quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Brasil de bandeira dois


Como morre uma cidade?

Não há mais voos diretos do Rio a Nova York. Como todo mundo, eu também já sabia disso desde o ano passado, mas a minha ficha só caiu há dez dias, quando tive que ir a São Paulo pegar um avião que, até ontem, saía daqui. Foram cinco horas a mais, entre voos e "layovers", numa viagem que não faz nenhum sentido geográfico.

Nada que passageiros de outras capitais e de outros estados já não conheçam bem mas, pior do que a esticada e a espera, é a sensação de desprestígio e de falência da nossa cidade, que tinha tudo para ser um dos maiores destinos turísticos do mundo, e que, em vez disso, afunda na mais completa irrelevância.

O Galeão passou por obras gigantescas, consumiu bilhões em reformas e propinas, e agora está lá, metade morto, “legado olímpico” de um país que não sabe escolher prioridades. Enquanto isso, mantendo a tradição, presidente e governador sonham com um autódromo, porque é mais conveniente criar novos problemas do que resolver os antigos.

Sempre que visito as ruínas de grandes capitais que morreram fico me perguntando como aquilo aconteceu. Como cidades importantes como Babilônia ou Persépolis desapareceram, como a Humanidade perdeu o caminho para Teotihuacán, Tikal ou Angkor?

The Guardian
Os livros de História falam em secas, como a que atingiu Fatehpur Sikri, ou erupções de vulcões, como a que sepultou Herculano e Pompeia. A guerra destruiu Troia e Cartago. Um terremoto acabou com Petra.

Tudo isso se entende.
Mas “declínio”? Como é que uma cidade enorme, habitada por milhares de pessoas, entra em declínio? Como é que os seus habitantes aceitam o destino passivamente, como não tomam providências antes que seja tarde demais?

Todas as casas construídas, as estradas, templos, praças, comércios — como se deixa que desapareçam? Tanto esforço, trabalho e amor perdidos.

Estive em Detroit no final dos anos 1990, e me senti no futuro do passado diante dos edifícios abandonados, das lojas fechadas e, sobretudo, diante da Michigan Central Station, uma estação ferroviária imponente e deserta, suas centenas de janelas estilhaçadas uma a uma, num exercício metódico de barbárie.

Ali comecei a compreender como uma cidade morre.

As pessoas que podiam ir embora antes que tudo degringolasse de vez tinham ido embora, justamente como, agora, tanta gente está indo embora do Rio de Janeiro. Ficaram para trás os despossuídos, incapazes de ganhar sequer o dinheiro de uma passagem, que dirá de manter uma cidade funcionando.

Na última terça-feira, o jornal publicou uma entrevista de Alessandro Giannini com Jorge Peregrino, presidente da Academia de Cinema Brasileiro, sobre a mudança do Grande Prêmio Brasileiro de Cinema — que, ontem, foi entregue pela primeira vez em São Paulo.

“O Rio não estava se mexendo”, disse ele. “Conversei com o estado e com o município e a coisa não andava. Peguei um avião para São Paulo, para tentar vender o prêmio, e a acolhida, tanto do estado quanto do município, foi sensacional. Este ano, a cerimônia vai ser no Teatro Municipal. E já fechamos no ano que vem com a Sala São Paulo, que é estadual”.
Cora Rónai

Polícia de Witzel é máquina de matar e mentir

Da sexta 9 até esta quarta 14, quatro jovens foram vítimas de “balas perdidas” durante operações policiais na região metropolitana do Rio de Janeiro. Eles têm nomes e idades: Gabriel Pereira Alves, de 18 anos; Dyogo Costa Xavier de Brito, de 16; Henrico de Jesus Viegas de Menezes Júnior, de 19; Margareth Teixeira da Costa, de 17. Alguém aí está se sentindo mais seguro por causa disso?

Gabriel e Dyogo estudavam e queriam ser jogadores de futebol. Henrico trabalhava como estoquista de supermercado. Margareth estava com seu filho de um ano, que foi baleado de raspão. Aos parentes de Dyogo e Henrico, policiais militares afirmaram que ambos estavam armados e tinham envolvimento com o tráfico de drogas. É mentira, como sabem todos os que os conheciam e que têm chorado suas mortes.

Wilson Witzel, essa mistura de sargento Pincel com sargento Tainha que ora desgoverna o Rio, soltou sua voz de durão: “Se os criminosos acham que, matando inocentes, vão fazer com o que o estado pare, eles estão absolutamente enganados”. Criminosos, no caso, são os seus policiais, governador. São eles que têm assassinado jovens aos magotes. Jovens pobres, é claro. Para Witzel, os ricos são “cidadãos de bem”.

De janeiro a junho deste ano, as forças de segurança (sic) mataram 881 pessoas. No mesmo período de 2018, foram 769 vítimas. Em 2018, 580.

Como sempre enfatizam os adoradores da matança, se o número de homicídios está menor, é compreensível que, na conta final, a porcentagem das mortes provocadas pela polícia seja maior. Certo, mas essa conta nunca vai fechar se todas as taxas não caírem.

