quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Pensamento do Dia

 


Está aqui

Nós, como sociedade, precisamos aceitar o fato de que o fascismo não está chegando aos Estados Unidos, ele já está aqui. Trump está nacionalizando as forças policiais e, ao mesmo tempo, enviando a Guarda Nacional para cidades azuis sem outra razão além de intimidar, controlar e afirmar sua presença. Ele prejudicou eleições no passado e agora trabalha para garantir que eleições futuras sejam ilegalmente distorcidas. Ele está prendendo e sentenciando pessoas sem o devido processo legal. A cada dia, parece haver uma nova ação que ele toma que não é apenas ilegal, mas também flagrantemente inconstitucional. Ele está trabalhando para que o Departamento de Estado dos EUA (DOGE) supervisione todas as eleições. Ele e seu partido apoiam a Teoria do Executivo Unitário — o que significa que não acreditam em freios e contrapesos sobre o presidente. Ele está desmantelando o sistema regulatório e a rede de segurança social. Ele está trabalhando para acabar com as proteções no local de trabalho. Ele quer revogar as licenças de agências de notícias que não o cobrem favoravelmente. Ele está iteralmente tentando reescrever a história e controlar o conteúdo dos museus para se adequar à sua agenda. E ele constantemente brinca sobre ser um ditador. Quando alguém lhe disser quem é, acredite.

Essa é uma agenda autoritária clássica.

Mundo sem poesia é imundo

A realidade da vida, em si mesma, não se sustenta.


O ser humano é mais que um organismo que precisa de comida, roupa, sono e ar.

As pessoas são famintas de carinho, ficam frias sem o cobertor da esperança, não dormem direito apenas com os braços de travesseiros, e querem, sempre, voar nos pensamentos. Respirar não basta, não preenche. Queremos inspiração para criar, amar, repartir. Aspiramos ser um outro ser, o que não somos podemos imaginar.

Nem o macaco no zoológico aguenta as limitações, por mais bem tratado que seja. Claro que ele trocaria de bom grado a sua jaula pela liberdade da floresta.

Deixamos para amanhã a luz que poderíamos ter ainda hoje. Nos assusta a poesia que iluminaria o túnel escuro em que nos arrastamos.

Nós, os macacos evoluídos, temos a dor e o prazer de querer romper limites. E procuramos desesperadamente achar a chave da gaiola da civilização.

A chave está dentro da gente. Sabemos disso. Mas dá trabalho procurar com afinco. Dói nos conhecermos.

Daí desistimos com facilidade.

E preferimos ficar macaqueando a farsa que a realidade externa nos mostra como felicidade.

Triste espelho distorcido esse do dia-a-dia em que nos miramos para ajeitar o sorriso no rosto enquanto a alma chora.

E vamos dançar, vamos para a balada. A música é alta para atordoar, a bebida forte para alterar rápido, e os corpos se juntam hoje para se desjuntarem amanhã cedinho como copinhos descartáveis de café.

Queremos amor, claro. Só queremos e não temos porque, como todos, não desenvolvemos a delicadeza da entrega, da generosidade, do gosto pelas diferenças, pelas descobertas lentas, cautelosas e profundas.

Os poemas escancarados de amor, de paixão, de entrega, de renúncia ao seu próprio umbigo, vão rareando, encolhendo, sumindo.

Poema de amor não enche barriga, dizemos. Nem ajuda a conquistar beltrana, a impressionar fulano.

E seguimos assombrados e sozinhos e surpresos porque contas bancárias, academias de ginástica e carro novo, também não conseguem nos tirar de nossa solidão.

Nos contentamos com prazer sexual sem nunca chegar ao orgasmo espiritual, cósmico, que um simples e poderoso verso proporciona.

E assistimos o noticiário para que este nos confirme que a poesia é inútil.

Claro que nenhum bandido gosta de poesia. O poema é o território do humano, do sensível, do compartilhar. Nada a ver com o território sangrento de sua violência.

