segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Todos reféns

Antonio Palocci está para Luiz Inácio Lula da Silva como Geddel Vieira Lima e Rocha Loures estão para Michel Temer, Marcelo Miller para Rodrigo Janot e Ricardo Saud para os irmãos Batista - Joesley e Wesley.

O que eles disserem à Justiça poderá, no extremo, virar o país pelo avesso, ou na melhor das hipóteses apenas aumentar a octanagem da crise política que se arrasta desde o final de 2014.

Em conversa na semana passada com a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, observou com ar grave sobre o que o futuro possa reservar ao país: “Daqui para as eleições de 2018 se passarão 100 anos”.


É tempo suficiente para que aconteça tudo ou nada. Ninguém é senhor da crise.

Lula tinha um problema para ser candidato à vaga de Temer: o risco de a segunda instância da Justiça confirmar a sentença de Sérgio Moro que o condenou a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Passou a ter dois problemas desde que Palocci o apontou como chefe de organização criminosa. Ao jurídico juntou-se o entrave político. Combinação indigesta.

Lula lançou-se candidato para tirar proveito político da situação e abortar o fim do PT. Uma vez confirmada a sentença de Moro, ficaria para sempre como um injustiçado aos olhos dos seus devotos incondicionais.

Mesmo encarcerado, não perderia a condição de grande eleitor do próximo presidente. O furacão Palocci acabou com os planos de Lula. A delação deverá soterrá-lo.

A segunda denúncia de Janot contra Temer terá o mesmo destino da primeira – o arquivo da Câmara. Rocha Loures, o homem da mala com R$ 500 mil, está sob controle.

O que apavora Temer é Geddel, o homem das oito malas e das seis caixas com R$ 51 milhões. Loures era um pau mandado. Geddel é parceiro de Temer há 30 anos. A palavra de Loures arranharia Temer. A de Geddel o derrubaria.

O clube mais exclusivo do Brasil está nos cascos para reafirmar uma de suas lições clássicas que parece ter escapado à atenção dos sem memória e suicidas. A lição: não mexa com nenhum dos 11 sócios do clube.

Embora, ali, poucos se amem, todos se unem quando um deles corre perigo. Comportam-se então como se a instituição sofresse uma grave ameaça. Melhor sair de perto.

A toga que afaga é a mesma que chicoteia. Os ministros do Supremo Tribunal Federal, à exceção de Gilmar, afagaram Janot às vésperas de ele deixar o cargo de procurador-geral da República. Estão prontos para fazê-lo gemer.

Não o perdoam por sugerir que as pilantragens dos irmãos Batista talvez alcançassem o tribunal. Anularão a delação dos irmãos e mandarão prender Miller.

Janot sempre poderá dizer que pediu as duas coisas. Desde, porém, que Miller, acusado de ter levado grana dos irmãos para ajudá-los a delatar enquanto ainda era procurador, não revele gracinhas que maculem a imagem do seu antigo chefe.

Como diria Lula ao se ver acuado, não basta contar, tem que provar. Janot poderá repetir Lula, o que seria hilário.

Falta alguém no jogo do conta não conta: Saud, executivo do Grupo J&F. Foi ele que gravou a conversa de bêbados onde Joesley falou à vontade. E por ter dito o que disse, Joesley passa mal na Penitenciária da Papuda, em Brasília.

Saud é sério candidato a delatar Joesley e Wesley, seus ex-patrões. O país não acabará por causa disso. Mas quanto ao grupo...

Paisagem brasileira


Paisagem com Igreja da Penha (1952), Mário Pacheco


No Brasil da autocracia pulverizada, a situação é de normalidade institucional ou de bloqueio institucional?

O senso comum informa que o Brasil vive situação de normalidade, com as instituições em pleno funcionamento, capacitadas a desfazer os nós da economia e da política. Uma prova seria o papel apenas marginal dos apelos pela ruptura, que aparecem principalmente à direita, nos chamados residuais à intervenção militar.

