sábado, 14 de agosto de 2021

Cartão vermelho para o Brasil

 


Uma página em branco aponta as realizações do governo Bolsonaro

Foi uma cerimônia e tanto, com um dos salões do Palácio do Planalto lotado de ministros e de convidados, a que marcou, em março do ano passado, o lançamento do site Agenda+Brasil, sobre as realizações do governo; com direito a discurso do presidente Jair Bolsonaro, aplausos, e toque do Hino Nacional.

A pandemia da Covid-19 estava a galope, mas Bolsonaro dizia que ela não passava de uma gripezinha, e recomendava cloroquina. O ex-juiz Sérgio Moro já havia abandonado o Ministério da Justiça porque Bolsonaro tentara intervir na Polícia Federal, mas o presidente negava, embora estivesse sendo investigado por isso.

Mas pelo menos desde agosto último, segundo a Folha de S.Paulo, quem acessa o site (www.gov.br/agendabrasil) encontra uma página em branco com o aviso: “Em manutenção”. O governo recusa-se a explicar por quê. É fácil deduzir: não tem grandes realizações a mostrar. Na verdade, nunca teve.

Sobre as reformas econômicas, por exemplo, só houve uma que mereça esse nome – a da Previdência. Mesmo assim, o ex-presidente Michel Temer deixou-a pronta para ser aprovada pelo Congresso, e ela foi. O descaso com o meio ambiente, àquela altura, era flagrante e provocava reação internacional. O que apresentar de positivo?

Bolsonaro ainda não podia referir-se ao Exército como sendo dele, mas, agora que pode, não seria uma realização, digamos assim, para se ostentar em um site oficial. Tampouco os mais de 30 decretos e portarias que contribuíram para aumentar o número de armas em poder dos brasileiros – e das milícias, por tabela.

Dinheiro é lixo

A maior parte do dinheiro público vai para o lixo por falta de governança

Augusto Nardes, ministro do TCU (14 mil obras estão paradas no Brasil, o que representa um prejuízo de R$ 155 bilhões aos cofres públicos)

A Conivência da Elite Brasileira

Elites fortes com valores definidos dão rumo a um país. Elites fracas desprovidas de valores podem deixar um país ir ao caos. O desfile militar no Planalto no dia da votação no Congresso do voto impresso é um ponto de inflexão em nossa história.

O Relatório sobre a Qualidade das Elites de 2020, que compara 32 países segundo a capacidade inclusiva e distributiva da riqueza através do estudo da tributação e legislação, atribui à elite brasileira a 27ª colocação, atrás da China, Portugal, Indonésia, México, Russia, India e Paquistão. Singapura lidera o ranking, seguida da Suíça, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. No caso brasileiro, não se trata de uma elite que possamos classificar como economicamente democrática.

Wright Mills, em Os Donos do Poder, diz que nas sociedades manda o poder econômico, garante o poder militar, excuta o poder político, e interfere o poder intelectual, notadamente representado pelas universidades e imprensa. E os políticos? Podem fazer o que quiserem, desde que não atrapalhem a reprodução do capital.


Segundo Phillipe Schmitter, emérito brasilianista, o Brasil é um dos casos mais bem sucedidos entre os países ocidentais de controle da política e da economia por uma elite, que se mantém no poder há mais de cem anos, com os partidos políticos representando, sob diferentes siglas e denominações, os interesses circunstanciais da elite dominante. No Brasil, os grupos empresariais ao longo do tempo pouco se alteram, amparados na reserva de mercado concedida pelo Estado que dominam.

Nos Estados Unidos, a elite empresarial em conjunto com os Generais do alto comando, com valores definidos, rechaçaram a tentativa golpista de Trump de alegação de fraudes nas eleições. No Brasil, o voto impresso tornou-se o calcanhar de Aquiles de nossa democracia. Em não tendo sido aprovado, é motivo para a alegação de fraudes. Se tivesse sido aprovado, qualquer discrepância acidental ou intencional em uma urna seria motivo para a alegação de fraudes. Sempre visando à quebra da ordem institucional.

Na Alemanha, Hitler chegou ao poder em 1932 através da eleição do Partido Nazista com 31% dos votos da população para o Parlamento, com discurso antissemita e anticomunista, e sequente intimidação dos políticos e das próprias elites que inicialmente o apoiaram, fazendo uso pessoal da SS para a eliminação dos oponentes.

