domingo, 7 de maio de 2017

Brasil tem jeito

Uma intervenção cirúrgica tem um limite temporal para ser realizada. Não se consegue manter um abdômen rasgado pelo bisturi por mais que algumas horas. O corpo não suportaria mais.

A Lava Jato é uma operação judiciária, mas também cirúrgica, que mantém aberto o costado de um Brasil amarrado na mesa. Com a previsão inicial que prometia uma rápida retirada dos tumores, descobriram-se em seguida dezenas, depois centenas e, enfim, milhares de nódulos, cistos e metástases para serem retirados. O paciente, assim, enfrenta duas hipóteses: sucumbir pelos males ou sucumbir pela demora das intervenções. A sucumbência está decretada.

Algo de excepcional precisa ser feito. E tomar medidas que permitam sair desse beco aparentemente sem saída.

A Lava Jato escancarou, e promete escancarar ainda, males e purulências. Os prazos se alongam, provocam profundo mal-estar quando de manhã se abre o jornal e se encontra uma caterva de notícias horrorosas, compêndios do crime e fotos das mesmas surradas figuras declarando-se estranhas aos maiores rombos da história da humanidade.

Algumas e raras figuras apresentam atenuantes; a maioria, nenhuma.

Ninguém sabia de nada, nunca viu algo de estranho, nem se apercebeu de que eram necessárias medidas que impedissem a pilhagem das finanças, da merenda escolar até a usina nuclear.

Na antiga Atenas a suspeita era suficiente, seja por omissão, incompetência ou inconveniência, para determinar o ostracismo, quer dizer, a saída compulsória do território nacional, impedindo qualquer cargo ou profissão. Era suficiente aparecer inconveniente para ser exilado.

O Brasil se apresenta ao mundo como um paciente terminal e intratável, sem credibilidade e sem referências morais remanescentes. Perdeu-se no espaço, e perderam-se os timoneiros.

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A roubalheira destinada para acumulação de patrimônios pessoais fantásticos é que se firmou como a causa de tudo. Tecnicamente dita de patrimonialismo, é apenas delinquência insaciável e generalizada. Arrasta-se há décadas nas mãos dos mesmos grupos e vórtices de interesses. Enlouquecidos por dinheiro, levaram a uma situação excepcionalmente grave; não existem precedentes em volume e em intensidade criminosa na história da humanidade. Necessita-se de medidas extremas. Nosso Código Penal é montado para defender a sociedade de assaltantes genéricos, e aqui estamos enfrentando arrombadores do erário nacional.

Faz-se necessário o confisco dessas organizações criminosas; imprescindíveis a devolução dos desvios e a liquidação extrajudicial dessas empresas, conglomerados e corporações. Como fez Scipione, depois de demolir Cartago, tem que passar sal nos escombros para que nunca mais se reproduzam no local.

A tecnologia embarcada nessas empresas se encontra enraizada, como “bioma”, no ambiente das universidades e em seus cursos técnicos. O Brasil não tem nada a perder com a liquidação da Odebrecht.

Nossos códigos atuais não são preparados para uma situação extraordinariamente assombrosa, como aquela que a Lava Jato mostrou.

Precisa-se ampliar o Código Penal, aprimorá-lo, separar trombadinhas de mega-assaltantes da pátria. Os crimes que lesam a economia nacional e se abatem sobre sua população devem ter tratamento em separado com extremo rigor, com detenções sem prazos.

As punições excepcionais devem ser voltadas à eliminação da matriz do crime organizado, que os acordos de leniência, ao contrário, perpetuam e fortalecem.

O banimento é a solução.

Os desempregados no país subiram para 14 milhões com brutal sofrimento que se abateu sobre a população. O presidente Temer em seu primeiro ano de exercício deixou crescer em 3 milhões os desempregados, tomou medidas que preservaram apenas os banqueiros e deixaram a economia mais improdutiva. Descredenciou-se na nomeação de um ministério em grande parte já varrido pela Lava Jato.

O país, para seguir adiante, tem que se livrar das velhas práticas, renovar seus métodos e restaurar uma honestidade e meritocracia que se esfarelaram.

Tem-se que colocar como metas imediatas a simplificação do país mais burocratizado do planeta, os cuidados com a educação como base de melhoria do ser humano, a ampliação de oportunidades e a mitigação do sofrimento das pessoas.

O Brasil, sem corrupção, tem jeito.

Vittorio Medioli

A imprevidência brasileira

A maioria absoluta dos brasileiros – 90% – não investe em previdência privada e apenas 38% têm alguma forma de poupança ou investimento, mostrou recente pesquisa do Datafolha. Esses números são o retrato de um país em que poucos se preocupam em poupar para o futuro. Não é por outro motivo que, na mesma pesquisa, mais de 70% dos entrevistados se disseram contrários à reforma da Previdência, pois essa reforma tornará um pouco mais restrito o acesso à aposentadoria. Pode-se inferir que a maioria dos contrários às mudanças são justamente aqueles que não se precaveram para o momento em que deixarão de trabalhar e ter renda.

O atual modelo de Previdência – bancado pelo conjunto dos trabalhadores na ativa e também pela sociedade em geral, quando há déficit a ser coberto – desestimula a poupança porque há a expectativa de usufruir, precocemente, de benefícios que deveriam ser reservados àqueles sem condições de trabalhar em razão da idade avançada. A idade média dos homens brasileiros que se aposentam é de 59,4 anos, enquanto nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a média é de 64 anos. No México, são 72 anos, e no Chile, 69.

