sábado, 13 de maio de 2017


O jogo perdeu a lógica e a lógica perdeu o jogo

A dinâmica política nacional é, ao mesmo tempo, um jogo asfixiante cheio de suspense e uma partida modorrenta, plena de erros e jogadas banais. As imagens se sucedem em velocidade espantosa, mas parece que já foram vistas — déjà vu: ainda anteontem, Lula diante de Sérgio Moro; ontem, o casal Mônica e João Santana, com revelações que não surpreendem; hoje, a Polícia Federal novamente às ruas retratada nas manchetes, ocupando o cotidiano das pessoas como se fosse apenas mais um cão perdido no bairro.

Em paralelo, no STF, outros processos da Lava Jato atingem mais de uma centena de políticos importantes de vários partidos; a votação, no Congresso Nacional, de reformas tão necessárias quanto impopulares, a voracidade parlamentar por mais e mais vantagens e recursos públicos; a crise dos estados, a insegurança nas cidades; o primeiro ano de um governo controverso, os 14 milhões de desempregados.

A pergunta que mais tenho ouvido nos últimos meses é: como sair desse labirinto? Não sei. Arrisco dizer o que “deveria” ser feito — mas, não é —, componho uma narrativa do que seria ideal, mas que também a mim não parece possível: retomar a grandeza da Política, construir nova lideranças, fazer reformas profundas no que tenho chamado de “instrumentos políticos de poder”, transformar o quadro fisiológico, estabelecer limites ao poder, tornar o sistema mais representativo, crível, funcional…

Confesso, porém, não acreditar que algo disto seja possível; não neste momento, pelo menos. Não se afobe não, que nada é mesmo para já. A Grande Política se faz com gente — pessoas capazes e dispostas; abertas a ouvir, pesar, trocar, construir. Se faz com projetos e estratégias, colocando-se no lugar do outro: empatia, comunicação e persuasão. Não há matéria-prima para isto, não por enquanto.

Apaixonado pelo futebol e intrigado pelo problema da “Liderança Política” — sua crise, é evidente já há muito tempo —, há anos, dizia que o país carecia de um Didi. Não, não se trata do mais famoso dos já saudosos e hoje líricos e inofensivos Os Trapalhões; trapalhões (mais perigosos) há às mancheias. Refiro-me ao jogador de futebol, craque do Botafogo e da seleção brasileira, Valdir Pereira, o “príncipe etíope”, como lhe apelidou Nelson Rodrigues.

Didi foi herói do título mundial de 1958 por uma cena ao mesmo tempo viril e singela. Como se sabe, em 1950, o Brasil perdera a Copa do Mundo em casa (foi a primeira, outras vieram) e estava naturalmente traumatizado. Nelson Rodrigues alertava para o complexo de vira-latas que dominava o país, sentimento de inferioridade comum em momentos com aquele — e como este.

Pois em 1958, o Brasil chegou novamente a uma final (contra a Suécia) e aos 4 minutos de jogo levou o primeiro gol. Claro que o moral baixou, a desconfiança, o medo e o desânimo se expandiram. Pois, Didi foi às redes, pegou a bola, colocou-a embaixo do braço; cabeça erguida, caminhou lentamente ao meio-de-campo para recomeçar o jogo. Respirou, deu tempo ao time, reorganizou a equipe. Final: Brasil 5, Suécia 2. Brasil campeão mundial.




Imaginava, há pelo menos 10 anos — várias vezes, escrevi sobre isto — que a política nacional carecia de um Didi: um sujeito capaz de acalmar, organizar; serenamente, comandar o time. Por incompleto e injusto, era um pensamento tolo: ao pegar a bola, Didi tinha a seus pés Gilmar dos Santos Neves, o maior goleiro da história do Brasil; Djalma e “a enciclopédia” Nilton Santos, nas laterais; Belline e Orlando, na zaga; Zito a seu lado, no meio-de-campo; na frente: Garrincha, Vavá. Pelé e Zagalo. Pelé e Garrincha, juntos, nunca perderam um jogo. Didi tinha uma equipe, o Brasil tinha plantel; sozinho, o “príncipe” não faria milagres.

Também na política, o Brasil já teve time — não tem mais, mas já teve. Hoje, o esquadrão dos Cínicos se defronta com a massa do Farisaísmo. Pernas-de-pau passam por craques; não importa se enfiam as mãos na bola, fazem firula, jogam-se na área; agitam as torcidas. Não há fair play e as regras ficaram velhas. Quem não torce nem por um nem pelo outro — quem é saudoso do Futebol-Política maiúsculo do passado — leva garrafada na arquibancada, apanha de ambos os lados.

