quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Pensamento do Dia

 


De onde vem e para onde vai o dinheiro do agronegócio brasileiro?

Para responder essa pergunta tão importante para todos os brasileiros, algumas preliminares precisam ser apresentadas. O conceito de Agronegócio ainda não é muito claro na sociedade em geral, pois o imaginário da agropecuária é muito arraigado em nossas mentes, seja pelo histórico da atividade econômica, seja pela literatura e arte visual. Para entender o moderno conceito de agronegócio temos que recorrer a John Davis e Ray Goldberg, que em 1957, no livro “Concept of Agribusiness”, iniciou uma mudança na forma de entender a produção agropecuária e as suas relações na economia dos países.


Com este novo entendimento, percebeu-se que a atividade é uma grande cadeia de relações (ou sistema), que inicia nas indústrias de insumos e máquinas, engloba o mercado de terras, legislação, sistema financeiro, educação e políticas públicas. Passa para fase de produção agropecuária, propriamente dita, e continua nas indústrias de processamento, logística, exportação, atacadistas, varejistas e chega no consumidor final. Enfim, agronegócio é um gigantesco sistema de múltiplas relações e que movimenta muito (mas, muito mesmo) dinheiro, pessoas e interesses. Outra característica importante do agronegócio é saber onde o dinheiro circula e é concentrado. Esta concentração irá definir quem controla este grande sistema. Quem tem mais dinheiro, manda.

Segundo um estudo de Goldberg, com dados do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), aproximadamente, 80% dos valores circulantes estão no setor antes da porteira e depois da porteira, ou seja, a agropecuária é essencial no processo, mas não coordena o sistema de produção. Munidos desta compreensão, é possível vislumbrar que o dinheiro do Agronegócio, ao final do processo, é concentrado na mão de quem detém as indústrias de insumos, processamento e distribuição. Outro aspecto importante, é que neste modelo, a produção agroindustrial não pode ser muito diversificada, pois somente com padronização dos produtos é viável aplicar o modelo industrial de produção em série na atividade agropecuária. Com pouca diversidade, as indústrias conseguem atuar em toda a produção com poucos produtos e, com isso, controlar praticamente todo o sistema.

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Esta concentração em poucos produtos agropecuários, também conduz a uma redução na diversidade de insumos para a produção. Com isso, haverá poucas empresas disputando o mercado e que para dificultar mais ainda a entrada de novos agentes, realizam fusões de proporções planetárias e controlam a maior parte do mercado de insumos e processamento. Segundo estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2019, no ano de 2017, as dez maiores empresas de defensivos agrícolas no Brasil responderam por 80% do total comercializado e se ampliar para as 15 maiores, o total é de 96%. Portanto, boa parte dos gastos com insumos irão ser pagos a um grupo bem pequeno de empresas, sendo a maioria formada por capital estrangeiro. Quanto ao outro extremo da cadeia, o depois da porteira, também caminha a passos largos para a concentração.

Para ilustrar o fenômeno da concentração: o custo de produção do Soja RR, na região centro-sul de Mato Grosso do Sul, para a safra 2021/2022, segundo a Embrapa Dourados, consumirá com insumos, depreciação e custo de oportunidade com máquinas e implementos 59,8%. E o custo total de produção para o mesmo soja e região, poderá consumir de 43,92% a 81,56% da produção, a depender da pior ou melhor previsão dos preços do soja. Conclusão, com a produção e venda do soja, promove-se uma grande circulação de dinheiro, mas, ao final, este terminará nas contas de poucas multinacionais. Enfim, por unidade produzida, o agricultor brasileiro ficará com uma pequena parte deste dinheiro.

Evidente que, ao exportar o produto, o país terá a entrada de dólares que fortalecem as Reservas Externas do país e abastecem a economia de reais depois do câmbio. Este capital, advindo das exportações, será elemento essencial no financiamento da nova produção. Entretanto, estes recursos não vão chegar completamente nas mãos dos produtores, como explicado acima. É necessário considerar que a produção agropecuária é uma atividade de alto risco e o produtor somente consegue se manter na atividade por longos períodos se for abastecido de financiamento externo à propriedade ou se for um produtor de grandes proporções. Para manutenção de produtores médios e pequenos, é necessário prover a atividade de crédito de baixo custo, ou seja, com subsídios. E, atualmente, quem pode propiciar este crédito com juros baixos e alto risco de inadimplência, é o Estado.

