terça-feira, 19 de maio de 2020

Luto

Quem cala sobre teu corpo Consente na tua morte *

Ana, Anete, Anita, Alex, Amanda, Anselmo, Alexandre, Antonia, Adriano, Adriana, Antonio, Alice, Benedito, Bento, Berenice, Benício, Bruna, Bernardo, Bernadete, Cesar, Carla, Chico, Carmem, Carmela, Cleonice, Celso, Catia, Carlos, Davi, Dito, Diva, Dimas, Denilson, Domingos, Domingas, Elias, Elenice, Élio, Eduardo, Eva, Elmano, Francisco, Fernando, Fabrício, Fernanda, Fabio, Felipe, Gloria, Geisa, Gabriel, Gerusa, Gelci, Genésio, Gabriela, Gilson, Genário, Gelci, Gentil, Gilson, Guilherme, Guilermina, Homero, Hilton, Hélio, Helena, Horácio, Hilda, Hilma, Inácio, Ilda, Inocêncio, Isabel, Isabela, Ingride, Iracema, João, Joana, Juca, Julia, Joca, Janaína, Juliana, Janete, Jose, Jane, Josiane, Jorge, Katia, Kelson, Karina, Kleber, Karem, Kelma, Kito, Lena, Lenildo, Lorena, Laís, Lindauro, Letícia, Leandro, Luciana, Lino, Laerte, Lélio, Lana, Liana, Lívio, Lomanto, Lineu, Lúcia, Lucas, Lúcio, Lorena, Maria, Moises, Mario, Marcio, Marcia, Marina, Malvino, Mateus, Maicon, Marcelo, Marcela, Miriam, Martin, Milton, Marlene, Marluce, Miranda, Norma, Nelma, Nina, Nilton, Nair, Nilson, Nélio, Nélia, Noilton, Omar, Olivia, Orlando, Olga, Otávio, Odete, Orácio, Olinda, Orfeu, Orfélia, Olímpia, Orlando, Otília, Olímpio, Paulo, Patrícia, Paloma, Pedro, Paula, Pietra, Pablo, Penha, Patric, Pascoal, Paulina, Péricles, Policarpo, Pompeia, Porfírio, Quincas, Queila, Quintino, Quésia, Quitéria, Quim, Regina, Regis, Ricardo, Rita, Renan, Rose, Rosilda, Rui, Renata, Raul, Rute, Rosa, Raimundo, Romero, Raimunda, Rodolfo, Rosangela, Romulo, Ricardo, Ricardina, Romário, Sandra, Sergio, Santana, Samara, Sueli, Saulo, Sofia, Selena, Silvio, Silvana, Siron, Selma, Santino, Telma, Teresa, Stela, Sidnei, Solange, Tadeu, Teresinha, Terêncio, Talita, Tato, Tide, Uriel, Ursula, Ulisses, Ully, Ubiratan, Ubirajara, Uda, Uziel, Vania, Valdomiro, Valéria, Valêncio, Valdo, Valmira, Vinicius, Valentina, Vitor, Viviane, Vicente, Vitória, Valdir, Verônica, Vanderlei, Vivian, Vagner, Vera, Valter, Wilma, Willian, Wanda, Warner, Walquíria, Welington, Walesca, Wallace, Winie, Washington, Xande, Ximena, Xavier, Xenia, Yago, Yasmim, Yan, Yara, Youssef, Yolanda, Yves, Yoko, Zion, Zara, Zaqueu, Zoé, Zeca, Zilda, Zacarias, Zélia, Zulmira, Zaki, Zuleide.

São nomes, alguns nomes, das 16.792 vitimas brasileiras do covid 19. Gente de todas as idades, de todos os estados e DF. Entre eles, médicos, enfermeiros e auxiliares da luta contra a pandemia. Por todos choram pais, mães, irmãos, irmãs, filhas, filhos, amigos, amigas, maridos, mulheres, vizinhos, colegas, companheiros. Choramos nós.


Passamos de 250 mil infectados-diagnosticados.

O Brasil é terceiro do mundo em números da doença. Desde sexta-feira, 15, o Ministério da Saúde é mula sem cabeça – desembestada e sem ministro. Em plena e dura pandemia.

