A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massaGeorge Orwell
sábado, 25 de maio de 2019
Um presidente ingovernável
São imprudentes, obscuros e arbitrários os objetivos por trás da manifestação arquitetada por idólatras do “Mito” e fomentada pelo capitão em pessoa nas redes sociais. Não vá se falar em mero protesto. A insurgência contra os poderes constituídos flerta diretamente com o autoritarismo — ainda mais levada a cabo diretamente pelo mandatário. Ele, prudentemente, depois de alertado, resolveu recuar da ideia tresloucada de estar à frente participando ativamente nas ruas. Se assim o fizesse poderia incorrer em crime de responsabilidade por atentar, de maneira insofismável, contra a Carta Magna que no artigo 85, incisos II, III e IV condena qualquer afronta ao livre exercício dos Poderes. Uma mobilização com esse intuito empurraria Bolsonaro à porta do impeachment. De qualquer maneira, ele procura impor o conceito de um governante vivendo sem a necessidade de dialogar com forças moderadoras, tal qual um monarca absolutista com pendores ditatoriais. Não se engane: o problema de Bolsonaro não é com o Congresso ou com a massa amorfa de políticos classificada como “Centrão” que, no seu julgo, converteu-se em inimigo número um do Brasil. O mandatário tem algo mesmo, de verdade, contra a democracia e daí a ofensiva às instituições basilares que lhe dão respaldo — Parlamento, Judiciário, imprensa e Forças Armadas. Sim, por que até na direção delas mirou a artilharia de descrédito recentemente. Redes bolsonaristas, de maneira inflamada e raivosa, pedem o fechamento do Congresso, a deposição de ministros do Supremo, a invasão de autarquias e conclamam o povo a servir de massa de manobra nessa marcha da insensatez, indevida e beligerante. A intentona tem método e fim: manietar todos aqueles que lhe pareçam adversários, pelo mero princípio de discordar de suas estultices e ambições. O chefe da Nação sonha em comandar fora das regras do jogo, sem interposições ou freios. Diante da desconcertante inabilidade que exibiu para governar, Bolsonaro transfere a responsabilidade dos erros aos outros. Na sua visão, desconectada dos fatos, não conseguiu fazer o que precisava porque o “sistema” não deixou, e não em virtude da incapacidade nata deveras exibida. Orientou os “eleitores-raiz”, menos de seis meses após a posse, a tomarem as ruas munidos do ingrediente autocrático para a disruptura. Na prática, diversas organizações, movimentos sociais e mesmo empresariais — aliados de primeira hora — evitaram embarcar na aventura, com traços golpistas. O MBL e o “Vem Prá Rua”, que deram a argamassa de mobilização do impeachment de Dilma Rousseff, não avalizaram a articulação oficialesca e oportunista da claque de Bolsominions. A pergunta concreta, ainda sem resposta, coloca o presidente no foco da pregação: Bolsonaro busca protestar contra o quê? Se foi ele, justamente, no exercício da militância ideológica, quem travou o diálogo com as demais instituições, por que agora se acha no direito de anarquizar o convívio? O País vive os impactos devastadores de uma guerra ideológica que dá as costas às necessidades elementares do povo. Emprego, renda e crescimento ficaram em segundo plano. Problemas cotidianos não são atacados. Restou óbvio que o mandatário considera impossível governar sem semear o conflito, demonizando os demais esteios constitucionais. Há poucos dias veiculou em sua rede digital um texto, qualificado por ele como de “leitura obrigatória para quem se preocupa em antecipar os fatos”, apontando o País como “ingovernável” sem os “conchavos”, deixando-o de mãos atadas. A mensagem atribuía o fracasso prematuro da nova gestão à influência de forças ocultas, corporações que impedem qualquer presidente de governar – uma versão rotineiramente incutida pela claque do mandatário nos áulicos seguidores. Inevitável traçar um paralelo com a carta-renúncia do ex-presidente Jânio Quadros, nos idos dos anos 60, que também atribuía seu naufrágio presidencial a terríveis forças do “sistema”. Daí à conclamação para a tomada das ruas, sitiando Legislativo, Judiciário ou quem mais atravessar suas pretensões, foi um passo. Bolsonaro busca transformar o Brasil numa versão venezuelana à direita, com protestos diários contra e a favor de um modelo arbitrário de poder. De uma maneira ou de outra terá de perceber que não existe espaço para governar na base do grito por aqui. A ideia, ventilada por ele, de um Brasil livre de “impedimentos institucionais” é abjeta. Jair Messias Bolsonaro, do alto dos 57 milhões de votos angariados nas urnas, precisa deixar de lado o papel de mero chefe de um grupo sectário e assumir devidamente, movido a princípios republicanos, a dimensão do cargo recebido por outorga da maioria da população. O Messias não foi ungido por Deus, como tentou fazer crer em outro de seus posts desconexos, mas pelo poder do povo (na tradução literal de democracia). Até aqui se comportou como um presidente ingovernável, guiado por devaneios, espírito conspiratório e intrigas geradas no núcleo duro de seus filhos indóceis com a inestimável colaboração do Rasputin da Virgínia. Levado a rompantes inexplicáveis e indevidos — como o de chamar estudantes de “idiotas úteis”, dentre outras baboseiras — converteu-se, ele próprio, em fator de instabilidade, ameaçando a Nação. Se persistir nessa trilha esbarrará, certamente, nos freios e contrapesos institucionais, com desfecho traumático.
Medo
"Aqui", contudo, não tem Bolsonaro. O líder inconteste, "Mito" e "Messias", traiu a fauna paleozoica de seus devotos. O porta-mentira oficial, general Rêgo Barros, precisou ler uma nota que qualifica os eventos como "espontâneos". De fato, a mobilização foi incitada (com "c", viu Weintraub?) pelas redes do clã presidencial, mas o capitão recuou para a retaguarda, abandonando seus soldados na trincheira enlameada.