Poderosos também não são chegados. Poesias insistem, frequentemente, em lembrar que existe todo um povo em redor deles, com seus apelos e urgências. Então, a política fica sendo a chatice, o tédio, o exercício vazio da crueldade. Falta o sonho.

Política sem sonho é apenas um discurso.

Demoramos milênios para adquirir o dom da fala. Séculos para dominarmos a escrita.

Aprendemos a registrar em letras aquilo que estava engasgado na garganta imaterial de nosso íntimo.

Frase após frase, passamos pela vida a procurar uma resposta.

E todas as respostas estão ali, na nossa frente. São muitas porque muitas são nossas perguntas.

Mas uma dessas respostas foi feita para nós por um de nossos semelhantes. A mesma coisa que nos inquieta também afligiu algum poeta, em algum momento.

Teremos a coragem de ouvir?

Poesia não se destina a fracos. Antenados percebem que da fraqueza vem sua força.

Onde quer que se vá, um poeta já se atreveu a passar por lá. Pelos céus e pelos infernos de todos nós.

A tecnologia muda, os costumes mudam, mas o ser humano é o que sempre foi e será, nem muito melhor, nem muito pior que isso que está aí.

Dia a dia rima com poesia sim. Você decide. Abra um livro de poesia já. Antes que seja tarde.

Ulisses Tavares é, claro, poeta, mas não otário, mano.

Coloque o farol na popa e vá em frente!

Você é uma jangada. Frágil, qualquer onda mais forte balança e quase o afoga. Você é o condutor e o passageiro ao mesmo tempo, candidato ao naufrágio, lutando e rezando para voltar à praia.

Um país é um barco. Grande, mas nem sempre bem construído. E muito menos bem conduzido. O povo é apenas marinheiro cumprindo ordens.

A Terra é um navio. Imenso, farto, mas com os passageiros de primeira classe capazes de festejar e dançar enquanto ele afunda como um Titanic.

Jangada, barco e navio navegam pelas mesmas águas turbulentas da História, numa viagem que começou bem antes e não se sabe onde irá parar.

O futuro é uma incógnita, mas o passado é a bússola que pode nos indicar se estamos fora da melhor rota. Se pegamos o caminho errado.

E isso faz toda diferença.

Sua jangada, precária de corpo e alma, a qualquer momento será engolfada pela tormenta dos azares, do imprevisível. A felicidade é apenas um momento de calmaria entre horas de ventos cortantes.

As milhas já navegadas, porém, ensinam a prevenir desastres anunciados.

Olhe os que foram engolidos pelo Triângulo das Bermudas da existência humana: drogas, egoísmo, alienação.

Sem cuidar do corpo, você será uma casca de noz boiando no mar. Sendo egoísta, virará um homem solitário mesmo se rodeado de gente. Comprará tudo, menos o incomparável: amor, admiração, amizade. E, se alienando, será plateia perpétua, nunca ator no palco da vida. Vota, mas não apita nada.

Nosso barco País de vez em quando acerta o rumo do porto seguro. Mas, no mais das vezes, parece uma canoa furada onde impera o salve-se quem puder.

Novamente colocar o farol na popa, a parte de trás, em vez da popa, a parte da frente, nos ajuda a iluminar o hoje e clarear o possível amanhã.

O barco já começou a navegar errado, com uma elite ociosa e corrupta e sem nenhum apreço pela educação. São séculos de tirar riquezas e colocar pobrezas. Primeiro pelos portugueses, depois por nossa própria conta e escolha.

Nosso navio Terra, por sua vez, recebe insultos e devolve flores há milênios.

Mas está com seu casco avariado, sem combustível e superlotado. Sua única saída é sacudir-se e livrar-se da tripulação toda para continuar como no início dos tempos.

A esperança é que jangada, barco e navio encontrem uma corrente marítima segura para continuarem navegando.

Não temos como resolver com facilidade tão grave problema. Não dá para enfrentar a fúria de Netuno, o senhor dos mares, esquecendo de Juno, o deus do tempo.

