segunda-feira, 12 de novembro de 2018
Uma sucessão de facadas
Não creiam que parlamentares votam esses aumentos pelos belos olhos dos ministros. Eles estão pensando em si próprios, pois nesse movimento aumentam também o teto do funcionalismo. Um teto para abrigá-los adiante.
Por que não esperar a reforma da Previdência, o enxugamento da máquina, para reajustar salários no primeiro semestre? Só aí perdemos R$ 6 bilhões. No dia seguinte, os incentivos à indústria automobilística levaram mais R$ 2 bilhões. Nesse caso, para quê? Incentivos para melhorar o motor de combustão que já está pra lá de Marrakech: não tem futuro.
Bolsonaro reagiu de uma forma discreta. Temo que não tenha percebido a extensão do golpe. Aliás, temo mais ainda, que ele não tenha ainda compreendido o caráter parasitário e atrasado da grande máquina estatal.
Não tenho condições de questionar a mudança dos outros, porque também mudo. Mas afirmar que não contingencia o orçamento das Forças Armadas é prematuro. Isso só se faz com a noção bem clara do conjunto. E se houver um gargalo na saúde?
Esses momentos de transição podem ser usados para tentar entender a fase em que entramos. É que na transição acontece pouca coisa, além do anúncio da escolha de ministros e da reorganização administrativa. Às vezes, equipes que entram revelam dados importantes, pois querem mostrar o tamanho do buraco. Suponho que a nova fase vai se basear na luta contra a corrupção, com a presença de Moro, e um pouco mais de segurança. Mas o enxugamento da máquina é essencial.
Há temores de que o processo possa conduzir a uma rejeição futura às ideias liberais. Não creio. Tanto os liberais como os estatizantes não escrevem numa página em branco. Mesmo com a correlação de forças a seu favor, as ideias liberais devem sofrer alguns reparos, adaptações que resultam do próprio debate.
O que me preocupa é que as coisas estão acontecendo no Brasil com um tipo de lógica que me desconcerta. Quando vi aquele exame do Enem que apresentou um dicionário dos travestis, pensei que havia infiltração da direita para confirmar suas teses. Por que não alguma coisa em guarani, em italiano, idiomas falados no país e que envolvem muita mais gente? Parecia uma provocação.
Da mesma forma, quando ouço o ministro Paulo Guedes falar numa possível futura fusão do Banco do Brasil com o Bank of America, temo que um esquerdista infiltrado tenha soprado essa sugestão. Por que dizer isso agora, sem que nenhum estudo, nenhuma negociação preliminar tenha sido feita?
Tanto Bolsonaro como Guedes têm afirmado que o fracasso do seu governo poderia trazer o PT de volta. Dependendo do fracasso e das circunstâncias, pode surgir algo mais radical ainda.
Nada começou ainda. Mas nesses momentos de transição, creio que o presidente deveria brigar mais contra essas benesses de fim de mandato.
O general Heleno disse que o aumento dos juízes era uma preocupação. O governo pode ter sentido assim. Mas as pessoas comuns ficaram indignadas.
O novo governador de Minas venceu com 72% dos votos. Isso é inédito na História. Os eleitores rejeitaram o PT e o PSDB por uma promessa de reforma do Estado.
As forças políticas que sobem agora ao poder o fazem com um apoio de uma frente que amalgama expectativas políticas e ideológicas. Será uma ingenuidade supor que o cimento ideológico possa manter o edifício em pé com mudanças apenas cosméticas na vida real. Se as promessas não forem cumpridas, vão todos para o espaço, como foram PT e PSDB. Não existe fidelidade eterna.
Cada momento tem de ser vivido com a gravidade que merece. Não pretendo antecipar críticas, muito menos torcer contra.
Não me surpreende pauta-bomba em fim de mandato. Sempre foi assim. O que me surpreendeu foi como os novos atores foram polidos e discretos diante desse tipo de facada.