Medo. A incitação e a fuga têm motivo idêntico. Mais: o medo é a melhor chave explicativa do comportamento geral do presidente da República.
Na política, o medo está sempre presente. FHC temia, mais que tudo, o retorno do monstro inflacionário. Daí, a sobrevalorização do real, seu único grave erro de política macroeconômica. Antes de surfar a onda ascendente do ciclo global, Lula temia a ruptura da estabilidadeeconômica herdada.
Daí, o acerto decisivo na escalação da equipe econômica de seu primeiro mandato. Os medos de FHC e Lula referenciavam-se, principalmente, no interesse nacional. O medo de Bolsonaro, pelo contrário, referencia-se exclusivamente no interesse pessoal. Ele fomentou a mobilização de rua porque teme governar na democracia e desertou, assustado, porque teme o impeachment.
O medo é a sombra inseparável de Bolsonaro. Cabe ao psicanalista investigar a dimensão íntima de seu medo, que se manifesta na conjunção da homofobia com a obsessão pelo cano de uma arma. Já a ciência política deve iluminar seu temor de exercer o cargo de chefe de Estado.
Nos idos da minha infância, as crianças ainda brincavam na rua. Lembro de um garoto ruivo, provocador, geralmente ignorado pelos demais, que corria para o refúgio de sua casa quando algum de nós reagia a suas afrontas. Durante 28 anos, Bolsonaro habituou-se a praticar o esporte do insulto e da difamação, abrigando-se na barra da saia da imunidade parlamentar. A fortuita ascensão ao Planalto privou-o da redoma protetora. Fora do santuário, exposto às sanções da democracia, ele experimenta o peso insuportável de sua inadequação. Estamos, todos, condenados a participar da aventura do valentão de opereta cindido entre seus dois medos.
Originalmente, as manifestações foram convocadas sob as bandeiras do fechamento do STF e do Congresso. "Essa pauta está mais para Maduro", esclareceu Bolsonaro, finalmente. Mas, mesmo após a operação sanitizadora, a presença do presidente nas ruas o implicaria em atentado contra as instituições, um crime de responsabilidade bem mais sério que as pedaladas fiscais dilmistas.
Cedendo ao medo do impeachment, Bolsonaro ganha a chance de viver mais um dia no Planalto. O problema é que essa perspectiva o aterroriza: no poder, o gesto adolescente da arminha não substitui o imperativo de entregar resultados seguindo as regras da democracia.
A saída é ceder ao medo de governar, utilizando o pretexto clássico da facada nas costas. "Dolchstosslegende": o mito nasceu na Alemanha, na esteira da derrota na Primeira Guerra Mundial, como fonte da narrativa da extrema direita. A Alemanha, diziam, teria vencido a guerra se o Exército não tivesse sofrido a traição doméstica dos políticos de esquerda, da imprensa esquerdista e dos diabólicos judeus.
O discurso bolsonaro-olavista segue trilha paralela, invocando as facadas nas costas desferidas pelo Congresso, pelo STF e pela imprensa "comunista" (Folha, Globo) como justificativa antecipada do eventual fracasso do governo.
Dessa vez, Bolsonaro recuou diante do medo do impeachment. Na próxima, movido pelo medo de governar, avançará até o abismo?Demétrio Magnoli
Ninguém solta a mão do capitão
Desemprego e cortes no orçamento da educação são “problemas do PT”, apesar de Dilma Rousseff ter descido a rampa do Palácio do Planalto há três anos. A inabilidade das lideranças bolsonaristas no Congresso é culpa da velha política. “Brasília está tensa. Políticos mais antigos dizem nunca ter visto nada igual. Os negócios acabaram, as malas de dinheiro não circulam mais. Não sei por quanto tempo o capitão vai aguentar, 1.000 generais não bastam a seu lado, só quem o colocou lá poderá mantê-lo: Deus”, descreve texto compartilhado dezenas de vezes, em vários grupos.
No altar com Bolsonaro estão apenas Paulo Guedes e Sergio Moro. O verde-amarelo pisca em alta velocidade na mensagem de 50 segundos lembrando que chegou a hora de defender os pacotes propostos pela dupla: “É agora!”. Em meio à convocação, desqualificam-se as manifestações estudantis do último dia 15. O tom é de quem está disposto a dar um troco. E tocar fundo, em cada um: “O governo não é do Bolsonaro. É nosso! E nós vamos defendê-lo!”. Pisca, pisca. Aqui, bordão da esquerda se adapta: “Ninguém solta a mão do capitão”.
Quem estava cabreiro com os tiros cruzados de militares do governo ficou aliviado ao receber a convocação do Clube Militar para a manifestação. Não há outra solução para a governabilidade que não a pancada. O desestímulo de empresários e de parte da direita ao ato de domingo serve de ajuste ao calibre de ataque: “A esquerda já era nossa inimiga, a visão agora é outra: STF, Rodrigo Maia, MBL, centrão. Esqueçam a esquerda, temos de ter foco!”, diz um militante do grupo Pátria Amada, recebendo uma enxurrada de aplausos em forma de emoticons.
Alguns sugerem a caça às bruxas ao MBL, no mundo real e no virtual. Os ataques também atingem Danilo Gentili, Janaina Paschoal e Lobão. O distanciamento do MBL e do movimento de empresários que apoiam Bolsonaro “é coisa do Rodrigo Maia”, especulam. As mensagens incendiárias do filho Carlos Bolsonaro, os exageros e devaneios do guru Olavo, o compartilhamento pelo próprio presidente de um texto que estimula o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Tudo misturado, a narrativa é uma só.