Juno, aquele de duas faces da mitologia, uma olhando para a frente, outra voltada para o que passou.

A História, portanto o passado, é nosso manual prático de cabotagem.

O ser humano tem sido guerreiro, escravagista, fanático religioso e prepotente em todos os quadrantes e latitudes.

E sempre afundou sua jangada nas procelas da ambição.

Os governantes tem sido ora populistas, ora mentirosos, ora oportunistas.

E sempre afundaram o barco do povo em nome de seus mesquinhos interesses pessoais.

A Terra foi loteada em fronteiras bem delimitadas e guardadas. E essas fronteiras tem sido a justificativa para extrair o máximo de cada metro quadrado sem pensar no vizinho.

E, como a Terra é redonda, o navio de todos nós é o mesmo e afunda por inteiro.

Portanto, o axioma está formado, a Esfinge pronta a nos devorar se não dermos a resposta correta.

Sem conhecer o que já passamos, como iremos decidir onde será melhor passar?

A História não é algo estático, parado no tempo.

É um tsunami indo e vindo, se repetindo, como uma lição que ainda não aprendemos.

Comecemos pela jangada, passemos para o barco e chegaremos ao navio.

Sem ler História, de nossa vida, de nosso País, de nosso Planeta, estaremos perdidos.

E iremos ao fundo, sem a mínima ideia de porque fomos parar lá.

Ulisses Tavares é uma jangada com medo de ir à pique. Por isso se mira na História e tenta mudar o rumo do barco e do navio. Mas se sente um pouco sozinho nessa tarefa. Alguém aí disposto a ajudar? Cartas para a redação.
Ulisses Tavares

Uma alternativa que precisa ser humana

O século XXI atravessa um processo de reconfiguração geopolítica tão profundo quanto aquele vivido no imediato pós-Guerra Fria. Após décadas de dominação unipolar liderada pelos Estados Unidos – marcada por guerras preventivas, sanções unilaterais e chantagem financeira –, assistimos agora à ascensão de um novo polo global. Os BRICS, que começaram como uma aliança econômica entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, transformaram-se num vetor de contestação à ordem mundial hegemônica. Com sua recente ampliação e crescente influência sobre países do Sul Global, os BRICS se afirmam como alternativa concreta à arquitetura ocidental do poder. Mas a pergunta essencial permanece: essa nova ordem será mais justa ou apenas trocará os protagonistas da dominação?

De acordo com dados recentes do Geopolitical Economy Report e da EY Global, o bloco BRICS+ – já incluindo países como Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Irã e Emirados Árabes – representa hoje 44% do PIB mundial em Paridade de Poder de Compra (PPP) e abriga 56% da população global. Em contraste, o G7, que dominou o século XX com suas políticas neoliberais e intervencionistas, recuou para cerca de 30% do PIB global (PPP). A inversão de protagonismo não é apenas simbólica: ela indica uma nova centralidade produtiva e tecnológica nas mãos do Sul Global. No entanto, o fato de o BRICS superar o G7 em paridade de poder de compra não resolve, por si só, a crise de legitimidade do sistema internacional. A questão não é apenas de quem comanda, mas como comanda – e a serviço de quem.


Nesse sentido, há uma contradição evidente entre a promessa emancipatória do BRICS e as realidades concretas vividas pelos trabalhadores nos países que compõem o bloco. A China, embora celebre avanços colossais em infraestrutura, tecnologia e crescimento econômico, ainda mantém práticas laborais que atentam contra a dignidade humana. A chamada jornada 996 – das 9h às 21h, seis dias por semana – ainda é observada em diversas empresas do setor de tecnologia, apesar de sua ilegalidade formal. Essa lógica extenuante de produtividade sem limites já foi amplamente denunciada por movimentos populares e até por tribunais locais, que reconhecem o vínculo entre esse regime de trabalho e o adoecimento mental da juventude chinesa.