O senso comum ajuda a resolver quase todos os problemas. Por causa desse “quase”, também aqui convém fazer a saudável pergunta: "e se não?". E se não estivermos navegando para um desfecho protocolar, a alternância eleitoral no poder e a assunção de um governo com força congressual e social suficientes para aplicar seu programa? Qualquer que seja.


Liberdade e democracia estão de algum modo conectadas, mas não se confundem. A primeira é medida pela amplitude das possibilidades do indivíduo e dos grupos de indivíduos diante da coerção estatal necessária para manter funcionando o organismo social. A segunda é medida pela influência real da vontade política da coletividade nas decisões estatais.

A sustentabilidade política é alguma função do alinhamento das duas variáveis. Democracias com bom grau de liberdade são mais estáveis. Assim como autocracias com baixas taxas de liberdade. Observa-se que nas crises das autocracias o aumento do grau de liberdade, muitas vezes produzido pelo próprio regime, acelera a desestabilização.

Tecnicamente, a situação brasileira é de um bom grau de liberdade convivendo com taxas declinantes de democracia. A afirmação pode parecer chocante, mas é verificável. O poder estatal escorre dos organismos diretamente eleitos pela sociedade, Executivo e Legislativo, para um mosaico de entes burocráticos ou privados que passam a concentrá-lo.

Não há como a população eleger os integrantes do Ministério Público, os delegados e agentes da Polícia Federal, os membros do Judiciário, os líderes vocais empresariais, os comandantes e operadores da imprensa. Ao lado de grupos burocráticos menos relevantes, eles hoje concentram o poder de definir a agenda e decidir quem e como é “democrático” reprimir.

Essa “autocracia pulverizada” não é sustentável no tempo se precisa agir por meio de entes estatais sujeitos ao escrutínio popular num ambiente de razoável liberdade. Basta verificar a paralisia progressiva do Executivo e do Legislativo, imprensados entre a necessidade de obedecer ao “governo de fato” e o desejo de reproduzir seu próprio poder, mesmo anêmico, nas eleições.

Uma saída seria algum sistema de voto capaz de produzir maioria legislativa clara e alinhada com o desejo da maioria do eleitorado. Um Congresso com força para reduzir o desalinhamento entre os graus de liberdade e de democracia. Mas isso enfrenta a oposição combinada do poder real dos sem-voto e da corporação política interessada só em sobreviver.

Se nada for feito, 2019 trará um presidente cercado de altas expectativas, mas dotado de baixa capacidade resolutiva. E de quem se exigirá que imponha ao Congresso uma agenda a que este vai resistir, se ela não tiver tido respaldo eleitoral. E isso em meio a uma recuperação econômica apenas medíocre e à continuada degradação dos orçamentos públicos.

E há a contradição entre a agenda e os privilégios dos agentes burocrático-estatais, que ajudam a manter o Executivo e o Legislativo na defensiva, o que é essencial para fazer avançar a agenda. Se a primeira missão de um Bonaparte aqui seria enquadrar o poder derivado do voto, a segunda seria dar um jeito na cobra de múltiplas cabeças da burocracia estatal e aliados.

Do jeito que vai a coisa, os apelos por um Bonaparte só tendem a crescer.

*

A tática petista derivada de considerar a Lava-Jato seu inimigo principal, por ameaçar a elegibilidade de Lula, pode ao fim resultar na sobrevivência do principal adversário político, a aliança PSDB-PMDB, e, paradoxalmente, na inelegibilidade só de Lula. É para onde aponta a conjuntura.

Errar na definição do inimigo principal costuma levar ao desastre.

Alon Feuerwerker

O velho, o menino e a mulinha

O velho chamou o filho e disse:

- Vá ao pasto, pegue a mulinha e apronte-se para irmos à cidade, que quero vendê-la.

O menino foi e trouxe a mula. Passou-lhe a raspadeira, escovou-a e partiram os dois a pé, puxando-a pelo cabresto. Queriam que ela chegasse descansada para melhor impressionar os compradores.