Esses recursos disponibilizados à produção agropecuária, originam-se de uma política pública conhecida como Plano Safra, onde o Estado utiliza recursos da poupança rural (49%) e recursos obrigatórios (22%), estes oriundos do VSR (Valor Sujeito a Recolhimento dos recursos depositados à vista nos bancos). Enfim, há um esforço do Estado e, portanto, de toda a sociedade, para financiar a agropecuária, mas boa parte dos recursos não fica especificamente no bolso dos agropecuaristas. Com esse quadro a rentabilidade do agricultor brasileiro tem diminuído, o que conduz a necessidade de crescer em escala de produção para poder manter-se na atividade. Para este crescimento há duas vias: aumentar a produtividade e/ou aumentar a área de produção, que, nos dois casos, implica em grandes investimentos. Este aumento em produtividade implica em aprimorar o sistema industrial de produção, ou seja, investir mais recursos nos insumos das indústrias multinacionais e o crescimento de área implica em comprar novas áreas e avançar na fronteira agrícola. Com as regras ambientais brasileiras, novas fronteiras agrícolas estão se tornando escassas, o que resulta em uma elevação do preço das terras e a tendência natural é que as propriedades sejam cada vez maiores, mais caras e concentradas nas mãos de poucos produtores que consigam atender estas exigências do mercado.

Respondendo à pergunta título do artigo: o dinheiro do agronegócio origina-se em grande parte das exportações e do financiamento público, mas o seu destino final será, em boa parte, os cofres daqueles que coordenam as cadeias produtivas ou de alguns grandes produtores de grandes dimensões. O agronegócio é um dos grandes negócios no Brasil, mas precisa ser mais dos brasileiros.

Os enganados


É mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas
Samuel Langhorne Clemens (Mark Twain)

Bolsonaro está se lixando para Eduardo. É Carlos que o preocupa

Derrotado por Lula, hoje faz 30 dias, Bolsonaro perdeu a voz, a vontade de governar e o ânimo pela vida. Arriscou-se a perder Michelle, com quem está casado há 15 anos completados ontem. E afrouxou o estribo que mantinha presos a ele os seus filhos Zero.

Aí deu no que repercutiu muito mal entre seus seguidores mais fanáticos e radicais: enquanto eles enfrentam chuvas torrenciais em acampamentos à porta de quartéis clamando pela anulação das eleições, Eduardo Bolsonaro diverte-se e esbanja felicidade.


E logo onde? No Catar, sede da Copa do Mundo, na companhia da mulher, de uma penca de amigos, e torcendo pela vitória da Seleção Brasileira. Bolsonarista raiz, por força do hábito, veste a camisa da Seleção, mas não torce por ela. É o que eles dizem.

Torcer pela Seleção a essa altura só beneficia o PT e Lula, que venceram uma “eleição roubada”. É justamente por ter sido roubada que eles estão em pé de guerra e cobram uma intervenção militar que a cancele. Pedem também a prisão de Lula.

Não querem só isso. Querem o fechamento do Supremo Tribunal Federal e a prisão de meia dúzia de ministros; entre eles, Alexandre de Moraes, a quem Bolsonaro chamou de canalha no dia 7 de setembro do ano passado. Bolsonaro prometeu desobedecer às ordens dele.

Como continuarão fiéis ao Mito, e aos filhos do Mito, e a uma visão de mundo que eles souberam tão bem vender para convencê-los, quando o mais ideológico dos Bolsonaros faz o que Eduardo fez em ocasião de tamanho sofrimento coletivo?

“Inacreditável que estão no Catar, aderindo ao pão e circo, e o povo aqui clamando em frente aos quartéis para que seja feito algo. Que mancada, hein. Péssimo exemplo. Parece que riem na cara do povo”, escreveu no Twitter um discípulo da família.