Na verdade, ninguém mais se interessa por este esporte. Ele pegou má fama, as pessoas vão ao estádio para amaldiçoá-lo. Ferozes, as torcidas se insultam, prometem se pegar nas ruas; com sinalizadores fazem muita fumaça; vândalos prejudicam a partida, retirando a visibilidade do público que assiste pela TV.

O juiz ocupou o campo; mais que os jogadores, é a estrela da partida. A punição é necessária, mas poucos percebem que ela não basta. Não se discute novas regras, não se forma novos jogadores, nem se educa. Os times estão acuados, o cartão vermelho é para sempre. Não há reservas, a banca está em crise. Sem Didi, sem time, sem bola, as galeras torcem pelo juiz — a favor e contra. Esse jogo perdeu a lógica ou foi a lógica que perdeu o jogo? Campeonatos assim terminam mal.

O fim da Nova República

Entre os múltiplos espantos da Era PT, nenhum supera a circunstância anômala de, ao longo de treze anos, não ter havido uma oposição, nem de fato, nem de fachada. O PT reinou, absoluto.

Mesmo no período do regime militar, com todas as limitações ao livre exercício da política (não havia pluripartidarismo e os mandatos podiam ser cassados pelo Executivo), vicejou uma oposição aguerrida, centrada no extinto MDB.

E foi essa oposição que acabou por conquistar a sociedade civil, minar a credibilidade do regime militar e, por fim, derrubá-lo, sem enfrentamento. Surgiu então o que se convencionou chamar de Nova República, que, como se veria, não era nem nova, nem muito menos republicana - e sai de cena agora, com a remoção do PT.

Os militares voltaram para a caserna e os políticos, numa expressiva amostragem, para a cadeia. Mas esse não é o ponto. O essencial é entender por que se estabeleceu o vazio oposicionista.

A Lava Jato vem esclarecendo, gradualmente. A roubalheira promovida pelo PT não excluiu a dos adversários. De certa forma, a ocultou, pela desproporção entre ambas. A escala petista extrapolou a convencional, dos milhões. Ultrapassou até a dos bilhões. O TCU examina, presentemente, contratos irregulares do BNDES que somam a singela quantia de R$ 1, 3 trilhão. Nada menos.


Ontem, a Polícia Federal, em operação denominada Bullish, revelou que uma fração dessa dinheirama – R$ 8 bilhões – atendeu a um único frigorífico, o Grupo J & F, dono da marca Friboi.

Mas o que são R$ 8 bilhões diante de R$ 1,3 trilhão, que, além de atender empresários amigos, como os da Friboi, providenciaram obras de infraestrutura em países bolivarianos e ditaduras africanas? Entre outras, porto e malha aeroportuária em Cuba, metrô em Caracas, porto no Uruguai, estradas na Bolívia etc.

O Brasil, não tendo problemas de infraestrutura, empenhou-se generosamente em resolver os dos vizinhos. Não todos, claro: só os com assento no Foro de São Paulo. A auxiliá-lo, o braço laborioso das empreiteiras patriotas: Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez etc.

A oposição não foi esquecida, como revelou a delação da Odebrecht; ficou com as migalhas do banquete. Mas roubo é roubo. Se alguém rouba um Mercedes-Benz e outro um Fiat Uno, ambos são ladrões e estão inclusos no mesmo artigo do Código Penal.

Pois bem: a oposição optou pelo Fiat Uno, e agora começa a aparecer sua frota de calhambeques, que mostra que pelo menos não ficou a pé. Isso explica a pouca ênfase dos tucanos no curso do impeachment (efetuado por imposição das megamanifestações de rua) e a insistência em sustentar a honestidade da ex-presidente Dilma Roussef, desmentida nas delações da Odebrecht – e confirmada pelos marqueteiros João Santana e Mônica Moura.

A delação dos marqueteiros, tornada pública na quinta-feira, um dia após o depoimento de Lula ao juiz Sérgio Moro, confirma o termo “organização criminosa”, cunhado pelo ministro Celso de Mello, do STF, ao tempo do Mensalão, para definir o PT e seus aliados.

A questão é: quem não era aliado? É claro que há exceções, mas no plano individual. Há, sim, gente honesta no Congresso, mas impotente para se sobrepor aos tentáculos da sofisticada organização criminosa, carinhosamente apelidada de Orcrim.

O que, pois, hoje, está em jogo é a busca desesperada de uma “saída política” que reduza ao mínimo o universo de sentenciados. Anistia-se o pessoal do Fiat Uno (caixa dois e delitos menores), pune-se uma parcela dos ladrões de Mercedes-Benz (admite-se a esta altura o próprio Lula, o Chefe) e poupa-se a organização. A Orcrim.

