Há uma premissa verdadeira, desprezada pelo presidente Bolsonaro: “Quanto mais extensa a aliança em torno do Executivo, maior sua probabilidade de garantir a governabilidade”. Essa relação de troca tem marcado o equilíbrio entre os dois Poderes, com o presidencialismo alimentando-se da base política, e esta comendo do seu pasto. Bolsonaro considera isso “velha política”.
Presidencialismo mitigado, ou parlamentarismo à francesa, até foi tentado pelo presidente Michel Temer. Mas o DNA do presidencialismo está bem presente em nossa cultura. Sua semente viceja em todos os espaços, e o termo “presidente” ecoa grandeza, uma aura de todo-poderoso, a caneta do homem que manda e desmanda.
O culto à figura do presidente e a atores com o poder da caneta faz parte da glorificação. Tronco do patrimonialismo ibérico. Herdamos da monarquia os ritos da Corte: admiração, bajulação, respeito e mesuras, o beija-mão.
O sociólogo francês Maurice Duverger defende que o gosto latino-americano pelo sistema tem a ver com o aparato monárquico. O milenar império inca e depois o poderio espanhol plasmaram a inclinação pelos regimes autocráticos.
O presidencialismo aqui agrega doses de autocracia. Já o parlamentarismo europeu se inspirou na ideologia liberal da Revolução Francesa, o que explica a frieza europeia ante o presidencialismo. Essa disposição monocrática no Brasil começou com a Constituição de 1824, que atribuiu a chefia do Executivo ao imperador. A adoção do presidencialismo, na Carta de 1891 – que absorveu princípios da Carta americana de 1787 –, só foi interrompida entre 1961 e 1963, quando o país teve ligeira experiência parlamentarista.
Assim, o presidencialismo se eleva ao altar mais alto da cultura política – o mandatário na condição de protetor, benemérito. De acordo com o sociólogo Thomas Marshall, os ingleses construíram sua cidadania abrindo, primeiro, a porta das liberdades civis, depois, a dos direitos políticos e, por fim, a dos direitos sociais. Entre nós, os direitos sociais precederam os outros. A densa legislação social (benefícios trabalhistas e previdenciários) foi implantada entre 1930 e 1945, no ciclo de castração de direitos civis e políticos. Portanto, o civismo e o sentimento de participação ficaram adormecidos por muito tempo no colchão dos benefícios sociais. Imaginar o parlamentarismo aqui só mesmo ante uma ruptura mais acentuada entre o Executivo e o Legislativo. E com a aprovação popular. Por enquanto, temos de conviver mesmo com o fardão presidencialista.