Vegeta-se
Coimbra, 4 de junho de 1992
O mundo está irremediavelmente perdido, porque é incorrigível a voracidade capitalista e a nossa obstinação consumista. Queremos, queremos, queremos. E os abnegados senhores do progresso fabricam, fabricam. Saturam, diligentes, os mercados do útil e do inútil. Atravancam o planeta das suas sedutoras mercadorias. Para tanto, esventram-no, derrubam-lhe as florestas, empestam-lhe os rios, os mares e os ares.
(...) Contemporâneos passivos de uma civilização técnica e industrial, que nos serve o necessário poluído e o supérfluo esterilizado, já nem sequer nos indignamos de a ver acabar assim pletórica e podre. Sornamente, vamos vegetando intoxicados, na esperança secreta de que o dilúvio não acontecerá na nossa vida, e, se acontecer, haverá sempre na Arca de salvação lugar para mais um.
Miguel Torga, "Diário"
O mundo está irremediavelmente perdido, porque é incorrigível a voracidade capitalista e a nossa obstinação consumista. Queremos, queremos, queremos. E os abnegados senhores do progresso fabricam, fabricam. Saturam, diligentes, os mercados do útil e do inútil. Atravancam o planeta das suas sedutoras mercadorias. Para tanto, esventram-no, derrubam-lhe as florestas, empestam-lhe os rios, os mares e os ares.
(...) Contemporâneos passivos de uma civilização técnica e industrial, que nos serve o necessário poluído e o supérfluo esterilizado, já nem sequer nos indignamos de a ver acabar assim pletórica e podre. Sornamente, vamos vegetando intoxicados, na esperança secreta de que o dilúvio não acontecerá na nossa vida, e, se acontecer, haverá sempre na Arca de salvação lugar para mais um.
Miguel Torga, "Diário"
Qual é o Bolsonaro verdadeiro?
Começa a se revelar que o capitão reformado joga com vários baralhos ao mesmo tempo. Dá a impressão de que gosta de desorientar com suas súbitas profecias e suas atitudes capazes de serem mudadas do dia para a noite. Confessou aos jornalistas que “não nasceu para ser presidente”, ao mesmo tempo se sente mais ungido do que ninguém pela divindade para mudar o país. A esses mesmos jornalistas que há poucas semanas disse que não sabia “como tinha podido se tornar presidente”, confessou ontem: “Não sou o dono da verdade, mas vou mudar o Brasil”.
O humilde presidente que confessa que governar não é sua melhor qualidade diz que poderia ter ficado mais confortável no Congresso como deputado ou senador, mas que está “feliz” como presidente, embora às vezes sua missão seja difícil como “um parto sem respiração”. E acrescenta com altivez: “Tive de engolir sapos pela fosseta lacrimal”. Qual é o Bolsonaro verdadeiro? Os estudantes que tomaram as ruas às centenas de milhares para protestar contra os cortes na educação propostos pelo Governo foram chamados por Bolsonao de “idiotas úteis”. Poucos dias depois, recuou dos cortes anunciados.
As manifestações do próximo domingo em defesa de seu Governo e contra as instituições que o impedem de governar serão, portanto, um sinal importante para decifrar sua personalidade e os riscos que ela pode acarretar dado o comportamento contraditório e ambíguo que está revelando sobre as mesmas.
Essas manifestações já fazem parte da perigosa estratégia que o presidente começa a revelar. Por exemplo, denunciou nas redes, para espanto de não pouca gente, que o Brasil é “ingovernável” e que as demais instituições, a começar pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal, o impedem de fazê-lo. Em seguida suas hostes mais exaltadas decidiram sair às ruas no domingo, dia 26, para incendiar Brasília.
O presidente não só não vetou a perigosa marcha contra as instituições, como também estava disposto a participar do cortejo. No seu melhor estilo, aceso o fogo, trocou de camisa, anunciou que não iria e pediu a seus ministros que também não fossem. Além disso, foi visitar o presidente do Supremo Tribunal Federal para tranquilizá-lo. Assegurou-lhe que respeitará as outras instituições do Estado e a divisão de poderes. Nada, portanto, de autogolpe. Recordou à opinião pública que quem sair no domingo às ruas “contra o Congresso e o STF estará na manifestação errada”. Qual dos dois Bolsonaros é o verdadeiro e mais perigoso?
Será interessante ver na próxima semana, seja qual for o resultado das manifestações, a reação do Presidente, que com uma mão as estimulou e com a outra se faz de inocente. Só por causa desse mistério e dessa ambiguidade do presidente a marcha em Brasília já adquiriu uma importância que as outras não tiveram.
Essa fúria destrutiva que o invade contra a educação, a floresta amazônica e as relações internacionais chega ao limite de deixar, sem se perturbar, que seu filho, o deputado federal Eduardo, defenda que o Brasil construa a bomba atômica. Essa sua obsessão patológica de querer armar a população, inclusive os menores de idade, como se o Brasil estivesse se preparando para uma grande guerra, está levando a pensar que quem “não nasceu para presidente” pode acabar sendo mais perigoso do que parece hoje. Daí que faça pensar que Bolsonaro estaria ressuscitando o antigo mito grego do cavalo de Tróia. Um mito que lembra quando os gregos enganaram os habitantes de Tróia preparando um grande cavalo de madeira que deixaram às portas da cidade inimiga como um presente dos deuses.
Os troianos, com medo de provocar a ira divina, tomaram o cavalo que se revelou uma armadilha, já que seu interior estava cheio de soldados armados que acabaram destruindo a cidade. Desde aquele episódio narrado na Odisséia de Homero e que atravessou os séculos inundando a literatura e as artes e foi analisado politicamente, o cavalo de Tróia se tornou uma metáfora do “presente dado com o propósito de enganar”.
Não sei se Bolsonaro, apelidado de “mito” e convencido de que Deus lhe pediu para desconstruir o Brasil para reconstruí-lo à medida de seu afã iconoclasta, também pensou em se tornar o novo cavalo de Tróia do Brasil. E se, como os troianos, não estará disposto a enfrentar o perigo em vez de irritar os deuses que o escolheram.