Governos de tornozeleira
Governar com o antigo sistema antigo foi governar com o compadrio, com a corrupção endêmica dos partidos, não só do PT.Boaventura de Sousa Santos, sociólogo oráculo de cabeceira da esquerda ibérica e latino-americana
Política e Previdência
Para Plutarco, a verdadeira oratória seria a ancorada no bem público, sem o que o próprio discurso político cairia no vazio. O bem coletivo balizaria os discursos de todos, sendo uma espécie de limite, para além do qual o próprio espaço público poderia tornar-se inviável. A política, em sua acepção nobre, seria uma atividade orientada para o bem da República, de modo que a oratória não deveria transmutar-se numa demagogia cuja característica principal seria o proveito próprio de uma facção ou de interesses meramente particulares.
Atualmente, uma forma de comprometimento da própria existência do Estado consiste na insolvência fiscal, na inflação e em dívidas públicas crescentes. A retórica, no entanto, para os atores políticos mais irresponsáveis reside em ocultar esses problemas como se fossem secundários ou pusessem em causa supostos direitos, resultados que seriam de uma política “liberal”. Ora, sem um Estado saudável, solvente e responsável não há direitos que possam ser assegurados. Compromete-se a própria existência do Estado quando a política perde o seu norte.
Não se pode abordar o processo econômico como se fosse um fenômeno de tipo natural, independente de decisões que o presidem. Isso implicaria não atentar para o fato de que a organização ou desorganização das finanças e o equilíbrio ou desequilíbrio fiscal resultam de escolhas políticas, equivocadas ou não. Julgar que uma economia desorganizada, enfrentando sérios problemas fiscais e de dívida pública, poderia deslanchar por mero ato milagroso de crescimento ignora o fato crucial de que tal desorganização é, ela mesma, fruto de decisões políticas equivocadas, que, por sua vez, só podem ser corrigidas por outras decisões, desta vez acertadas. Processos econômicos são cortados por decisões políticas que põem em cena outra ordem de fenômenos.
O problema propriamente político de uma reforma da Previdência ou da dívida pública reside, também, em como uma decisão responde a eleitores presentes que escolhem em lugar de cidadãos ausentes, menores ou não nascidos, que deverão, no futuro, arcar com as consequências da decisão. No sistema previdenciário brasileiro de repartição, em que os trabalhadores da ativa pagam pelos aposentados, a questão entre gerações é posta com acuidade.
De um lado, no presente, a disputa se faz entre diferentes atores que comparecem à discussão, sobretudo os que detêm privilégios que desejam ver conservados. Neste caso, são os diferentes estamentos estatais que usufruem benefícios inacessíveis aos outros setores da população, que, paradoxalmente, é que pagam por eles. Os privilégios, sabemos, adotam várias formas, como 60 dias de férias, adicionais dessas muito superiores aos que são concedidos aos trabalhadores normais, auxílio-moradia, aposentadoria integral, e assim por diante. Contudo esses estamentos estatais conseguiram, pela retórica, vender a ideia de que a reforma da Previdência afetaria os direitos dos trabalhadores em geral, quando, na verdade, são eles sustentados por estes, que não usufruem tais benefícios. O bolo orçamentário é só um. Se uns têm uma fatia menor, é por que outros comem fatias maiores.
De outro lado, temos uma disputa que perpassa gerações, em que atores presentes decidem por cidadãos futuros. A política ganha, assim, um contorno geracional, que foge de contendas que se decidem agora. Se, no presente, privilegiados ou não pretendem se aposentar com menos de 65 anos, por exemplo, com uma expectativa de vida que pode chegar a mais de 20 anos, alguém pagará por essa diferença. O bolo estaria sendo todo comido no dia de hoje, não restando amanhã para os que deverão pagar essa conta. A política egoísta ganha aí outro contorno, na medida em que os presentes querem tudo apropriar para si, nada deixando para os que virão. E, frise-se, os que virão não apenas deverão responsabilizar-se por decisões anteriores, como não mais terão condições de usufruir nenhum tipo de Estado previdenciário. Se todos atualmente pagassem e trabalhassem mais por mais tempo, tornar-se-iam responsáveis, no presente, por suas próprias ações, não comprometendo as gerações vindouras.