Ademais, a Previdência é generosa com seus beneficiários. No Brasil, a taxa de reposição (razão entre o valor da aposentadoria e o salário) é, em média, de 76%, contra 56% na Europa, segundo dados do Ministério da Fazenda.

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É evidente que a Previdência não é o único fator a inibir a formação de uma cultura de poupança no Brasil. Na verdade, o sistema previdenciário talvez seja apenas a parte mais vistosa de um amplo conjunto de benefícios que o Estado, à custa de sua própria solvência, é obrigado a entregar aos cidadãos conforme mandam a atual Constituição e diversas leis ordinárias.

Os legisladores do País costumam ser criativos quando se trata de inventar maneiras de fazer o Estado bancar benesses inexplicáveis. O resultado é que vivemos numa “república da meia-entrada”, na qual os grupos organizados da sociedade conseguem arrancar do Estado “direitos” que não podem ser discutidos, pois integram o que o discurso populista convencionou chamar de “justiça social”, cujo questionamento é equiparado a blasfêmia.

Quanto mais “direitos”, porém, menor é a chance de que a efetiva justiça social, sem aspas, seja feita. Não há nenhum paradoxo aí. Os “direitos” que as minorias organizadas defendem como compensações por séculos de desigualdade social na verdade atuam para ampliar o fosso entre ricos e pobres no Brasil. Obrigado a cumprir todas as exigências previstas nas muitas leis que visam a preservar os “direitos” dos aposentados, dos trabalhadores, dos estudantes, dos servidores públicos e de outros tantos beneficiários organizados, o Estado torna-se financeiramente incapaz de fornecer os serviços públicos que são utilizados majoritariamente pela população mais pobre, supostamente defendida pelos movimentos sociais que vivem de reivindicar os tais “direitos”. O fato de que metade do País ainda não dispõe de saneamento básico deveria bastar para comprovar esse terrível efeito colateral da generosidade estatal.

Num ambiente como esse, em que a aritmética perde feio para a demagogia, a cultura da poupança dificilmente vinga, pois há poucas razões para que o indivíduo se disponha a guardar dinheiro se o Estado, por lei, se compromete a bancar todas as necessidades básicas dos cidadãos, e também vários privilégios para alguns. A taxa de poupança brasileira é uma das mais baixas entre os países emergentes. Nos últimos anos foi pouco superior a 15% do PIB, enquanto na China é de cerca de 50%.

Sem poupança interna, o País é obrigado a recorrer à poupança externa, ou seja, tem de se endividar, pagando juros altos, para honrar seus compromissos e fazer os investimentos necessários para seu desenvolvimento. Também é obrigado a aumentar impostos – o Ministério da Fazenda calcula que a manutenção do atual sistema previdenciário representará um aumento de quase 10% da carga tributária nos próximos dez anos.

Enquanto houver estímulo ao consumo e à imprevidência, como querem os populistas, será praticamente impossível romper esse círculo vicioso que nos condena à mediocridade.

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Troco a razão pela liberdade de pensar livre

Detento exemplar, parece que José Dirceu mostrou como conseguir um habeas corpus sem perder a ternura. Se você vai ler este texto, preciso te alertar: não sou especialista; não tenho informações de bastidores; entendo de leis apenas o suficiente para me manter do lado certo do Código Penal; não consigo seguir rebanhos mansos ou revoltosos; não idolatro nada nem ninguém; além disso, começo frases com pronome oblíquo, misturo as pessoas do verbo e estou triste também com a morte do Belchior que canta agora a minha preferida, “Coração Selvagem”: meu bem, guarde uma frase pra mim dentro da sua canção.

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O habeas corpus a José Dirceu transformou o Brasil novamente em terreno do colapso da razão. Os esquecidos criminosos pobres desimportantes, mantidos na cadeia aguardado a Justiça, foram citados para contrapor o poder econômico e político de JD na decisão frustrante do STF e só serão lembrados outra vez quando convier. Frustrante decisão para o país indignado, mas legal segundo juristas sem lado. É compreensível e desejável que o Ministério Público Federal defenda seu trabalho, mas não com embates políticos. Desta vez, fez política tentando pressionar o STF e, me parece, isso determinou o tom do voto de Gilmar Mendes. Deu no que tinha que dar: toda vez que o MPF ultrapassa os limites institucionais, a bandidagem sorri.

Nossa febre é a de sempre e quebrar o termômetro peitando o frustrante STF é inútil e descabido. O Supremo foi peculiarmente legalista? Ora, não foi também com peculiar legalismo – pois não esclareceu que a gravidade não é quesito para HC, mas para o julgamento – que Deltan Dallagnol usou o Facebook para listar casos menos graves em que o HC foi negado? Não tenho competência para dizer qual legalismo peculiar é correto, o que tento fazer é resistir à histeria da torcida. Também torço para que a bandidagem toda vá em cana, sobretudo o(s) chefe(s), só receio que os motivos maiores de isso ainda não ter acontecido não estão onde os histéricos procuram.

A Justiça brasileira mastodôntica e cara, com sua lentidão crônica, garante impunidade de ponta a ponta e a obsessão com a lentidão do STF é só uma rima, não uma solução; some-se a isso o jogo político sujo ou limpo num contexto de incertezas em que as tentativas do MPF para se impor às custas da harmonia institucional e a conduta politiqueira da Procuradoria Geral na figura de Rodrigo Janot ameaçam o que podem fazer – e não fizeram porque preferiram “medidas menos gravosas”. Ou Lula (chefe da organização criminosa) e Dilma (chefe do governo que garantia o funcionamento da organização criminosa) têm foro privilegiado?

