e promotores, em suas várias instâncias, defendem o auxílio-moradia, superior a R$ 4 mil para cada indivíduo. Na origem, tal benefício era perfeitamente justificável, pois se destinava a juízes, juízas, promotores e promotoras que, para o exercício de suas funções, se haviam deslocado para outros municípios. Necessitavam de moradia nessa sua etapa de transição. Nada havia que agredisse a moralidade.

Ora, para o atendimento de demandas corporativas, esse benefício foi estendido a todos, independentemente de terem casa própria e de atuarem em seus próprios municípios. Como se não fosse suficiente, há casos de casais de juízes e promotores que ganham duas vezes o mesmo auxílio, vivendo sob o mesmo teto. Seus defensores vêm a público dizer que isso é legal. Pode até ser. Mas tal benefício é moral?

A situação torna-se ainda mais esdrúxula na medida em que são os mesmos juízes e promotores, beneficiários de tais privilégios claramente imorais, que enchem a boca para se declararem defensores da moralidade pública. Como assim? Pessoas que usufruem privilégios manifestamente imorais podem colocar-se na posição de representantes da ética? Não há aí flagrante contradição?

A situação torna-se ainda mais problemática por serem esses mesmos personagens, destinatários de benefícios imorais, que criticam e menosprezam a classe política por sua imoralidade. Há dois pesos e duas medidas. Os políticos não poderiam ser imorais pela atividade que exercem, enquanto juízes e promotores poderiam usufruir mais um privilégio, o da imoralidade, apesar de se exibirem como os representantes mesmos da moralidade.

O Estado foi, nessa perspectiva, capturado pelo estamento burocrático, embora essa captura se apresente sob a forma da moralidade e do bem público, apesar de seus agentes não deixarem de atuar sob a forma da imoralidade no atendimento de seus interesses particulares, seus privilégios, pondo o bem próprio acima do público. No Brasil, as corporações estatais passaram a atuar não no sentido de uma burocracia com vocação universal no sentido hegeliano do termo, mas ativa na consecução de seus interesses particulares, sob a forma de privilégios vedados à maioria da população. O que vale para uns não valeria para todos.

Gozam de uma espécie de direito exclusivo, que só é “direito” numa acepção muito peculiar, pois carente de qualquer universalidade, ao qual os cidadãos normais não têm nenhum acesso. “Direitos exclusivos” só impropriamente deveriam ser ditos direitos. Cria-se, assim, uma situação completamente anômala, pois o Estado, que deveria estar a serviço da sociedade e dos cidadãos, se põe a serviço de suas corporações, como se o interesse delas coincidisse com o interesse público. De fato, embora não de direito, o Estado é capturado por suas corporações, que lutam com afinco pela conservação e ampliação de seus privilégios.

É como se o Tesouro público devesse a elas subordinar-se, com essas corporações nem mais escondendo o seu interesse particular como um bem maior, embora façam campanhas e criem justificativas como se estivessem a serviço da comunidade. Há mesmo aí uma certa perda de pudor.

Logo, a captura do Estado traduz-se não apenas pela injustiça, ao tornar desiguais os membros das corporações em relação ao resto dos cidadãos, tornando uma quimera o conceito de igualdade de oportunidades e de direitos que o Estado deveria representar, como também produz graves consequências do ponto de vista do equilíbrio fiscal. Privilégios têm custos não apenas no aspecto moral e político, mas também econômico. É o Estado aprisionado, que passa a agir em dissonância com a sociedade, à qual deveria servir e representar.

E são esses interesses corporativos, estamentais, que se insurgem com tanta força contra a reforma da Previdência, encenando a defesa dos interesses coletivos, quando, na verdade, estão a defender seus interesses próprios. O bem das corporações coloca-se acima do bem público. Os que usufruem os maiores benefícios, os que têm para si uma fatia desproporcional dos recursos públicos, são os que se apresentam como os defensores do mesmo interesse público e da moralidade.

O teatro da imoralidade deveria ter limites.

Paisagem brasileira

ALBERTO MATTERA (1926) - Paisagem com rio, óleo seucatex, 50 x 65. Assinado no c.i.d.
Paisagem com rio (1925), Alberto Mattera

'Ordem e Progresso' desde que sigam nossas putarias

Uma língua diz muito sobre a cultura na qual ela está inserida. Os esquimós, dizem, têm 50 palavras para a neve, outros dizem que são 7, outros dizem que isso não passa de um mito linguístico, o que muito provavelmente é verdade, mas é muito chato quando alguém estraga seu exemplo com preciosismo linguístico.