As primeiras declarações desencontradas do governo eleito sinalizam, agora, para um pleno reconhecimento do problema previdenciário. Estamos diante de uma questão de bem coletivo. O Brasil não pode ficar refém de disputas intestinas ou de oposições que podem comprometer o futuro. Não há mais espaço para demagogias irresponsáveis que ameacem a existência do próprio Estado.
Sedentários bem alimentados
A vida do homem na Terra nunca foi um mar de rosas. Seis milhões de anos atrás, ao perceber que em cima das árvores não havia alimentos suficientes, nossos antepassados não encontraram alternativa senão enfrentar os perigos do bipedismo, nas savanas da África.
Primatas com menos de um metro de altura, frágeis se comparados às feras carnívoras da vizinhança, os primeiros hominídeos foram obrigados a formar grupos para se defender, necessidade que forjaria o comportamento das gerações que chegaram até nós.
Os primeiros bandos habitaram cavernas. Não fazia sentido construir moradias para abandoná-las quando a caça rareasse e as frutas e os tubérculos chegassem ao fim. Milhões de anos de nomadismo fincaram raízes tão sólidas, que esse estilo de vida predominou até insignificantes 10 mil anos atrás, com o surgimento da agricultura.
No decorrer desses milhões de anos, a seleção natural impôs ao corpo humano adaptações radicais. Ficamos mais altos, nosso córtex cerebral se desenvolveu, aprendemos a nos comunicar por meio da fala, da escrita e da eletrônica, fizemos revoluções na agricultura e na tecnologia de preservação de alimentos e construímos cidades gigantescas.
Enquanto os trogloditas que nos antecederam viviam em média 20 anos, a expectativa atual ultrapassou 70 anos, na maioria dos países.
Na hipótese de contrariarmos os estudiosos do clima e sobrevivermos às intempéries planetárias, a oferta abundante de alimentos de boa qualidade acessíveis a grandes massas populacionais e os confortos da vida moderna continuarão ameaçando a saúde individual e coletiva. Comida farta e sedentarismo criaram uma armadilha que impedirá aumentos expressivos na expectativa de vida dos nossos filhos.
Pela primeira vez na história de nossa espécie, foi-nos oferecida a possibilidade de comer à larga em todas as refeições e de ganhar a vida sentados o dia inteiro. Obesidade e sedentarismo se tornaram as principais epidemias nos países de renda média e alta, nos quais a praga mortífera do tabagismo começa a ser a duras penas controlada.
Na esteira dessas duas pandemias caminham a passos apressados: hipertensão arterial, diversos tipos de câncer, diabetes, doenças cardiovasculares, problemas ortopédicos, articulares, renais e outras complicações que sobrecarregam o sistema de saúde, encarecem o atendimento e fazem sofrer milhões de pessoas.
Nas capitais, 19% dos brasileiros adultos estão obesos e outros 35% têm sobrepeso (Vigitel, 2017), ou seja, menos da metade da população cai na faixa do peso considerado saudável.
A fila de candidatos à cirurgia bariátrica aumenta mais depressa do que as nossas condições para operá-los; muitos morrem enquanto aguardam. Nesse ritmo, daqui a pouco estaremos como os americanos: 40% de adultos obesos; quase outro tanto com sobrepeso (CDC, 2018).
A demanda por atendimento médico de uma população que envelhece rapidamente é trágica para o SUS e insuportável para os planos de saúde. O SUS não vai à falência, porque, quando falta disponibilidade, o atendimento é negado, expediente com o qual não conta a saúde suplementar.
Na contramão de outros ramos da economia, a incorporação de tecnologia na área médica aumenta o custo do produto final. A assistência a uma população que envelhece mal como a brasileira exigirá recursos que não dispomos no SUS nem na saúde suplementar.
Esperar as pessoas adoecerem para tratá-las em hospitais e unidades de pronto atendimento é política suicida. Não há saída: ou investimos na prevenção ou, cada vez mais, só os privilegiados terão acesso à medicina moderna.
O ministério e as secretarias de Saúde, escolas, associações comunitárias, imprensa, empresas, a sociedade inteira precisa se envolver na divulgação e na aplicação prática da principal mensagem de saúde pública, no Brasil atual: “Não dá para passar o dia sentado comendo tudo o que oferecem”.