Um presidente assim não deveria ser tratado pelas outras forças do poder e por aqueles que acreditam nos valores da democracia como alguém inócuo que está de passagem, se divertindo com suas contradições diárias e seus delírios. Poderia ser um novo cavalo de Tróia com todas as suas consequências.
É melhor levar a sério desde já, para que as forças democráticas não tenham amanhã de chorar como os ingênuos troianos, incapazes de compreender que, às vezes, é melhor enfrentar os deuses do que temê-los e se ajoelhar diante deles.
Juan Arias
Seria governo isso aí?
A esperança de milhões, orientada pela pauta de luta contra a corrupção e pela melhora da economia, vem a cada dia sendo jogada pelo lixo em troca de uma governança de apressar apenas o cumprimento da lista de promessas aos apoiadores. A batalha contra a corrupção e o crime vem sendo relegada, ou tocada em câmera lenta. A reforma da Previdência, pó de pirlimpimpim para desencantar o país, se esvai como poeira para se tornar pó de traque.
Contra a violência, acena-se com a violência de mais armas nas mãos de quantos tiverem dinheiro para comprar armamento e frequentar cursos de tiro. Nenhuma ação, sequer indicativo, de medida para conter a onda de crimes. Disparam-se as armas de bandidos e mocinhos, mas quem cai morto é trabalhador, mulheres mortas são contadas por hora, e nenhum ai presidencial. Para esses não existe presidente.
Por sinal, o governo não se manifesta em nenhum momento - a não ser o que lhe interessa - sobre criminalidade, desemprego, destruição ambiental, mortandade hospitalar, falta de medicamentos. Há um silêncio tumular no Planalto quanto aos dramas que envolvem a população, enquanto se trombeteia as próprias favas mágicas.
Se não houve lua de mel, tumultuada pelo laranjal familiar- fantasma que apavora por não se poder intervir descaradamente no Judiciário como se fez no Ibama -, com as bençãos presidenciais, no melhor estilo Nicolás Maduro, se organiza uma marcha em favor da pessoa do governante e sua "administração" eivada de erros constitucionais sem qualquer projeto de curto ou médio prazo para mitigar os sofrimentos de quem não tem dinheiro ou passa fome. Os pobres ficam à beira da miséria até o pó de pirlimpimpim dar resultado. Se der. Se não, continuam à beira da cova, mas pagarão os tributos devidos.
O capitão Messias faz do país sua imagem e semelhança: medíocre.
Luiz Gadelha
Se Guedes for embora, Bolsonaro ficará perneta
A equipe ministerial de Jair Bolsonaro, por precária, equilibra-se sobre duas escassas pernas. No campo moral, escora-se no prestígio de Sergio Moro. Na seara econômica, apoia-se no destemor liberal de Paulo Guedes. As derrotas impostas a Moro e as concessões do capitão à imoralidade deixaram o governo manco. Se Guedes for embora, a gestão Bolsonaro ficará perneta. E seguirá, aos pulinhos, em direção ao brejo.
Em entrevista à Veja, o Posto Ipiranga ameaçou fechar as portas</a></span> se a proposta do governo para a Previdência virar uma "reforminha" no Congresso. "Pego um avião e vou morar lá fora. Já tenho idade para me aposentar", declarou Guedes. "Se não fizermos a reforma, o Brasil pega fogo. Vai ser o caos no setor público, tanto no governo federal como nos estados e municípios."
Não se trata de uma declaração qualquer. É uma ameaça. Um observador desatento pode imaginar que o ministro da Economia aderiu à cruzada de Bolsonaro contra o Congresso. Engano. O endereço da advertência de Paulo Guedes é o Palácio do Planalto, não o Legislativo.
Conforme já foi comentado aqui, há dois governos em Brasília, o oficial e o alternativo. No oficial, Bolsonaro ataca "o grande problema" do Brasil, que "é a nossa classe política". No alternativo, Guedes, faz política. Enquanto o presidente atiça uma manifestação hostil ao Congresso, o ministro pede ajuda aos congressistas para retirar sua agenda reformista do incêndio.
De passagem pelo Nordeste, Bolsonaro como que abriu a porta de saída para Guedes: "É um direito dele, ninguém é obrigado a continuar como ministro meu. Logicamente, ele está vendo uma catástrofe, é verdade, eu concordo com ele, se nós não aprovarmos algo realmente muito próximo ao que enviamos no Parlamento. O que Paulo Guedes vê, e ele não é nenhum vidente, nem precisa ser, para entender que o Brasil vai viver um caos econômico sem essa reforma." Para Bolsonaro, o caos empurraria Guedes para a "praia".
O que Bolsonaro ainda não percebeu é que, diante da visão do caos, o presidente precisa responder à seguinte pergunta: o que eu posso fazer para resolver o problema? Talvez se dê conta de que precisa tomar três providências: 1) Procurar aliados; 2) Descartar amigos inconvenientes; e 3) Evitar brigas. Fazer crises é fácil, difícil é desfazê-las.
Quando Bolsonaro admitiu, ainda em campanha, que não entendia nada de economia, inspirou medo. Mas muita gente ficou tranquila quando o capitão esclareceu que dispunha de um Posto Ipiranga. Imaginou-se que o presidente não teria um ministro da Economia. O ministro é que teria o presidente. Engano. Bolsonaro revelou-se um personagem indomável.
Ou Bolsonaro revela uma insuspeitada capacidade de agir com serenidade ou se arrisca a fazer parte do imaginário popular como o primeiro Saci-Pererê da história a ocupar a poltrona de presidente da República. Nomeará outro ministro. E passará a comandar outro governo, ainda pior do que o atual.
Centenas de milhares protestam contra mudanças climáticas
Na Europa, de Lisboa a Oslo, crianças e jovens "mataram aula" para protestar contra a perspectiva de herdar um planeta com calotas polares se derretendo, e tempestades, enchentes e secas cada vez piores.