O juiz Sérgio Moro, lúcido diante do fanatismo de que é objeto involuntário, evitou restrições a JD que poderiam ser descontadas da pena final. Enquanto isso, hordas de extrema direita querem a cabeça de Gilmar Mendes espetada num poste, e a turba de esquerda quer a de Sérgio Moro exibida em praça pública; para as esquerdistas, há uma conspiração que pretende tirar Lula da disputa de 2018; para a extrema direita, a teoria da conspiração é o jeca se candidatar e voltar à presidência: o Brasil, emburrecido pelo fanatismo, cansa. Deveria estar claro que é dispensável uma conspiração para prender um criminoso, bastaria aplicar a lei; e para ele se eleger, bastar-lhe-iam votos.

Entre sites (sérios!) de notícias que estão a um post de atear fogo no STF e analistas de quem já não espero mais ponderação e menos gritaria, grassam modernos Tirésias deformados que mal noticiam ou observam o presente e preferem proclamar o futuro com a mesma fluência do adivinho original que era cego, em mais uma das tirações de sarro daqueles gregos danados com essa alegoria de um homem que, sem olhos para o presente, via o futuro. O vidente de Tebas acertava todas e quem o ignorou se deu muito mal; em contraste, os nossos anunciam que o HC a JD tece a trama com que o STF atará a Lava Jato eliminando as prisões alongadas. Francamente.

Seria por isso que Palocci, decifrando o recado cifrado no HC-JD, desistiu da delação premiada que ensaiava. É acusado de ingênuo, defensor-de-bandido, inimigo da Lava Jato, esquerdista Fabiano (a desqualificação que está em moda, incompreendida por 10 entre 10 que a disparam) e outros “argumentos” quem lembrar que, se o italiano não delatar, Moro o sentenciará a 50 anos de cadeia. O embrutecimento dos fanáticos cansa, mas é impotente se nos dispusermos a pensar: o italiano, e só ele, vai se lascar caso não delate. Se trocar os benefícios definitivos de uma delação pelos efêmeros de um HC, o italiano que pague também pela própria estupidez. Outros afirmam que JD solto destruirá provas e obstruirá a Justiça; ora, o que ele ainda precisa fazer nesse sentido que o chefe dele, mantido em liberdade pela Lava Jato, ainda não tenha providenciado? Compreendo que é exasperante lidar com incertezas, mas é o que temos num país transitando do que tem sido para o que jamais viveu.

Atravessamos o ano de 2015 tateando a luz entre extremos escuros do “tá tudo dominado” a cada batalha ganha pela súcia e do “a casa caiu” a cada pequeno passo da nação indignada para se livrar do petismo; no final do ano, o STF, numa operação inacreditável capitaneada pelo ministro Roberto Barroso, praticamente abortou o impeachment. No entanto, afastamos Janete e o Brasil está se depurando. Mesmo achando natural a agonia de um regime podre e forte frente ao país são que rascunhamos se dar num fluxo e refluxo de forças antagônicas, rejeito o fanatismo que sagra intocáveis entre radicais que veem no impeachment um golpe para impedir a volta de Lula ou para sabotar a Lava Jato e os governos atual e anterior como “farinha do mesmo saco”. Fosse assim, Temer governaria por pedaladas fiscais em vez de fazer reformas que ajudarão a organizar a catástrofe fiscal; o ministro da Justiça ameaçaria a Polícia Federal; o ministro da Fazenda achacaria empresários para garantir o projeto de poder do PMDB e germinar governos conservadores pela vizinhança; a imprensa independente continuaria demonizada em listas negras; etc.

Não piore minha tristeza me censurando algum otimismo, não estou otimista. Sou brasileira demais, vivi tempo no Brasil demais, sempre pegando duas conduções para ir e duas para voltar, passei tempo demais em filas, perdi muito do que já tive e vi promessas serem descumpridas para, diante de um tremendo golpe de sorte chamado Lava Jato numa nação tão maltratada, reduzir essa transição a um mero otimismo x pessimismo. A trajetória é irregular, mas é impossível detê-la; temos tido perdas e ganhos, mas o novo Brasil vai se sobrepor ao velho, será devagar e com recuos, com fanatismo e a resistência a ele, com a casca e o caroço, mas será. Não é a porção Tirésias que não tenho o que me leva a essa constatação, mas Belchior: meu bem, o mundo inteiro está naquela estrada ali em frente/Tome um refrigerante, coma um cachorro-quente/Sim, já é outra viagem e o meu coração selvagem tem essa pressa de viver.

Razões para pedir socorro

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Foi uma semana dura no Rio. A crise na segurança pública é alarmante. Tiroteios, saques, ônibus incendiados, um cenário de guerra. Concordo com os especialistas quando dizem que é preciso ajuda federal. Qualquer tipo de ajuda. Sei das reservas que as Forças Armadas têm em participar diretamente. Mas algo podem fazer. Na área de inteligência, por exemplo. O importante em termos de governo é se antecipar às tragédias anunciadas por esse incessante tiroteio.