Nos anos 1960, cerca de 60% dos nossos adultos fumavam, hoje não passam de 10%. Se conseguimos resultado tão impressionante com a dependência química mais feroz que a medicina conhece, não é impossível convencer mulheres, crianças e homens a comer um pouco menos e a andar míseros 40 minutos num dia de 24 horas.
Primatas com menos de um metro de altura, frágeis se comparados às feras carnívoras da vizinhança, os primeiros hominídeos foram obrigados a formar grupos para se defender, necessidade que forjaria o comportamento das gerações que chegaram até nós.
Os primeiros bandos habitaram cavernas. Não fazia sentido construir moradias para abandoná-las quando a caça rareasse e as frutas e os tubérculos chegassem ao fim. Milhões de anos de nomadismo fincaram raízes tão sólidas, que esse estilo de vida predominou até insignificantes 10 mil anos atrás, com o surgimento da agricultura.
No decorrer desses milhões de anos, a seleção natural impôs ao corpo humano adaptações radicais. Ficamos mais altos, nosso córtex cerebral se desenvolveu, aprendemos a nos comunicar por meio da fala, da escrita e da eletrônica, fizemos revoluções na agricultura e na tecnologia de preservação de alimentos e construímos cidades gigantescas.
Enquanto os trogloditas que nos antecederam viviam em média 20 anos, a expectativa atual ultrapassou 70 anos, na maioria dos países.
Esses avanços trouxeram problemas inesperados, no entanto. A explosão demográfica, a poluição e o aquecimento global colocam em risco não apenas a saúde dos habitantes, mas a própria vida na Terra.
Na hipótese de contrariarmos os estudiosos do clima e sobrevivermos às intempéries planetárias, a oferta abundante de alimentos de boa qualidade acessíveis a grandes massas populacionais e os confortos da vida moderna continuarão ameaçando a saúde individual e coletiva. Comida farta e sedentarismo criaram uma armadilha que impedirá aumentos expressivos na expectativa de vida dos nossos filhos.
Pela primeira vez na história de nossa espécie, foi-nos oferecida a possibilidade de comer à larga em todas as refeições e de ganhar a vida sentados o dia inteiro. Obesidade e sedentarismo se tornaram as principais epidemias nos países de renda média e alta, nos quais a praga mortífera do tabagismo começa a ser a duras penas controlada.
Na esteira dessas duas pandemias caminham a passos apressados: hipertensão arterial, diversos tipos de câncer, diabetes, doenças cardiovasculares, problemas ortopédicos, articulares, renais e outras complicações que sobrecarregam o sistema de saúde, encarecem o atendimento e fazem sofrer milhões de pessoas.
Nas capitais, 19% dos brasileiros adultos estão obesos e outros 35% têm sobrepeso (Vigitel, 2017), ou seja, menos da metade da população cai na faixa do peso considerado saudável.
A fila de candidatos à cirurgia bariátrica aumenta mais depressa do que as nossas condições para operá-los; muitos morrem enquanto aguardam. Nesse ritmo, daqui a pouco estaremos como os americanos: 40% de adultos obesos; quase outro tanto com sobrepeso (CDC, 2018).
A demanda por atendimento médico de uma população que envelhece rapidamente é trágica para o SUS e insuportável para os planos de saúde. O SUS não vai à falência, porque, quando falta disponibilidade, o atendimento é negado, expediente com o qual não conta a saúde suplementar.
Na contramão de outros ramos da economia, a incorporação de tecnologia na área médica aumenta o custo do produto final. A assistência a uma população que envelhece mal como a brasileira exigirá recursos que não dispomos no SUS nem na saúde suplementar.
Esperar as pessoas adoecerem para tratá-las em hospitais e unidades de pronto atendimento é política suicida. Não há saída: ou investimos na prevenção ou, cada vez mais, só os privilegiados terão acesso à medicina moderna.
O ministério e as secretarias de Saúde, escolas, associações comunitárias, imprensa, empresas, a sociedade inteira precisa se envolver na divulgação e na aplicação prática da principal mensagem de saúde pública, no Brasil atual: “Não dá para passar o dia sentado comendo tudo o que oferecem”.