De repente:

- Esta é boa! - exclamou um visitante ao avistá-los. - O animal vazio e o pobre velho a pé! Que despropósito! Será promessa, penitência ou caduquice?...

E lá se foi, a rir.
O velho achou que o viajante tinha razão e ordenou ao menino:

- Puxa a mula, meu filho! Eu vou montado e assim tapo a boca do mundo.

Tapar a boca do mundo, que bobagem! O velho compreendeu isso logo adiante, ao passar por um bando de lavadeiras ocupadas em bater roupa num córrego.

- Que graça! - exclamaram ela. - O marmanjão montado com todo o sossego e o pobre do menino a pé... Há cada pai malvado por este mundo de Cristo... Credo!...

O velho danou-se e, sem dizer palavra, fez sinal ao filho para que subisse à garupa.

- Quero só ver o que dizem agora...

Viu logo. O Izé Biriba, estafeta do correio, cruzou com eles e exclamou:

- Que idiotas! Querem vender o animal e montam os dois de uma vez... Assim, meu velho, o que chega à cidade não é mais a mulinha; é a sobra da mulinha...

- Ele tem toda razão, meu filho; precisamos não judiar do animal. Eu apeio e você, que é levezinho, vai montado.

Assim fizeram, e caminharam em paz um quilômetro, até o encontro dum sujeito que tirou o chapéu e saudou o pequeno respeitosamente.

- Bom dia, príncipe!

- Porque prícipe? - indagou o menino.

- É boa! Porque só príncipes andam assim de lacaio à rédea...

- Lacaio, eu? - esbravejou o velho. - Que desaforo! Desce, desce, meu filho e carreguemos o burro às costas. Talvez isso contente o mundo...

Nem assim. Um grupo de rapazes, vendo a estranha cavalgada, acudiu em tumulto com vaias:

- Hu! Hu! Olha a trempe de três burros, dois de dois pés e um de quatro! Resta saber qual dos três é o mais burro...

- Sou eu! - replicou o velho, arriando a carga. - Sou eu, porque venho há uma hora fazendo não que quero mas o que quer o mundo. Daqui em diante, porém, farei o que manda a consciência, pouco me importando que o mundo concorde ou não. Já que vi que morre doido quem procura contentar toda gente...

Monteiro Lobato 

Roubo não tem adjetivo

O roubo não é menos roubo quando cometido em nome de leis ou de imperadores
John McDougall, senador pela Califórnia, em 1861

Continuamos a ter visão ufanista errada do desenvolvimento

República de bananas, para mim, sempre representou países com péssima institucionalidade. Dia sim e dia também, algum general -em geral de direita, mas às vezes de esquerda, com um bigodão, às vezes uma barba bem cultivada- tomava o poder em meio a um golpe militar.

A república de bananas se caracteriza pelas instituições frágeis.

Para boa parcela dos economistas brasileiros, o que caracteriza as repúblicas de bananas são as bananas, ou melhor, a exportação de matérias-primas.

Por esse critério, Chile, Canadá, Nova Zelândia e Austrália são repúblicas de banana.

Como em geral há relação entre desenvolvimento econômico e sofisticação tecnológica da pauta exportadora de um país -mas o que, como vimos, nem sempre é verdade-, muitos economistas brasileiros pensam que desenvolvimento econômico depende do que um país produz.

Não conhecem o trabalho espetacular do historiador Gavin Wright ("The Origins of American Industrial Success, 1879-1940", "The American Economic Review", 1990), que documentou que a pauta exportadora da economia americana até os anos 1920 era essencialmente de commodities. Ou seja, a economia americana era uma economia de bananas.

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Ademais, inflam os números dos gastos do governo americano com a política de compras de produtos nacionais e com P&D. Se folheassem o "Cambridge Economic History of The United States", descobririam que a política industrial teve papel muito subsidiário no desenvolvimento americano.

Também verificariam que o grau de fechamento da economia americana da segunda metade do século 19 à segunda metade do século 20 foi elevado, mas não maior do que o grau de fechamento das economias latino-americanas, que, no Brasil, perdura até hoje.