No Brasil, Bolsonaro foi eleito em 2018 com 32% dos votos totais da população no 1º turno, 39% no 2º turno, com discurso contra a suposta velha política e antissocialista. Hoje, conta com somente ¼ de apoio da população e rejeição acima de 50%. Hoje, Bolsonaro não se reelege.

Fica a cargo do Exército Brasileiro apoiar ou não a aventura autoritária de uma quebra institucional, desprovida de ameaças internas ou externas, em projeto simplesmente de poder pelo poder. Certamente, a corporação estará dividida, em sua maioria legalista.

Brasil: O Haiti do G-20

Gostaria de poder dividir com os leitores reflexões sobre meus temas tradicionais (finanças públicas, previdência e macroeconomia em geral), mas é impossível ficar indiferente à tragédia de proporções bíblicas que ainda estamos vivendo e creio importante compartilhar com o público informações que transcendem a economia, para que cada um entenda a dimensão da catástrofe humanitária e do constrangimento internacional pelo qual estamos passando.

O Brasil é o sexto país do mundo em termos do número de habitantes, atrás da China (1,4 bilhão de pessoas), Índia (1,4 bilhão), EUA (aproximadamente 330 milhões), Indonésia (270 milhões) e Paquistão (220 milhões). Portanto, o país tende a estar entre os 10 primeiros países em termos de muitas variáveis: nascimentos por ano, mortes, doentes, vacinados, etc.</p><p>Por isso, nas estatísticas da pandemia, muitos analistas têm normalizado as informações dividindo os óbitos pela população, gerando o indicador de “óbitos por milhão de habitantes”.


Tentando suprir a deficiência da governança mundial e dada a necessidade dos países interagirem entre si para dar conta dos desafios globais, anos atrás foi criado o G-20. É o fórum dos países “mais importantes do mundo”, que conta com vinte componentes e representa os cinco continentes: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia, EUA, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia e a União Europeia, esta como “vigésimo país”.

Estar nesse grupo é uma honra no mundo atual. Pode-se imaginar a alegria, por exemplo, que causa à Espanha não estar presente no grupo, no qual com certeza muitos espanhóis consideram que o país tem mais méritos para estar nesse “clube” do que vários dos seus membros. Não é, portanto, uma distinção menor ser parte da “Série A” do mundo.

Nesse grupo de países, na estatística de óbitos por milhão de habitantes, o Brasil é o pior de todos. Mais ainda, entre todas as Nações do mundo, na estatística, somos a quarta, atrás do Peru, da Hungria e da República Tcheca.

O primeiro padece dos problemas típicos do subdesenvolvimento latino-americano e os outros dois são países que tiveram êxito na fase inicial da pandemia e, por isso, relaxaram, sendo pegos violentamente pela segunda onda, após meses em que uma falsa sensação de que “o pior tinha passado” gerou um enorme intercâmbio de pessoas, fazendo as taxas de contágio escalarem.

No G20, os exemplos ruins iniciais foram dados pelos países que deveriam ser modelos positivos, pelo grau de desenvolvimento: Reino Unido e EUA. Não por acaso, em ambos os casos, houve uma postura inicial de negacionismo oficial, gerando coeficientes altíssimos de contágio e um número enorme de óbitos.

Houve, porém, depois, guinadas radicais. No Reino Unido, o fato de o primeiro-ministro ter sido hospitalizado com Covid deu a ele uma outra dimensão do drama e o país deu uma guinada de 180 graus na estratégia, tornando-se um show case do que as autoridades devem fazer em uma Nação que privilegia a visão humanista da questão.

Já os EUA sofreram uma transformação completa após a posse de Joe Biden, que em poucos meses conseguiu avanços notáveis no processo de vacinação da população, mostrando a importância da liderança política – embora enfrente um problema sério de rejeição à vacinação de parte da população.

Entre os 20 principais países do mundo, o Brasil é o ... vigésimo! Em outras palavras, somos “o Haiti do G-20”. Se fosse um campeonato, seríamos rebaixados. É um vexame mundial. O consultor político J. Carville criou em 1992 para Clinton o slogan “é a economia, estúpido!”, para dar a ideia de que o que importava, nas eleições daquele ano, era a situação econômica.

Aqui, talvez no Brasil a economia não terá tanta importância - para aqueles que têm apreço pelo ser humano – como o legado macabro da pandemia. Carville diria: “é a morte, estúpido!”. Ou, a rigor, “é a vida, estúpido!”