Embora, como se diz no jargão jornalístico, os números falem qualquer coisa se torturados, não há como provar que o aumento de um índice está relacionado à queda do outro. No chamado “mundo do crime”, a reserva de mão de obra é infinita. Não há emprego, não há educação, não há assistência social, a atração pelo dinheiro rápido é enorme... Quanto mais morre gente, mais gente entra.

Além disso, recomenda-se algum recato: como festejar que 3.048 pessoas morreram no estado, sendo 881 pelas mãos da polícia? E alguém acredita mesmo que foram 881 criminosos? Gabriel, Dyogo, Henrico e Margareth não eram. E muitas mortes não são tratadas como responsabilidade de policiais, mas como “balas perdidas”.

As operações nos quais se dão confrontos são inúteis. Não acabam com o tráfico nem reduzem a quantidade de armas, porque sempre chegam mais, inclusive graças à polícia. Os moradores do Rio sabem que é comum traficantes pagarem propina a policiais. É o “arrego”. E também é comum que armas e drogas apreendidas sejam desviadas – para as milícias, por exemplo – ou revendidas (sim, para o tráfico).

Mesmo ciente de que se trata de mentiras, a imprensa repete clichês distribuídos pelas assessorias. “Policiais estavam fazendo patrulhamento de rotina quando foram surpreendidos por traficantes armados” – não funciona assim, porque uma parte sabe onde fica a outra, ninguém é surpreendido como se estivesse num desenho animado. Ou “morreram ao dar entrada no hospital” – os corpos são despejados nos hospitais para que não sejam feitas perícias nos lugares em que as mortes ocorreram. E o pior é tratar todos como “suspeitos” – de qual crime previsto no Código Penal?

No primeiro semestre morreram 31 policiais, bem menos do que os 67 de 2018. Ainda é muito. E parte deles morre fora de serviço, fazendo bicos. Matam e morrem demais por nada que dê resultados concretos. Enxugam gelo com sangue.

Na segunda 12, relatos e desenhos de crianças moradoras do Complexo da Maré foram entregues ao Tribunal de Justiça do Rio.

“Boa tarde. Eu queria que parassem as operações porque muitas famílias serão mortas. Agora, eu estou sem quarto porque vocês destruíram na operação. Todo mundo na minha escola chora, meu irmão morreu por causa dos policiais e eles bateram no meu primo.”

“Eu não gosto do helicóptero porque ele atira para baixo e as pessoas morrem.”

Quem está escrevendo não é “bandido”. É possível ler isso e continuar pedindo mais sangue, mais mortes?

Só na Maré, houve 21 operações policiais neste primeiro semestre, com 15 mortos. Em 14 delas foram utilizados helicópteros.

Witzel quer ser candidato à Presidência e parece achar que o melhor caminho é superar Jair Bolsonaro em truculência. Está se candidatando a réu na Corte Penal Internacional, em Haia.
Luiz Fernando Vianna

A merda auriverde

Antonio Lucena
Não acredito que a gente está vivendo o primeiro capítulo da renovação. Para mim, estamos vivendo o último capítulo do que não deu certo
Luciano Huck

Longe da liberdade econômica

A aprovação ontem da Medida Provisória 881 pela Câmara demonstra que o governo continua a dispor de força considerável para tocar sua agenda econômica no Congresso. Depois de alterações que reduziram seu escopo de 53 a 33 medidas, o texto-base passou com 345 votos a favor e 76 contra.

Na falta de ideia melhor, ela ficou conhecida por um nome pomposo: MP da Liberdade Econômica. É carga demais nas costas de uma medida que trata de temas comezinhos do dia a dia empresarial, como o trabalho aos domingos, a exigência de alvarás, o registro de ponto e a relação do governo com empresários e funcionários no meio digital.


Certamente a medida representa uma melhora no ambiente de negócios, mas dificilmente trará um ganho significativo rumo à meta imposta pelo ministro Paulo Guedes: elevar o Brasil para perto da 40ª posição no ranking Doing Business, do Banco Mundial. Na facilidade para fazer negócios, estamos em 109º lugar entre 190 países. A China está em 46º; o México, em 54º; e o Chile, em 56º.

Os itens que mais prejudicam a posição brasileira nem são tratados na MP. O principal é a burocracia para pagar de impostos. Estamos em 184º lugar, com 1958 horas anuais dedicadas à barafunda tributária, em especial contribuições à previdência, imposto de renda e ICMS. Só uma reforma tributária profunda pode melhorar esse quadro.

Os outros dois itens que mais emperram a vida do empreendedor brasileiro, segundo o relatório, são a burocracia de alvarás para construção (175º lugar) e registro de imóveis (137º lugar). No primeiro caso, são ao todo até 20 procedimentos burocráticos, entre inspeções trabalhistas, sanitárias, do corpo de bombeiros, da Prefeitura, “habite-se” e quejandos. O tempo total para se desvencilhar desse cipoal passa facilmente de um ano, e o custo chega perto de 0,5% do valor do imóvel. No segundo caso, há no mínimo outros 14 procedimentos, que levam pelo menos 25 dias e custam 3,6% da propriedade.