Como explicou um dos manifestantes da Alemanha, "os estudantes se dão conta de que não faz sentido ir à aula se não têm um futuro". Apenas nesse país, "320 mil pessoas se reuniram nas ruas para a #GreveDoClima de hoje – nossa maior greve até o momento!", escreveu no Twitter o grupo Fridays for Future.
"Vocês estão ficando sem desculpas, nós estamos ficando sem tempo", dizia uma mensagem dirigida aos políticos em Berlim, enquanto outra questionava: "O clima está mudando, por que nós não estamos?"
No icônico Portão de Brandemburgo, cerca de 15 mil gritaram: "O que a gente quer? Justiça climática! Quando a gente quer? Agora!" Um adolescente escreveu em sua faixa: "Clima agora, trabalho de casa depois!" e "Não existe um Planeta B" – um slogan visto em diversas cidades, como, por exemplo, Istambul.
Os protestos ocorrem em meio às eleições para o Parlamento Europeu, que se realizam nos diferentes países membros da União Europeia de 23 a 26 de maio. Um faixa em Freiburg, no sul da Alemanha, explicitava a relação: "Eleição na Europa = Escolha do clima".
Em Varsóvia, cerca de mil estudantes se deitaram por algum tempo num cruzamento importante, fazendo-se de mortos, "simbolizando o que vai nos acontecer no futuro", como explicou um dos organizadores.
"Estamos todos no mesmo barco", lia-se numa faixa em Madri, expressando os sentimentos dos jovens que protestavam num total de mais de 120 países.
Em Londres, reunidos na Parliament Square, os estudantes exigiram reformas do currículo escolar para incluir mais material sobre as mudanças climáticas, sob o slogan "Ensinem o futuro".
Em Paris, a marcha reuniu pelo menos 15 mil ativistas, alguns portando os dizeres "Je suis climat" (Eu sou clima). Cem deles adentraram uma subprefeitura levando faixas que exigiam "Temos que abandonar os combustíveis fósseis, não subvencionar".
A iniciadora do movimento, a estudantes sueca Greta Thunberg, de 16 anos, falou em Estocolmo diante de um público de 4 mil: "Vamos ter uma crise existencial se não cortarmos pela metade nossas emissões de CO2 dentro de 20 anos. Estamos iniciando uma reação em cadeia fora do controle da humanidade. O tempo está acabando."
Entre outras palavras de ordem, seus seguidores entoavam: "Os oceanos estão se levantando, e nós também". A multidão aplaudiu ao chegarem notícias de que Bermuda, Jordânia e Serra Leoa estavam entre as novas adições aos protestos globais.
Parte das mensagens divulgadas nos protestos abordou a grave questão climática de forma bem-humorada. Como o cartaz em Oslo, segundo o qual "em breve a Terra vai estar mais quente do que um jovem Leonardo di Caprio".
Em Montpellier, no Sul da França, vários jovens foram às ruas trajando apenas roupa de baixo e folhas de parreira, com os dizeres "O chaud não deve continuar" – num trocadilho entre "show" e a palavra francesa para "quente". Em Turim, um cartaz mostrava o presidente americano, Donald Trump, com água até o peito.
Numa alusão ao famigerado slogan republicano das últimas eleições presidenciais americanas, manifestantes da Alemanha reivindicaram "Make the world cool again" (Faça o mundo fresco / legal de novo") e "The snow must go on!" (A neve tem que continuar). Outro cartaz advertia os adultos: "Se não nos levarem a sério, vamos cortar a aposentadoria de vocês".
A União Europeia e seus atuais 28 Estados-membros comprometeram-se em 2015, no Acordo do Clima de Paris, a limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais. Para tal, as emissões de gases do efeito estufa deveriam reduzir-se até 2030, no mínimo, em 40% em relação a 1990.
Segundo diversos cientistas e ambientalistas, contudo, a Europa e todas as grandes economias precisam ampliar significativamente suas ambições. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU alertou em outubro de 2018 que o aquecimento está atualmente se encaminhando para um catastrófico incremento de 3ºC a 4ºC.
A chama
Há mais de um mês que as chamas faiscavam no forno da vidraria onde se faziam as garrafas e os copos.
Um dia , as chamas viram uma vela que encimava um belo e brilhante candelabro. Com grande ansiedade tentaram aproximar-se dela até que uma das chamas, escapulindo-se do tição de que se alimentava, virou costas ao forno e, passando por uma pequena fenda , lançou-se sobre a vela.
Mas, ao fazê-lo, a voraz chama consumiu rapidamente, até ao fim, a pobre vela. Não querendo morrer com ela a chama tentou regressar ao forno donde fugira.
Mas não conseguiu libertar-se da cera mole em que estava envolvida e, em vão pediu ajuda às outras chamas.
Chorando e gritando transformou-se num inoportuno fumo, deixando as suas irmãs no esplendor de uma vida duradoura e bela.
Leonardo da Vinci, "Fábulas"
Um dia , as chamas viram uma vela que encimava um belo e brilhante candelabro. Com grande ansiedade tentaram aproximar-se dela até que uma das chamas, escapulindo-se do tição de que se alimentava, virou costas ao forno e, passando por uma pequena fenda , lançou-se sobre a vela.
Mas, ao fazê-lo, a voraz chama consumiu rapidamente, até ao fim, a pobre vela. Não querendo morrer com ela a chama tentou regressar ao forno donde fugira.
Mas não conseguiu libertar-se da cera mole em que estava envolvida e, em vão pediu ajuda às outras chamas.
Chorando e gritando transformou-se num inoportuno fumo, deixando as suas irmãs no esplendor de uma vida duradoura e bela.