E daí? Diz JMessias, o perverso, enquanto procura alguém que, a ferro ou tiro, reze na sua receita única: a cloroquina.

Aliados pegam o boné e vazam. Jair é dose! E, escapando, vazam histórias nada republicanas, de palavreado impublicável, do mitômono que se empenharam em eleger.

Jair tomou pra si a PF. Foi claro. Não esperaria “foder minha família toda de sacanagem”. Dito assim mesmo em reunião ministerial.

É esse vosso presidente da república. Em minúsculas mesmo.

Notícias do Queiroz?

Brasil, 19 de maio de 2020.

Quem cala morre contigo Mais morto que estás agora *
Tânia Fusco
(*Versos da música Menino, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos/1976)

A crise em câmera lenta

Quem assistiu ao vídeo da reunião ministerial de 22 de abril pôde confirmar: o governo resolveu preencher com palavras o vazio de ideias sobre a crise humanitária.

Morreram mais de 16 mil pessoas até ontem. São 1.105% mais vítimas do que o país possuía apenas um mês atrás. É como se, em quatro semanas, houvesse desaparecido a população inteira de cidades do tamanho de Sumidouro, no Rio, Pindorama, em São Paulo, ou Canudos, na Bahia.

As cenas gravadas são de inusual crueza. O Planalto surge como centro de um pandemônio político na pandemia. Bolsonaro e alguns ministros se desqualificam em atmosfera de vulgaridades, incapazes de discernir entre a realidade e a fantasia autoritária. Confirmam a ironia do vice Hamilton Mourão: “Está tudo sob controle... só não se sabe de quem.”


O vídeo contém fragmentos de um processo de suicídio político, em câmera lenta. É parte do mosaico de autoflagelo que justifica pressões crescentes, hoje materializadas em três dezenas de pedidos de impeachment. Elas aguardam decisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Há pedido no STF para impor à Câmara uma rápida resolução dos requerimentos sobre o impedimento de Bolsonaro. O Supremo vai decidir sobre o tempo de Maia para aceitar ou recusar. O caso é relatado pelo juiz Celso de Mello e tem desfecho previsto para esta semana. Maia alegou que não há prazo regimental, mas especialistas acham que o tribunal tende a reconhecer o direito de petição, e a obrigação de resposta diligente do servidor público.

A construção do impedimento está se tornando fato político, a despeito da decisão do procurador-geral sobre eventual crime de responsabilidade ou de Maia rejeitar os atuais pedidos de impeachment.

É impossível prever o desfecho, mas Bolsonaro percebeu o quanto já aumentou o custo da sua permanência no poder. Ontem entregou ao grupo de Valdemar Costa Neto, do PL, notório ex-presidiário do mensalão, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), onde se gasta por ano o equivalente a 20% do orçamento do Ministério da Saúde.

'Eles' são a Força

Pela Constituição, se houver conflito entre os Poderes e um deles recorrer às Forças Armadas, quem repõe a lei e a ordem são elas
Ives Gandra Martins

O Brasil já vive ditadura branda?

A cada dia que passa, o Brasil acorda com a sensação de que, mais do que uma democracia, vive uma ditadura branda. Eu a chamo de branda porque o presidente Jair Bolsonaro foi eleito nas urnas e porque, teoricamente, as instituições continuam formalmente de pé. Mas não restam dúvidas de que o país tem cada dia mais a sensação de que tais instituições, como o Congresso e o Supremo, estão sitiadas pelas decisões autoritárias do presidente e pelas contínuas ameaças contra elas nas redes sociais.

A mudança aparente demonstrada no domingo pelo presidente durante a manifestação a seu favor na Esplanada dos Ministérios em Brasília, fazendo elogios à democracia e pedindo o respeito às instituições do Estado, cercado por 11 de seus ministros, foi somente uma estratégia no momento em que se vê assediado por vários processos que podem fazer com que perca o cargo. É a sua tática bem conhecida de dar um passo atrás e dois à frente em seus propósitos de escalada autoritária.

