domingo, 16 de agosto de 2015

Hoje é o dia D

Hoje, 16 de agosto, é o dia D, a mais esperada data dos últimos tempos. Tanto pelas hostes que se opõem ao governo Dilma quanto pelos exércitos que a defendem. A primeira e óbvia constatação é a de que as galeras contrárias, em quantidade infinitamente superior às turbas favoráveis, devem comparecer em massa às ruas para gritar o “fora Dilma”. Daí a expectativa de que a mobilização deverá surpreender, ultrapassando a casa do 1,5 milhão registrado no evento de junho de 2013, até então o maior da contemporaneidade, só comparável à multidão que encheu o Vale do Anhangabaú, em 16 de abril de 1984, por ocasião do comício das Diretas Já.

Povo Brasileiro (Foto: Arquivo Google)

Há quem aposte que cerca de 5 milhões de pessoas sairão às ruas. Aguardemos a aferição dos institutos. O fato é que a convocação, a indução e a lembrança intermitente do evento pelas redes sociais criaram o clima e aumentaram as expectativas em centenas de cidades. Donde se aduz que, em face de um número menor – algo em torno de 500 mil pessoas – esta segunda feira poderá ser o dia da “reversão de expectativas”. Haverá, sem dúvida, exageros dos grupos pró e contra, alargando ou diminuindo as quantidades. Se ficar entre 1 e 2 milhões, é aceitável caracterizar a mobilização como “muito grande”; para considerá-la “gigante”, a conta deve ultrapassar a casa dos 3 milhões, concedendo-se o atributo “monumental, coisa nunca vista no Brasil” , caso a participação fique entre 5 a 6 milhões de pessoas.

Aceita tal planilha, a pergunta que cabe é sobre eventuais impactos do movimento sobre a esfera político-governativa.

Levando-se em consideração o foco da mobilização - afastamento da presidente da República - , a resposta comporta as seguintes alternativas: a) a saída da presidente, pela via do impeachment ou da renúncia; b) a permanência de Dilma, com o apoio de uma base governista menor, porém revigorada, até o final do mandato, quando fechará o ciclo PT no poder; c) a permanência da mandatária até mais adiante, quando novas informações da Lava Jato funcionariam como petardo de poder destrutivo contra expoentes da política, entre os quais o ex-presidente Lula.

O quadro tumultuado abriria o cenário de afastamento. Para a primeira hipótese, o evento de hoje funciona como aríete a fustigar o paredão do castelo, como nas guerras antigas. Se for “monumental”, transforma-se em arma capaz de arrombar a fortaleza; se for de média envergadura, sua força se dispersará e acabará caindo na linha da banalização. Interpretando: de um lado, terá o poder de influenciar decisões do TCU e do TSE, os dois tribunais que julgarão as “pedaladas” fiscais e as contas da campanha de Dilma; de outro, não gerará conseqüências de vulto.

Para que Dilma seja impedida pelo Congresso, é preciso o fator causal. Até o momento, trabalha-se com hipóteses. Vale esclarecer: sob a égide da Justiça, nada ocorrerá fora da letra constitucional. Driblar a lei seria golpismo, coisa inviável na atual conjuntura. Agirão como indutores do estado social componentes do que chamamos de Produto Nacional Bruto da Infelicidade (PNBInf): dinheiro curto, carestia de vida, desemprego, serviços urbanos precários etc. Sob essa paisagem devastada, as manifestações ganham volume e a animosidade social se expande.

O fluxo das pedras do dominó seria este: balão da opinião pública inflado pelo Lava Jato; economia estrangulada puxando a insatisfação; indignação manifesta nas ruas; força social, como aríete, pressionando Tribunais e empurrando vãos dos Poderes; Parlamento tomando decisões sob o calor das ruas. Ou, no contraponto, pedras do dominó balançando, mas não caindo. Palácio do Planalto pichado, porém em pé.

Sob essa teia, emergem outras questões: a economia encurtará mais o dinheiro no bolso? A inflação chegará aos dois dígitos? Resposta positiva acende a hipótese de acirramento da alma social nos próximos meses. O governo terá arsenal para batalhar por sua salvação? Haverá espaço para acomodar a nova base política? Terá condições de resistir ao tiroteio? Nos últimos dias, a agenda Brasil abriu um respiro nos pulmões governamentais.

Gaudêncio Torquato

Na arena de guerra, prevê-se que o fogo da Procuradoria Geral da República queimará o comandante da Câmara. Terá condições de resistir caso o STF acolha algum pedido para seu afastamento? É certo que a luta entre as instâncias de investigação (MP, Judiciário, PF) e a tropa política será longa, ensejando conflitos até as margens eleitorais do amanhã.