A MP aprovada mal encosta na questão dos alvarás. Não há notícia de que o governo planeje enfrentar a estrutura complexa de cartórios e organismos municipais e estaduais, cuja burocracia e cujo arbítrio são combustíveis a alimentar incessantemente o fogo eterno do inferno em que vive o empreendedor brasileiro. Por isso, proclamar que a nova lei trará “liberdade econômica” não passa, na leitura otimista, de jogada de marketing. Ou, na pessimista, de devaneio.

É lamentável, pois o governo precisaria tratar com o devido senso de urgência todas as medidas que tragam alívio à vida do empresário e possam atrair investimentos. Só assim o Brasil pode tirar a economia do buraco. Mais de 25 milhões de brasileiros (cerca de 25% da força de trabalho) estão desocupados, desistiram de procurar emprego ou se penduram em bicos e trabalhos precários.

Os últimos indicadores sugerem que a economia registrará encolhimento pelo segundo trimestre consecutivo, configurando o que os economistas qualificam como uma “recessão técnica”. Sem facilitar a vida do empresário para que possa investir tranquilo, sem garantir a liberdade real ao capital, sem assegurar que esteja livre de arbítrios burocráticos, confiscos de ocasião e possa operar num ambiente de regras estáveis e impostos previsíveis, não haverá melhora.

Até agora, o governo proclamou intenções louváveis, mas na prática fez pouco. A reforma da Previdência aprovada na Câmara ficou aquém do ideal e enfrentará dificuldades no Senado. A reforma tributária patina, tomada por uma discussão bizantina a respeito da volta da CPMF. A nova lei que advirá da MP 881 traz avanços, mas a realidade não corresponde à promessa embutida em seu apelido.

Se o presidente Jair Bolsonaro ainda tem dúvida da importância que o sucesso na economia tem para seu futuro, basta olhar para a Argentina, onde seu confrade Maurício Macri definha em meio à inflação, desontrole fiscal e disparada do dólar. Não adianta falar. É preciso fazer. Fazer mais. Fazer bem. E fazer rápido.

Gente fora do mapa


Enquanto Congresso cuida das reformas econômicas, Bolsonaro trata do 'cocô'

Se a sensibilidade auditiva fosse transportada das orelhas para o nariz, quem ouve as entrevistas e os discursos de Jair Bolsonaro sentiria um mau cheiro insuportável. Num instante em que o Congresso exercita um inédito ímpeto reformista, o presidente da República faz uma opção preferencial pelo excremento.

Após concluir a aprovação da reforma da Previdência, a Câmara arremata a votação da medida provisória da "liberdade econômica" e desengaveta a proposta sobre a aposentadoria dos militares. No Senado, tenta-se empurrar os servidores de estados e municípios para dentro da emenda previdenciária.

Simultaneamente, Bolsonaro gruda sua oratória no intestino grosso. No final de semana, ensinou a um repórter que, para preservar o meio ambiente, basta "fazer cocô dia sim, dia não". Dias depois, instado a explicar-se, disse que não se deve esperar que ele seja "politicamente correto".

O capitão reiterou: "É só você cagar menos que, com toda certeza, a questão ambiental vai ser resolvida". Na sequência, queixou-se de entraves ambientais impostos pela Funai. Declarou que basta o "cocozinho petrificado" de um índio para barrar a realização de uma obra.

Nesta quarta-feira, em visita à cidade piauiense de Parnaíba, Bolsonaro prometeu "acabar com o cocô do Brasil". Tratou de definir cocô: "É essa raça de corruptos e comunistas. Vamos varrer essa turma vermelha do Brasil". O ímpeto presidencial anticorrupção fraqueja nas manobras contra o Coaf. E a ameaça comunista só existe nos pesadelos do Alvorada.

A dedicação à oratória fecal impede o presidente de surfar a onda pró-reformas econômicas que bate na praia do Legislativo. Quando tomou posse, Bolsonaro instilava boas expectativas. O mercado projetava taxas de crescimento acima de 2% para 2019. Hoje, às voltas com a perspectiva de "recessão técnica", o governo de Bolsonaro desperta receios que retardam investimentos.

Os brasileiros de boa vontade ficam imaginando que cenário magnifico haveria no Brasil se, de repente, por milagre, baixasse no cérebro do presidente da República uma epidemia de ridículo.

De que te ris?

Se me sinto mal no Brasil, sinto-me mesmo mal, apesar de gostar muito da temperatura, da beleza... As babás, aquela coisa das fardas, dos carros de vidros fumados, das favelas, é tão agressivo que a não ser que tenhas umas palas gigantescas...
 
Agora, há uma coisa: temos muita dificuldade em abrir mão do que nos sabe bem, do que nos dá conforto. E as pessoas têm a ingenuidade de pensar que não lhes vai chegar. E às vezes não chega, porque as vidas são curtas. Mas chegará aos filhos, aos netos. Porque a injustiça, a fome, as torturas que infligimos aos que têm menos poder... há uma altura em que a coisa muda. E é terrível
Dulce Maria Cardoso, escritora portuguesa

O empresariado brasileiro apostou mal em Bolsonaro?