Mas é sempre melhor ficar apegado a preconceitos do passado, que passam por cima de fatos como o de que a taxa de analfabetismo na Nova Inglaterra em 1750 era equivalente à brasileira de 1950.

A história econômica mostra que não há diferença na trajetória de crescimento da economia americana em comparação aos casos canadense ou australiano.

O maior desenvolvimento da indústria nos EUA é essencialmente consequência da maior escala da economia. População grande gera mercado, que naturalmente estimula o desenvolvimento da indústria. É por esse motivo que a economia americana tem mais indústria do que a australiana.

Enquanto lutamos contra as bananas, jogamos R$ 400 bilhões no lixo de incentivos do BNDES, política que os estudos mostram contribuiu para elevar os lucros de algumas grandes empresas, mas não elevou o investimento, outros tantos com uma política desastrada de conteúdo nacional, que lembra a lei "do similar nacional" do nacional-desenvolvimentismo, e tantas outras oportunidades perdidas.

A lista é longa.

Olhando ao passado, só enxergamos a "perda dos termos de intercâmbio", "os lucros, juros e dividendos distribuídos pelas multinacionais", "a lógica do investimento das multinacionais que não obedece aos interesses nacionais", "os juros da dívida externa" e "os juros pagos ao rentismo".

Liderados seja pela esquerda, seja pelos militares, continuamos a ter uma visão ufanista equivocada do desenvolvimento econômico.

O desperdício sem fim produzido pela ideologia conspiratória do nacional-desenvolvimentismo segue firme: desaguou na crise dos anos 1980 e na crise atual.

Enquanto isso, nossas crianças continuam a não saber ler e escrever.

Gente fora do mapa


Refugiados da etnia rohingya se protegem da chuva com um plástico no campo de Cox’s Bazar, em Bangladesh
Refugiados da etnia rohingya no no campo de Cox’s Bazar, em Bangladesh (Cathasl McNaughton)

Os intermediários

Vasos sanguíneos, canais urinários e tubo digestivo obstruídos necessitam de reparo imediato.

Um cano de esgoto entupido também é uma emergência, e isso ocorreu com W., proprietário de um apartamento de classe média. Sem um seguro e, diante da longa demora para que o condomínio fizesse o reparo, optou por assumir os custos da obra, apesar de sua limitação financeira. Procurou K., um engenheiro amigo e experiente, para orientação na escolha da empresa a ser contratada.

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Recebeu o orçamento de três firmas de excelente reputação, ficando admirado com o apresentado pela mais famosa — que se supunha careira —, apenas um pouco acima da menor proposta. Seria a crise financeira? Já a avaliação da terceira firma foi de um valor altíssimo, concluindo-se que não tinha interesse de fazer a obra.

Nesse cenário, com a ajuda de K., escolheu a companhia que orçou o preço mais baixo. W., inexperiente e ansioso, pagou a fatura em cheque, antes do término da obra, abdicando de parcelar em cinco vezes, no cartão de crédito e sem juros, conforme havia sido acordado.

Ao tomar conhecimento do pagamento, K. decidiu conversar com o gerente-geral da firma; afinal, o pagamento à vista e antecipado permitiu um ganho extra, não havendo o custo da taxa cobrada pelo cartão. Na conversa, na qual também estava presente o engenheiro-chefe, mas que não tinha autonomia em questões financeiras, o titulado burocrata pareceu ouvir as ponderações de K. e se prontificou a reavaliar futuros orçamentos.

Dois meses depois, C., irmão de W., teve igual problema de entupimento em seu apartamento, localizado no mesmo condomínio. Parecia algo “genético”. A mesma firma de reparos foi contatada, diante da qualidade do serviço prestado e do conversado com o gerente-geral. Inacreditavelmente, dessa vez o orçamento foi 25% mais caro.

K., estupefato, foi tentar conversar com o gerente-geral, que não lhe atendeu. Procurou então o engenheiro-chefe, seu colega de profissão, que, constrangido, disse que nada podia fazer, pois era um técnico, um chão de fábrica.