Na Índia, a situação é igualmente alarmante. O Global Slavery Index 2023, publicado pela organização Walk Free, revelou que 11 milhões de pessoas vivem em condições de escravidão moderna no país – a maior cifra registrada no mundo. São trabalhadores aprisionados em servidão por dívidas, exploração infantil, tráfico humano e condições degradantes de moradia e saúde. Embora existam iniciativas bem-sucedidas de resgate e proteção, como o modelo desenvolvido em Tamil Nadu com apoio da International Justice Mission, a estrutura social baseada em castas e desigualdades históricas continua a alimentar esse ciclo de opressão.

Diante desse panorama, é legítimo questionar: que tipo de nova ordem está sendo construída? Uma ordem que silencia diante da brutalidade dos regimes de trabalho? Que incorpora Estados autoritários como Arábia Saudita e Irã sem exigir contrapartidas mínimas em direitos civis, políticos e sociais? Ou uma ordem verdadeiramente democrática, multilateral, centrada na solidariedade entre os povos?

O Brasil, neste contexto, possui uma responsabilidade histórica. Sua posição estratégica, tanto regional quanto diplomática, pode influenciar os rumos do bloco. Mais do que buscar vantagens comerciais ou protagonismo simbólico, o Brasil deve tensionar o BRICS em favor dos direitos humanos, dos direitos trabalhistas, da saúde mental dos trabalhadores e da transição ecológica justa. Deve, também, recusar a seletividade moral que tantas vezes caracteriza a política internacional. Se o país critica, corretamente, o belicismo norte-americano, também deve criticar com firmeza o genocído cometido por Israel contra o povo palestino, bem como a invasão russa na Ucrânia, que viola os princípios mais elementares do direito internacional. A defesa da paz e da autodeterminação dos povos não pode se dobrar aos interesses estratégicos de aliados momentâneos.

É evidente que a emergência de um mundo multipolar, com empresas como BYD, Embraer, Huawei e as novas cadeias globais de valor em energia limpa e mobilidade sustentável, representa uma oportunidade histórica. A descentralização do poder pode, sim, favorecer uma distribuição mais justa de recursos, tecnologias e conhecimento. Mas essa descentralização deve vir acompanhada de uma nova ética: a ética da solidariedade, da cooperação e da centralidade da vida. Uma ordem que substitui Washington por Pequim, sem alterar as estruturas de exploração do trabalho, é apenas a repetição de um mesmo pesadelo com outros sotaques.

O desafio, portanto, não é apenas econômico. É civilizacional. Os BRICS não podem se tornar apenas um novo eixo de influência global. Devem se tornar uma referência de esperança. Um projeto de humanidade que supere a lógica do lucro, da guerra, da exploração e do adoecimento psíquico em massa. Um pacto mundial que priorize a justiça social, o direito ao descanso, a igualdade de gênero, o cuidado com o planeta e a construção de uma cultura internacional de paz.

O século XXI não precisa de novos impérios. Precisa de novas alianças. De um multilateralismo que se oponha tanto ao imperialismo armado quanto ao autoritarismo econômico. E de uma nova voz, que venha do Sul, mas fale por toda a humanidade. Uma voz que diga, com a autoridade moral de quem já sofreu demais: nunca mais seremos engrenagens caladas de uma máquina que nos adoece.

Decidir com tempo, experiência e ao lado de quem realmente importa

Você valoriza a sabedoria e a experiência? Pense em alguém cuja presença marcou sua trajetória, cuja orientação trouxe clareza em um momento decisivo ou ensinamento significativo. Pode ter sido uma mentora ou mentor, uma figura familiar, professora, professor, gestora, gestor, médica ou médico. O que importa não é o título, o gênero ou o prestígio, mas a sabedoria transmitida, que deixou marcas profundas e contribuiu para quem você é hoje.

Ou você tem se deixado levar por promessas ilusórias de sucesso rápido, atraído por fórmulas mágicas e discursos vazios? Cursos que garantem resultados imediatos, gurus com segredos infalíveis, médicos que prometem curas milagrosas ou métodos que asseguram riqueza sem esforço são apenas armadilhas que desviam do verdadeiro crescimento.