Quanto à Dilma, não se espere sua renúncia. Sua índole não permite tal gesto, que poderia ser interpretado como fraqueza. O impeachment poderá ser uma reta ou uma curva, a depender do desdobramento dos cenários acima desenhados. Qual é mesmo o objeto central? Por enquanto, a visão realça a imagem de uma governante claudicando, magoada, chegando, trôpega, ao fim de linha em 2018. Lula, por sua vez, terá grandes dificuldades de voltar a comandar o país. Seu gogó palanqueiro não está tão afiado como antes.

Os círculos concêntricos produzirão marolas no centro do lago, ajudando a desconstruir sua força junto às margens. Mas a política é como Fênix; seus atores podem ressurgir das cinzas. Senador ou deputado, quem sabe, Lula seria o refundador do carcomido PT.

Falou, Brahma

Eu sou o único cara do mundo que não pode reclamar de protesto. Eu fiz protesto a vida inteira. E protestar, fazer oposição, tudo faz parte do jogo político, cansei de fazer (protesto).
Democracia não é um pacto de silêncio, é uma sociedade em movimento em busca de novas conquistas
Lula sobre as manifestações deste domingo

Impeachment não é golpe; é arma contra o golpe

Há menos de um ano, Dilma Rousseff foi reeleita democraticamente, a despeito da tragédia anunciada que isso significasse. Num Estado Democrático de Direito, como é o nosso, não cabe a discussão acerca da legitimidade da presidente para ocupar o cargo para o qual a vontade popular a elegeu. Destituí-la do poder com base em suas decisões absolutamente equivocadas ou por desagrado com o estado das coisas seria antidemocrático. Democracia é isto: a maioria escolhe e, se escolher mal, todos arcam com o ônus. É o preço a ser pago.


Não é a mera insatisfação, porém, que embasa o pedido de impeachment da presidente, qualificado de “golpista” pelo partido que está no poder. Dilma foi eleita dentro dos ditames formais da democracia; ocorre, entretanto, que foi eleita para trabalhar pelo bem comum, e não para se apropriar do Estado, acomodar seus pares políticos nas empresas estatais custeadas pelos nossos impostos, mentir descaradamente acerca da aplicação dos recursos públicos – ou seja, do nosso dinheiro, que se perde na vala da corrupção, em detrimento das carências em todas s áreas e das mazelas que assolam nosso povo. Percebe-se com clareza que o Partido dos Trabalhadores se assenhorou do Poder Público, servindo-se dele em seu próprio interesse e pervertendo-o a tal ponto que não se pode imputar à presidente apenas o crime de responsabilidade, como também uma postura de abuso do poder político e escárnio da soberania popular, tendo ela praticado crime de corrupção pessoal ou não. Instalou-se uma quadrilha na nossa maior estatal e o dinheiro desviado teria financiado, inclusive, a campanha presidencial de Dilma, o que já é motivo suficiente para a interrupção de seu mandato por crime eleitoral.

Já no longínquo ano de 2005, quando o Brasil acompanhou o escândalo do Mensalão, tivemos uma nítida ideia do “modus operandi” do PT: um partido que utiliza o dinheiro do povo para comprar votos dos representantes deste mesmo povo no Legislativo não é apenas corrupto, mas perverso. Um Estado no qual o chefe do Executivo não se submete ao controle do Legislativo difere em que de um regime totalitário? Lula, com suas pretensões de ser ditador, foi citado como responsável pelo esquema nos depoimentos de Marcos Valério; o publicitário Duda Mendonça, por sua vez, afirmou na CPI dos Correios que recebeu dinheiro sujo no exterior para financiar a campanha do então presidente. Mas Lula não poderia ser investigado, afinal, impeachment é coisa de golpista, não é? Estamos assistindo, nos últimos meses, à reprise de um filme antigo, com uns e outros atores distintos, mas de idêntica sinopse. Cabe a nós reescrevermos o seu final. Ou vamos assistir, impassíveis, ao mesmo desfecho?

Aparelhar a máquina pública, restringir a atuação do Legislativo, vencer eleições com tramoias e estelionato eleitoral, desqualificar as manifestações populares, assaltar os cofres públicos: tudo isto foi praticado pelo PT. Tudo isto fere de morte a democracia. Tudo isto é golpe. O impeachment, ao contrário, é o instrumento que o regime democrático constitucional nos oferece, regime este que o PT tanto repele e com o qual nunca aprendeu a conviver. Não deixemos que a história se repita. Defendamos a democracia com unhas e dentes. E que venha o 16 de agosto.