É possível dizer que por enquanto se trata somente de ameaças de Bolsonaro e suas hostes à democracia, ainda que algumas vezes já apareceram claramente as linhas de um regime ditatorial. Que existe o temor de que Bolsonaro prepare um golpe institucional apoiado pelos militares, revela o documento publicado no domingo por seis ex-ministros da Defesa no qual lembram as Forças Armadas de que elas devem fidelidade à Constituição e que “somente podem ser chamadas por algum dos Poderes constituídos para manter a ordem no caso de anarquia”. O medo está nas ruas.

Quando, por exemplo, em pleno Conselho de Estado no dia 22 de abril, do qual vários ministros generais do Exército participavam, o presidente ameaçou mandar os militares às ruas; quando o ministro da Educação, Abraham Weintraub, pode se permitir dizer impunemente, na mencionada reunião, que os 11 membros do Supremo Tribunal Federal são outros tantos “filhos da puta que deveriam ser presos”, e quando a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, pede abertamente que os governadores também sejam presos, sem que nenhum dos presentes intervenha para dizer que isso era uma barbaridade, a democracia está quebrada.

O presidente se empenha em sustentar uma política eugenista, para não dizer genocida, em relação à epidemia de coronavírus que está custando milhares de vidas. Não somente ataca o senso científico universal de combater a tragédia, como dá a entender que pouco importa que morram os idosos e os que já possuem alguma doença crônica. Parece que para ele só têm direito à vida as forças do trabalho. A economia, para ele, é mais importante do que a vida de milhares de inocentes.

Já antes de ser presidente, Bolsonaro havia afirmado, como lembrou em sua coluna de sábado em O Globo o membro da Academia Brasileira de Letras Merval Pereira: “Eu sou capitão do Exército. Minha especialidade é matar, não é curar ninguém”. Por isso sua paixão pelas armas. Quando as exibe e as acaricia são, de fato, as poucas vezes em que é visto rindo às gargalhadas. De prazer?

Quando é o presidente que provoca a autoridade de seu próprio ministro da Saúde, infringindo descaradamente as normas de prevenção impostas à população para deter a hemorragia da epidemia, e até incita a desobediência, a democracia está em perigo. Dessa maneira se explica que em menos de um mês e em plena escalada da epidemia precisaram deixar seu cargo dois ministros da Saúde, ambos médicos, diante da impossibilidade de aceitar o comando suicida do presidente.

Bolsonaro zomba da democracia quando uma corte de empresários e lobistas se apresenta sem aviso prévio no Supremo exigindo um encontro com o presidente do tribunal e é Bolsonaro quem faz as exigências no encontro.

E quando, em um regime democrático, o presidente insulta em público os jornalistas, ameaça punir os veículos de comunicação, jornais e redes de televisão retirando a licença e a publicidade oficial e incentivando que os empresários façam o mesmo? E quando insiste em afirmar “a Constituição sou eu” e quem manda no país é ele, como se o restante das instituições do Estado devesse estar às suas ordens?

O presidente, capitão reformado (ou expulso?) do Exército, tem uma característica psicológica que o assemelha aos garotos teimosos que quando levam bronca sabem dar um passo atrás para imediatamente dar dois à frente. Acabam sempre conseguindo o que querem. Dizem que também é uma característica de alguns loucos.

Hoje sabemos que é possível instaurar um regime ditatorial apesar da passagem pelas urnas. Temos exemplos aqui mesmo na América do Sul, como no caso da Venezuela, onde o presidente Nicolás Maduro foi eleito e acabou instaurando um regime de ditadura com a cumplicidade do Exército. Bolsonaro não precisa da cumplicidade dos militares já que os tem, às centenas, no Governo e nas outras esferas do Estado. Que segurança oferece o presidente capitão reformado de que em determinado momento não poderá convencer o Exército de que o Brasil sofre de excesso de democracia e que seria melhor cortar as liberdades?

Um presidente que antes de cumprir os dois anos de seu mandato se vê rechaçado pela maioria da mesma população de quem recebeu o voto e que se refugia cada vez mais em um grupo minoritário alimentado com suas saídas antidemocráticas, seu fanatismo de ver fantasmas de esquerda até debaixo da cama e sua tática de atiçar a política do ódio e a mania de perseguição não pode deixar de ser um perigo à democracia.