O verdadeiro crescimento vem da experiência e do compromisso genuíno com a prática. Como Darwin nos ensina, a adaptação contínua é essencial: não há atalhos!

A neurociência e a epigenética, ciência que estuda os mecanismos que atuam para além da genética, mostram que nossas memórias e conhecimentos se consolidam por meio de experiências sensoriais e emocionais, criando referências que sustentam nossa identidade, resiliência e dão sentido à vida.

Vivemos em uma sociedade que valoriza a rapidez e a eficiência, mas que frequentemente nos empurra para atalhos ilusórios. No entanto, é no tempo investido, nas relações nutridas e no aprendizado contínuo que encontramos o verdadeiro significado. Fugir dos atalhos não é perder tempo, é ganhar vida e reproduzir experiências evolutivas.

Porém, é na ausência que valorizamos o que perdemos. E é na falta que fazemos aos outros que somos verdadeiramente reconhecidos. A saudade e as memórias são lembretes do que realmente importa e fazem parte do arquivo pessoal da nossa vida.

Quando lidamos com perdas, sejam elas de pessoas, oportunidades ou empregos, são essas memórias e aprendizados que nos permitem seguir adiante sem nos ferir ou nos autodestruir. Compreender esse processo nos ajuda a viver de forma mais consciente, valorizando o presente e cultivando experiências significativas.

Sócrates, o filósofo grego, usava a maiêutica: um método de perguntas que leva à reflexão e ao autoconhecimento, base de muitas práticas de liderança e desenvolvimento pessoal até hoje. Essa abordagem ainda inspira práticas fundamentais em áreas como a medicina, que exige escuta ativa para diagnósticos precisos; na psicoterapia, onde o diálogo facilita a ressignificação de vivências; e também em contextos como a magistratura e a parentalidade, seja com nossos filhos ou com nossos colaboradores. No julgamento que condenou Sócrates à morte por ingestão de cicuta, manteve-se fiel à sua integridade e coerência até o fim, um gesto que ecoa como exemplo de coragem ética e fidelidade à própria verdade. Naquela época, esse ato extremo consolidou sua imagem como herói e mito. No entanto, nos dias de hoje, meu conselho é que não levemos nossos princípios ao ponto da autodestruição, seja por omissão ou passividade. Expressar o que pensamos, com coragem e respeito, evita ressentimentos e abre espaço para a transformação de ambientes e relações. Nossa voz e experiência têm poder de cura e mudança, especialmente quando aprendemos com quem mais nos ensina pela simplicidade como nossos filhos, nossos melhores mestres.

No mundo de hoje, manter-se fiel à própria verdade é um ato de resistência e superação. Nelson Mandela, com sua trajetória de 27 anos de prisão, exemplifica resiliência e fidelidade aos princípios. Ele dizia: “A maior glória de viver não está em nunca cair, mas em levantar-se sempre que cair.”

A desistência pode parecer uma solução rápida, mas muitas vezes leva a um sofrimento silencioso, um luto prolongado e um ciclo de arrependimento que pode resultar em depressão e melancolia crônica. E é essencial reconhecer estes desafios emocionais e buscar apoio para não entrar nesta condição ou sairmos tão rápido quanto possível.

Como resistir? Manter-se fiel a si mesmo é o que fortalece. Autoconhecimento, autocontrole e responsabilidade são essenciais para enfrentar adversidades. Esses valores conectam tempo e memória, experiência e equilíbrio, lealdade e desafios.

Sócrates incorporava esses valores ao seguir os Preceitos Délficos, ensinamentos dos Sete Sábios da Grécia inscritos no Templo de Apolo, em Delfos. Seus princípios, que guiavam sua conduta e busca pela verdade, continuam essenciais para uma vida equilibrada e para as tomadas de decisão. Esses valores se conectam diretamente aos três preceitos mais conhecidos:

1. Conhece-te a ti mesmo (Gnothi seauton): o tempo e a memória são fundamentais para o autoconhecimento. Antes de buscar respostas externas, resgate as lições do passado e valorize a sabedoria presente em sua trajetória e na experiência daqueles que vieram antes.

