domingo, 16 de agosto de 2015

Tristes trópicos

“Chega! Que mundo é esse, eu me pergunto?", canta Gabriel o Pensador na melhor música de protesto dos últimos tempos. “Chega! Quero sorrir, mudar de assunto!” Quem não quer? Os dias estão lindos, o tempo está uma glória, as ruas estão enfeitadas pelas orquídeas que mais uma vez florescem nas árvores a que foram amarradas, as capivaras têm aparecido com regularidade. Mas a pobre da Lagoa fede e envenena os remadores que vêm de fora, a baía é um desastre ambiental, as praias estão imundas, os taxistas estão atacando os passageiros e motoristas do Uber, as universidades estão em greve, a violência está por toda a parte, os preços estão em alta, os salários e aposentadorias em baixa, há desemprego, há lojas fechadas, negócios falidos, planos cancelados.

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A crise arreganha os dentes em cada esquina, e nós ainda somos obrigados a ouvir o Pezão, lamentando a chance perdida de despoluir as águas da cidade, que ele havia prometido entregar limpinhas para as Olimpíadas, e a “presidenta”, lamentado o aumento das contas de luz, que às vésperas das eleições ela reduziu com o ar triunfante de quem fez um ótimo serviço. Lamentam, pois é, como se não tivessem nada a ver com isso; lamentam como se a culpa de nos encontrarmos nessa situação caótica e deprimente em que tudo está ruim ao mesmo tempo não lhes coubesse em boa parte, como se fossem duas inocentes vítimas do destino e da conjuntura internacional. Para piorar o que já estava péssimo, agora ainda temos o Renan Calheiros — o Renan Calheiros! — como fiador da República.

Chega!

Quero mudar de assunto, mas a crise sequestra a pauta e não há outra conversa: no trabalho, em família, entre amigos, na fila do banco (sobretudo na fila do banco), na condução, na fila do supermercado (sobretudo na fila do supermercado), no salão, na porta da escola.

Chega!

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Sou só eu, ou vocês também ficam bestas com as quantias que estão vindo à tona na Lava-Jato? Cada rato que faz acordo de delação premiada se compromete a devolver cinquenta milhões, setenta milhões, cem milhões. Vai dizer que ninguém viu isso, que ninguém sabia disso? A quem eles pensam que enganam? Casas reformadas por empreiteiras, apartamentos pagos por amigos, viagens em jatinhos para suítes de luxo nos grandes hotéis internacionais... Essa era a gente que queria mudar o mundo?

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Um conhecido meu, americano, professor universitário, postou isso:

“Panelaço: amig@s brasileir@s: podem me explicar o panelaço ontem? Sem entrar no debate sobre o grau de culpabilidade da Dilma e/ou o PT pela crise atual, ela é a Presidenta eleita. Para mim uma fundação de qualquer democracia é a discussão, de ouvir e ser ouvido. Pode odiar, pode sentir náusea pelas palavras do seu adversário (até escutar para criticar depois) mas realmente não entendo um esforço coordenado para silenciar. Para mim, isso não alimentaria um país (estou dizendo um país e não ‘um governo’ de propósito) em crise. Alguém pode me explicar e/ou defender o panelaço? Fico assustado e confuso.”

Achei o desafio interessante, sobretudo porque vários petistas já haviam oferecido a sua (previsível) interpretação. E respondi:

Já vi que sou uma voz dissonante entre os seus amigos; então o meu ponto de vista talvez contribua para a sua compreensão. Os governistas estão muito empenhados em fazer crer que o panelaço é obra de reacionários neo fascistas da classe média alta que estão descontentes porque não podem mais viajar para Miami, instigados pela mídia golpista. Preciso dizer como essa leitura é ofensiva a qualquer pessoa de bem? Um dos motivos de vivermos hoje num país tão polarizado e cheio de ódio é, justamente, essa recusa em aceitar o fato de que boa parte — se não a maior parte — da população está profundamente descontente com o governo: com a sua incompetência, a sua roubalheira e, last but not least, a sua arrogância. Nem todo mundo que bateu panela quer o impeachment da Dilma; muita gente apenas protesta, porque é o que lhe restou fazer. Ouvir o programa do PT é, para quem está até aqui com o governo, um insulto adicional: uma sucessão de mentiras que culminou com a ridicularização de panelaços anteriores. O panelaço é a recusa dessas mentiras, a forma de se dizer “Enchi disso!”. O panelaço, por incrível que pareça, é uma forma de se fazer ouvir, uma forma de diálogo com um governo que tem, sistematicamente, ignorado o descontentamento da população.

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O panelaço é, em última instância, uma tremenda vaia.

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Tenho pena dos funcionários das empreiteiras atingidas pela Lava Jato, gente boa e capaz que não tem nada a ver com as maracutaias tramadas pelos seus dirigentes. Há poucos meses estive no Galeão vendo as obras de expansão do aeroporto, e fiquei muito impressionada com o cuidado e o entusiasmo de todos. Também tenho acompanhado as obras do metrô que estão sendo feitas em frente à minha casa, e apesar de sofrer com o barulho e com a poeira constantes, só tenho elogios à organização dos trabalhos.

Força aí, moçada! Não está fácil para ninguém.

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