Há empenho quanto a isso nos três Poderes, o que explica os recentes atritos entre ministros do STF – e destes com procuradores do Ministério Público. O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato na segunda turma do STF, foi voto vencido na soltura de José Dirceu. E, para evitar novo revés, decidiu remeter o pedido de habeas corpus de Antonio Palocci ao plenário da Corte.

Palocci, diante do panorama com que a semana se encerrou – fechamento do Instituto Lula, depoimento desastroso do ex-presidente a Sérgio Moro, delação de Mônica Moura e João Santana e Operação Bullish -, decidiu reativar sua delação premiada.

A Lava Jato sai fortalecida de uma semana que se iniciou na sequência do revés representado pela soltura de José Dirceu. Vem aí o strip-tease do sistema financeiro, diante do qual tudo o que se viu até aqui é apenas aperitivo para o banquete que se descortina.

Gente fora do mapa

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Temer festeja 1º ano fingindo não ver corrupção

Michel Temer e seus auxiliares falaram sobre quase tudo na festa de aniversário de um ano do governo. Só não trataram de um tema que preocupa a maioria dos brasileiros: corrupção. O governo preferiu concentrar o discurso no esforço para recuperar a economia. Guiando-se por autocritérios, Temer avalia que seu governo é um sucesso.


Considerando-se que há sobre a mesa duas grandes crises —a econômica e a ética— é inevitável concluir que o governo Temer está ignorando metade do problema. A crise econômica colocou 14 milhões de brasileiros no olho da rua. A crise moral mantém nos cargos oito ministros investigados no STF. Qualquer brasileiro pode ser demitido, menos os ministos sob suspeição.

Indicadores como inflação e juros sinalizam uma melhora do ambiente econômico. Sob Temer, o governo parou de cavar o buraco. Mas o caminho de volta até a beira do abismo será demorado. Até aqui, o resultado não justifica tanta festa. Só no dicionário o sucesso vem antes do trabalho. E o brasileiro tem enorme dificuldade para entender que um presidente que promote uma nova ordem econômica abraçado a ministros e aliados que estão atolados no lodo da velha ordem política. Esse filme é conhecido. E a Lava Jato mostra que não tem um final feliz.

Dallagnoll ri a toa do 'chefe' de Iolanda

Na quarta-feira 14 de setembro de 2016, o mundo desabou na cabeça do procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato. Naquele dia, durante uma entrevista coletiva em Curitiba, ele projetou um gráfico que apresentava Lula como o “comandante máximo do esquema de corrupção” na Petrobras.

Logo os termos PowerPoint e PPT chegaram aos trending topics do Twitter. Desatou-se a maior produção de memes da história da internet brasileira. As redes sociais enlouqueceram. Dallagnol foi exaltado pela turba anti-PT. E escrachado pelos que defendiam Lula. A batalha durou semanas a fio. E o assunto jamais seria esquecido.

O curioso é que o gráfico de tanto sucesso apenas traduziu o que de certa forma dissera quatro meses antes o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot. Em denúncia encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF), Janot apontara Lula como membro da “organização criminosa” que deveria serr investigada pelo assalto à Petrobras.
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Pois bem: em depoimento de delação premiada despachado, ontem, pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, para o juiz Sérgio Moro, o marqueteiro João Santana revelou que o acerto para pagamento de dívidas eleitorais das campanhas presidenciais do PT entre 2003 e 2010 sempre dependeu “da palavra final do chefe”.

E quem era o chefe? Lula, segundo ele. Lula e Dilma sabiam do uso de recursos de caixa dois, dinheiro não declarado à Justiça. "Lula e Dilma sabiam que as dividas que possuíam com João Santana seriam saldadas com recursos de caixa 2 da Odebrecht", diz o resumo de uma gravação em vídeo do depoimento de Santana.

A mulher de Santana, Mônica Moura, contou, por exemplo, que recebeu cerca de R$ 5 milhões em espécie em caixas de sapato e de roupas em uma loja de chá do Shopping Iguatemi, em São Paulo, referentes a parte dos serviços prestados pelo marido à campanha de reeleição de Lula em 2006. Naquele ano foram R$ 10 milhões pagos por fora a Santana.

Dilma preferiu controlar por meio do então ministro Guido Mantega, da Fazenda, os pagamentos feitos com dinheiro ilícito, revelou Mônica. A ex-presidente não confiava no tesoureiro do PT, João Vaccari. Para ter um canal sigiloso de comunicação com o casal Santana, Dilma criou o endereço eletrônico iolanda2606@gmail.com.