O acordo entre o empresariado e o governo de Jair Bolsonaro é o seguinte: enquanto a equipe econômica governamental aplicar as reformas necessárias, investidores e empresários ignoram ou toleram seu curso populista de direita.

Tomando como base minhas experiências na economia e indústria relativas ao apoio ao presidente, eu diria que vale a seguinte fórmula: um terço dos interlocutores do setor ignora o que vem de Brasília e se concentra nos assuntos do dia; um terço defende até as declarações e comportamentos mais extremos do presidente; e um terço se envergonha de Bolsonaro.

Contudo, mesmo os que se envergonham de sua política, ressalvam: "No fim das contas, o governo Bolsonaro decreta as reformas pelas quais esperamos há quase duas décadas, sem as quais o Brasil não será competitivo." Eles se referem à reforma da Previdência, que enfim contém o crescimento do déficit público; às privatizações – por exemplo, no setor energético e nos aeroportos – longamente esperadas e possibilitando novos investimentos, pois o Estado está falido.


A referência é igualmente ao fechamento do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, após 20 anos de negociações, e que abrirá a economia fechada do Brasil; à reforma trabalhista, que o governo segue impulsionando; e, por fim, ele negocia atualmente sobre uma reforma tributária, também urgente para baixar os altos custos do Brasil.

De fato, em oito meses o governo Bolsonaro pôs em andamento diversas reformas há muito esperadas. No entanto a estratégia do empresariado de neutralidade diante dele é arriscada. Cresceu o risco de o presidente, com seu curso errático, colocar em questão o sucesso das próprias reformas.

Por um lado, isso se deve a ele personalizar cada vez mais decisões que são fundamentais para a economia, decidindo exclusivamente em interesse próprio e de seu clã familiar. Ele coloca um colega de escola de seus filhos na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); proíbe que a Petrobras aumente os preços do combustível; critica as agências reguladoras de serviços públicos e ameaça esvaziá-las.

Bolsonaro antagoniza parceiros comerciais importantes do Brasil, desde a China, passando pelo Oriente Médio, até possivelmente o futuro governo da Argentina – o único mercado em que os produtos industriais brasileiros ainda são até certo ponto competitivos. Sua política para a Amazônia é um flanco aberto para os lobbies econômicos europeus que trabalham contra uma abertura de mercado na América do Sul.

Seria possível continuar essa lista. O comportamento dirigista de Bolsonaro não é nada de novo em questões econômicas, porém ele se tornou mais agressivo, ofensivo e irracional, aumentando o potencial perturbador para a economia.

A probabilidade agora é – e esse é o grande risco que vejo – que as intervenções do presidente aumentem também no empresariado. Pois a economia brasileira míngua em sua presidência. Depois de dois anos de recessão e dois de estagnação, a economia não pega impulso; o PIB caiu 0,2% no primeiro trimestre de 2019, e a previsão é de nova contração no segundo.

Os motivos para tal são conhecidos: os investidores hesitam em investir enquanto suas capacidades não estão esgotadas; os consumidores seguem altamente endividados e temem perder seus postos de trabalho (se têm um emprego); a guerra comercial no mercado mundial puxa para baixo os preços de produtos agropecuários e matérias-primas. São baixas as perspectivas de que esse cenário negativo vá se alterar, no curto prazo.

Tudo isso aumenta o perigo de que Bolsonaro vá também se ocupar da economia, um setor de que ele, segundo tem afirmado até agora, nada entende. Contudo, se sua tão elogiada equipe não conseguir produzir nem um pouquinho de crescimento, é apenas uma questão de tempo até o "Capitão" tomar o assunto nas próprias mãos.

Se Bolsonaro seguir o lema "Tenho que resolver tudo sozinho, nada anda sem mim", seus torcedores na família e nas redes sociais vão festejá-lo. E aí empresários e investidores perceberiam que fizeram um acordo perigoso, e que talvez tenham apostado no cavalo errado. Vamos torcer para que esse cenário não se concretize.
Alexander Busch

Sim, precisamos de heróis

Nesta semana, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, disse que a Lava Jato não é uma instituição e que o Brasil não precisa de heróis, mas de projetos.

Data vênia, cabe discordar. Primeiro, o Brasil precisa, sim, de heróis, por uma razão simples: há muitos vilões entre nós, e vilões em posição de mando. E também porque certas mudanças só ocorrem quando são promovidas por lideranças reconhecidas pela sociedade.

Esse reconhecimento não precisa ser pelo voto. Joaquim Barbosa nunca disputou uma eleição, jamais fez campanha ou coisa parecida. Mas tornou-se um presidenciável pela sua atuação – tão forte quanto inesperada – no processo do mensalão. Foi uma mudança e tanto, não é mesmo?