Nos anos 1960, cerca de 60% dos nossos adultos fumavam, hoje não passam de 10%. Se conseguimos resultado tão impressionante com a dependência química mais feroz que a medicina conhece, não é impossível convencer mulheres, crianças e homens a comer um pouco menos e a andar míseros 40 minutos num dia de 24 horas.
De Hermes Bolsonaro a Getúlio Lula
Imagine você se, em 1964, os brasileiros estivessem debatendo na imprensa o que ocorreu em 1910 e adjacências, como se episódios datados de mais de meio século fossem determinantes para definir os rumos do país a partir dali. A hipotética discussão seria, provavelmente, sobre se a eleição do Marechal Hermes da Fonseca foi fraudada ou não (todas as eleições na República Velha foram fraudadas) e se ele não abusou nas sucessivas decretações de estado de sítio. Não faria o menor sentido.
Esse tipo de debate extemporâneo está acontecendo em 2018, quando insistem em voltar ao tema do regime militar instaurado em 1964. Foi ditadura ou “ditabranda”? Roberto Marinho estava certo ao apoiar o que chamava de “revolução” ou a razão está com os herdeiros que fizeram um mea-culpa, em 2013, do que chamam de “golpe”? Não faz o menor sentido para quem precisa desesperadamente de emprego, renda, transporte, escolas e hospitais.
Alguém poderia rebater dizendo que faz sentido, sim, porque há um candidato, Jair Bolsonaro, que defende os generais de 1964 e, com a perda da confiança na democracia, por causa dos escândalos de corrupção, há um monte de gente pregando a volta dos militares ao poder. A minha resposta é simples: os militares sempre foram protagonistas da história política, a confiança na democracia nunca foi muito arraigada entre os brasileiros, mas eles parecem bem conformados com o sistema representativo — e, não menos importante, o fato de um político admirar déspotas mais ou menos esclarecidos não significa necessariamente que, uma vez eleito presidente, vá dar um golpe na democracia. Pode ser preocupante num determinado caso, como se verá.
Comecemos pelos militares. Não é exatamente um segredo que a República foi proclamada no Brasil pela caserna, em conluio com uma nascente classe média urbana e cafeicultores insatisfeitos com a abolição da escravatura. Tanto que os dois primeiros presidentes foram generais (Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto). Depois houve o já citado Hermes da Fonseca, o movimento tenentista (do qual brotaram comunistas como o do então capitão Luís Carlos Prestes), a junta governativa provisória que precedeu Getúlio Vargas em 1930, o oficialato que deu suporte à instauração do Estado Novo em 1937 (e seria responsável pelo fim da ditadura getulista), a eleição de Eurico Gaspar Dutra em 1945, os generais do regime instaurado em 1964 e, agora, um capitão da reserva como candidato ao Planalto. O retrospecto do pessoal da farda mostra que o seu comportamento é pendular, mas, desde a redemocratização de 1985, ele está menos suscetível às vivandeiras que vão bulir com os granadeiros nos bivaques. Prefere mandar recados – em especial, a tribunais superiores que insistem em tentar contornar a Constituição. O que não vem sendo ruim, diga-se.
Em relação à confiança na democracia, se ela nunca se apresentou forte por aqui, é verdade também que aos poucos os brasileiros estão se convencendo de que se trata do pior dos sistemas, excetuados todos os outros já tentados na história da humanidade. Pelo menos metade dos nossos concidadãos sabe que a maior ameaça à democracia não está nos quartéis, e sim numa cela da Superintendência da Polícia Federal no Paraná.
Por fim, a admiração por déspotas. O que Jair Bolsonaro pensa sobre os generais de 1964 não é lá tão diferente do que Fernando Henrique Cardoso pensa sobre o ditador Getúlio Vargas. Na contracapa do segundo volume da biografia escrita por Lira Neto, está estampada a seguinte frase de FHC: “Li quase de um fôlego só o primeiro volume do livro de Lira Neto sobre Getúlio. É admirável seu rigor na busca dos fatos, na abstenção de julgamentos morais e o desenrolar de um enredo que mostra o itinerário humano, intelectual e político de um homem que, a despeito do que se pense sobre suas ações e posições, teve a grandeza que só os estadistas possuem”.