Tenho a impressão de que nosso maior tesouro vocabular se concentra no ramo da corrupção. Tramoia, mamata, mutreta, maracutaia, trambique, propina, esquema, falcatrua, negociata, muamba, faz-me rir. A corrupção está pra gente como a neve pro esquimó.

O léxico, claro, não é estanque. Aumenta à medida que surgem novas e inusitadas maneiras de burlar a lei. Mensalão, Petrolão, Trensalão, Pixuleco, Propinoduto, Grande-Acordo-Nacional-Com-Supremo-Com-Tudo.


Sérgio Côrtes, secretário preso de Sérgio Cabral, teclou, da cadeia, para um empresário-parceiro: "Podemos passar um tempo na cadeia, mas nossas putarias têm que continuar". "Nossas-putarias" se destaca pela franqueza. Podia entrar na bandeira. Ordem e Progresso Desde que Continuem Nossas Putarias.

Essa semana surgiu uma expressão preciosa. Revelou-se, só agora, que o juiz Sergio Moro recebe, há anos, o famoso auxílio-moradia, mesmo já tendo moradia e já tendo um salário que beira os R$ 30 mil, fora os benefícios (em dezembro passa de R$ 100 mil).

Questionado, o juiz chamou o auxílio-moradia de "compensação" porque seu salário não pode ser reajustado por causa do teto constitucional.

A palavra "compensação" pra designar uma tramoia me fascinou porque mostra bem como pensa aquele que pratica uma contravenção: ele está sempre apenas resgatando o que lhe é de direito.

Sonego, mas pra compensar tanto imposto. Roubo, mas pra compensar o que me roubam. O tríplex, o helicóptero de cocaína, o apartamento cheio de caixas de dinheiro, a mala, o dinheiro na cueca, os 500 anos de vantagem indevida: tudo compensação.

Moro, claro, não é o único. Os três juízes do TRF-4 também recebem auxílio-moradia embora também possuam moradia, além do salário vultoso. Esse ano a gente deve gastar R$ 800 milhões só com o tal auxílio-moradia. Um dinheiro precioso num país em que tanta gente não tem onde morar.

Como é que esse povo dorme à noite? Pensando: "Não é corrupção, é compensação".

Por que então pagamos o auxílio, já que não é pra moradia? Moro assumiu, Fux também: pra que juízes ganhem mais do que é permitido por lei. Isso foi dito por agentes da lei.

Até quando essas putarias vão continuar?

Cidade da Inglaterra tem comida de graça para os moradores

Todmorden, na região de West Yorkshire
 Sonho de qualquer pessoa apaixonada pela vida saudável, os moradores da pequena cidade de Todmorden, localizada na região de West Yorkshire, Inglaterra, cultivam alimentos voluntariamente e que podem ser consumidos de graça por qualquer um.

Tudo começou com uma moradora chamada Pamela Warhurst, que em uma palestra com o professor Tim Lang, onde ele sugeriu que, para o bem do planeta, as pessoas deveriam começar a plantar mais comida, teve a grande ideia de começar uma horta comunitária. Pamela conversou com sua amiga Mary Clear, e as duas resolveram plantar alguns vegetais no jardim. Logo depois, colocaram uma placa escrito "sirva-se". 

Voluntários trabalhando em plantação em Todmorden
Não demorou muito para que a novidade se espalhasse na cidadezinha de apenas 17 mil habitantes. Logo as pessoas começaram a comentar e refletir sobre o assunto e novas plantações começaram a surgir em diferentes regiões. “Quando começamos, não tínhamos ideia de onde nossos sonhos iriam nos levar. Isso prova que qualquer pessoa com energia e paixão pode contribuir para um mundo melhor“, contou Mary ao Hypeness.

Atualmente, ao andar na cidade é possível notar que as hortas comunitárias estão presentes em diversos lugares: centros de saúde, escolas, casas e até em estações policiais.

O projeto, batizado de Incredible Edible Todmorden, ou em português “Incrivelmente Comestível Todmorden“, não tem como objetivo apenas distribuir comida gratuitamente, mas, sim, fazer com que as pessoas pensem, se questionem e queiram fazer parte disso também. 