'A confusão é geral"

O capítulo é pequeno, como, em geral, o são os de Machado de Assis. Nem por isso deixa de ser verdadeira obra-prima, dentro do conjunto quase inacabável de numerosas outras. Falo do Capítulo CXXIII / Olhos de Ressaca, de “Dom Casmurro”. Em poucas linhas, descreve o velório do personagem Ezequiel, a partir das lágrimas de Sancha até os olhos de Capitu, que “fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem as palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã”.

Lendo “O Globo”, dei com o artigo de Ricardo Noblat “Receita para salvar Dilma”. Machado pousou novamente, agora com as “Memórias Póstumas”, Capítulo VII / O Delírio, outra obra reservada apenas aos gênios mais extraordinários. Passou-me, enfim, o artífice da língua inglesa – Shakespeare – também genial trapezista da ironia, em quem a beleza criadora jorrou talento para estruturar-lhe a altíssima arte.

Desçamos aos altiplanos estéreis e tórridos da capital federal, que tem incendiado a terra brasileira. Aos hipocondríacos, recomendo a crônica política de Noblat para deleite com a sua (proposital, suponho) panaceia para salvar a presidente Dilma do precipício para o qual, desde o início, estava destinada. Algo sarcástico, decerto indignado com o roteiro que sacode uma nação inteira pelos males que infligiram ao país, os julgamentos requerem o sal da severidade e do rigor.

Uma breve reflexão sobre a lambança consumada durante o equivalente a três mandatos sob o tacão do lulopetismo mostra e sobreleva, com precisa exatidão, a autocrática irresponsabilidade do Nosso Guia, mormente na segunda metade do primeiro mandato e no erro crasso cometido pelo seu espírito de baraço e cutelo com quem ousa contrapor-lhe o peito às cordas do mandonismo; está incontroverso na imposição da sra. Dilma Rousseff.

Aí está a gênese de tudo. Nada se podia contra a imprudência fatal do Nosso Guia, e, assim, o roteiro não teria como ser outro. Leviano, irresponsável, arrogante e ignorante do peso da governabilidade em regime democrático, sobretudo uma espécie de dono incontrastável da nação, resumiu a sua tarefa de indicar um nome capaz de dirigir um imenso e complexo país à ligeireza e superficialidade de não prestar a mínima atenção na decisão monocrática a que se arrogou. Era assim que queria, e ousasse alguém divergir. Apenas trovejou para a patuleia perplexa do PT um nome desconhecido, cristão-novo não testado e descredenciado para a mais alta curul política do Estado. Nem a premiada com a escolha teve a veleidade de pleitear sua candidatura que, mesmo em sonho, não ousou ter. O PT baixou a cabeça em sinal de obediência: o Olimpo ditou, “tolitur quaestio”.

Aqui estamos hoje, como um povo patético com a dignidade desrespeitada e o patrimônio diminuído pelos escândalos dos assaltos bilionários aos bens da nação. O mandatário reconfirmado busca recuperar a fugidia legitimidade devastada. A reempossada presidente já não governa; ficou limitada a vagar, sinistramente, pelos corredores assombrados do Palácio da Alvorada, incomodada pelas visões soturnas das almas penadas dos seus antecessores.

Contudo, só lhe sobra da aventura um governo sem rumo e direção, e apenas uma saída: a renúncia. Collor renunciou, mas está longe de qualquer modelo moral que nunca teve, o dele. Não perca o seu, sra. presidente.

Eu vou!

O Brasil é um navio sem rumo nem prumo. Não está apenas à deriva. É um navio cuja tripulação joga as culpas do extravio no estaleiro, nas estrelas, nos ventos, nas ondas e, claro, nos passageiros de olhos azuis. O que nos reduz alternativas a essa crise é estarmos sob um governo alheio aos males que causou. Somos governados por quem chegou ao poder mentindo sobre o passado, mentindo sobre o presente e, agora, mente sobre o futuro. E é um navio sem prumo, o Brasil, porque adernou com o peso do Estado. Nada que não viesse sendo anunciado desde os tempos em que Lula, na metade de seu segundo mandato, decidiu que a manutenção do poder valia qualquer irresponsabilidade. Então, irresponsabilidade e meia: apontou como sucessora a companheira Dilma, gerentona, mãe do PAC e seu alegado braço direito. Pedra cantada para dar no que deu.