Não entendo por que a segurança pública não está no topo da agenda nacional. Existem, é claro, outros problemas de peso, como as reformas ou a Segunda Turma do STJ, que resolveu, por uma escassa maioria, libertar alguns presos da Lava-Jato. Este é um debate difícil, porque quando você contesta uma decisão como leigo, às vezes ouve argumentos pesados: ignorante em leis, autoritário. Os ministros Celso de Mello e Edson Fachin também acham que a libertação dos presos é inoportuna. Seriam ignorantes em leis, como nos querem convencer os adversários da Lava-Jato?

Um pouco de humildade bastaria para reconhecer que é um problema complexo, decidir o momento adequado para soltar os presos. Um bom número deles já está em casa. Uma referência para mim é a lógica das investigações. Perigo à ordem pública, destruição de provas, ocultação do dinheiro roubado, continuidade no crime, como é o caso de José Dirceu, são fatores que pesam quando se avalia um habeas corpus.

Na decisão que manteve Sérgio Cabral na cadeia, o STJ incluiu um outro fator: amenizar a sensação de impunidade que se espalha , arrasando a confiança no país. Essa sensação de impunidade se adensa com as decisões da Segunda Turma, na qual a maioria é formada por Gilmar Mendes, um adversário declarado da Lava-Jato, e dois ministros fiéis ao PT.

Cerca de 40% dos presos no Brasil são provisórios, o goleiro Bruno é um deles. Mas nem todos têm condições de chegar ao Supremo ou a sorte de Eike Batista e seu sócio Flávio Godinho, que aterrissaram, precisamente, na mesa de Gilmar.

A mensagem da Lava-Jato de que a lei vale para todos fica abalada. As pessoas acabam acreditando que nada vai acontecer. Existe o forte argumento de que não importa se a pessoa é poderosa ou não, a lei tem de ser aplicada. Mas quando é aplicada só para a minoria que dispõe de competentes advogados, é preciso ser aplicada com rigor. Foi uma votação apertada, que derrotou dois competentes juristas. Para eles e para milhões de leigos, entre os quais me incluo, foi um erro motivado pela vontade de enquadrar a Lava-Jato.

Isso não significa que ela não possa ser enquadrada por instâncias superiores da Justiça. Uma coisa é corrigir erros para avançar, outra é se lançar contra os procuradores como faz Gilmar Mendes, ironizando uma denúncia como “brincadeira juvenil”. A impressão que Gilmar Mendes dá é a de que quer derrotar a Lava-Jato. Conheço os dois lados da moeda; o ímpeto juvenil e a experiência dos velhos. Aprendi que esses dois fatores podem andar juntos quando há um objetivo comum. E o objetivo deveria ser desmantelar o gigantesco esquema de corrupção que arruinou o país.

Gilmar e os dois ministros fiéis ao PT afirmam que estão cumprindo a lei. Celso de Mello e Edson Fachin veem uma outra maneira de cumprir a lei. O choque entre essas duas concepções não é uma luta contra ignorantes e letrados, autoritários e democratas. É apenas uma escolha diante da qual seremos responsáveis no futuro. Uma escolha entre fortalecer a Lava-Jato, inclusive criticando-a, ou simplesmente engrossar a ampla conspiração para liquidá-la.

Minhas dúvidas sobre a posição de Gilmar Mendes acabaram quando ele sugeriu a anulação das delações da Odebrecht porque houve um vazamento. Naquela altura, com todo o Brasil e parte do continente esperando os dados para conhecer o que houve, a sugestão de Gilmar Mendes trouxe um calafrio. Percebi que não só estava em luta contra os procuradores da Lava-Jato, como queria derrotá-los amplamente, inclusive o seu trabalho.

Não vejo problema em ministros e procuradores discordarem ou mesmo debater em público suas diferenças. As coisas complicam quando a luta entre concepções distintas chega a ponto de ignorar ou mesmo sacrificar um objetivo que deveria ser comum a todo o aparato da Justiça. Ignoro as razões mais profundas da cruzada de Gilmar Mendes contra a Lava-Jato. Na sua formulação, está garantindo o estado de direito. Na prática, não só através de sentenças, frases e sugestões, está tendo uma atitude destrutiva.

O que foi revelado até agora pelas investigações, o dinheiro recuperado, as delações — tudo marcou muito o imaginário brasileiro nos últimos anos. Vai ser difícil derrotar a Lava-Jato. É poeira demais para se esconder embaixo do tapete. No entanto, nesta fase de sua trajetória, encontrou um forte adversário: a turma que vai julgá-la no STF.

Novo cenário, novas aflições.

Fernando Gabeira

Um clássico francês

A internet causa irrefreável divisão do Poder através do pensamento

No livro chamado “Ou César ou Nada” (Editora Ediouro- 2005), o escritor espanhol Manuel Vasquez Montalban reproduz um diálogo, imaginário provavelmente, ocorrido entre Maquiavel e Cesar Bórgia, em quem o primeiro se inspirou para escrever sua obra magistral chamada “O Príncipe” (escrita no século XVI, em Firenze, na Itália). Com o tempo e as conveniências, a obra acabou dedicada a Lorenzo de Médici. Muito interessante para pontuar o desenvolvimento, a massificação e a tentativa de controle da informação por parte do Poder. Na página 291, ele pontua uma fala significativa para todos os tempos, inclusive e principalmente os atuais. Diria Maquiavel:
– É preciso sonhar acordado. É uma época para sonhadores, mas acordados. Imitamos os modelos antigos, mas nada é igual à antiguidade. Copérnico se protege afirmando que suas teorias planetárias se baseiam no saber antigo, mas não é assim. Elas se justificam no saber antigo. A cada dia aparecem novas máquinas, novas descobertas, inclusive talvez a Terra seja redonda e gire em torno do sol, como sustenta Copérnico. As patentes de invenção enchem os gabinetes de maços de papel, e nenhuma como a imprensa, que permite a libertinagem de reproduzir livros nem sempre convenientes. E a mecânica? Aplica-se a arte militar e, depois, as descobertas passam à indústria civil e ao comércio. Logicamente, os costumes se ressentem. Virtudes antes sagradas se revelam obsoletas ao lado do papel do dinheiro, por exemplo. Quando já se havia visto tanto poder nas mãos dos banqueiros e comerciantes?