E para que não falte nada à sua tática autoritária e violenta começam a aparecer cada dia mais aguerridas suas milícias de triste memória nazifascista que exigem abertamente a morte da democracia. E já não se conformam com as palavras de ordem contra as liberdades democráticas e suas instituições e usam a força bruta para agredir seus opositores no melhor estilo fascista.

E se tudo isso é grave e começa a preocupar internacionalmente e pode ser um freio para que as empresas possam investir no país pelo temor de uma ruptura constitucional, não é menos grave que as instituições do Estado que deveriam e poderiam parar essa tentação totalitária do presidente, como o Congresso e o Supremo, pareçam perplexas, para não dizer amedrontadas, diante de suas bravatas e ameaças. Se o começo é alegando prudência diante das ameaças, o final é de joelhos humilhado diante do tirano em vez de ter a coragem de afirmar: “Daqui não se passa”. Este é o limite sagrado da democracia.

Dormem no Congresso, de fato, mais de 20 pedidos de impeachment contra o presidente sem que sejam encaminhados com a desculpa de que se trataria de um procedimento muito lento e desgastante. Enquanto isso, o Supremo se blinda em que não pode agir sem a autorização do Legislativo. Tudo isso tem um nome: é medo, se não for cumplicidade, já que todos sabem, porque já é clamor majoritário no país, que Bolsonaro já não representa a vontade da maioria.

Contra o bolsonarismo e sua parafernália de ódio à democracia também existe a evidência do engano feito na campanha eleitoral vencida pelo capitão brandindo três bandeiras de renovação nacional que acabaram imediatamente sacrificadas no altar da pior das políticas. Bolsonaro e os seus prometeram à época acabar com a corrupção que a Lava Jato havia começado a revelar e combatido com firmeza. Prometeram acabar com o conceito da “velha política” que humilhava a essência da democracia dobrando-a aos interesses de grupos e personagens do mundo político e até judicial. Contra ela propunham fortificar a luta contra as velhas práticas corruptas de governar, assim como prometiam à nação “menos Brasília e mais Brasil”, ou seja, uma economia com menos Estado e mais aberta à livre iniciativa e à abertura ao capital estrangeiro. Para isso colocou no Governo duas estrelas, o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro no Ministério da Justiça e o liberal Paulo Guedes, da Escola de Chicago, na Economia.

O novo Governo não demorou para revelar sua mentira. Em poucos meses queimou suas três bandeiras e colocou em marcha uma perseguição aos valores democráticos, revelando-se como um dos Governos não só alterados como de traição a todas suas promessas. O Brasil foi enganado e hoje paga duramente por aquela mentira.

Nem sempre na História as ditaduras foram impostas com um golpe de Estado e uma aberta ruptura institucional. Há muitas formas de assassinar a democracia e uma delas é a da tática que o presidente do Brasil está usando de amedrontar as instituições, aguçando os instintos de violência de minorias ideológicas extremistas que lhe servem de pavio para provocar o incêndio. Puro itinerário fascista mussoliniano.

Assim como uma pessoa pode ser assassinada de muitas formas, seja com as armas ou com a fome, a democracia também pode acabar sacrificada com a tática de minar suas instituições com o medo e com a violência. O resultado é sempre o mesmo: mais pobreza, menos liberdade, mais luz verde aos violentos, mais isolamento internacional, mais desprezo pela vida e o assassinato de tudo o que cheirar a cultura, a ciência, a defesa dos direitos humanos.

Os ditadores e aprendizes a tais costumam ter também um mesmo denominador comum que é uma fome e sede especiais pela religião. Não por seus valores de liberdade e sim por seus métodos de adormecer e atemorizar as consciências. E Bolsonaro, para não ficar para trás, já começou colocando Deus “acima de todos”. Mas um Deus que hoje se revela cúmplice de suas loucuras totalitárias, não o Deus da liberdade e da paixão pelo humano e pelos excluídos, pelos mansos de coração e não pelos violentos.

É isso o que se quer para o Brasil? Então o que esperam as outras instituições, os líderes democráticos, os que lutaram por um país livre? Dormir sobre as conquistas quando a bocarra da fera começa a mostrar seus dentes pode ser fatal. Cada dia de espera e de trégua às ameaças contra a democracia pode significar assinar a sentença de uma viagem sem volta à tirania.