Dica prática: reserve um tempo para refletir sobre sua trajetória. Revise suas memórias e aprendizados, identifique erros e acertos. Converse com mentores e familiares para ampliar sua visão e evitar a estagnação.

2. Nada em excesso (Meden agan): no mundo acelerado de hoje, equilíbrio é essencial. Viver o presente com consciência evita desperdício de tempo e energia. O aprendizado contínuo mantém a mente ativa, previne a estagnação e evoluímos absorvendo novas experiências e conhecimentos.

Dica prática: evolua constantemente: faça cursos, desenvolva competências estratégicas, amplie sua visão de mundo e atualize-se com as demandas da sua área de atuação. Expandir seu repertório fortalece sua adaptação e resiliência. Evite sua zona de conforto: questione, aprimore-se e desafie seus limites, mesmo com intolerantes, uma chance de também eles evoluírem.

3. Não faças promessas que não possas cumprir (Epangellou medeni): a integridade fortalece relações e constrói confiança. Em tempos de superficialidade e impulsividade, honrar compromissos e reconhecer limites é essencial. A vida é um processo contínuo, e buscar atalhos pode comprometer seu crescimento e credibilidade. Dica prática: seja leal e responsável com suas promessas. Antes de se comprometer, avalie, planeje e comunique-se com clareza. Falhas podem prejudicar relações, comprometer sua reputação e fechar oportunidades. Assuma falhas, elas nos humanizam e, acredite, provocam cura coletiva.



Além desses três, há muitos outros preceitos, como: “Evite a injustiça”, “Respeite todas as pessoas”, “Aprenda com a adversidade” e “Aja com prudência”. Enfim, eles fortalecem a ética, a responsabilidade e o aprendizado contínuo, fundamentais para uma vida equilibrada e significativa e podem ser uma boa escola de valores para gestores de primeira viagem. Também nos lembram que investir tempo, cultivar relações e aprofundar o conhecimento são escolhas essenciais. Talento não se constrói com atalhos!

Em tempos de pressa e descartabilidade, a sensação de obsolescência, a ideia de que tudo deve ser constantemente renovado; e o conceito de mundo líquido, segundo Zygmunt Bauman, podem nos afastar de nossas raízes e referências. No entanto, a vivência e o conhecimento dos mais velhos são um presente valioso, oferecendo ensinamentos que transcendem modismos e impulsionam nosso crescimento. Por que esperar perder para valorizar? Aproveite o tempo com quem sabe e, principalmente, é experiente! Nesse sentido, são oráculos vivos em nossas vidas e também em nossas memórias, facilitadores do nosso sucesso.

Além disso, a tecnologia e a modernidade ampliam o acesso ao conhecimento, conectando gerações e potencializando a troca entre experiência e inovação. Elas permitem que o conhecimento dos mais velhos seja preservado e compartilhado, como na mentoria. E o melhor: evitam erros e prejuízos. A tecnologia também pode ser uma aliada na preservação do que há de mais precioso hoje: nosso tempo e atenção. Com mais tempo, podemos fortalecer nossas conexões e criar novas memórias e experiências. Assim, o progresso se torna mais acessível e inclusivo, sem atalhos.

Dica sensível neste momento: aproveite os benefícios da inteligência artificial com consciência crítica e empatia. Ela oferece apoio e agilidade em muitas tarefas, mas ainda carrega limitações, como vieses éticos e cognitivos herdados de seus desenvolvedores humanos. Use-a como ferramenta, sem perder de vista a importância do olhar humano, da escuta genuína e da sabedoria que nasce da experiência vivida e das relações significativas. A inteligência artificial não é humana, nem substitui o papel de um psicoterapeuta ou mentor. Ela pode apoiar, mas não sente, não intui e não compreende contextos com a mesma profundidade emocional de um ser humano. Cuidar dessa distinção é preservar a ética, a empatia e o próprio valor do encontro humano.