Muito já escrevi e falei sobre o conforto das instituições. A nação ia sem rumo nem prumo e as instituições só estavam interessadas em ampliar vantagens. Desatenção ao leme e maior peso agregado ao Estado. Deus, porém, escreve direito por linhas tortas, mesmo num barco desaprumado. E eis que surgem, da vastidão continental e populacional do país, ali, na capital do Paraná, um juiz, alguns promotores e policiais federais. Eles se recusam à zona de conforto e começam a fazer o que devia estar sendo feito há dez anos. Tiveram o mérito de perceber mais risco em nada fazer do que na missão que abraçaram. Já são quase três dezenas de colaborações premiadas (e olha que uma não pode repetir o que qualquer outra já tenha relatado!).

Há muitos anos, muitos mesmo, o Congresso Nacional dava sinais de morte cerebral. Ou de ser uma casa onde cada um cuidava de si e o Tesouro Nacional cuidava de todos. Pois a operação desencadeada em Curitiba levou o povo às ruas em 15 de março e desacomodou o parlamento. Queiramos ou não, ainda que com tanta presença constrangedora, ali está o coração, debilitado mas ainda vivo, daquilo que, como extensão do conceito, talvez se possa chamar de democracia brasileira. É ao parlamento que o Brasil, de todas as cores, falará nas manifestações de hoje. Porque, como escreveu alguém, cujo nome gostaria de saber: "A bondade que nunca repreende não é bondade: é passividade. A paciência que nunca se esgota não é paciência: é subserviência. A serenidade que nunca se desmancha não é serenidade: é indiferença. A tolerância que nunca replica não é tolerância: é desumanidade." O futuro do Brasil não passará na tevê. Não acontecerá no sofá. Estará se manifestando pacífica e civicamente nas ruas, neste domingo.

Golpe às ruas


Dilatação do prazo para o julgamento das pedaladas fiscais, pedido de vistas protelatório no TSE, manifestações de apoio, Agenda Renan. Acertados por debaixo do pano, os arranjos da semana passada foram um alento à presidente Dilma Rousseff. Mas não parecem ser suficientes para dar fôlego ao seu governo, rechaçado por 71% da população. Os ares das ruas – com panelaços e manifestações - que o digam.

Ao contrário dos movimentos sociais oficiais, patrocinados com dinheiro público, os milhares que vão as ruas neste domingo não têm tutela de ninguém. Nem a mesma palavra de ordem previamente ensaiada. Seus gritos de Fora Dilma, Fora PT traduzem uma gama de insatisfações. Do caos econômico ao desemprego, dos privilégios de alguns aos conchavos para proteger os mesmos de sempre. Reagem à roubalheira, aos saqueadores do Estado.

Repudiam a corrupção. Algo que em instante algum se ouviu dos líderes do MST, CUT, UNE e outras entidades no convescote do Planalto, quinta-feira, apelidado de Diálogo. Para eles, que prometem defender com unhas, dentes e até armas qualquer tentativa de “golpe”, que só eles enxergam, Mensalão não existiu, Lava-Jato é invenção, José Dirceu não está preso, Dilma não era ministra e presidente do Conselho da Petrobrás quando a roubalheira tomou conta da estatal. Lula não era presidente da República.

Um mês antes do início da Lava-Jato, em fevereiro de 2014, a Petrobras fechou, sem licitação, contrato de patrocínio do Congresso Nacional do MST, realizado em Brasília. A estatal confirmou ter colocado R$ 650 mil no evento. Outros R$ 550 mil foram custeados pela Caixa e pelo BNDES. Para as “margaridas” que ouviram os arroubos de Lula e Dilma no Mané Garrincha, Caixa, BNDES e Itaipu Binacional gastaram mais de R$ 850 mil.

Dinheiro pequeno perto de generosidade permanente com o MST, gestor de convênios de mais de R$ 200 milhões, de cuja prestação de contas não se tem notícia. Perde para a CUT, que de 2008, quando Lula incluiu as Centrais na partilha dos recursos do imposto sindical – um dia de trabalho de cada assalariado - para cá arrecadou mais de R$ 340 milhões. Recursos suficientes para custear muitas guerras.

A UNE abocanhou R$ 57 milhões para a reconstrução de sua sede, no Rio, e outros R$ 12,9 milhões em convênios questionados pelo TCU.

Dinheiro público empenhado para cooptar movimentos sociais. Reconheça-se, que eles retribuem sempre que o governo solicita. Mas ainda pedem ajuda de custo – transporte e lanche – para formar a claque.

Descem a rampa interna do Planalto ao lado da presidente aos gritos de “não vai ter golpe” – como se o Palácio estivesse cercado por canhões -, rechaçam o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e Eduardo Cunha, pouco se lixando se ele preside a Câmara dos Deputados. Fazem tudo estimulados por Lula e o PT, sem qualquer reprimenda.