Resolveu contatar outras firmas e, para surpresa, a mais famosa delas desta vez apresentou o menor orçamento, além de facilitar o pagamento. Definitivamente, não era careira, agia profissionalmente.

Gestores insensíveis, ao buscarem lucratividade imediata ou bater metas, contribuem para prejuízo de suas empresas no longo prazo. Hoje, não são apenas os condomínios que fazem as pessoas próximas, mas também as redes sociais. Essa proximidade é assustadora para esses gestores.

Essa história bem que poderia ser discutida com os mandatários da saúde — públicos ou privados, incluindo os defensores de uma certa proposta “baratinha”.

A alma do “negócio” não está no segredo, mas sim na transparência, e não é a sinistralidade ou a remuneração do chão de fábrica o maior gasto na saúde, mas sim o lucro desproporcional dos intermediários.

Alfredo Guarischi

Primavera, quem diria

Nas circunstâncias nacionais, parece uma heresia lembrar que está chegando a primavera. Mas, além de boa notícia, é algo de que estou seguro. Algo que posso anunciar nas segundas-feiras, quando tento prever os fatos da semana, num programa de rádio. Em nosso processo histórico tão imprevisível, a constância das estações do ano é um bálsamo.

Claro que poderia melhorar as previsões. Garotinho já foi preso três vezes. Dava para prever a época em que seria preso de novo. Mas, se contasse com a prisão de Garotinho, o imprevisível, o realismo fantástico me surpreenderia. Garotinho foi preso apresentando um programa de rádio. O locutor que lhe sucedeu naquele momento disse que Garotinho tinha perdido a voz. Os médicos recomendaram silêncio. Ele poderia voltar amanhã ou daqui a alguns dias.

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A prisão de Garotinho foi a única que teve uma versão para as crianças. No plano mais amplo, tempestades se formam e, pela primeira vez, pressenti um quadro mais completo. Com as gravações de Joesley Batista e documentos de uma advogada da JBS, entregues por seu ex-marido, a empresa insinua relações promíscuas com o Poder Judiciário.

Aliás, o próprio Joesley já tinha definido a situação ao afirmar, num dos áudios, que o Congresso foi atingido pela delação da Odebrecht e a ele cabia denunciar Temer e o STF. Os dados que havia num dos áudios, no qual se gravou o ex-ministro José Eduardo Cardozo, eram tão problemáticos que o procurador Marcello Miller previa até cadeia para quem os mencionasse. Mas a gravação não foi destruída, e sim enviada para o exterior. Sinal de que Joesley ainda conta com ela no seu poder de barganha.

Tudo isso está sendo investigado, suponho. Há pedidos da própria Cármen Lúcia e de Janot nesse sentido. O Poder Judiciário está diante de um desafio: rigor e transparência nas denúncias sobre ele mesmo.

Joesley Batista gravou muito gente, além de Temer. Alguns, como Gilmar Mendes, já se adiantaram afirmando que podem ter sido gravados. O áudio mais importante para Joesley foi o gravado com o Temer. Tornou-se moeda de troca na delação premiada. Mas, naquele momento, ele tinha com quem negociar. Agora, talvez interesse mais ocultar essas gravações e esperar uma nova oportunidade. Ou mesmo ocultá-las para sempre, em sinal de boa vontade em relação aos seus potenciais julgadores.

Pode ser que o vento afaste as nuvens de tempestade. Mas, por outro lado, as denúncias foram publicadas. O material divulgado pela revista “Veja” sugeria compra de ministros do STJ e uma enigmática frase: Dalide ferrou o Gilmar. Essa frase, na verdade, é vista numa mensagem da ex-advogada da JBS. Diz respeito a uma gravação entre Dalide Correa, ex-sócia de Gilmar, e o diretor jurídico da JBS. Vale a pena investigar tudo isso e colocar mais um poder na berlinda? Os próprios ministros mencionados mostram-se interessados numa investigação, para esclarecer os fatos. Que venha a transparência.