Foi por meio dele que Dilma informou ao casal, que na época estava no exterior, que ele seria preso pela Lava Jato quando desembarcasse no Brasil. A prisão, de fato, aconteceu no ano passado. Mas antes o casal teve tempo de se livrar de informações e documentos embaraçosos. Iolanda – ou melhor: Dilma – nega tudo. Lula também. Dallagnol acha graça.

Firmeza e calma

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e ter vergonha de ser honesto". Ao externar este doído desabafo, seguramente referia-se Rui Barbosa a quanto nossa Sociedade é tolerante com os maus – uma tolerância que atinge as raias da conivência.

Seja em um prosaico casamento, em uma solenidade ou comemoração qualquer, lá estão eles, finamente vestidos, freqüentando os mais requintados salões, invariavelmente cumprimentados com simpatia e cerimônia pelas pessoas de bem. Os processos a que respondem, escondidos sob suas gravatas de seda; o mal que fizeram, ofuscado pelo ouro que carregam e temperado pelo cinismo com que tratam suas vítimas – todos nós. 


Muitas de nossas autoridades, ocupadas demais para concederem o favor de uma audiência a um pobre miserável, dificilmente recusam seus tempos a um grande corrupto – afinal, como dizia Diderot, “cospe-se num bandido menor, mas não se pode recusar uma espécie de consideração a um grande criminoso”.

As conseqüências deste comportamento omisso, covarde e conivente, apontou-as com sabedoria Martin Luther King Jr.: “nossa geração não terá lamentado tanto os crimes dos perversos quanto o estremecedor silêncio dos bondosos”. E assim porque, como advertiu Edmund Burke, “o único fator necessário para o triunfo do mal é os homens bons nada fazerem”.

Há que se ter tolerância, decerto. Porém, é também de Burke a advertência: “há um limite depois do qual a tolerância deixa de ser uma virtude”. No Brasil, já passamos deste limite. Estamos diante daquele grande vácuo ao qual Zarko Petan se referiu, com fina ironia: “cabeças vazias têm grande facilidade em balançar para cima e para baixo, em sinal de sim”. Nossa Sociedade, ao aceitar em silêncio a impunidade dos maus, nos traz à memória Wolfgang Herbst, a acusar que “adaptar-se é a força dos fracos”.

A estes fracos, dedico a poesia de Dante Alighieri: “os lugares mais quentes do inferno são destinados aos que, em tempos de graves crises, se mantêm neutros”. E a eles, finalmente, Winston Churchill: “quem põe panos quentes alimenta um crocodilo, na esperança de que o animal o deixará para o fim”.

Pedro Valls Feu Rosa

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Sibiu, Roménia                                                                                                                                                                                 Mais:
Sibiu (Romênia)

Inocência

É preciso uma dose cavalar de ingenuidade para acreditar que tudo o que se disse e se soube sobre Lula da Silva nos últimos dias é apenas parte de uma conspiração para impedir que o chefão petista volte à Presidência, como insistem em dizer seus sequazes. A ingenuidade é tanta que, provavelmente, ingenuidade não é.

A esta altura, quem ainda acredita, de coração, nos veementes protestos de inocência de Lula, ou bem considera o petista um santo, e por isso lhe presta inabalável devoção religiosa, ou é simplesmente tolo. A julgar pelo fiasco da mobilização promovida pelos sindicatos em Curitiba para apoiar Lula no dia em que este prestou depoimento ao juiz Sérgio Moro, parece haver cada vez menos gente disposta, voluntariamente, a se abalar pelo ex-presidente, restando em sua torcida somente aqueles que são pagos para defendê-lo, como seus advogados e os sabujos de sempre.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Não é para menos. Os depoimentos do ex-diretor da Petrobrás Renato Duque e do casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura colocaram Lula bem no centro do petrolão, o maior esquema de corrupção da história pátria. Decerto há mais por vir – pois ainda não contaram o que sabem os trancafiados Antonio Palocci, ex-ministro, tido como o principal operador petista do esquema, e João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, que arrecadava os recursos desviados da Petrobrás e entregava ao partido. Mas o que emergiu até aqui deveria ser suficiente para fazer qualquer pessoa de bom senso e com razoável nível de inteligência pelo menos desconfiar que Lula talvez não esteja falando a verdade quando nega tudo.

O marqueteiro João Santana, por exemplo, disse que Lula estava plenamente informado de que os pagamentos por seus serviços na eleição de 2006, vencida pelo petista, foram feitos por meio de caixa 2. O mesmo aconteceu com Dilma Rousseff, para cujas campanhas de 2010 e 2014 João Santana trabalhou.