Leonardo da Vinci, "Fábulas"
A política das redes sociais
Foi-se a época em que a política era monopólio dos políticos, dos militares e dos diplomatas. Na política moderna, principalmente depois da II Guerra Mundial, passou a ser também o universo de atuação da burocracia e dos cidadãos, em razão da ampliação da presença do Estado na vida da sociedade e do surgimento de partidos de massas de caráter democrático. Eram esses os grandes atores da democracia representativa, que parecia consolidada após o fim da União Soviética e o colapso do chamado socialismo no Leste Europeu, até que a crise fiscal colocou em xeque as políticas social-democratas e social-liberais e os partidos políticos e a imprensa foram ultrapassados pelas redes sociais na formação da opinião pública.
O Brasil não está fora desse contexto, muito pelo contrário. O que vem acontecendo no governo Bolsonaro, a rigor, é anterior à sua eleição e faz parte desse processo, assim como foi a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a vitória do Brexit na Inglaterra, a emergência de lideranças populistas em praticamente todos os países da Europa e a eleição de governos de extrema-direita em alguns países do Ocidente. O que acontece, em perspectiva, é uma corrida para reinventar o Estado e dar conta das mudanças provocadas pela globalização e o multilateralismo, nas quais as democracias do Ocidente enfrentam mais dificuldades do que os países autoritários do Oriente que estão se modernizando mais rapidamente.
Estados Unidos e China protagonizam essa corrida. Nas últimas décadas, houve uma mudança de eixo dos fluxos de comércio mundial, que se deslocaram do Atlântico para o Pacífico, o palco principal da guerra comercial entre essas duas potências econômicas, que lideram a economia do planeta. No passado, essa disputa se deu entre a Inglaterra e a Alemanha, de igual maneira, uma potência marítima e outra continental, provocando duas guerras mundiais. Espera-se que agora ocorra num ambiente de paz. O Brasil foi arrastado para essa disputa de maneira esquizofrênica, porque optou por um alinhamento automático com os Estados Unidos ao mesmo tempo em que não pode abdicar da China como principal parceira comercial. O mais correto seria tirar partido dessa disputa.
A eleição de Trump, com sua guinada nacionalista na política externa, nacionalista na economia e ultraconservadora nos costumes, foi uma resposta dos eleitores norte-americanos mais conservadores, ao desemprego e à grande massa de imigrantes latinos. De certa forma, os indicadores econômicos dos Estados Unidos mostram que a guerra comercial de Trump com a China e a contenção da chegada de imigrantes estão rendendo dividendos econômicos favoráveis, revertendo as altas taxas de desemprego. Não se deve subestimar a influência que isso vem tendo na política do Ocidente. Aqui no Brasil, a eleição de Bolsonaro, sua política econômica ultraliberal e conservadorismo radical nos costumes seguem o exemplo de Trump.
É aí que entra a política nas redes sociais. Sem elas, Trump não seria sequer candidato do Partido Republicano. De igual maneira, Bolsonaro não teria sido eleito presidente da República. As redes adquiriram tal protagonismo que já não se pode fazer política como antigamente, mesmo fora dos processos eleitorais. Isso vale sobretudo para os políticos, cuja relação com eleitores mudou radicalmente. O tsunami que varreu boa parte do Congresso mudou radicalmente o modo de atuar no parlamento brasileiro. Basta ver as “lives” que os deputados eleitos pelas redes sociais fazem constantemente no próprio plenário da Câmara e do Senado, com as transmissões ao vivo de sua atuação e narrativas “customizadas” sobre as sessões legislativas, com posts e vídeos com a interpretação de cada um sobre o que acontece no Congresso em tempo real.
A relação entre o Executivo e os demais poderes, inclusive o Judiciário, cujo vértice, o Supremo Tribunal Federal (STF), também é midiático, mudou significativamente, em meio a disputas pela afirmação de cada poder. Tudo mediado pelas redes sociais, nas quais partidos, grupos de pressão e cidadãos influenciam o posicionamento de cada parlamentar nas votações. Mesmo os meios de comunicação de massa tradicionais, inclusive a televisão, estão sendo obrigados a serem cada vez mais interativos e presentes nas redes sociais, para manterem seus públicos e influenciarem os novos atores. Os políticos tradicionais que sobreviveram ao tsunami de 2018 estão aprendendo a lidar com a nova situação e repensando sua forma de atuação, levados pelo instinto de sobrevivência e pela nova experiência que estão passando no próprio Congresso.
Entretanto, os políticos que emergiram das redes sociais, como o próprio presidente Jair Bolsonaro, também estão passando pelo aprendizado de ter que lidar com a política institucional, com as regras do jogo democrático e a dura realidade da distância existente entre o mundo virtual de redes sociais e a capacidade de dar respostas efetivas e velozes à crise do sistema representativo e do modelo de capitalismo de Estado colapsado pela crise fiscal. No caso do presidente da República, o caráter bonapartista de seu governo não o coloca acima de classes sociais bem definidas e partidos políticos, como no modelo clássico de “regime do sabre”, mas numa espécie de tapete voador ao sabor das ondas telemáticas de uma “sociedade líquida”, com risco permanente de volatilização da própria imagem. E aí que todos os atores em cena — políticos, militares, diplomatas, burocratas, formadores de opinião, influenciadores digitais e cidadãos — estão desafiados a encontrar saídas robustas para os impasses que se apresentam à democracia brasileira.Luiz Carlos Azedo
O Brasil não está fora desse contexto, muito pelo contrário. O que vem acontecendo no governo Bolsonaro, a rigor, é anterior à sua eleição e faz parte desse processo, assim como foi a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a vitória do Brexit na Inglaterra, a emergência de lideranças populistas em praticamente todos os países da Europa e a eleição de governos de extrema-direita em alguns países do Ocidente. O que acontece, em perspectiva, é uma corrida para reinventar o Estado e dar conta das mudanças provocadas pela globalização e o multilateralismo, nas quais as democracias do Ocidente enfrentam mais dificuldades do que os países autoritários do Oriente que estão se modernizando mais rapidamente.