Na temperatura das águas, nas amoreiras, a primavera traz leveza. O bastante para abordar esse grande debate político-cultural em torno da exposição patrocinada pelo Santander em Porto Alegre.

Durante muitas anos participei de lutas minoritárias no Brasil. Minha experiência é que a única forma de não perder o respeito da maioria é procurar sempre o caminho democrático.

A liberdade de expressão artística é inegável. No entanto, ao trabalhar com verbas e educação pública, é necessário reconhecer a grande maioria das famílias que quer ter a primazia na educação sexual de seus filhos. Enfim, saber em que país está se movendo, e negociar, de forma que não se produzam reações em cadeia que acabem fortalecendo o retrocesso.

Creio que a experiência americana que resultou na vitória de Donald Trump merece uma avaliação. Será que não corremos, em circunstâncias diferentes, o mesmo risco? Um fator que sempre me impressionou na vitória de Trump era de como o universo informado dos leitores, acadêmicos, enfim todos, levou um susto com o país real.

Num mundo, Hilary era a vencedora, no outro, Trump. É preciso levar em conta a maioria e avançar de forma não ameaçadora, respeitar, em todos os momentos, a pluralidade das posições.

Quando digo não ameaçador, não quero dizer sorrateiro, mas, sim, um processo claro, uma proposta de convivência onde todos se sintam seguros.

No caso dos Estados Unidos, a insegurança tinha raízes também na economia, os empregos perdidos na globalização. Aqui há um grande nível de desemprego e incerteza econômica.

É nesse contexto que vejo o debate cultural. Poderia ser tudo mais simples se não houvesse dinheiro público nem visitas escolares como compensação ao incentivo fiscal. Com recurso do banco e obedecendo aos parâmetros legais, como todos os outros espetáculos, seria apenas uma exposição de arte. E com grandes nomes.

São visões de caminho. É um palpite de quem tem experiência de tratar com as maiorias e um conhecimento de regiões distantes do país.

Certeza mesmo, só a primavera.

Três presidentes acusados de corrupção e um país à deriva

Com os últimos três presidentes da mesma coalizão governante desde 2003 denunciados, inclusive o atual, um deles condenado a quase 10 anos de prisão, já seria bizarro que coubesse ao PMDB, sócio atleta da trinca, desfazer o que fez o PT, “dono” da lambança de dimensões amazônicas. Tal como a JBS, mais vistoso negócio da era dos campeões no tapetão, tipo a escolha do Brasil para sediar as Olimpíadas.

A história é conhecida e vem tendo as suas entranhas expostas, mas os elos entre os partidos, os personagens e os patrocinadores tanto de fora quanto de dentro do sistema da administração pública não são tão claros nem conhecidos. Ou o processo não teria chegado ao porte que chegou. A bem da verdade, o enraizamento da influência política deletéria teve amplo apoio, ou Lula e Dilma não seriam eleitos nem reeleitos, arrastando o PMDB de Michel Temer e outros agregados.

Essa é a parte mais difícil de resolver, já que muitos que apoiam hoje as reformas ainda ontem batiam palmas para crédito subsidiado (às custas do endividamento do Tesouro Nacional), a desoneração da folha (arrombando o caixa do INSS) e o corte voluntarista da tarifa da eletricidade (que tirou o setor elétrico da tomada).

Também são os que pedem reforma tributária que reduza impostos. Do mesmo modo, o procurador que investiga os corruptos e o juiz que os condena não se avexam em violar a Constituição, recebendo acima do teto legal. Estamos como a família que recebe um hospede grosseiro.

Ele fuma na sala e bate cinza no chão, usa o banheiro como quem se alivia na rua, recebe uma gentileza e não agradece. O burocrata tem privilégios de barão — emprego estável, pensão integral, reajustada como se estivesse na ativa etc. — e vive pedindo mais. Quem reclama é injuriado e acusado de privatista e de querer sucatear o Estado.