Santana disse que toda a negociação era feita com Palocci, mas afirmou que o ex-ministro lhe dizia que nada podia ser feito sem “a palavra final do chefe”, isto é, Lula. Já Mônica Moura disse que recebeu alguns pagamentos em dinheiro vivo, escondido em caixas de sapato, entregues por um emissário de Palocci. Segundo Mônica, houve vezes em que, nas negociações com Palocci, o ex-ministro disse que “tinha que falar com o Lula, porque o valor era alto, e ele não tinha como autorizar sozinho”.

Não foi apenas João Santana quem se referiu ao ex-presidente como o “chefe”. Renato Duque, acusado de ser o principal representante do PT no esquema de assalto à Petrobrás, informou em depoimento que Lula era chamado de “chefe” e “grande chefe” por aqueles que participavam da roubalheira. Além disso, Duque relatou que teve ao menos três encontros com Lula, nos quais, segundo disse o ex-diretor, ficou claro que o ex-presidente “tinha pleno conhecimento de tudo e tinha o comando”.

Lula, é claro, negou tudo no depoimento ao juiz Sérgio Moro. Mas ele não se limitou a negar. Primeiro, desempenhou o triste papel de viúvo de dona Marisa Letícia. Depois, seguindo a linha traçada por sua defesa desde que surgiram as primeiras denúncias de seu envolvimento direto no escândalo, o petista tratou de reafirmar que é “vítima da maior caçada jurídica que um presidente já teve”. Para caracterizar o complô, ele enfatizou que a imprensa “criminaliza” e “demoniza o Lula”.

Com essa disposição de definir seu processo como uma ação arbitrária típica de um estado de exceção, a defesa do ex-presidente já foi até ao Comitê de Direitos Humanos da ONU para denunciar o juiz Sérgio Moro e a Lava Jato. Segundo esses advogados, Lula não teve assegurado seu pleno direito de defesa e existe uma espécie de “gincana” entre delatores para ver quem compromete mais o ex-presidente. “Eu estou sendo julgado pelo que fiz no governo”, disse Lula ao juiz Moro, a título de defesa.

Lula quer fazer acreditar que todas as “forças antipopulares” decidiram se unir numa descomunal conspiração simplesmente para que ele não consiga voltar à Presidência. Dessa conjura participariam dezenas de executivos de empreiteiras e da Petrobrás, marqueteiros, a Justiça, o Ministério Público, a imprensa e, enfim, todos os cidadãos que não são petistas. Haja fé para acreditar nisso.

Óbitos

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Cândido Portinari
Eles não pegam em armas
só em canetas e papéis
mas matam mais com suas leis
que atiradores cruéis

estatutos de escorpiões
despachos de cascavéis
cobertos de suas razões
dos cabedais até o pés

óbitos óbitos óbitos
cada vez mais
óbitos óbitos óbitos
nunca é demais

assinam assassinatos
e deliberam as guerras
exercem os seus mandatos
alimentando misérias

lágrimas lágrimas lágrimas
cada vez mais
lágrimas lágrimas lágrimas
nos funerais
Arnaldo Antunes

Esse olhar que não nos julga

Nós adultos, quando nos olhamos já estamos nos julgando. Não precisamos estar diante de um tribunal de justiça. Desde que aparecemos na cena do mundo já somos minuciosamente examinados. Dizem que somos parecidos com alguém, o nariz do pai, a boca da mãe, o queixo do avô. Nascemos sendo retrato dos outros.

Crescemos e continuamos a ser julgados. Hoje nos observam por mil janelas, algoritmos invisíveis. Sabem o que gostamos ou nos desagrada, o que pensamos e o que desejamos. Os robôs se encarregam até de nos lembrar do que eles acreditam que gostaríamos de comprar. Somos observados por mil olhos espalhados pelo planeta. Logo poderemos ser vistos até mesmo do cosmo. Vistos e julgados.

Vai me dizer que seu coração não vê com alma?. pare ouça! O seus clamam por justiça..por bondade humana..e uma misericórdia de amor! Eu sou dessa gente que se doe por inteiro.:
Existirá alguém ou algum lugar onde não nos julguem, onde nos aceitem como somos, onde não nos perguntem nada, onde não nos examinem e onde desejem apenas que existamos? Sim, o mundo dos pequenos, quanto menores, melhor. Somente uma criança não te julga, nem se interessa pelo que você compra ou o que veste, se você é pobre ou rico, jovem ou velho, feio ou bonito. As crianças compartilham com você sua presença, para brincar com elas. Elas te amam se você as ama. Não te perguntam nada.

O menino ou a menina não vê minhas rugas, não repara se eu ando erguido ou encurvado pelo tempo, não lhe importa o que ganho ou o que sonho. Não entende que eu posso me cansar. Sou sempre, para ele, seu super-herói.