O STF, mais conhecido por atrasar ad infinitum os casos envolvendo os agentes públicos com foro privilegiado, dedicou-se inteiramente, por meses, a julgar corruptos de primeiro escalão. Sob a clara liderança de Joaquim Barbosa. Se um herói é alguém sem o qual certas mudanças não ocorreriam, então o ex-ministro tornou-se um deles.

O que nos leva ao caso Lava Jato. Se o STF quebrou o gelo e colocou a corrupção na mira do Judiciário, a Lava Jato culminou o processo. Formalmente, trata-se de uma operação, uma simples força-tarefa – “reles” tarefa, gostariam alguns – mas alguém duvida que, na sociedade, tornou-se uma instituição superior?

Sérgio Moro também não disputou eleição, não fez campanhas, mas se tornou uma forte liderança moral e política. Um herói, no modo como Joaquim Barbosa.

A resistência à Lava Jato revela, em setores jurídicos, uma combinação de inveja e ciúme. Como pode um simples juiz de primeira instância – de novo, um “reles” juiz? – tornar-se uma figura nacional?

Não entenderam que Moro encarna uma profunda mudança – e mudança para o bem. Ou entenderam e não estão gostando.

Cabe nessa história o procurador Deltan Dallagnol. A operação envolve uma legião de promotores, agentes da Polícia Federal, auditores da Receita, e funcionários do Coaf, Conselho de Controle de Atividades Financeiras – todos eles heróis pelos papéis exercidos e que levaram para a cadeia os vilões do primeiro escalão. Todos eles eram, por assim dizer, “menores” que os alvos. Todos ouviram, em algum momento, “sabem com quem estão falando?” E mesmo assim foram para cima.

O primeiro procurador da Lava Jato foi Carlos Fernando dos Santos Lima, uma liderança mais discreta. Mas Dallagnol, seu substituto, encarna a ousadia dos mais jovens enfrentando um poder superior. Daí seus exageros. Mas como queriam que se quebrasse uma quadrilha de políticos, empresários e agentes públicos, instalada no comando de instituições? Pedindo licença, faz favor?

Tirante os lulistas extremados, ninguém entre os críticos da Lava Jato diz que não houve roubalheira. Ou que a operação não pegou ladrões.

Dizem criticar apenas os métodos – ou o “direito penal de Curitiba”, como diz o ministro Gilmar Mendes.

Acontece que existe mesmo um direito penal de Curitiba. Trata-se de algo como um novo contrato social ou a reinterpretação de normas e mais, especialmente, um novo modo de fazer. Não apenas a Lava Jato encontrou lavagem de dinheiro onde o velho direito via simples caixa dois, como a operação foi fulminante na apuração e julgamento.

No fundo, a legião dos adversários da Lava Jato está incomodada porque que a operação se tornou uma instituição nacional, tanto que não se consegue encerrá-la, e com alguns heróis de peso. Mas por isso mesmo, há um esforço para limitar o sistema de investigação.

Dias Toffoli, que certamente não é um herói, mas o presidente de uma instituição, praticamente suspendeu as atividades do Coaf. O ministro Alexandre de Moraes suspendeu fiscalizações da Receita federal envolvendo 133 agentes públicos, inclusive os ministros Gilmar Mendes e o próprio Dias Toffoli, e ainda mandou suspender auditores fiscais.

E agora surgem essas conversas para alterar a estrutura desses órgãos.

Ora, sem Coaf e sem Receita, não tem Lava Jato. Só falta proibirem as operações da Polícia Federal.

Seria esse o triunfo das instituições?

Na verdade, seria o triunfo dos anti-heróis.

Imagem do Dia

Por do sol na Costa Rica

São inocentes os rompantes linguísticos de Bolsonaro?

Existe o perigo de considerar as explosões verbais do presidente Jair Bolsonaro, sejam as escatológicas e de mau gosto sexual ou as mais ideológicas, como um tanto caricaturais e inofensivas. Não basta alegar que o presidente é "politicamente incorreto" à la Trump ou que isso é apenas algo natural e espontâneo nele. Pode acabar sendo mais grave e perigoso. Desde o surgimento da psicanálise, e depois de Freud e Lacan, conhecemos muito bem o perigo contido na linguagem, que nunca é inocente, porque também revela o abismo do nosso interior.

O Brasil está começando a sofrer o perigo da linguagem com a chegada ao poder do capitão reformado ultradireitista Bolsonaro. Nada seria pior do que tomar suas bravatas e loucuras linguísticas como algo sem importância a que deveríamos nos acostumar. Pode ser trágico.


Aonde a linguagem pode levar, às vezes abertamente suja e outras vezes escondida na ambiguidade, é algo que a Humanidade já experimentou ao longo da história com os maiores ditadores, e que sempre acabou em tragédia. Quando, dias atrás, um jornalista lhe perguntou sobre como ajudar a melhorar o meio ambiente — uma questão que o presidente despreza, chegando a negar a evidências de sua gravidade —, Bolsonaro respondeu que “é só você deixar de comer menos [sic] um pouquinho. Quando se fala em poluição ambiental, é só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante a nossa vida também, tá certo?”