Brasil autoritário sempre esconde seus mortos


O livro que (quase) mata a charada

A internet, sinônimo de participação, é o instrumento de uma revolução democrática destinada a arrancar o poder das mãos de uma casta de profissionais da política e entregá-lo ao homem comum ou é, antes de tudo, um instrumento de controle, vetor de uma revolução a partir do topo que capta uma quantidade enorme de dados a fim de utilizá-los para fins políticos?

É nessa segunda internet e nos personagens que primeiro a entenderam e usaram como tal que se concentra “Os engenheiros do caos” de Giuliano da Empoli, um livro imprescindível para se entender o Brasil e o mundo de hoje.

Com intuições brilhantes sobre a natureza humana, a internet e a democracia na era do narcisismo de massa ele mergulha nos bastidores das campanhas que elegeram (Obama), Donald Trump, Boris Johnson, Matteo Salvini, Bibi Netanyahu e Viktor Orbán deslocando a luta pela conquista de votos, “da tentativa de unir eleitores em torno de um denominador comum numa lógica que tendia a marginalizar os extremistas do passado, para a arte de inflamar paixões no maior numero possível de grupelhos que valoriza e põe os extremistas no centro do processo de hoje”. (Bolsonaro é só uma menção pois o livro é de dezembro de 2019).


Os cientistas de dados, mesmo usando só as chaves classificatórias do Facebook e similares, conseguem operacionalizar campanhas com milhares de grupos sendo bombardeados por mensagens personalizadas até contraditórias entre si, sem que os “alvos” jamais fiquem sabendo o que têm em comum com os demais apoiadores dos “seus” candidatos. A campanha do Brexit, por exemplo, foi feita com o disparo de bilhões de mensagens sob medida: para os animalistas, uma sobre as regulamentações europeias que ameaçam os direitos dos animais; para os caçadores, sobre as regulamentações europeias que, ao contrário, protegem os animais; para os libertários, mensagens sobre o peso da burocracia de Bruxelas; para os estatistas, sobre os recursos desviados do estado de bem-estar para a União, e assim por diante…

A coisa começa na Itália, “o Vale do Silício do populismo”. É do vazio da morte da velha política pela Operação Mãos Limpas que surge Gianroberto Casaleggio, “mistura de John Lennon pós-moderno com a cibercultura californiana” que, com o país procurando algo novo, é o primeiro a abrir a porta para a ação politica radical por fora dos partidos e do parlamento, “esse monumento aos mortos”, com o site do Movimento 5 Estrelas, “uma ideia a procura de quem a encarnasse”. Ele arma de algoritmos a exploração do “sentimento de raiva que atravessa todas as sociedades, alimentado por aqueles que pensam ter sido lesados, excluídos, discriminados ou insuficientemente ouvidos”. E para sua surpresa quem virá a encarná-la são outsiders histriônicos cuja estrela sobe tanto mais vertiginosamente quanto mais “incorretas” e iconoclastas são suas manifestações e o escândalo com elas do establishment e da mídia tradicional, que “cai em todas as suas provocações”.

O refino da fórmula da-se com a parceria de Steve Bannon e Andrew Breitbart, jornalista para quem “o establishment americano está impregnado de uma cultura progressista hipócrita e elitista que se apoia no Democrat Media Complex para traçar as fronteiras do justo e do injusto, do dizível e do indizível, pautar o discurso publico e perseguir ferozmente os hereges”.

“The Donald”, com sua longa experiência de televisão, logo se dá conta de que as eleições americanas são “um reality show cheio de maus atores” e, com seu talento midiático, o slogan “Deixe-me ser o porta-voz da sua ira” e uma absoluta falta de cerimônia para com “todos quantos se orientam pelas preocupações do New York Times com os banheiros transgênero e os casamentos homossexuais, operou o milagre de fazer de um bilionário novaiorquino a voz dos excluídos de todos os 44 estados americanos que não são banhados nem pelo Pacífico, nem pelo Atlântico”.

Empoli enxerga as afinidades eletivas perfeitas entre o mundo das redes e alguma forma de democracia direta, e tem todas as razões do mundo para temer esta generalista, violenta e sem filtros, que entidades como o Movimento 5 Estrelas quer impor e tem os mesmos vícios que a que o PT tentou nos enfiar goela abaixo diversas vezes durante o reinado da dinastia Lula.