Verdadeira ou não, essa afirmação e descoberta é um primor para os tempos atuais e a primeira constatação de que a tecnologia molda a economia e a economia, pela informação, molda a sociedade. Era assim na Idade Média e continua assim nos tempos atuais. O provável diálogo do Maquiavel com César Bórgia se dá no final do Século XIV, no papado do ainda hoje incompreendido cardeal espanhol Rodrigo Bórgia, Papa Alexandre VI, que pontificou numa época de conquistas e descobertas importantes para a humanidade. Eram também os tempos de Leonardo Da Vinci, Michelangelo, Fillipo Lippi e de Savonarola, o frade dominicano que contestava o poder e a modernidade. Acabou na fogueira.

Por essa época a informação era um bem intangível, difícil de valorar para a massa. Era uma propriedade quase exclusiva da Igreja, do Estado, e de seus apaniguados, dependendo sempre do contexto, claro.

Tanto é verdade que o Meio (ou veículo) era o confessionário ou os mensageiros e os arautos.

O mensageiro, muitas vezes era morto logo após a entrega da mensagem. Era para que não revelasse a mais ninguém o teor, além do destinatário. E o arauto era aquele designado pelos donos do Poder para anunciar as novas à massa. Eram as mídias da época. O livro era um privilégio restrito aos conventos e acessível apenas aos eleitos pela elite dona do Poder e somente em latim. Escrever era possível, mas daí a tornar seus escritos difundidos era uma tarefa quase impossível.

O próprio Maquiavel só teve sua obra difundida muitos e muitos anos depois. Mesmo implorando aos poderosos da época, em vida jamais encontrou quem lhe desse ouvidos e guarida. Ninguém buscou mais a atenção e os favores do Papa Leão X, um Médici, para seus escritos do que ele. E nunca conseguiu nada. Isso durou até o invento da prensa por Gutenberg, no ano de 1449, em Londres, quando, um século mais tarde, as ideias, definitivamente, abandonaram o curral das elites para circular livremente no meio de quem sabia ler.
Em meados do século XV, a principal mídia, além da Igreja, era a pintura de adoração. A partir daí a educação passou a ser uma necessidade da massa com o advento da burguesia. Deixou de ser privilégio da Igreja, das cortes e dos abastados financeiramente. Alguns séculos depois a Revolução Industrial, com o aparecimento do motor a vapor, nascida também a partir de Londres, completou o resto, com a imperiosa necessidade de estudar para trabalhar.

É aqui que os ingleses viram um marco definitivo na história da evolução da humanidade, como os romanos foram um dia. E nessa trilha o mundo vai girando mais ou menos do mesmo jeito até o final do Século XVIII, quando novas formas de governo se estabelecem e as ideias passam a circular cada vez mais nas mãos e cabeças de mais pessoas através dos meios impressos. Em seguida veio o iluminismo e com ele as revoluções que mudaram a cara do velho mundo.

As tecnologias da informação sempre estiveram na vanguarda. Até que no começo do Século XX o homem pode comprar o aparelho de rádio e entrar definitivamente na era da informação de massa. Mais tarde, algumas décadas depois o aparelho de TV o colocou num mundo onde ele agregou informação e entretenimento, com imagem e consumo. Mas nenhum deles lhe deu interação. Todos os meios, inclusive o padre no confessionário, solapou ao homem o direito de interagir. Essa possibilidade chegou aos tempos atuais com a Internet. O computador colocou a todos, indiscriminadamente, com o mesmo poder do Padre, do Rei, do Presidente, de Maquiavel, de César Bórgia e do Papa em termo de ideias, pensamentos e interação.

Modelo fora de uso

As homenagens em memória de Eduardo Portella anteontem, na “Sessão de Saudade” da Academia Brasileira de Letras, ultrapassaram fronteiras: além das palavras de despedida de praticamente todos os acadêmicos, chegaram mensagens de Espanha, México, Itália, França, Bulgária e Japão. Manifestaram pesar e exaltaram sua importância como intelectual os sociólogos franceses Edgar Morin e Michel Maffesoli, o filósofo italiano Gianni Vattimo, o poeta e ensaísta espanhol Rafael Argullol, entre outros. A diretora da Unesco, a búlgara Irina Bokova, enviou longa carta à família em que afirma que Portella “não foi somente um grande ator” dessa organização da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura, mas também um de seus mais vibrantes e eloquentes advogados”. Segundo ela, o projeto Caminhos do Pensamento, criado por ele, “foi o mais bem-sucedido” da instituição.