Fora deste planeta, os olhares dos outros se tornam juízos. Minha filha Maya, quando era muito pequena e já ia à escola, gostava que as mães levassem para casa suas colegas para brincar. Com meus preconceitos de adulto, tentava indagar o que os pais delas faziam. Minha filha me olhava espantada e me dizia: “Sei lá!” E se eu insistia, ela respondia: “Não me interessa o que os pais delas são. Eu gosto das minhas amigas e pronto”.

Hoje os meios de comunicação publicam, cada vez mais frequentemente, estudos sobre como transformar nossa dura rotina diária em lugares e momentos de simples prazer. Incitam-nos a saborear as “pequenas alegrias”.

Teriam de nos lembrar que existe esse mundo infantil, um paraíso perdido, onde podemos nos espelhar e nos refugiar sem que sejamos julgados, e onde somos sempre acolhidos com o frescor da primeira vez.

O escritor italiano da máfia, Leonardo Sciascia, me disse que não somos inocentes nem quando nascemos. É verdade, mas é verdade que o mundo da infância, com seus espaços de fantasia ainda não contaminados pelo pecado de julgar, nos oferece esse lugar onde podemos nos sentir protegidos do o olho escrutador do Big Brother.

O mundo adulto anda cada vez mais inquieto e cético, incapaz de aceitar que também pode haver momentos de descanso e poesia, de silêncio e aceitação, de perdão e não apenas de raiva e brigas.

Se há algo que faz as crianças sofrerem e se sentirem adultos prematuramente é ver seus pais brigando. Eles nos querem juntos e felizes. Choram, mas não gostam das lágrimas dos adultos. Elas lhes dão medo e insegurança. Obrigam-lhes a crescer fora do tempo, como as guerras empurram os adultos ao envelhecimento. Também as guerras verbais — que abundam nas redes sociais—, que matam, às vezes, mais do que as armas de fogo.

São as crianças que mais e melhor amam a paz. Não devemos lhes dar, por favor, brinquedos de guerra. Melhor os que cultivam suas fantasias e ilusões. Tempo terão de dar de cara com a violência que embrutece a Humanidade.

Mobilização de cidadãos e a crise política brasileira

A divulgação de crimes de corrupção tem irritado bastante os brasileiros, mas não há mobilização efetiva para cobrar mudanças no quadro político. Apenas alguns setores da classe média vêm manifestando sua aversão aos desmandos. Isso inclui internautas que descobriram, poucos anos atrás, como as redes sociais são instrumento para circular informações e congregar seguidores da mesma cartilha ideológica, visando excluir os personagens nocivos aos interesses nacionais. Esse esforço jamais vai sensibilizar o grupo que não admite barreiras a seus contatos na administração pública, campo propício para obter privilégios ou soluções de qualquer problema na burocracia. Assim, embora reconheça que algumas figuras são nefastas à sociedade, opta pelo silêncio para não contrariar os poderosos.

Outro segmento tem escolaridade mínima; por isso, não decifra as artimanhas dos agentes políticos na publicidade e nas estratégias para captar eleitores, sem compromisso de promover alterações profundas na estrutura socioeconômica. Esse grupo é o maior, tornando-se o sustentáculo de políticos que se perpetuam no poder, cuidando apenas de seus interesses pessoais e das metas partidárias.

A terceira parcela espera que outros lutem pelo seu bem-estar, sem considerar as diferenças na postura de legisladores íntegros e gestores competentes. Isso ficou nítido na manifestação do dia 26 de março, quando houve adesão menor para expressar o repúdio às autoridades que ainda mantêm fraude, corrupção, gastos exorbitantes, atos secretos etc. A omissão foi lamentável, diante desses crimes praticados por políticos de diferentes partidos, que, ignorando suas atribuições para construir uma nação próspera, dilapidam o patrimônio público e corroem os alicerces morais da sociedade brasileira.

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Dante Alighieri (1265-1321) é reconhecido como “sumo poeta” da língua italiana, e “A Divina Comédia” encontra-se na lista das obras-prima da literatura mundial. Ele viveu no exílio para se livrar da perseguição política em Florença, sua terra natal. Tendo enfrentado decepções pelas atitudes de outros Guelfos Brancos, além do tratamento humilhante de adversários, escreveu: “Os lugares mais quentes do inferno estão reservados para aqueles que em tempos de crise moral optam por ficar na neutralidade”.

Tal afirmativa pode nortear nossa postura para exigir a indispensável correção das distorções na legislação e práxis dos políticos, pois uma considerável parcela da riqueza nacional é perdida nos desvãos da corrupção, de obras públicas equivocadas e de péssima administração, enquanto a população padece de carências inconcebíveis para o terceiro milênio. Seriam ações simples, como repudiar medidas demagógicas ou manifestar, diuturnamente, a insatisfação pelos frequentes desmandos no país. Esses gestos indicariam aos poderosos que eles não são intangíveis e precisam mudar sua conduta, reconhecendo seu status de mandatários da vontade popular.