Houve quem achasse graça. Esquecemos que algo assim aconteceu, por exemplo, com Mussolini, na Itália. Quando iniciou sua revolução fascista, ele se divertia revelando alguns de seus gostos sexuais, como o de que preferia fazer amor "com camponesas sujas e peludas". Sabemos hoje como acabaram aqueles gostos escatológicos do Duce.

O perigo da linguagem de Bolsonaro reside não apenas no que alguns chamam de vazio intelectual, de pequenez de visão ou de falta de leitura. Pode se tornar algo mais sério, já que pode ser a idiossincrasia da personagem. Não é que tente parecer engraçado e espontâneo. Sua personalidade começa a ser vista como pequena de horizontes e com convicções autoritárias que, hoje vemos, eram típicas dos grandes ditadores, e que em muitas ocasiões foram o resultado de um complexo de inferioridade que os levou a superar com os excessos ditatoriais que conhecemos. Assim, por exemplo, com Mussolini, com Hitler ou com o Caudilho Franco, que sofria como soldado de pequena estatura e voz esganiçada e feminina.

Em Bolsonaro, talvez mais do que suas gracinhas escatológicas e fálicas, o que pode acabar sendo ainda grave são suas ideias autoritárias que parece querer impor a um país como o Brasil, que vive em democracia, com uma Constituição laica e moderna e com liberdade de credo e expressão. Um exemplo do perigo da linguagem bolsonarista, mesmo quando pode parecer inocente, mas que acaba colocando muros à verdadeira liberdade, foram suas palavras, na semana passada, durante a Marcha para Jesus, em Brasília.

O presidente disse que os brasileiros estão cansados de ouvir da "esquerdalha nojenta" defender que o "Estado é laico". E acrescentou: “Mas eu, Jonnie Bravo, sou cristão… respeitamos todas as religiões e quem não é cristão. Mas a maioria dos brasileiros é cristão e ponto final. O Brasil é um só povo, uma só raça e um só coração. É uma bandeira e meia: Brasil e Israel”.

À primeira vista, podem parecer palavras sem especial periculosidade, até mesmo de elogio ao Brasil. Não eram. Havia nessas palavras um ódio profundo à liberdade política. Não há motivo para a esquerda ser "repugnante" só porque ele não gosta dela. É uma opção tão legítima quanto a liberal ou a de direita. Quando ele e os seus "respeitam todas as religiões, e quem não é cristão", e acrescenta, incomodado: "e ponto final", está revelando uma espécie de concessão aos não-cristãos. Equivale a dizer que serão simplesmente suportados. E quando acrescenta que o Brasil é um só povo, uma só raça e um único coração, pode até parecer uma frase bonita. Não é. Tem entranhado o seu desejo, como o de todos os políticos autoritários, de querer plasmar o país ao seu gosto e semelhança. E para quem isso não cair bem, que aguente ou vá embora.

A verdade é que, sob o prisma dos valores democráticos, o Brasil é um e muitos ao mesmo tempo. Reduzi-lo a um e sob o prisma do presidente é apequená-lo. Porque a riqueza deste país é a de ser plural. Não existe só o Brasil sonhado por Bolsonaro. Existe também o anônimo, pelo qual não parece interessar-se, que detesta a liturgia da violência e das armas, o que quer viver em paz suas crenças políticas e religiosas ou seu ateísmo.

Nem é verdade que existe apenas uma raça no Brasil, sem mencionar que a palavra "raça" há muito tempo foi abolida como pejorativa para definir os humanos. Existem diferentes etnias, pessoas com diferentes cores de pele, com visões distintas e enriquecedoras do mundo. E não é verdade que o Brasil seja um só coração que bate em uníssono no querer e pensar com quem o governa, que foi o sonho de todos os ditadores. Existem tantos corações quanto brasileiros. Com diferentes pulsações diante da vida, com valores que os distinguem e enriquecem. E menos ainda existe um país com "uma bandeira e meia", a do Brasil e a de Israel. Por que a de Israel, por mais importante que seja, deve ser também a bandeira do Brasil? E por que não a da China, ou a da Índia ou a do Quênia? A bandeira deste país é um arco-íris de cores e símbolos de riqueza, paz e diálogo e não há por que ser confundida ou fundida com a de outro país, mas respeitar a todos.

Esse querer padronizar um país sob o molde de seus governantes sempre foi o sonho de todos os impérios autoritários e populistas. E a receita de Bolsonaro, de um Brasil com um só coração e uma só raça, me faz recordar o slogan criado na Espanha durante a ditadura do general Franco, o de Una, Grande e Livre. Na verdade, não era nenhuma das três coisas. Não era una porque havia então duas Espanhas em confronto ideológico que produziu mais de um milhão de mortos. Tampouco era grande. Ficou 40 anos isolada do mundo, empobrecida material e intelectualmente. E menos ainda livre, como prova a censura imposta à liberdade de imprensa e até mesmo às artes e à literatura, com a lista de livros proibidos e os espanhóis que tinham de ir à França para poder ver um filme sem censura.