Sob o manto do diálogo, pregam o litígio. E chamam de golpistas quem vai às ruas.

Em entrevista a Serginho Groisman nos tempos em que liderou movimentos pró-impeachment de Collor de Mello, Lula explicou aos jovens que a Constituição previa a destituição de um presidente. Foi mais longe: defendeu o recall do voto - “seria a salvação da lavoura”. Hoje, na sua doutrina impeachment é golpe.

Dilma respirou. Depende ainda de aparelhos, materializados em movimentos sociais pagos e políticos encrencados. Pode ir mais longe – ou não.


As dívidas dela com as ruas são maiores. Não adianta tentar golpeá-las.

Lula convoca o povo

É preciso a sociedade brasileira tê influência nas decisões. Sabe qual é a desgraça desse país? É que o povo vai dia 15 de novembro votá e depois não liga mais pra nada, fica esperando a outra eleição. O povo precisa votá, precisa cobrá, exigi, xingá, fazê protesto, passeata, manifestação. É a única forma… é a única forma de fazê a classe política entendê o povo
Lula na campanha presidencial de 1989, no Programa Silvio Santos, transmitido pelo SBT, para convencer o auditório e os espectadores de que disputas políticas não podem ser encerradas no momento em que termina a apuração dos votos 

Democracia


Sócrates de novo. Desculpem, mas uma história deveria sempre começar pelo princípio. E, para a filosofia, no princípio está ele. Sócrates era um democrata. Tinha igual horror aos aristocratas que governavam por considerarem esse um direito natural quanto aos plutocratas, que viam o dinheiro (que tinham aos montes) como fonte do poder. Não gostava também dos demagogos, que conduziam o povo no grito, na conversa, no argumento sutil, mas vicioso, longe da verdade. Não botavam o povo para pensar, falavam por ele. E, hábeis no argumento e na condução das multidões, levavam-nas aonde queriam chegar. O povo acabava acreditando que queria também. Sócrates se opunha aos demagogos porque eles bajulavam os interesses e desamavam a verdade.

O povo, é claro, move-se pelos seus interesses. Havia de se mover pelos de quem? Inter esse, em latim, significa estar dentro. O povo está por dentro do que lhe interessa. Esse é o dado. Com ele é preciso, agora, construir. Porque interesses há muitos, o povo não é um corpo só. Vive em fricções e divergências, convergências e paixões, “tudo segundo a guerra e a mais bela harmonia”, disse, antes de Sócrates, Heráclito. Guerra e harmonia. Não uma sem a outra. Os interesses em conflito geram a guerra de todos contra todos. Os interesses harmonizados conduzem à paz. Harmonia era naquele tempo concebida como equilíbrio, beleza. O lugar da verdade era a harmonia. Sócrates habitava aí. Contra os demagogos, que fingiam saber. E contra os aristocratas e plutocratas, poderosos pela estirpe ou pelo dinheiro. Para esses, os interesses eram claros: os deles. O resto era caos. Para Sócrates, era do caos aparente que emergia a ordem — harmonia e verdade. Esse é o princípio da democracia socrática.

Platão, discípulo de Sócrates, tinha medo do povo. Temia os interesses que sobem dos estômagos vazios, das mãos sem serventia, das dores sem remédio. Interesses não são educados, pensava ele. Não sabem a verdade. E a educação é fundamental. Criou então um modelo de estado ideal em que a verdade estaria assegurada pelo fato de que os reis seriam filósofos. Esse Estado seria um verdadeiro currículo acadêmico. Um longo processo de educação, de domesticação dos interesses pelo conhecimento. Pode-se especular se Sócrates seria feliz nessa república, cheia de salas de aula e vazia de praças. Sem praças não há povo. O Estado de Platão padecia de autoritarismo. Platão já não acreditava que era dos conflitos de interesses que vinha brilhar a mais bela harmonia, a verdade. Suprimiu os interesses, que são apenas opinião. E assim ficaria tudo preservado do caos. Sem demagogos. Uma aristocracia do espírito.

Foi necessária uma longa espera para encherem-se de novo verdadeiramente as praças de povo. As revoluções americana e francesa do século XVIII trouxeram os interesses legitimamente de volta, os dos que não têm pão (“comam brioches!”, disse a rainha) nem liberdade. Essas revoluções reviraram o mundo. Alguns ganharam liberdade — outros, não. Alguns comeram — outros, não. Os interesses continuaram a se opor e se harmonizar. A política veio a ser a arte de compor interesses, e da contradição extrair a harmonia. A forma da harmonia é a lei. Há quem goste, há quem não, segundo seus interesses. Mas a lei é um pacto de vida comum. É o modo político da verdade. Pode virar pedra, se o povo se esquecer de voltar à rua. Mas ele volta. E o tempo da sua volta vai mudando a lei. É assim, nas democracias. As leis se fazem, e vive-se depois com elas. Até serem mudadas pelo voto. Não no grito dos demagogos, nem pelo poder dos muito ricos. É assim.

