Coimbra, 4 de junho de 1992
O mundo está irremediavelmente perdido, porque é incorrigível a voracidade capitalista e a nossa obstinação consumista. Queremos, queremos, queremos. E os abnegados senhores do progresso fabricam, fabricam. Saturam, diligentes, os mercados do útil e do inútil. Atravancam o planeta das suas sedutoras mercadorias. Para tanto, esventram-no, derrubam-lhe as florestas, empestam-lhe os rios, os mares e os ares.
(...) Contemporâneos passivos de uma civilização técnica e industrial, que nos serve o necessário poluído e o supérfluo esterilizado, já nem sequer nos indignamos de a ver acabar assim pletórica e podre. Sornamente, vamos vegetando intoxicados, na esperança secreta de que o dilúvio não acontecerá na nossa vida, e, se acontecer, haverá sempre na Arca de salvação lugar para mais um.
Miguel Torga, "Diário"
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