Outro escreveu: “No Catar? Enquanto os brasileiros estão debaixo de chuva se manifestando, enfrentando tudo e a todos? Não deveria estar no Congresso lutando pelo povo? Depois cai em descrédito e não sabe por quê!”. E outro, ainda mais revoltado:

“Lamentável a sua postura em meio ao caos, hein, Eduardo? O povo debaixo de sol e chuva na frente dos QGs lutando pelo país, teu pai acabado, chorando em discurso, e vocês aí no Catar, vendo a Copa do Mundo? Lamentável demais.”

Não é a primeira vez, e nem será a última, que Eduardo Bolsonaro (PL-SP), deputado federal reeleito, que se diz amigo do ex-presidente Donald Trump e que ambicionou ser embaixador do Brasil em Washington, decepciona o próprio pai.

Em 2 de fevereiro de 2017, candidato a presidente da Câmara dos Deputados, Bolsonaro deu-se conta da ausência de Eduardo. Bolsonaro sabia que não tinha a mínima chance de se eleger, mas lançou-se candidato só para ocupar espaço na imprensa.

Eduardo, o Zero 3, estava no exterior. O fotógrafo Lula Marques flagrou uma troca de mensagens entre os dois. Bolsonaro teve apenas quatro votos para presidente da Câmara.

Bolsonaro: “Papel de filho da puta que você faz comigo”.

Bolsonaro: “Tens moral para falar do Renan? Irresponsável”. (Referia-se a Jair Renan, o Zero 4)

Bolsonaro: “Mais ainda, compre merdas por aí. Não vou te visitar na Papuda”. (Papuda é a penitenciária de Brasília)

Bolsonaro: “Se a imprensa te descobrir aí, e o que está fazendo, vão comer seu fígado e o meu. Retorne imediatamente”.

Eduardo: “Quer me dar esporro, tudo bem. Vacilo foi meu. Achei que a eleição só fosse semana que vem. Me comparar com o merda do seu filho, calma lá”. (O merda era Jair Renan)

Bolsonaro nunca revelou onde Eduardo estava, o que fazia, e por que poderia ser preso se fosse descoberto. Flávio, senador, o Zero 1, não dá tantas preocupações ao pai, a não ser quando vai à compra de imóveis pagando com dinheiro vivo.

Carlos, vereador, o Zero 2 e o mais instável dos filhos, preocupa Bolsonaro. Ele responde a processos que poderão levá-lo a ser preso por decisão de qualquer juiz da primeira instância. Esse é o principal motivo do desespero em que vive Bolsonaro.

Gil

"O mundo só anda para frente." Gilberto Gil me disse isso há poucos meses quando perguntei se ele não temia um retrocesso maior, que nos levasse aos tempos em que foi preso e viveu exilado em Londres. Afirmou, convicto: "não, não tem isso, não, as pessoas querem viver em paz".

Ao ver a cena revoltante em que Gil e Flora foram acossados e agredidos, uma imagem ficou. Gil parece o tempo todo uns degraus acima da barbárie, como se flutuasse sobre o ódio e a ignorância, sentimentos tão mundanos para quem já alcançou outra dimensão. Naquele patamar em que vivem apenas os deuses da sabedoria, da sensibilidade, da escuta, da paz.

Não foram analistas e cientistas políticos, colegas de profissão, os que acalmaram meu coração diante de todas as ameaças que vivemos e que continuaremos a enfrentar, mas a frase dita num fim de tarde de junho: "o mundo só anda para frente".


Eu me lembrei de livros que ecoam esse otimismo, dos quais falei para Gil em nossa conversa sobre o futuro do país. "Utopia para Realistas", de Rutger Bregman, e "O Novo Iluminismo", de Steven Pinker, olham nessa mesma direção: para frente. O que não significa que o mundo seja cor-de-rosa, que os humanos sejam pura bondade e que a natureza não seja caótica, como pondera Pinker.

Mas em momentos em que vivemos agitações sociais e questionamentos sobre o trabalho, o dinheiro, a família e a felicidade temos a oportunidade de passar por grandes transformações. Bregman cita marcos da civilização que já foram ideias utópicas, tais como o fim da escravidão e o início da democracia, para mostrar que podemos construir uma sociedade melhor com ideias visionárias, mas viáveis.

Humanos subdesenvolvidos são maus, ressentidos, agressivos. Gilberto Gil sabe que o mundo anda para frente porque já chegou num grau de evolução que para a maioria está apenas nos livros, que ainda devo para ele.