Mais uma curva fechada

Minha amiga me disse que, sentada no metrô, enquanto se deslocava do trabalho para a livraria, onde afinal nos encontramos, observou que as pessoas estavam tristes. Reforçou: “As pessoas estão tristes até a raiz.” Mesmo o Chico Buarque, a quem assistira uns dias antes, lhe pareceu abatido, sem energia.

Sei que estamos sob pressão e a um passo de jogar a toalha e dizer: não dá mais. O sinal está fechado para nós, que não somos nem tão jovens assim, quiçá para os jovens. Ah, Belchior, você não teve tempo de presenciar nossa deblace. Só nós assistimos a sua derrota de homem triturado pela máquina, isso que se vê todos os dias e nos leva a dar de ombros e seguir adiante.


A queda coletiva está acontecendo e não parece ser a soma das individuais. É um processo. Adoniran Barbosa viu situação semelhante a isso, miúda, é verdade, no desmanche do Bexiga, no ocaso do seu mundo. Ecoa agora o que o Sargento Oliveira, de “Um samba no Bexiga”, fala, com intenção de acalmar as pessoas: “Num tem importância / Foi chamada as ambulância / Carma pessoal / A situação aqui está muito cínica / Os mais pior vai pras Clínica.” A dimensão das “tragédias” tem distintas implicações: no fracasso de um país Brasil, não há clínica que suporte tantos e tantas que precisam de socorro. Não haverá toque de silêncio em cornetas ou bumbos, simplesmente chegará o fim.

Eu e minha amiga fomos ouvir o papo de Rogério Reis, o fotógrafo responsável pela foto que serviu de modelo à estátua de Carlos Drummond de Andrade em Copacabana. A história do encontro dos dois é ótima. Antes da foto emblemática, Rogério fez outras, também muito conhecidas: Drummond, com um livro indecifrável na mão, ora está sentado, ora levemente deitado num tapete persa do chão de sua casa. Rogério tinha uns vinte anos nas duas oportunidades que teve de fazer as fotografias. Alguém na plateia comentou que, para tirar fotos como aquelas, o fotógrafo deveria ter uma grande empatia com o fotografado, rara capacidade principalmente em um jovem. Verdade. Que moleque era aquele e que poeta — um velho que completava oitenta anos — era aquele?

Falo da década de 1980. O Brasil também capotava na curva, mas conseguimos um alívio, desse modo torto com o qual historicamente avançamos. E Drummond estava vivo. E Rogério, hoje com sessenta anos, um pouco mais, um pouco menos, apostava todas as suas fichas na vida que mal começava. Apostávamos nossas fichas, eis a diferença para os dias atuais. Reunimos um milhão de pessoas em várias praças para ouvir um palanque com oligarcas, democratas históricos e exilados recém-chegados levantando as mesmas bandeiras. Alguma coisa nos unia. Hoje mais nada.

Uns querem a mão dura para enquadrar os meninos levados e as meninas levadas que nos tornamos aos olhos reacionários. Solução infantil, que não encontra adeptos nem na psicologia mais velha e/ou velhaca. Outros acreditam que o erro foi só do lado de lá, que há um homem bom capaz de dar jeito em tudo. Não, não há um homem bom. Ou por outra: não há um homem bom para além do que eu e você possamos ser.

Esse caso do apartamento no Guarujá, a um leigo feito eu, parece pouco substantivo, difícil de, a partir dele, levar uma pessoa à condenação. Apesar disso, Lula tem culpa pela conjuntura esfacelada. Tem sim. Culpa política. Não só ele, diga-se, e nomeiem-se mais alguns: Fernando Henrique e Aécio, um MDB de cabo a rabo e mais inúmeros entre políticos anões e religiosos devotos do cifrão. Conseguiram, em certos momentos com mérito, levar o carro para além da curva. Seguros de si, trocando a direção uns com os outros, pisaram fundo no acelerador logo em seguida. Estamos de novo no meio de outra curva. Os pneus são os mesmos de quarenta anos atrás, e o farol está queimado. A direção está e estará nas mãos de um político, e é bom que seja assim, apesar dos pesares. Os passageiros, que já tememos a velocidade, agarramo-nos à mão do destino. Somos bois abatidos, que ainda mugem (baixo).

A situação está cínica. Cínica e meia.