Nem todos gostam. Há os que têm pressa em mudar leis e pessoas. Têm seus próprios desígnios — agendas, diz-se hoje — e são impacientes. Não raro cavalgam os interesses verdadeiros do povo, quando ele vai às ruas dizer sua palavra, e torcem sua marcha na direção dessa vontade apressada. Desrespeitam a política, metade conflito, metade harmonia. Estimulam o conflito, que lhes serve melhor. É um perigo. Um dia o povo, que foi bater panelas com uma raiva embaraçosamente convicta, pode perceber que foi conduzido. Que alguém andava por ali desinteressado da verdade. E cobrará. Como, depois se há de ver.

Não se batiam panelas na república de Platão. Não havia liberdade. Na Ágora de Sócrates seria possível. Mas não era necessário. Os interesses estavam sendo harmonizados, a verdade, no final, fazia a festa. Hoje não sabemos mais. Os interesses estão em guerra. E quem busca a harmonia fica esmagado por eles. Mas há interesses e interesses. Panelas e panelas. Umas batem raivosamente, outras soam uma convicção triste. Saber distinguir as batidas é uma arte. É preciso apurar os ouvidos. De onde estiver exilada, a verdade pode regressar pelos ouvidos de quem sabe ouvir.

Marcio Tavares D’amaral

De novo nas ruas

Novas manifestações estão programadas em todo o país neste domingo, expondo a indignação da sociedade diante exatamente de quê? Há quem veja nesse cenário o desdobramento natural de uma crise, cujo início remonta a junho de 2013; outros, a continuação de uma apertadíssima campanha presidencial, e, portanto, mero oportunismo político.

Já uma massa de descontentes reverbera o horror à inflação, que lhe corrói o poder de compra. Daí a panela estar na moda. Mas há também aqueles que sinceramente estão preocupados com a saúde das nossas instituições, a rigor ainda em processo de afirmação. A redemocratização do país é uma jovem de pouco mais de trinta anos apenas.


Nesse ponto, pego carona no pensamento do tão reverenciado Raymundo Faoro, figura-símbolo da Ordem dos Advogados do Brasil ao tempo da ditadura, que insistia na mudança (e, de fato, tudo mudou), mas ao mesmo tempo não tinha medo de perguntar sobre o que vem além da mudança.

Mudamos, sim. Alcançamos o Estado democrático de Direito carregando vícios e práticas antigas, deixando prevalecer os pontos de vista dos poderosos sobre os da grande massa de cidadãos. Daí negócios de Estado confundir-se com negócios pessoais, fazendo da corrupção uma instituição igual às outras, ou imiscuindo-se sorrateiramente nelas. A corrupção deixou de ser endêmica e passou a ser institucional. Tornou-se onipresente, onipotente e onisciente, ocupando o lugar em praticamente todas as esferas do Poder.

Por certo, o que as manifestações têm a dizer é que queremos algo além das práticas triviais da democracia, sobretudo quando sabemos que nas democracias também se abusa do poder, também se adotam processos arbitrários e discricionários, forjados à surdina, desprovidas de conteúdo social e que servem apenas para legitimar quem detém o monopólio do poder.

O rol de escândalos, a dança das cadeiras nos postos dos altos escalões da administração federal, as suspeitas de enriquecimento ilícito à custa do erário público, tudo isso fermenta uma massa onde se misturam indignação, raiva e medo.

No mundo atual, as ordens estabelecidas estão sujeitas a questionamentos das formas mais surpreendentes e rápidas, levados por uma coesão de palavras e idéias que ultrapassam fronteiras. Nunca o individual foi tão poderoso como agora, justamente por concentrar na palavra transmitida em tempo real a aspiração coletiva.

O desafio de agora, sobre o qual todos nós temos responsabilidades, está em restaurar a esperança de um futuro melhor e repor a confiança nas instituições. Por isso, não podemos continuar vivendo uma simples “situação democrática”, por mais eleições que possam ocorrer. Queremos uma democracia como valor universal, que se traduza em participação, ética e responsabilidade.