Ouça. Aprenda. Valorize. Aproveite o tempo com quem importa, com quem tem experiência real e algo a compartilhar, não apenas promessas ou cobranças. A sabedoria não nasce de fórmulas prontas: ela floresce no encontro, na escuta e na vivência autêntica. E você, tem dedicado seu tempo a quem realmente importa?
Rubens Harb Bollos

Malafaia e a hipocrisia dos 'cidadãos de bem'

"Eu gravo um vídeo e te arrebento… Vai pro meio de um cacete, pô!". "Esse seu filho é um babaca!". Essas mensagens, ditas com muita agressividade, foram enviadas pelo pastor Silas Malafaia para o ex-presidente Jair Bolsonaro. O tal filho "babaca" é Eduardo Bolsonaro, mas isso nem vem ao caso. O que chama atenção é o tom do pastor, mais parecido com o usado por um bandido integrante de uma gangue (e não falo das de Brasília, mas daquelas que aparecem em programas policiais vespertinos).

O tom é violento até para um apoiador do ex-presidente famoso, entre outras coisas, pelos absurdos que sempre disse e pelo belicismo: "vamos metralhar a petralhada do Acre" é um dos exemplos. Lembram?


As mensagens onde Malafaia grita palavrões e impropérios foram encontradas no celular de Jair Bolsonaro pela Polícia Federal (PF) e fazem parte da investigação que fez com que Malafaia fosse alvo de uma operação da corporação. O inquérito era sobre o crime de coação a autoridades, na tentativa de embaraçar a ação penal que julga a trama golpista envolvendo o ex-presidente.

A agressividade e os palavrões ditos nas mensagens seriam constrangedores para qualquer adulto que finge ser sério e responsável. Mas não estamos falando de qualquer um. Malafaia é um dos nomes mais poderosos do mundo evangélico. Ele é presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e um dos líderes religiosos mais influentes do Brasil.

O pastor é também um dos maiores representantes dos tais "valores da família", um conceito aberto que tem sido muito usado pela extrema direita brasileira e mundial nos últimos anos para polarizar a sociedade e conseguir votos. De um lado estão eles, as "pessoas de família" que lutam pelos "bons costumes" e pregam "bons" valores. Do outro, aqueles que espalham "ideologias comunistas" (sic), que "fazem orgias" em universidades, usam drogas e muitas outras fake news que são espalhadas nos últimos anos.

Os defensores da família e moralistas estilo Malafaia são também os que pregam contra a diversidade, propagam que gays vão para o inferno, que o aborto deve ser proibido até para uma menina de 14 anos que foi estuprada e que mulheres devem "edificar o lar".

Silas Malafaia é um dos defensores mais radicais e ruidosos desses "valores". Junto com seus aliados, eles bradam em alto e bom som que querem "defender a família brasileira". Mas que família é essa que o senhor quer defender, pastor?

Malafaia e outros líderes bolsonaristas mostram ser grandes exemplos do falso moralismo, aquela atitude que faz com que a pessoa pregue uma coisa e seja exatamente o oposto, ou seja, ela faz exatamente o contrário daquilo que defende publicamente. Falar que vai "arrebentar" alguém e "mandar para o cacete" não tem nada de cristão e não é, de forma alguma, uma atitude que se espera de um "cidadão de bem", como Malafaia e seus aliados gostam de se autointitular.

O mesmo vale para a família Bolsonaro, amigos e parceiros do pastor. Durante as investigações, a PF encontrou também mensagens de Eduardo Bolsonaro onde o filho fala o seguinte para o pai: "VTNC (vai tomar no C*), seu ingrato do caralho".

É impossível não tentar imaginar como esses sujeitos se tratam no convívio íntimo depois de ler essas mensagens. Não sou vidente, mas dá para supor que o respeito e o diálogo passam longe do dia-a-dia dessas pessoas "de bem".