Paisagem brasileira

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São Bento do Sapucaí (SP)

Lembrando o manto negro de Adaucto Lúcio Cardoso, que honrava o Supremo

Chegou resoluto, firme, e mal cumprimentou o funcionário do cerimonial a quem dedicava sempre tanta atenção. Já passava das 13h, e o ministro Adaucto Lúcio Cardoso, do STF, fez pouco dos homens em seu caminho e da artrose que carregava nas juntas. Iria julgar ação de suma gravidade. Em janeiro do ano anterior, o governo Médici tinha concebido um filho muito feio, o Decreto-Lei 1.077, que trouxe para o ordenamento brasileiro a censura prévia (determina, em seu art. 2º, fiscalização dos escritos pela Polícia Federal, “antes” da divulgação).

A oposição, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), se mexeu contra o absurdo. Depois de bater com a cara na porta do procurador-Geral da República, então, ingressou com uma reclamação no STF, pedindo que o PGR trouxesse ao Plenário o pedido de declaração de inconstitucionalidade destes artigos que carregavam a censura prévia.

Era esta reclamação (Rcl 849, Rel. Min. Adalício Nogueira, DJ de 10.03.1971) que Adaucto e seus pares julgariam naquela dara.

 Assim como os outros ministros, não iria conversar com os deputados do MDB, que queriam convencê-lo da censura grave e total que trazia o Decreto-lei 1044/71. Era inócua a tentativa. Não iriam demover a maioria (existiu minoria que votou com o governo por convicção) do medo de desagradar o governo militar, que mandara inúmeros “recados” sobre sua posição pela aprovação da constitucionalidade do Decreto.

Não negava, também, que as ameaças veladas o deixaram em estado muito próximo do que costumamos chamar de fúria. Ele era livre. E sempre o seria, não importa o preço. O medo era um relativo desconhecido de Adaucto. Relativo porque o sentia, várias vezes, em seus pares, e, nestas ocasiões, mais de uma, sentia vontade de vomitar.

Eles – todos eles – não percebiam a magnitude do que estava para acontecer. Faltavam-lhes parâmetros. Faltava-lhes beca. Mas Adaucto sabia. Tinha um encontro com seu chefe de gabinete as 13h:30m, para repassar rapidamente a pauta. As 13h:45m tinha um encontro com São Francisco, para rezar. As 14h, com o início da sessão, então, tinha com seus pares. Mas este encontro não era com homens. Estava marcado com a história.

Andando em direção ao plenário, ao ver todas cabeças baixas, começou a sentir o peso da toga que usava. Não era o peso da pressão. Sentia o peso da vergonha. Cada centímetro daquele pano preto agora parecia podre a Adaucto. Pano indigno, que não merecia seus ombros.

Na sessão, após seus colegas, vários deles, se acovardarem diante dos militares e concordarem com eles como ovelhas, Adaucto resolve, num ato só, mostrar como um pano preto pode ensinar às gerações que vêm o quanto de armamento pode não ter o homem mais valente da República. O quanto de brio pode ser concentrado numa pedaço de seda largada. Deu o único voto vencido – retumbante – daquela tarde, e carimbou seu passaporte para a galeria dos heróis.

Nasceu, ali, um parâmetro invencível de juiz. O maior deles. Porque Adaucto Lúcio Cardoso, logo após votar, em quase delírio de indignação, agarra a toga por detrás da cabeça e, num gesto raivoso, a arranca, arremessando-a ao ar, à eternidade. Ato contínuo, abandona a sessão e o cargo de ministro do STF.

Vai, Adaucto, redimas, com sua fúria incontrolável, a vergonha de nosso medo palpável! Faças pouco de nossos temores servis, lançando aos ares a capa que, voando, esgota as ambições viris.

Uma capa ao vento, suspensa no ar, no território dos mitos. Um manto negro que voará para sempre, para além do que a lenda prediz, e simbolizará, para aqueles que calam, a honra daquele que sempre diz.

José Eduardo Leonel Ferreira

Circo nacional


O Brasil desmoralizou-se em todos os sentidos, a nação vive à mercê dos jogadores da nossa honorabilidade, somos um povo que já conseguiu entronizar o ridículo de si mesmo
Jackson de Figueiredo (1916) em prefácio a "Feiras e mafuás", de Lima Barreto

Refugiados no presente

No momento em que seus professores fizeram manifesto justificando greve contra as reformas previdenciária e trabalhista, alunos do Colégio Santa Cruz, em São Paulo, redigiram documento defendendo as reformas.