O povo é fonte e base da soberania de um país, e em nome dele o Poder é exercido. Foi a autoridade moral de Sobral Pinto quem trouxe de volta esse princípio básico nos gigantescos comícios que exigiam diretas-já para o Brasil. Hoje, novamente este povo toma as ruas, avenidas e praças exigindo ética na política. Cabe aos agentes públicos compreender a mensagem, sob pena de perderem a fonte de sua legitimidade e colocarem em risco a credibilidade das instituições republicanas.

Ibaneis Rocha 

O povo na rua


Querem saber? As pessoas sensatas deveriam torcer para que, neste domingo, houvesse nas ruas muitos e muitos milhões, um troço realmente acachapante, a indicar para Dilma que não dá mais. Isso também poderia evidenciar aos políticos que é chegada a hora. Creio na robustez do movimento, sim, mas não nessa monumentalidade.

E a pior coisa que poderia acontecer seria o insucesso do protesto. A presidente não teria o que fazer com ele. Seria um indicador não de otimismo, mas de desalento e de descrença, o que costuma anteceder decisões coletivas desastradas.

Não há como o povo na rua, neste domingo, ser o problema. Ele só pode ser a solução. É a continuidade do governo que nos lança no escuro, não a sua interrupção.

Assim, meus caros, bom protesto!
 
Leia mais o artigo de Reinaldo Azevedo

Tristes trópicos

“Chega! Que mundo é esse, eu me pergunto?", canta Gabriel o Pensador na melhor música de protesto dos últimos tempos. “Chega! Quero sorrir, mudar de assunto!” Quem não quer? Os dias estão lindos, o tempo está uma glória, as ruas estão enfeitadas pelas orquídeas que mais uma vez florescem nas árvores a que foram amarradas, as capivaras têm aparecido com regularidade. Mas a pobre da Lagoa fede e envenena os remadores que vêm de fora, a baía é um desastre ambiental, as praias estão imundas, os taxistas estão atacando os passageiros e motoristas do Uber, as universidades estão em greve, a violência está por toda a parte, os preços estão em alta, os salários e aposentadorias em baixa, há desemprego, há lojas fechadas, negócios falidos, planos cancelados.

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A crise arreganha os dentes em cada esquina, e nós ainda somos obrigados a ouvir o Pezão, lamentando a chance perdida de despoluir as águas da cidade, que ele havia prometido entregar limpinhas para as Olimpíadas, e a “presidenta”, lamentado o aumento das contas de luz, que às vésperas das eleições ela reduziu com o ar triunfante de quem fez um ótimo serviço. Lamentam, pois é, como se não tivessem nada a ver com isso; lamentam como se a culpa de nos encontrarmos nessa situação caótica e deprimente em que tudo está ruim ao mesmo tempo não lhes coubesse em boa parte, como se fossem duas inocentes vítimas do destino e da conjuntura internacional. Para piorar o que já estava péssimo, agora ainda temos o Renan Calheiros — o Renan Calheiros! — como fiador da República.

Chega!

Quero mudar de assunto, mas a crise sequestra a pauta e não há outra conversa: no trabalho, em família, entre amigos, na fila do banco (sobretudo na fila do banco), na condução, na fila do supermercado (sobretudo na fila do supermercado), no salão, na porta da escola.

Chega!

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Sou só eu, ou vocês também ficam bestas com as quantias que estão vindo à tona na Lava-Jato? Cada rato que faz acordo de delação premiada se compromete a devolver cinquenta milhões, setenta milhões, cem milhões. Vai dizer que ninguém viu isso, que ninguém sabia disso? A quem eles pensam que enganam? Casas reformadas por empreiteiras, apartamentos pagos por amigos, viagens em jatinhos para suítes de luxo nos grandes hotéis internacionais... Essa era a gente que queria mudar o mundo?

***

Um conhecido meu, americano, professor universitário, postou isso:

“Panelaço: amig@s brasileir@s: podem me explicar o panelaço ontem? Sem entrar no debate sobre o grau de culpabilidade da Dilma e/ou o PT pela crise atual, ela é a Presidenta eleita. Para mim uma fundação de qualquer democracia é a discussão, de ouvir e ser ouvido. Pode odiar, pode sentir náusea pelas palavras do seu adversário (até escutar para criticar depois) mas realmente não entendo um esforço coordenado para silenciar. Para mim, isso não alimentaria um país (estou dizendo um país e não ‘um governo’ de propósito) em crise. Alguém pode me explicar e/ou defender o panelaço? Fico assustado e confuso.”