Não surpreende que a reforma da previdência não tenha apoio na rua e muitos acreditem que se destine a dar dinheiro para banqueiros, e não bem para garantir a aposentadoria de quem nem tem idade para se aposentar, mas para não chegarmos a 2030 (e até antes) destinando a totalidade dos impostos apenas para atender o custeio do INSS e dos regimes previdenciários próprios dos funcionários. E o governo? Defende a reforma dizendo que o INSS está bichado, mas pouco fala sobre a iniquidade e a insolvência do regime público.


Ou bem entendemos o que arrasou a economia ou estaremos condenados (como o personagem do cultuado filme Feitiço do Tempo) a repetir e repetir tudo outra vez. A economia chega ao fim de linha com Dilma, mas ela começa a regredir desde o ocaso do modelo de financiamento forçado do regime militar e da omissão dos constituintes de 1987.

A Constituição foi pródiga ao criar direitos, aliás, legítimos, e imprudente ao modelar uma Federação de três andares com funções que se sobrepõem (saúde, educação, câmaras, justiça, por exemplo) sem a atenção ao custo dessa estrutura institucional, sobrecarregada pela incorporação ao regime estatutário dos servidores celetistas.

O mais grave foi o descaso com o crescimento movido a investimento (ao contrário do que se fez no pós-guerra na Europa e nos Estados Unidos e, depois dos anos 1970, na Ásia). O que há de infraestrutura e manufatura no país data dos anos 1970 e 1980. Os projetos mais recentes, em boa parte, são os que compõem a narrativa de fracassos da Lava Jato.

O país, portanto, vinha num viés de decadência antes da chegada do PT, Lula & Cia. Eles o agravaram, ao jogar fora o projeto de zerar o déficit orçamentário, incluída a conta de juros e não só a que a exclui, chamada de resultado primário, em 2005. Daí em diante, com a ilusão da riqueza das commodities, folgaram com o orçamento, mas não com o investimento. Pior: as obras que lançaram deram n’água.

Essa é a questão estratégica que temos de considerar para tirar o país da crise, o que significa não aceitar taxas de crescimento de 2% a 3% anuais. É pouco para evitar a regressão social, apesar de até isso hoje parecer impossível, e ainda dependemos de uma enorme e nunca alcançada eficiência da gestão pública. A alternativa está na situação do Rio — lindo só na foto do Cristo de braços abertos.

O que seriam decisões estratégicas? Para começar, atar a reforma do gasto público à premissa do que é prioritário ao Estado fazer. Conceber a retomada do investimento atendendo o que não dá para adiar, como saneamento e estradas, e no que o Waze do progresso no mundo está a indicar como rota mais curta.

Não é, por exemplo, ter indústria de equipamentos para atender ao pré-sal, mas de explorá-lo com rapidez. Por quê? Porque até o normalmente comedido FMI, o Fundo Monetário Internacional, avisa por meio de estudos (dois só este ano) que a era do petróleo está no fim. “É só questão de tempo”, lê-se neles.

A disseminação dos veículos elétricos na China, EUA e Europa e a queda do custo da energia eólica e solar já retraem a demanda de petróleo. Os futuros governantes precisarão ter visão. E coragem.

As três etapas à frente, antes que o país possa ingressar, ou não, num caminho virtuoso, passam pela manutenção de um clima de ordem relativa até as eleições, o que implica deixar as coisas meio como estão, seguida de um tour de force para modelar o programa das 48 horas iniciais do novo governo e, enfim, o mais difícil: governar.

A macroeconomia estará em situação melhor que agora, mas com a sua parte fiscal ainda em coma. O teto do gasto público, programa feito para durar 20 anos, já está arqueado e precisará considerar o que nem foi tangenciado – tipo a desindexação de papéis referenciados à Selic, consolidação de passivos públicos, incluindo o dos estados, revisão da estabilidade de servidores, pôr em pauta o modelo único de polícia, enxugar a representação parlamentar, coisas assim. Não se desinterdita o progresso com justiça social só cuidando de ajuste fiscal, inflação, juros, câmbio. Sinto dizer: isso é pouco.