Como quase toda a geração dos que viveram sob a hegemonia ininterrupta da esquerda nos últimos 100 anos, Empoli parece não ter nenhuma visibilidade do sistema de democracia semi-direta sólida e transparentemente ancorada na vontade popular, defendida de eventuais pendores autoritários pela pulverização do poder proporcionada pelo sistema de eleição distrital pura que se pratica nos Estados Unidos desde a virada do século 19 para o 20. Não há dúvida que a vida conectada levará a algum modelo de democracia mais direta no futuro imediato. Mas para todos quantos souberem escolher a boa não há nada a temer. Liberados de uma politica que hoje é bandalha porque pode, se estarão habilitando, ao ganhar o poder de mandar nela, a dar o mesmo salto espetacular que os Estados Unidos deram no século 20 tanto em matéria de liberdade quanto de afluência material.

Mais 170 mil brasileiros entraram para a pobreza extrema em 2019

O grupo de pessoas em pobreza extrema no Brasil, que inclui os que vivem com menos de 1,9 dólar por dia, ganhou cerca de 170 mil novos integrantes em 2019 e encerrou o ano passado com 13,8 milhões de pessoas, o equivalente a 6,7% da população do país. É o quinto ano seguido no qual o número de brasileiros na miséria cresce.

Essa piora no grupo dos mais desassistidos ocorreu apesar de uma pequena melhora na renda média dos brasileiros e de uma ligeira redução da desigualdade no primeiro ano do governo Bolsonaro. Esse retrato do Brasil pré-pandemia da covid-19 foi divulgado pelo IBGE no início deste mês, por meio da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD) Contínua de 2019.

O país manteve o padrão da recuperação da crise de 2015 que vinha sido observado nos últimos anos, de cima para baixo: primeiros os mais ricos ampliam sua renda, depois a classe média e, por último, os mais pobres.

No ano passado, foi a vez de a classe média ter os maiores avanços médios da renda apurada pela PNAD. Por isso, a desigualdade de renda medida pelo índice de Gini caiu um pouco, pontuando 0,542 em 2019, contra 0,545 do ano anterior – quanto mais próximo de zero o índice, maior a igualdade.

Foi a primeira redução na desigualdade de renda desde 2015, mas, por ser tão diminuta, o IBGE considera que houve "estabilidade". A PNAD não mede ganhos financeiros e não capta de forma precisa a evolução da renda do 1% mais rico da população.


Outro aspecto positivo apontado pela pesquisa foi um pequeno aumento da renda média da população, que no ano passado alcançou 1.406 reais, 1,4% superior à do ano anterior. Mas houve desaceleração da retomada. Em 2018, a renda média havia subido 3,9% em relação a 2017.

O sociólogo Rogério Barbosa, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole da Universidade de São Paulo (USP), afirma à DW Brasil que o ano passado foi "microscopicamente melhor" que 2018 em termos de renda e desigualdade, mas que o país não fez o suficiente para combater a pobreza.

"Se olharmos somente os gráficos da renda média e da desigualdade, parece que temos uma boa notícia. Mas é importante olhar ao longo de toda a distribuição [da população]: os mais pobres continuaram perdendo em 2019, como vêm perdendo sistematicamente desde 2015", diz, apontando para uma "recessão duradoura" na base da pirâmide, que não foi totalmente superada e não será neste ano, em função da pandemia da covid-19.

O principal motivo para o aumento do número de brasileiros em pobreza extrema são deficiências na execução do Bolsa Família. Em 2019, o programa chegou a ter uma fila estimada em mais de 1 milhão de famílias que estavam aptas a receber o benefício, mas não eram incluídas pelo governo.

A esse problema se somam a redução das equipes que fazem a busca ativa de possíveis beneficiários e a ausência de reajustes anuais do benefício para repor a inflação. Além disso, o 13º benefício do Bolsa Família, pago de forma excepcional em 2019, não foi captado por essa pesquisa do IBGE.