Estados Unidos e China protagonizam essa corrida. Nas últimas décadas, houve uma mudança de eixo dos fluxos de comércio mundial, que se deslocaram do Atlântico para o Pacífico, o palco principal da guerra comercial entre essas duas potências econômicas, que lideram a economia do planeta. No passado, essa disputa se deu entre a Inglaterra e a Alemanha, de igual maneira, uma potência marítima e outra continental, provocando duas guerras mundiais. Espera-se que agora ocorra num ambiente de paz. O Brasil foi arrastado para essa disputa de maneira esquizofrênica, porque optou por um alinhamento automático com os Estados Unidos ao mesmo tempo em que não pode abdicar da China como principal parceira comercial. O mais correto seria tirar partido dessa disputa.
A eleição de Trump, com sua guinada nacionalista na política externa, nacionalista na economia e ultraconservadora nos costumes, foi uma resposta dos eleitores norte-americanos mais conservadores, ao desemprego e à grande massa de imigrantes latinos. De certa forma, os indicadores econômicos dos Estados Unidos mostram que a guerra comercial de Trump com a China e a contenção da chegada de imigrantes estão rendendo dividendos econômicos favoráveis, revertendo as altas taxas de desemprego. Não se deve subestimar a influência que isso vem tendo na política do Ocidente. Aqui no Brasil, a eleição de Bolsonaro, sua política econômica ultraliberal e conservadorismo radical nos costumes seguem o exemplo de Trump.
É aí que entra a política nas redes sociais. Sem elas, Trump não seria sequer candidato do Partido Republicano. De igual maneira, Bolsonaro não teria sido eleito presidente da República. As redes adquiriram tal protagonismo que já não se pode fazer política como antigamente, mesmo fora dos processos eleitorais. Isso vale sobretudo para os políticos, cuja relação com eleitores mudou radicalmente. O tsunami que varreu boa parte do Congresso mudou radicalmente o modo de atuar no parlamento brasileiro. Basta ver as “lives” que os deputados eleitos pelas redes sociais fazem constantemente no próprio plenário da Câmara e do Senado, com as transmissões ao vivo de sua atuação e narrativas “customizadas” sobre as sessões legislativas, com posts e vídeos com a interpretação de cada um sobre o que acontece no Congresso em tempo real.
A relação entre o Executivo e os demais poderes, inclusive o Judiciário, cujo vértice, o Supremo Tribunal Federal (STF), também é midiático, mudou significativamente, em meio a disputas pela afirmação de cada poder. Tudo mediado pelas redes sociais, nas quais partidos, grupos de pressão e cidadãos influenciam o posicionamento de cada parlamentar nas votações. Mesmo os meios de comunicação de massa tradicionais, inclusive a televisão, estão sendo obrigados a serem cada vez mais interativos e presentes nas redes sociais, para manterem seus públicos e influenciarem os novos atores. Os políticos tradicionais que sobreviveram ao tsunami de 2018 estão aprendendo a lidar com a nova situação e repensando sua forma de atuação, levados pelo instinto de sobrevivência e pela nova experiência que estão passando no próprio Congresso.
Entretanto, os políticos que emergiram das redes sociais, como o próprio presidente Jair Bolsonaro, também estão passando pelo aprendizado de ter que lidar com a política institucional, com as regras do jogo democrático e a dura realidade da distância existente entre o mundo virtual de redes sociais e a capacidade de dar respostas efetivas e velozes à crise do sistema representativo e do modelo de capitalismo de Estado colapsado pela crise fiscal. No caso do presidente da República, o caráter bonapartista de seu governo não o coloca acima de classes sociais bem definidas e partidos políticos, como no modelo clássico de “regime do sabre”, mas numa espécie de tapete voador ao sabor das ondas telemáticas de uma “sociedade líquida”, com risco permanente de volatilização da própria imagem. E aí que todos os atores em cena — políticos, militares, diplomatas, burocratas, formadores de opinião, influenciadores digitais e cidadãos — estão desafiados a encontrar saídas robustas para os impasses que se apresentam à democracia brasileira.Luiz Carlos Azedo
Colapso do colapso
Nascemos ocupando um território deste lado, mas olhando para o outro lado do Atlântico. Não fizemos escolas e ainda menos universidades até diversos séculos depois da ocupação. Avançamos destruindo índios e explorando negros. Tropeçamos há cinco seculos nas divisões de grupos, classes, raças, regiões, sem um projeto comum sem perspectiva para o futuro: sem coesão nem rumo. Progressamos colapsando como um edifício sem alicerce nem estrutura.
Ocupamos o território, mas não montamos as necessárias redes de ocupação eficiente; criamos um sistema escolar, inclusive universitário, mas não demos substância educacional; nos transformamos em uma das maiores economias do mundo, mas concentrando a renda social e, sem produtividade, não avançamos na renda per capita.
No meio deste colapso, o governo corta recursos para a universidade, provocando o desabamento do que foi realizado até aqui.
Será uma tragédia se estes cortes levarem ao colapso das universidades, mas será uma tragédia também se não percebermos que que antes mesmo das malditas decisões do atual governo, nosso sistema universitário já vem colapsando, menos por falta de recursos financeiros e mais por falta do fundamental recurso de toda universidade: seu aluno vindo do Ensino Médio. Ainda bem que a universidade desperta e luta contra o colapso da falta de recursos, mas pena que não perceba nem lute contra a maior de suas tragédias: o colapso da falta de alicerce por causa do desprezo à educação de base.
Cristovam Buarque
A pergunta que não quer calar: O que Bolsonaro vai ganhar com a manifestação?
Não houve a menor dificuldade para convocar a manifestação nacional deste domingo. O filho Zero Dois, vereador Carlos Bolsonaro, apenas mobilizou o esquema das redes sociais que vem usando desde a campanha eleitoral e rapidamente a conclamação era uma realidade.