Para que a Espanha voltasse a ser una e plural ao mesmo tempo, livre de censuras, torturas e execuções daqueles que sonhavam com uma Espanha plural e democrática, foi preciso esperar 40 anos e a morte do ditador. Só então o país pôde abrir suas janelas para o mundo e recuperar a pluralidade de suas riquezas espirituais. Só então perdeu o medo de pensar em liberdade, para ser não uma Espanha monolítica, asfixiada pelos estreitos slogans autoritários, mas plural e sem medo de respirar e amar com seu coração e seus pulmões, e não com os do ditador.

Os slogans de quem despreza os valores da liberdade e da pluralidade de ideias costumam estar impregnados da exaltação da violência e da ignorância. Como o do general espanhol José Millán-Astray, criador do mito de Franco, a quem se atribuiu a terrível frase: "Viva a morte, abaixo a inteligência!" Tenho certeza de que o Brasil continua preferindo gritar: viva a vida e viva a inteligência! já que só assim será capaz de seguir respirando sem ser sufocado por lemas de morte e desprezo pela razão.

Tamanho da mediocridade



A estatura dos contemporâneos não passa de uma tranquila mediocridade
José Saramago, "Deste mundo e do outro"

A projeção de poder

A política externa está associada à projeção de poder de um Estado ou governo com base nos seus interesses nacionais. Essa é a regra básica, que pauta as relações entre mais de 190 países. É uma política pública, definida por decisões e programas governamentais que devem ter correlação com sua política interna. O Itamaraty conquistou o respeito mundial, desde o Barão do Rio Branco, pela excelência de seus quadros e habilidade ao conduzir os interesses brasileiros em meio aos conflitos e negociações nos foros internacionais. Tudo isso, porém, de nada vale para o presidente Jair Bolsonaro.

Regras básicas da política externa são ignoradas por Bolsonaro, que não mede as consequências de suas atitudes e declarações. Por exemplo, seus comentários sobre as eleições argentinas serviram para alimentar a campanha do adversário de seu aliado Mauricio Macri, que disputará a reeleição à Presidência em 27 de outubro. O candidato peronista Augusto Fernández, que venceu as prévias de domingo passado com grande vantagem, classificou Bolsonaro, ontem, de “racista, misógino e violento”, por dizer que o Brasil poderia ver uma onda de imigrantes fugirem da Argentina se políticos de esquerda vencerem as eleições presidenciais de outubro.

O peronista tirou por menos: “Com o Brasil, teremos uma relação esplêndida. O Brasil sempre será nosso principal sócio. Bolsonaro é uma conjuntura na vida do Brasil, como Macri é uma conjuntura na vida da Argentina”, disse Fernández, em entrevista ao programa Corea del Centro, da emissora Net TV. Será? Bolsonaro passa a impressão de que não está realmente empenhado no acordo do Mercosul com a União Europeia, cuja assinatura caiu no seu colo, porque foi resultado de um grande esforço pessoal de Macri, apesar do empenho continuado dos diplomatas brasileiros, que negociaram os termos do acordo por décadas.

É óbvio que se a oposição ganhar as eleições na Argentina, toda estratégia de Bolsonaro para a América do Sul estará comprometida, pois o regime de Nicolás Maduro na Venezuela sairá do isolamento em que se encontra no continente, reforçando sua sobrevida, hoje decorrente dos apoios da Rússia, essencialmente militar, e da China, sobretudo econômico. Se considerarmos a crise política no Paraguai, que quase provocou o impeachment do presidente Mario Abdo Benitez, por causa de uma negociação secreta no âmbito do acordo firmado entre Brasil e o país vizinho, para definir novos termos pelo pagamento da energia produzida por Itaipu, a situação pode se complicar muito no Mercosul.

Bolsonaro esticou a corda com a União Europeia. Quando deixou de receber o chanceler francês, Jean Yves Lê Drian, para cortar o cabelo, ou desdenhou da ajuda financeira da Alemanha e da Noruega para o Fundo da Amazônia, Bolsonaro agiu de caso pensado: demonstrou a intenção de se distanciar de parceiros europeus que não comungam com seus valores e posições ideológicas. É a contrapartida, por exemplo, da simpatia que tem pelos líderes de extrema direita Marine Le Pen, na França; Matteo Salviani, na Itália; e Nigel Farage, na Inglaterra. Todos têm um projeto de poder similar ao de Viktor Orban, na Hungria, parceiro de Bolsonaro na política internacional.

É aí que a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a embaixada do Brasil em Washington, num acordo pessoal com o presidente norte-americano, Donald Trump, começa a fazer todo sentido. Bolsonaro quer estreitar os laços pessoais com o presidente Trump e vê nisso uma espécie de blindagem contra qualquer conspiração que possa envolver o Departamento de Estado norte-americano. Como sua cabeça funciona com os paradigmas da antiga “Guerra Fria”, faz sentido.