O número de pobres que não estão em miséria extrema e vivem com mais de 1,9 dólar e menos de 5,5 dólares por dia, porém, diminuiu no ano passado para 38 milhões de pessoas, ou 18% da população. Em 2018, esse grupo representava 39,3 milhões de pessoas.

O economista Daniel Duque, pesquisador da FGV-IBRE, afirma que o número de brasileiros nesse grupo diminuiu pois uma parcela deles se beneficiou da melhora no mercado de trabalho no ano passado.

"Em 2018 já houve uma melhora no mercado de trabalho, mas que beneficiou primeiro os mais bem colocados, levando ao aumento da concentração de renda. Em 2019, os ganhos foram mais generalizados para toda a população", diz.

Outra assimetria de renda revelada pela PNAD de 2019 diz respeito às regiões do país. O Nordeste foi a única onde houve aumento de concentração de renda medida pelo Gini, que subiu de 0,545 para 0,559. No ano passado, houve na região uma perda de rendimentos de 5% entre os 10% mais pobres, enquanto o 1% mais rico teve uma alta de 14,9% em sua renda.

Um dos motivos para a alta da desigualdade no Nordeste é, novamente, o Bolsa Família. A região teve, de 2012 a 2019, a maior redução do percentual de domicílios que recebem a transferência de renda desse programa, de -6,1%.

Isso é potencializado pela maior dificuldade de a população pobre da região ter acesso à educação de qualidade, afirma o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, centro de pesquisa dedicado ao desenvolvimento inclusivo. Segundo ele, desde a crise de 2015, o nível educacional tem peso relevante para a reinserção profissional.

No cenário geral, o Brasil segue sendo um país muito desigual. Em 2019, o 1% da população mais rica teve uma renda média de 28.659 reais por mês, 33,7 vezes superior à dos 50% mais pobres, cuja renda média mensal foi de 850 reais. No ano passado, essa relação era de 33,8 vezes.

Em meio ao quadro de melhora tímida para a classe média e de recessão prolongada para os miseráveis, o Brasil foi atingido pelo novo coronavírus e suas implicações sociais e econômicas. A projeção dos economistas consultados pela DW Brasil é de queda da renda e de aumento da desigualdade do trabalho.

Neri chama a atenção para a parcela da população que fica no meio da distribuição da renda, composta por pessoas que são pobres mas não se qualificam para receber o Bolsa Família.

"Esses são invisíveis aos olhos do estado. Após [o final] da concessão do benefícios emergenciais, serão muito afetados", afirma.

Duque afirma que a renda média irá cair "inevitavelmente" e que a desigualdade do trabalho irá "aumentar muito", mas que a desigualdade total pode não se alterar significativamente se o auxílio emergencial for prorrogado pelo governo, mesmo que para um escopo menor de pessoas.

"O auxílio tem um poder equitativo muito forte. Ele repõe e, às vezes, até mais do que repõe a renda de muitas famílias", afirma.

Bolsonaro ignora a catástrofe

O Brasil de Bolsonaro habita um mundo paralelo, um teatro do absurdo onde fatos e realidade não existem mais. Nesse universo sob tensão, nutrido por calúnias, incoerências e provocações mortíferas, a opinião é polarizada em uma nuvem espessa de ideias simples, mas falsas.
Depois de ter praticado a negação histórica do Holocausto, elogiado a ditadura, negado a existência dos incêndios na Amazônia e a gravidade da pandemia de Covid-19, Bolsonaro e sua tentação autoritária correm o risco de levar o país a uma situação perigosa
Editorial do Le Monde

Programa de aceleração do radicalismo

A saída de Teich informa que até a inexistência individual tem limites; e que mesmo um inexistente — cujo contrato para ser ministro consistia em não ser sujeito —pode ter alguma espinha dorsal.

Teich teve, afinal. Alguém se deve ter orgulhado. Não os que percebem que seus dias na pasta se somam aos outros tantos, consumidos pela batalha que resultaria na queda de Mandetta, no curso dos quais o ministério esteve paralisado; isto em meio ao totalitarismo de um vírus cuja sanha configura a peste.