Enquanto isso, durante duas horas, os confrades de Portella abordaram os múltiplos aspectos de sua obra e de sua atividade na ABL — o extraordinário crítico literário, o agudo ensaísta, o profundo pensador do Brasil. Como acadêmico, ele foi uma referência, um ponto de encontro ao qual se comparecia duas vezes por semana. Seu humor sagaz e às vezes mordaz era irresistível. Difícil sair de uma conversa com ele sem dar boas risadas. Em campanhas para preenchimento de vaga, era indispensável ouvi-lo, até para discordar.

Portella quando estava ministro
Um dos aspectos que mais me interessavam na sua biografia era o da política, talvez porque eu tenha acompanhado alguns momentos dessa participação. Não só ele deixou uma reflexão teórica sobre “O intelectual e o poder”, título de um de seus livros, como viveu a relação na prática, ocupando cargos públicos. Trabalhou na Casa Civil de Juscelino Kubitschek, foi ministro da Educação e Cultura do general Figueiredo e secretário de Cultura de Moreira Franco.

Em 1978, o recém-nomeado ministro me concedeu uma longa entrevista para a “Veja”, expondo seu programa, realmente inovador. Depois, perguntou: “E você, o que acha?”. Quando disse que ele iria enfrentar dificuldades, interrompeu, me encarou e garantiu: “De uma coisa você pode estar certo: se tiver que fazer alguma coisa contra minha classe, me demito”. Pensei comigo: “falar agora é fácil, quero ver na hora de sair”.

Não demorou muito, e o ministro cumpriu a promessa. Quando o governo quis que ele reprimisse uma greve de professores, classe que também era sua, ele se demitiu, revelando-se o que é hoje um modelo fora de uso: alguém que está ministro, não que é ministro, ou seja, que não se agarra aos cargos.
Zuenir Ventura  

Um show petista para a galera da propina

A "Quarta Espetacular" é mais um show orquestrado pelas Organizações PT, com apoio ou conivência de órgãos ditos independentes como alguns da imprensa, em maioria, e até mesmo de instituições da Justiça, no Paraná.

O prédio da Justiça Federal ,em Curitiba, na quarta-feira, será destinado exclusivamente para o depoimento de Lula por decisão da direção do Foro. É escracho demais em paralisar todas as atividades de atendimento ao público para que o "palácio" seja reservado para um único depoimento de quem responde por inúmeros inquéritos. É a primeira vez, e espera-se que seja a única, em que o público será impedido de entrar em prédio público porque um ladrão está depondo.

Se não bastasse, ainda há pedido das Organizações PT que haja filmagem independente do depoimento, ou seja dirigida e direcionada ao público petista, inclusive para ser utilizada em campanhas eleitorais de 2018. A aceitação de que se faça das falas de Lula diante do juiz Moro um espetáculo para glória do PT não será apenas a desmoralização da já desmoralizada justiça à brasileira como ainda do próprio juiz e do trabalho de investigação desenvolvido pela Lava Jato.

Restará estender o tapete vermelho para que o grande capo "Nine" adentre na glória de um ex-presidente acusado injustamente por roubar um país inteiro, em nome do povo, e ainda dar migalhas do assalto aos amigos do bolivarianismo. Um escárnio com arquibancada lotada bem ao gosto carnavalesco como se trata do interesse público.
Luiz Gadelha

Será preciso lembrar Gilmar Mendes e colegas do conceito grego de piqueia?

O magistrado do Supremo Gilmar Mendes e alguns de seus colegas parecem possuídos pela tirania da “letra” da lei, usada para livrar da cadeia os políticos, esquecendo-se do importante conceito clássico da epiqueia grega.

Não foi o homem moderno que inventou o direito. Para os gregos, e depois para os romanos, até nosso tempo, tão importante ou mais que a literalidade da lei é seu espírito. A epiqueia ensina os juízes, e há séculos, que em toda lei além da letra existe a sua alma.

De Platão a Aristóteles, passando por São Tomás, não existia a justiça sem o contrapeso da equidade. Hoje, o Dicionário da Real Academia Espanhola, em sua 22ª edição, define, por exemplo, epiqueia como “a interpretação moderada e prudente da lei, segundo as circunstâncias de tempo, de lugar e de pessoa”.

Se é assim, a interpretação moderna de epiqueia implica levar em conta o momento histórico e as vivências da sociedade. Não parece ser isso o que move alguns dos magistrados do Supremo quando usam a literalidade da lei para tirar da prisão certos personagens políticos do grande escândalo de corrupção investigado pela Lava Jato. Ou quando duvidam se um réu da Justiça pode ser candidato às presidenciais.

Parecem mais aprisionados pela letra que usam em um tom mais político que jurídico, sem se importar com o delicado momento que vive um Brasil em carne viva. Um Brasil que, uma vez mais, constata que a lei não é igual para todos.

Gilmar Mendes e outros colegas seus parecem sofrer vendo alguns políticos em prisão preventiva, acusados de crimes que ofendem e escandalizam a sociedade. Parecem, porém, interessar-se menos pelos milhares de presos pobres, sem advogados de luxo, que jazem durante anos, às vezes por pequenos delitos, amontoados em presídios desumanos, sem sequer terem sido ainda interrogados por um juiz.

Gilmar Mendes chegou a qualificar de “histórica” a decisão de tirar da prisão José Dirceu, que se arrasta pelos caminhos da corrupção política desde os tempos do mensalão e que segundo os juízes continuou perpetrando crimes mesmo estando preso.