Em resposta ao escândalo causado pelo tom de suas mensagens (inclusive no meio evangélico), Malafaia disse que "todos xingam, mesmo que em pensamento, o que já é um pecado", e chama aqueles que os criticaram de "hipócritas". É curioso ver o pastor se defendendo usando uma palavra que caberia perfeitamente a ele.

E, podem apostar, os falsos moralistas vão continuar tentando angariar votos e apoio bradando que são exemplos de verdadeiros cidadãos de bem. Imagina se não fossem…

Pela anistia, outra anistia

Luiz Fux, Flávio Dino e Alexandre de Moraes mantiveram condenação de duas mulheres por furto de R$ 14 e de pedaço de carne. André Mendonça, Nunes Marques e Dias Toffoli negaram liberdade a homem que furtou produtos no valor de R$ 62. Dois exemplos recentes da rejeição do princípio da insignificância em ações de habeas corpus no STF. Crime sem violência, sem ameaça, sem prejuízo relevante. Só pobreza.

Há distinção de classes dentro da legalidade. Mesmo não escrita na letra da lei, aparece nas práticas institucionais. Nas entreletras da lei, o Estado de Direito discrimina. Dá tratamento diverso e desvantajoso ao pobre.

A sociedade brasileira se comprometeu, por meio da Constituição de 1988, a reduzir desigualdades, erradicar pobreza e combater causas da pobreza. Mas nossa poderosa vulgata sobre riqueza e pobreza faz inferências moralmente cruéis e empiricamente ignorantes sobre o indivíduo rico e pobre, sobre as qualidades de caráter que explicam riqueza, os defeitos que justificam pobreza. Bloqueou a promessa.


Pobre tem vício, rico tem virtude. Pobre é dotado de preguiça, burrice e inveja. E doença. E falta de tempo. E falta de saúde e educação. E vício da má alimentação. E culpa pela insegurança alimentar. Padece de dependência do Estado, de "vício em Bolsa Família". E da mania de engravidar. Pobreza é demérito na "loteria do nascimento" (vale ler livro de Michael França e Filipi Nascimento).

Ricos somos dotados de fibra e esforço, propósito e inteligência. E berço. E herança. E boa escola. E escrivaninha. E tempo livre. E sono. E alimentação saudável. E rede social não virtual. Geramos emprego, fazemos a economia crescer. Riqueza é mérito individual.

Esses vícios e virtudes presumidos geram efeitos jurídicos. Ricos recebemos subsídio, incentivo e isenção. Perdão, anistia e desoneração. E supersalário. Gozamos da simpatia judicial e policial. Gozamos da presunção de legalidade. De segurança no espaço privado.

Podemos pagar advocacia da litigância de má-fé, das nulidades e dos recursos criativos ("quem tem sai na frente", mostrou o sociólogo Marc Galanter). "Ser rico não é pecado", confessou João Camargo, "mas não dá direito à moleza", respondeu Armínio Fraga.

Pobre paga mais imposto e leva pejotizaçāo. Sofre abordagem policial com cacetete e tiro. Sofre antipatia judicial e policial, violência e segregação no espaço público. Sofre presunção de ilegalidade. Não tem lobby político nem advocatício. No conflito distributivo, corte de gastos costuma empobrecer o pobre. Ricos tendemos a ter "déficit de compaixão", diz a psicologia.

Quase ninguém assume autoria desse algoritmo da cultura nacional. Soa caricato demais, imoral demais. Esse senso comum compilado sintetiza um código da discriminação, e segue influenciando nossos reflexos verbais, políticos e jurídicos. Causa não só derrotas distributivas como desequilíbrios punitivos.

O regime jurídico não escrito da pobreza, em especial o regime penal e prisional da pobreza, ilumina a depravada contradição dos recentes atos por anistia da delinquência política serial.

Existe virtude no perdão, a depender de quem se perdoa, por quais razões. O mesmo país que dá anistias formais e informais a criminosos públicos, pela via legislativa, judicial e por obstrução monocrática do STF, não perdoa o crime de pobreza.