Essa manifestação tem como lógica a disputa latente e crescente, mesmo que inconsciente, entre os interesses das gerações atuais e os interesses das futuras.

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Os jovens começam a perceber que eles são como refugiados tentando emigrar para o futuro, impedidos por um “mediterrâneo invisível” formado por leis e opções que protegem os adultos.

Basta pensarmos em relação ao meio ambiente. Ao concentrar o conceito de progresso no crescimento da produção para atender ao aumento da renda e do consumo, comprometemos o bem-estar dos que vão herdar um mundo com as consequências da crise ecológica. Mas não se veem nos adultos de hoje os gestos necessários de comedimento na prática do consumismo.

No campo da economia, a falta de austeridade nos gastos públicos provocou os orçamentos deficitários e deixará aos jovens a condenação a serviços estatais deficientes, como já se observa no Rio de Janeiro.

O atual sistema previdenciário, que beneficia os adultos de hoje, vai exigir um esforço crescente na contribuição dos jovens, até porque o número destes será cada vez menor para sustentar a aposentadoria de um número cada vez maior.

Sem a reforma, eles provavelmente nem contarão com um sistema sustentável para protegê-los na velhice, ou terão que receber suas aposentadorias em moeda inflacionada.

Da mesma forma, a reforma trabalhista é parte dessa luta entre gerações. Quando a atual legislação foi feita, o trabalho era manual, e as profissões eram permanentes.

Cada vez mais os jovens enfrentarão um mundo no qual os empregos provisórios serão substituídos por máquinas ou por novas profissões que exigem educação.

E de nada adiantará querer manter o emprego estável por determinação legal; as empresas antigas quebrarão, e as novas irão para outros países, como estão fazendo em direção ao Paraguai e à China.

É também por essa razão que os alunos se manifestaram contra a greve dos professores, ao perceberem que cada dia sem aula dificultará o futuro deles, na competitiva civilização do conhecimento que terão de enfrentar.

Mas precisam entender que não terão boa educação sem educadores contentes com seus salários, condições de trabalho e perspectiva de aposentadoria.

Devem, por isso, apoiar as lutas de seus professores por boas causas, de preferência sem paralisações.

A reforma da Previdência é necessária, mas deve ter um cuidado especial com os professores para não os prejudicar.

Conscientes ou não, os meninos do Colégio Santa Cruz estavam tentando não perder os direitos que esperam vir a ter quando chegar a vez deles. Por isso, todos os estudantes deveriam despertar e se mobilizar na defesa de seus interesses, corrigindo os vícios do atual sistema socioeconômico, que protege o presente dos homens e das mulheres com um “mediterrâneo invisível”, barrando os jovens na marcha para um futuro promissor.

A fim do triplex

O ex-presidente Lula fez bem em não querer comprar o tríplex do edifício Solaris, na praia das Astúrias, em Guarujá, que o empreiteiro Léo Pinheiro insistia em lhe vender. Imagine o dono de uma das maiores empresas do país, com faturamento de R$ 50 bilhões por ano e atuação em vários continentes, sair de seus cuidados para dar uma de corretor, abotoar pessoalmente um cliente e tentar empurrar-lhe um imóvel no valor de reles R$ 1 milhão e quebrados. Alguma coisa devia estar errada —com o comprador, com o vendedor ou com o imóvel.


Pois aconteceu que o ex-presidente, ao visitar o tríplex ainda em obras e fazer um tour pelas dependências, em 2014, logo enxergou tudo. O imóvel tinha mais de 500 defeitos —que ele fez questão de apontar para Léo. Havia problemas na área gourmet, espaço habitualmente reservado à churrasqueira, na escada e na cozinha. Léo concordou, exceto quanto à cozinha —afinal, do mesmo fabricante e modelo da que fora instalada no sítio em Atibaia que não é do ex-presidente e que o ex-presidente usou nas 111 vezes em que pernoitou nele a partir de 2012.

Além disso, alegou o ex-presidente, o tríplex, com seus 215 metros quadrados, era muito pequeno para abrigar sua família, composta do casal, cinco filhos e seus cônjuges, oito netos e, agora, um bisneto. Como se sabe, os filhos do ex-presidente ainda moravam com ele, embora todos tivessem mais de 40 anos, fossem casados e comandassem grandes e prósperas empresas, cada qual com dois ou três funcionários.

Para completar, disse o ex-presidente, o tríplex ficava em frente à praia, que ele só poderia frequentar na Quarta-Feira de Cinzas —único dia em que não seria atazanado pela plebe.

Léo Pinheiro entendeu. Quem não entendeu foi dona Marisa, que, sem avisar ao ex-presidente, continuou a fim do tríplex.