Seria preciso perguntar à sociedade brasileira se para ela tal decisão, à qual podem se seguir outras iguais ou parecidas, é algo histórico ou está mais para uma decisão que ofende a sensibilidade de quem ainda acredita que a Justiça não pode ser somente um frio códice de leis, mas também, e sobretudo, a segurança de que existe para proteger a todos e não somente os poderosos.

Desde os pensadores antigos, passando pelos textos bíblicos, até os filósofos e magistrados de hoje mais bem conectados com a alma das pessoas, a lei mata, enquanto o espírito salva.

Quando em um país a letra da lei passa por cima dos anseios de justiça de toda uma sociedade é o direito que aparece comprometido e maltratado.

Paisagem brasileira

Praia da Guarita, Torres, RS.:
Praia da Guarita, em Torres (RS)

O engodo do populismo

A resistência, verdadeira ou fabricada, às poucas e modestas reformas ora propostas pelo governo na área trabalhista e na previdenciária mostra mais uma vez quanto o “populismo”, muito mais do que o marxismo, o comunismo e outras teorias gasosas, tornou-se o grande inimigo atual da liberdade econômica ─ e, no fim das contas, dos regimes democráticos. Marxista é uma espécie que só sobrevive no ambiente protegido da universidade onde, em geral, tem sua subsistência fornecida pelos salários que recebe do Estado. Na vida real não existe nem em Cuba. Da mesma forma, os regimes considerados “progressistas” pela esquerda brasileira e mundial, por se apresentarem como uma alternativa virtuosa ao capitalismo ─ lugares como Venezuela, Coreia do Norte e ditaduras africanas ─, aparecem muito nas primeiras páginas e nos horários nobres da mídia, mas, pelo que se sabe, não chegam a inspirar revoluções populares mundo afora nem contribuem para o avanço da causa proletária internacional. Já os populistas são artigo de outra qualidade. Combatem com eficácia, persistência e vastos recursos financeiros qualquer mudança que possa melhorar a chance de sucesso de quem se dispõe a empreender alguma atividade econômica por conta e risco próprios. O mandamento central de sua religião é negar a legitimidade do esforço individual em busca da prosperidade, do trabalho que dá lucro e do mérito pessoal.

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O objetivo real do populismo, em seu esforço atual para manter no Brasil tudo do jeito que está, sem transformação nenhuma, é continuar mandando no país com a utilização de um conto do vigário básico. Trata-se de prometer aos eleitores todos os direitos, vantagens e proteções que possam ser colocados num pedaço de papel ─ sem que, de um lado, os beneficiários tenham executado algum trabalho, produzido alguma coisa ou mostrado algum mérito para receber os benefícios; e sem que, de outro lado, os autores das promessas tenham a menor possibilidade de cumpri-las. Costuma dar certo, ou tem dado certo até agora, para os trapaceiros profissionais que há décadas tiram seu sustento e sua fortuna do exercício da vida pública. Vivem ganhando votos desse jeito, dentro da ideia geral segundo a qual o eleitor jamais está disposto a abrir mão de direitos que não tem e sempre estará pronto a aplaudir a promessa de direitos que não terá. Aparecem como “defensores do povo”, ou dos “pobres”, ou da “maioria” ─ e, se for o caso, também das “minorias” ─, sem ter a menor responsabilidade pela execução do que aprovam ou pelas despesas que criam. Só sobrevivem dentro do sarcófago que é o Estado brasileiro de hoje, cada vez mais enterrado nos gastos que fabrica e na prática da extorsão fiscal. Por isso mesmo, não admitem mudar nada.

Tudo é muito difícil numa sociedade em que os que querem produzir alguma coisa têm de pedir autorização a quem não produz nada. Difícil só para quem trabalha, é claro ─ já para os parasitas que vivem de dar as autorizações, escrever as regras e gastar o dinheiro que vão tirar do bolso do contribuinte, o Brasil é um paraíso. Reformas? Por que diabo aceitariam reformas que só os prejudicam? Por que um sindicalista, por exemplo, aprovaria a extinção do imposto sindical ─ um dos mais abjetos da legislação tributária do mundo? Muito melhor fazer uma “greve geral” em que ninguém corre risco nenhum. Ou, como disse uma das vozes “progressistas” mais estimadas pela imprensa nacional, considerando-se a quantidade de vezes que aparece no noticiário, cálculos aritméticos estimando o déficit da Previdência Social são “inconstitucionais”.

Só está dentro da lei, pela visão de mundo dos inimigos das reformas, a matemática segundo a qual o caixa da Previdência está estourando de tanto dinheiro guardado. Ou que as empresas privadas têm recursos de sobra para pagar todos os “direitos trabalhistas”, atuais e futuros. Ou que o Tesouro Nacional se recusa a distribuir renda para os pobres. É onde estamos.

A máscara da ditadura na democracia

Realidade invade reino da bolha, habitat de Lula


Representante do PT na diretoria corrupta da Petrobras, Renato Duque arrastou Lula da margem para o centro do mar de lama. No depoimento que prestou a Sergio Moro, Duque rendeu homenagens à inteligência de Lula, destruindo aquele personagem fictício que não sabia de nada. Duque disse ter encontrado Lula secretamente. Contou que o grão-mestre do PT não só sabia do lamaçal como monitorava o fluxo da lama. Pior: com a Lava Jato a pino, Lula orientou o operador do PT a apagar rastros no exterior. Fez isso a pedido de Dilma Rousseff, contou Duque.