Mas houve um erro estratégico na organização do evento. Ao instruir os internautas a divulgarem a realização dos atos públicos e organizá-los em cada cidade, Zero Dois foi logo dizendo que os eventos estavam sendo organizados para mostrar a força do presidente Bolsonaro, com o objetivo de esculachar o Congresso e o Supremo, que não apoiam o pacto anticrime, a Lava Jato e o decreto das armas.
Surgiram, assim, os cartazes virtuais defendendo o impeachment dos ministro Gilmar Mendes e Dias Toffoli, mostrando as fotos dos dois integrantes do Supremo, enquanto outras mensagens de convocação preferiam atacar os presidentes da Câmara e Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre..
No início, Bolsonaro adorou a ideia dos filhos e de Olavo de Carvalho, sem perceber que não iria ganhar nada com os ataques ao Supremo, à Câmara e ao Senado, muito pelo contrário. No Planalto e fora dele foi aconselhado a cancelar a manifestação, mas já estava muito em cima, os aliados mais fanáticos se desapontariam, o presidente mostraria ser um vacilão.
A solução encontrada foi Bolsonaro continuar apoiando a manifestação, mas passando a fazer a ressalva de que nada havia contra o Congresso e o Supremo. Além disso, esclareceria que se trata de manifestação popular espontânea, o governo e seu partido, o PSL, nada tinham a ver com o evento. E foi justamente por isso que o presidente cancelou sua participação e pediu que os ministros não comparecessem.
O resultado é que, ao invés de unir os aliados de Bolsonaro, tal a demonstração de força dividiu as bases e causou desentendimentos internos antes mesmo de acontecer. Essa situação fez surgir a perguntar que não quer calar – O que Bolsonaro e o governo têm a ganhar com essas manifestações?
Exército vermelho
País onde os inocentes pagam pelos erradosLuciana Nogueira, viúva do músico Evaldo Rosa dos Santos, fuzilado por militares soltos pelo STM
O verdadeiro algoz da direita
Talvez surpreenda os mais jovens, porém Fernando Collor de Mello usou da mesma estratégia: tentou inflamar a parcela da sociedade que o elegeu presidente, ao acusar o establishment de atrapalhar o seu governo. Por falar em manipulação das massas, talvez ninguém tenha feito tanto pela idiotização generalizada, decerto não por tanto tempo, quanto Lula durante o período em que esteve no poder. Antes e depois disso, inclusive.
Após quase duas décadas de domínio político irrigado financeiramente por um esquema corrupto que visava a hegemonia, o compreensível impulso do pêndulo eleitoral para longe do campo progressista possibilitou um momento oportuno para o ensejo de novas ideias. Chance única de mostrar aos brasileiros alternativas na forma de se administrar o País. De que, se patrulhas ideológicas em qualquer área não são toleráveis, isso é ainda mais verdadeiro quando afeta políticas públicas. E que o discurso radical deveria ser deixado de lado, se realmente estivermos interessados em prosperar como nação, tanto no aspecto econômico quanto no social.
Pois, avis rara, tal chance está sendo desperdiçada. Na esteira da incompetência, dos disparates do presidente, de seus filhos, ministros e sustentadores, a mácula é inevitável. Respinga não apenas em outra visão de mundo, mas também em um modo diferente de fazer as coisas.
Assim, se à época de Lula a direita era propagandeada como insensível, até mesmo cruel, Bolsonaro faz de tudo para reforçar esse estigma. Se o conservadorismo era vendido como obscuro, até mesmo tirano, eis que surge o bolsonarismo para dobrar a aposta. E ainda sobrou para o liberalismo econômico, já que o mercado, de gaiato, resolveu entrar como padrinho nessa barafunda. Inês é morta, já dizia o outro. Que sirva de lição para não votarmos mais com o fígado. E sim, com a cabeça.
Os tristes efeitos da miséria
A história se passa durante a grande depressão americana da década de 30, quando a pobreza e a falta de oportunidades para sair do sufoco fizeram surgir situações dramáticas e deprimentes naquele país que até então era considerado o farol que levava ao paraíso.
O filme gira em torno de uma dessas situações: a maratona de danças, programa ininterrupto que em vez de girar em torno da alegria que a música e a dança geralmente provocam, gira em torno da tristeza e da desesperança que a miséria da Depressão espalharam por aquele país.
É, sem dúvida um dos grandes filmes produzidos em Hollywood. Os participantes da maratona, desesperançados e tendo como única ambição o prêmio de 1.500 dólares que o par que resista até ao fim essa exaustiva e dolorida maratona receberá. Os maratonistas, cansados, exaustos, fracos, vão largando o salão e no fim, sobram três pares em péssimas condições físicas, sendo que uma das moças, interpretada por Jane Fonda, pede para morrer alegando: “cavalos lesionados nas corridas são mortos, não são?”.
Estamos numa fase quase tão negra quanto a da depressão americana. Ou talvez mais. O desemprego está num nível indecente. A saúde pública inexiste. A segurança da população é uma farsa. Ande pelas ruas das grandes cidades brasileiras e sinta a miséria que perpassa pelo ambiente.
E como se não bastasse essa angústia, leio em nossos jornais sobre um evento macabro que aconteceu em Cuiabá: um desfile de crianças apresentadas ao público como passíveis de adoção. Maquiadas, bem vestidas, como se da realeza fossem, para serem escolhidas como filhas ou filhos por pessoas dispostas a adota-las.
Quem quer criar e amar uma criança pensa em muitas coisas antes de adota-las. E é bom que pense. Mas se estão bem vestidas, maquiadas, penteadas, perfumadas, serão essas as qualidades que farão a diferença entre uma ou outra criança?
Desculpe, organizador da Campanha da Adoção, mas será que não houve um engano aí? O desfile era mesmo para adoção?
Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa
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