O trabalho de Lira Neto é excelente, mas o que importa neste artigo é FHC julgar o ditador Getúlio Vargas um “grande estadista”, a despeito de ter mandado prender, torturar e matar opositores, fechado o Parlamento, promulgado uma Constituição de inspiração fascista, mantido a imprensa sob censura férrea, empastelado redações de jornais críticos ao regime, instituído o mais desavergonhado culto à personalidade e criminalizado a política, ao considerá-la um impedimento ao progresso da nação. Antes disso, como advogado, ajudou a proteger o seu irmão pedófilo. Prezar o seu bom legado e desprezar o seu mau legado é, no mínimo, aceitar que o fins justificam os meios. Aqueles que temem o revisionismo de Bolsonaro sobre os horrores de 1964 deveriam considerar o que eles próprios fizeram em relação aos horrores de Getúlio. Na Itália, seria inconcebível a existência de uma “Fundação Benito Mussolini”, enquanto no Brasil ninguém acha espantoso uma instituição respeitável chamar-se “Fundação Getúlio Vargas”. Não é de hoje que não temos limites na “abstenção de julgamentos morais”. No entanto, FHC é uma ameaça à democracia, por achar o ditador um “grande estadista”?
Logo abaixo do elogio de FHC, lê-se a seguinte frase de Lula: “Poucas vezes vi alguém descrever tão bem a história de Getúlio Vargas e do povo gaúcho como o Lira Neto na primeira parte da sua trilogia. Foi tão impactante para mim que me vi andando com Getúlio, fumando um charuto, pela Rua da Praia, em Porto Alegre”. Pode-se duvidar de que o petista tenha realmente atravessado o livro, mas fica evidente o bovarismo de Lula, decalcado da mentira martelada pela esquerda de que houve “dois Getúlios”: o ditador e o presidente convertido à democracia, ao ser eleito em 1950.
Lula, que se viu “andando com Getúlio”, quer fazer-se passar por democrata quando na verdade não é. As tentativas do petista de solapar a democracia por dentro, a fim de perpetuar-se no poder, foram elencadas por mim neste espaço e são do conhecimento de qualquer pessoa informada sobre os últimos dezesseis anos da interminável tragicomédia brasileira. Solapar a democracia por dentro foi exatamente o que Getúlio fez até conseguir instaurar o Estado Novo – e que teria repetido, se pudesse, depois de suceder Dutra por meio do voto. Mas ele já não contava com os militares e os adversários aprenderam o seu jogo. Saiu da vida para entrar na história, com um gesto que revela o seu narcisismo de déspota: o suicídio acompanhado de “carta-testamento”. Gesto que propiciaria hagiologias oportunistas e resultariam, em 2010, na iniciativa de Lula de inscrever Getúlio Vargas no Livro dos Heróis da Pátria (uma autoinscrição bovarista). Desde então, os petistas sentiram-se legitimados a comparar livremente as alegadas virtudes de ambos – o que se acirrou, é claro, após a prisão do chefão condenado. Os dois “pais dos pobres” seriam vítimas das “elites”, dos “reacionários”, mentira que embasa a farsa da condenação sem provas do petista.
Se é para discutir acontecimentos de décadas atrás, eu recuaria até os anos trinta. E ficaria mais preocupado com o bovarismo de Lula em relação a Getúlio Vargas do que com os encômios de Jair Bolsonaro aos Hermes da Fonseca de 1964.
Esse tipo de debate extemporâneo está acontecendo em 2018, quando insistem em voltar ao tema do regime militar instaurado em 1964. Foi ditadura ou “ditabranda”? Roberto Marinho estava certo ao apoiar o que chamava de “revolução” ou a razão está com os herdeiros que fizeram um mea-culpa, em 2013, do que chamam de “golpe”? Não faz o menor sentido para quem precisa desesperadamente de emprego, renda, transporte, escolas e hospitais.