Lula encontrou uma maneira surreal de se proteger do terremoto que destroi sua biografia. Como um paciente terminal, que não pode respirar o ar impuro, Lula vive numa bolha. Isolado do ambiente exterior, Lula respira alienação, sua substância vital. Comporta-se como se nada tivesse sido descoberto sobre ele.

Tudo isso ocorre a cinco dias do encontro de Lula com Sergio Moro. Enquanto sua reputação é soterrada pelos fatos, Lula pede ao juiz da Lava Jato para mudar o modelo de filmagem do seu depoimento. Ele quer que a câmera passeie pelo ambiente, em vez de ficar focalizada apenas no seu rosto. Lula finge não notar que a realidade invadiu a sua ficção. São cada vez mais reais as chances de Lula ser transferido do reino da bolha, onde vive, para a cadeia. É questão de tempo.

A resiliência petista

Os petistas comemoram a saída da cadeia do ex-ministro José Dirceu, que aguardará seu julgamento em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica. Com razão, pois o petista é o líder político mais importante da legenda depois dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. De longe, é o que melhor conhece os quadros da legenda e a psicologia dos militantes petistas. Está proibido de agir em relação à Lava-Jato, mas não pode ser impedido de pensar a política, nem orientar politicamente seus aliados. Isso ele sabe fazer nas mais diversas circunstâncias, porque acumulou essa experiência na clandestinidade e no exílio.


No auge da crise do mensalão, quando já havia sido defenestrado da Casa Civil e às vésperas de ter o mandato de deputado federal cassado pela Câmara, Dirceu parecia enxergar na escuridão ao apostar na reeleição de um Lula que andava acabrunhado e deprimido, enquanto a oposição acreditava que o então presidente da República sangraria até definhar eleitoralmente. Sua confiança estava depositada na resistência dos militantes petistas. Ao contrário de outros parlamentares que deixaram a legenda e fundaram o PSOL, Dirceu não queria saber de autocrítica, mas de um discurso que possibilitasse à legenda sair da defensiva e partir para cima dos adversários nas eleições de 2006. Foi o que aconteceu.

A liderança de Dirceu no PT não deve ser subestimada, seja porque foi o artífice da ascensão política de muitos quadros petistas, seja porque seu comportamento durante a prisão contrasta com o de outros envolvidos na Operação Lava-Jato que recorreram à delação premiada. Caso se confirmem as delações do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, o que parece acontecer, (haja vista a operação de ontem da Polícia Federal, que prendeu três ex-gerentes da estatal) e do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, a estrela de Dirceu pode voltar a brilhar na constelação de dirigentes petistas, muitos dos quais também são investigados na Lava-Jato e dependem do silêncio de Dirceu. Quem quiser que pague pra ver.

A última pesquisa Datafolha mostra que o PT está saindo do fundo do poço e volta ao patamar de 15% de preferência do eleitorado, seu melhor desempenho desde setembro de 2014. É um voo de fênix diante da acachapante derrota eleitoral de 2016, que deixou o partido na lona nas eleições municipais. Analistas destacam que a preferência pelo PT aumentou de 9% para 14% no Sudeste, de 5% para 10% no Sul, de 14% para 22% no Nordeste, de 7% para 13% no Centro-Oeste e de 6% para 15% no Norte. Cresceu entre os mais pobres (de 11% para 19%) e entre os de renda alta (de 5% para 10%); entre quem fez o fundamental (de 10% para 18%) e fez faculdade (de 7% para 10%). Como explicar esse fenômeno?

Em primeiro lugar, a imagem do PT historicamente sempre esteve associada ao desempenho eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Acuado pela Operação Lava-Jato, ameaçado de ser preso por causa das delações premiadas da Odebrecht e da OAS, o petista reagiu politizando as acusações, numa queda de braço com o juiz federal Sérgio Moro. E decidiu andar pelo país, em busca de seus eleitores mais empedernidos, aquela parcela da população diretamente beneficiada pelo programa Bolsa Família.

Há que se considerar, em segundo lugar, o fato de que, passado o atordoamento do impeachment de Dilma Rousseff, a legenda voltou a intensificar sua atuação nos movimentos sociais, principalmente nos sindicatos. Finalmente, em terceiro, a narrativa do golpe — o biombo para evitar o isolamento e fugir à autocrítica —, que era uma estratégia defensiva, foi robustecida pelas palavras de ordem contra as reformas trabalhista e da Previdência, que unificam a oposição ao governo Temer e embaralham as cartas na opinião pública, além de causar fissuras na base do governo.

É a volta do PT às ruas, com suas velhas bandeiras vermelhas, que acaba por transformar em satélites outros setores de oposição, como o PSOL, que estava até crescendo com a Lava-Jato. Além disso, os grandes partidos governistas foram lançados à vala comum da Operação Lava-Jato, o que está possibilitando uma espécie de acordo tácito entre todos esses protagonistas, não em relação às reformas, mas contra a Operação Lava-Jato e a favor da reforma política.

Não é à toa que o relator da reforma política é um petista, o deputado Vicente Cândito (SP), um dos mais hábeis articuladores da Câmara, que costura um acordão entre as grandes legendas para canibalizar os pequenos partidos. Ironicamente, os partidos ameaçados de perderem o tempo de televisão e os recursos do fundo partidário não são os mais envolvidos na Operação Lava-Jato. A reforma política está sendo feita para salvar os grandes partidos e seus quadros principais, permitindo até que eles escondam suas legendas em frentes partidárias, como a que já está sendo organizada pelo PT.