A contribuição de Teich ao país seria nenhuma se o papel que aceitou cumprir não tivesse ampliado o campo a que o chefe expusesse o autoritarismo por meio do qual exerce a atividade executiva na República: o presidente que quer e que, porque quer, terá; no caso, o protocolo para utilização da hidroxicloroquina expandido a pacientes sob infecção leve.

A lacuna Teich comunica que somente Bolsonaro pode ser ministro da Saúde de Bolsonaro. A ver apenas quem — explorando nova fronteira para flexibilização de vértebras morais — lhe será o cavalo. Não é muito diferente da vontade que se move para interferir na PF. A saída de Moro comunicou que somente Bolsonaro poderia ser a polícia política de Bolsonaro.

Repito: o presidente está trocando de pele, inaugurando um governo que se liberta da carcaça narrativa eleitoral, num processo de radicalização acelerado pela janela de oportunidades escancarada pela Covid-19. Há também, insisto, a mudança de base social: a aposta bolsonarista em compensar a perda de apoio na classe média com a conquista das camadas populares.


Dos pilares artificiais que tornaram Bolsonaro persona eleitoral consumível só resta o liberalismo econômico guedista; o que avaliou ser possível, em nome das reformas, liquefazer a coluna vertebral do liberalismo político para se associar ao populismo autocrático bolsonarista — um projeto de poder reacionário de pulsão para a ruptura, revolucionário mesmo, comandado por um elemento que é o centro gerador de conflitos e cujo palácio, um sindicato de servidores públicos, está fundamentado em variáveis daquilo em que ele mesmo, o presidente, consiste: um militante de interesses corporativos.

Já era um arranjo de sucesso improvável em tempos de paz — esse entre reformas liberais e desestabilizações bolsonaristas. O que dizer de agora, e doravante, com o vento virado?

Bolsonaro é instabilidade. Se há crise, ele será o multiplicador de imprevisibilidade. Reagirá radicalizando. É o que está em curso. O vento virou — e é vento que lhe enche a vela e o impulsiona a ser plenamente o que é. Em matéria econômica, para tornar Guedes e o que representa prescindíveis (antes do esperado).

O Bolsa Jair já se espraia, a própria âncora da mudança de base social, alcançando milhões de brasileiros pobres, muitos dos quais até então invisíveis ao Estado, inclusive no Nordeste, onde o presidente não conseguia penetrar. São milhões de outrora inexistentes incorporados por um programa de auxílio emergencial — milhões também de novos títulos de eleitor mapeados pelo surgimento de uma ajuda, a do Jair, temporária. Temporária?

A tentação é grande, e o mar puxa para o afogamento do teto de gastos.

O vento virado — para o projeto liberal guedista — é o que traz uma nova convenção social, que descarta o pacto por austeridade fiscal em prol da demanda por que o Estado injete dinheiro na economia e sustente artificialmente o setor produtivo e aqueles cuja parca renda foi aterrada. O milagre bolsonarista?

Há quem diga que Guedes fica por ser mais parecido com o chefe do que se gostaria de admitir. Não se trataria de elogio, a essa semelhança contribuindo a noção de democrata segundo o ministro, capaz de abranger até o presidente. Guedes vai ficando. Sua agenda, porém, comprometida. Talvez fatalmente. A favor de sua permanência, ainda que de norte fulminado, pesando a avaliação de que Bolsonaro não poderia se dar ao luxo de perder — hoje — esse derradeiro estribo de credibilidade narrativa. Que usa bem.

Penso na reunião virtual havida, na quinta última, com um grupo de empresários graúdos. A repercussão jornalística da conversa definiu-a como desprovida de propostas da parte do presidente; um erro de leitura grave. A proposta houve — e claríssima, doutorada pela presença de Guedes: para que aqueles cidadãos enfrentassem, em guerra, as medidas restritivas decretadas, particularmente, por João Doria. O presidente pregando a desobediência civil.

Avalizada pela ciência de Guedes, a proposta de Bolsonaro para a crise — um plano de enfrentamento do enfrentamento à pandemia — nem sequer vagamente tem a reação da economia como centro de preocupação; mas o estímulo à reação de grupos de pressão, que vão dos caminhoneiros aos donos das cargas, passando por milicianos dentro das polícias, contra os decretos dos governadores.

Está acelerado. Vai piorar. Dá-lhe lustro quem concorda.