O problema é que a política externa não se faz apenas de forma bilateral. Desde a II Guerra Mundial, o multilateralismo vem sendo a principal garantia da paz e de regras duradouras para a convivência entre os povos. No momento, o Brasil tem grandes interesses estratégicos na China e na União Europeia que não recomendam um alinhamento automático com os Estados Unidos, bem como bater de frente com a Argentina, nosso terceiro parceiro comercial. Mas essa visão parte de uma compreensão da política externa como política de Estado, que parecia consolidada no Itamaraty desde Saraiva Guerreiro, no governo Geisel. É uma visão guiada por interesses nacionais de médio e longo prazos, que independem do partido que está poder.

Ocorre que, nos governos Lula e Dilma, a política externa brasileira passou a ser uma política de governo, guiada por interesses que variam de acordo com o projeto político hegemônico no poder. Nesse aspecto, a guinada à direita no atual governo seria uma mudança simétrica, mas não é o que está acontecendo. Bolsonaro não tem uma estratégia de projeção de poder do Brasil na cena mundial, tem um projeto pessoal de liderança ideológica no qual a geopolítica conta muito pouco.

Dois anos é muito

De onde vejo as coisas, não consigo imaginar que a estratégia tenha sucesso. A política de choque permanente com a opinião pública de Jair Bolsonaro é uma das mais conhecidas receitas para o fracasso. Mas, claro, o articulista pode estar enganado, dirão os que defendem o presidente. Pode mesmo. Acontecem coisas na política por vezes impensáveis, ou inacreditáveis. A própria eleição de 2018 prova esta tese. De todo modo, a história mostra que esse embate permanente só tem êxito se for acompanhado de resultados que mexam para melhor na vida das pessoas. E é isso o que está faltando. Não se veem resultados. Nem agora, nem no futuro imediato.

O PIB do primeiro semestre pode ser negativo. E os indicadores para o segundo não são melhores. O ministro Paulo Guedes falou que é preciso paciência e voltou a culpar o passado pela estagnação do país. E pediu, nas suas palavras, “um ano ou dois” para que as reformas sejam implementadas e o país deslanche. É muito, ministro. Um ano ou dois pode ser um prazo razoável na economia, mas é uma eternidade na política. Em um ano haverá novas eleições, e em dois, o governo Bolsonaro estará entrando na sua fase final. Na fase do café frio.


A Argentina é exemplo de como as coisas podem desandar na política. O presidente Mauricio Macri vai sendo varrido pelo que Bolsonaro chama de “esquerdalha” simplesmente porque não cumpriu o que os argentinos esperavam dele e o que ele havia prometido para os argentinos. Ele não consertou a economia no prazo estabelecido pelo calendário eleitoral. No nosso caso, além de ver a economia patinando, o brasileiro já está cheio da retórica beligerante e falsa do seu presidente.

A mesma Cristina Kirchner que entregou um país em frangalhos a Macri deve voltar agora compondo uma chapa onde é a vice. No Brasil, se o efeito Orloff (“Eu sou você amanhã”) voltar a funcionar, perdurando este quadro de turbulência verbal, desconfiança geral e ineficiência administrativa, o PT, que também dilacerou a economia no maior escândalo de corrupção da história do país, pode muito bem surpreender. Num quadro desses, Fernando Haddad ganharia fácil. Até Dilma Rousseff, veja só você, poderia virar assombração.

E a economia não anda, como explicou Míriam Leitão ontem, porque oportunidades para capitalizar boas medidas são afogadas pelas crises criadas pelo presidente na porta do Alvorada. Com isso, ele corrói confianças, e as expectativas positivas dão lugar à estupefação, que gera o imobilismo. Há um outro problema que Bolsonaro não enxerga. Falta-lhe o pragmatismo que sobra em seu herói Donald Trump. Trump, que também produz crises com seu blá-blá-blá incontrolável, adiou o aumento de tarifas sobre produtos eletrônicos chineses para evitar aumento de preços aos consumidores (eleitores) no Natal. Ano que vem tem eleição nos Estados Unidos. Aí, sim, vai ser a hora de bater na China.

O compromisso de mudar a “velha política” também virou fumaça quando o governo Bolsonaro bateu recorde de liberação de emendas parlamentares na véspera da votação da reforma da Previdência e quando o presidente indicou seu filho para a embaixada nos Estados Unidos. Na segurança, outro ponto forte da retórica presidencial, não se vê novidade. Ontem, no Rio, no enterro de um dos seis jovens mortos a tiros em diversos pontos da cidade, amigos e familiares levantaram faixa cobrando solução: “Presidente Bolsonaro, até quando vidas inocentes serão tiradas?”. Os familiares do menino Dyogo Xavier culpavam a polícia por sua morte, mas quem levou a bronca foi Bolsonaro.

De qualquer forma, claro que o articulista pode estar errado. Mas não custa lembrar lembrar que o efeito catalisador criado pelo mecanismo de conhecimento do eleitor concebido pela Cambridge Analytica hoje é de domínio público, significa que a oposição também pode usar, e os controles sobre os perfis dos usuários de redes sociais são bem mais rígidos. As pesquisas mostram crescimento constante da desaprovação do governo Bolsonaro, mas pesquisas muitas vezes erram. Saberemos mesmo como navega a nau bolsonarista no ano que vem, nas eleições municipais. E o tempo voa.