Achei o desafio interessante, sobretudo porque vários petistas já haviam oferecido a sua (previsível) interpretação. E respondi:

Já vi que sou uma voz dissonante entre os seus amigos; então o meu ponto de vista talvez contribua para a sua compreensão. Os governistas estão muito empenhados em fazer crer que o panelaço é obra de reacionários neo fascistas da classe média alta que estão descontentes porque não podem mais viajar para Miami, instigados pela mídia golpista. Preciso dizer como essa leitura é ofensiva a qualquer pessoa de bem? Um dos motivos de vivermos hoje num país tão polarizado e cheio de ódio é, justamente, essa recusa em aceitar o fato de que boa parte — se não a maior parte — da população está profundamente descontente com o governo: com a sua incompetência, a sua roubalheira e, last but not least, a sua arrogância. Nem todo mundo que bateu panela quer o impeachment da Dilma; muita gente apenas protesta, porque é o que lhe restou fazer. Ouvir o programa do PT é, para quem está até aqui com o governo, um insulto adicional: uma sucessão de mentiras que culminou com a ridicularização de panelaços anteriores. O panelaço é a recusa dessas mentiras, a forma de se dizer “Enchi disso!”. O panelaço, por incrível que pareça, é uma forma de se fazer ouvir, uma forma de diálogo com um governo que tem, sistematicamente, ignorado o descontentamento da população.

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O panelaço é, em última instância, uma tremenda vaia.

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Tenho pena dos funcionários das empreiteiras atingidas pela Lava Jato, gente boa e capaz que não tem nada a ver com as maracutaias tramadas pelos seus dirigentes. Há poucos meses estive no Galeão vendo as obras de expansão do aeroporto, e fiquei muito impressionada com o cuidado e o entusiasmo de todos. Também tenho acompanhado as obras do metrô que estão sendo feitas em frente à minha casa, e apesar de sofrer com o barulho e com a poeira constantes, só tenho elogios à organização dos trabalhos.

Força aí, moçada! Não está fácil para ninguém.

Por que não irei aos protestos de domingo

Não contem comigo para este protesto de domingo. Não que não me orgulhe de ver a grandeza que é os brasileiros tomando as ruas em diversas cidades do Brasil e do exterior – no meu caso, em Berlim – para demonstrar sua insatisfação com a política brasileira – aquela sensação de desgosto tal como um ovo entalado na garganta, que já não se pode cuspir, e engolir ninguém quer.


Mas em parte essa grandeza me parece ilusória. Aceitemos, por um momento, que o que há de comum entre a multidão reunida nas ruas seja simplesmente a urgência de expressar a insatisfação com nosso país econômica e politicamente estagnado, com nossos partidos políticos oportunistas e desprovidos de qualquer identidade, com toda a energia perdida com a polarização da sociedade. Inflação, desemprego, recessão. O Congresso de um Estado laico levianamente usado como palco de ritos evangélicos. Homofobia, misoginia, violência, corrupção. E, acima de tudo, políticos que ideologicamente não enxergam um palmo à frente do próprio nariz. Motivos não faltam.

Mas protestar é um gesto político, e em política tudo tem uma finalidade. Quem me garante que eu não estarei sendo usado como massa de manobra para as finalidades pessoais de políticos oportunistas? Quem ganha com a minha presença engrossando as estatísticas? A essa altura, depois de tanto se falar em impeachment, algum partido de “oposição” se prestou a apresentar um plano de ação? E não me entendam mal, mas não é de nomes nem cargos que estou falando, mas de soluções para problemas concretos.

Em vez disso, o que vemos são políticos flertando do alto de sua irresponsabilidade com a votação de “pautas-bomba” que, em tempos de austeridade como é o atual, afetariam seriamente a governabilidade do país a longo prazo – suficientemente longo para que essas bombas um dia estourem nas mãos justamente desses levianos. Pois é, sim, leviano arriscar desestabilizar e enfraquecer ainda mais as instituições políticas brasileiras em prol de interesses pessoais. Pior ainda se para isso for preciso polarizar a opinião pública e manipular o eleitorado.

O Brasil está, sim, diante de uma forte crise de representabilidade. Num sistema presidencialista, a apatia do líder do Executivo pode enviar sinais fatais. Dilma faria bem em arregaçar as mangas e mostrar a seus eleitores e aos demais brasileiros que entendeu e domina as regras do jogo, e sabe conduzir o diálogo político. Nos resta esperar que a base “aliada” faça jus ao nome. E que a oposição tenha a honra de desempenhar um papel construtivo, a fim de honrar o potencial que o Brasil tem.

Seria fatal se esse gesto de grandeza do povo brasileiro não encontrasse correspondência no plano político.

Rodrigo Rimon Abdelmalack