Alguém poderia rebater dizendo que faz sentido, sim, porque há um candidato, Jair Bolsonaro, que defende os generais de 1964 e, com a perda da confiança na democracia, por causa dos escândalos de corrupção, há um monte de gente pregando a volta dos militares ao poder. A minha resposta é simples: os militares sempre foram protagonistas da história política, a confiança na democracia nunca foi muito arraigada entre os brasileiros, mas eles parecem bem conformados com o sistema representativo — e, não menos importante, o fato de um político admirar déspotas mais ou menos esclarecidos não significa necessariamente que, uma vez eleito presidente, vá dar um golpe na democracia. Pode ser preocupante num determinado caso, como se verá.
Comecemos pelos militares. Não é exatamente um segredo que a República foi proclamada no Brasil pela caserna, em conluio com uma nascente classe média urbana e cafeicultores insatisfeitos com a abolição da escravatura. Tanto que os dois primeiros presidentes foram generais (Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto). Depois houve o já citado Hermes da Fonseca, o movimento tenentista (do qual brotaram comunistas como o do então capitão Luís Carlos Prestes), a junta governativa provisória que precedeu Getúlio Vargas em 1930, o oficialato que deu suporte à instauração do Estado Novo em 1937 (e seria responsável pelo fim da ditadura getulista), a eleição de Eurico Gaspar Dutra em 1945, os generais do regime instaurado em 1964 e, agora, um capitão da reserva como candidato ao Planalto. O retrospecto do pessoal da farda mostra que o seu comportamento é pendular, mas, desde a redemocratização de 1985, ele está menos suscetível às vivandeiras que vão bulir com os granadeiros nos bivaques. Prefere mandar recados – em especial, a tribunais superiores que insistem em tentar contornar a Constituição. O que não vem sendo ruim, diga-se.
Em relação à confiança na democracia, se ela nunca se apresentou forte por aqui, é verdade também que aos poucos os brasileiros estão se convencendo de que se trata do pior dos sistemas, excetuados todos os outros já tentados na história da humanidade. Pelo menos metade dos nossos concidadãos sabe que a maior ameaça à democracia não está nos quartéis, e sim numa cela da Superintendência da Polícia Federal no Paraná.
Por fim, a admiração por déspotas. O que Jair Bolsonaro pensa sobre os generais de 1964 não é lá tão diferente do que Fernando Henrique Cardoso pensa sobre o ditador Getúlio Vargas. Na contracapa do segundo volume da biografia escrita por Lira Neto, está estampada a seguinte frase de FHC: “Li quase de um fôlego só o primeiro volume do livro de Lira Neto sobre Getúlio. É admirável seu rigor na busca dos fatos, na abstenção de julgamentos morais e o desenrolar de um enredo que mostra o itinerário humano, intelectual e político de um homem que, a despeito do que se pense sobre suas ações e posições, teve a grandeza que só os estadistas possuem”.
O trabalho de Lira Neto é excelente, mas o que importa neste artigo é FHC julgar o ditador Getúlio Vargas um “grande estadista”, a despeito de ter mandado prender, torturar e matar opositores, fechado o Parlamento, promulgado uma Constituição de inspiração fascista, mantido a imprensa sob censura férrea, empastelado redações de jornais críticos ao regime, instituído o mais desavergonhado culto à personalidade e criminalizado a política, ao considerá-la um impedimento ao progresso da nação. Antes disso, como advogado, ajudou a proteger o seu irmão pedófilo. Prezar o seu bom legado e desprezar o seu mau legado é, no mínimo, aceitar que o fins justificam os meios. Aqueles que temem o revisionismo de Bolsonaro sobre os horrores de 1964 deveriam considerar o que eles próprios fizeram em relação aos horrores de Getúlio. Na Itália, seria inconcebível a existência de uma “Fundação Benito Mussolini”, enquanto no Brasil ninguém acha espantoso uma instituição respeitável chamar-se “Fundação Getúlio Vargas”. Não é de hoje que não temos limites na “abstenção de julgamentos morais”. No entanto, FHC é uma ameaça à democracia, por achar o ditador um “grande estadista”?
Logo abaixo do elogio de FHC, lê-se a seguinte frase de Lula: “Poucas vezes vi alguém descrever tão bem a história de Getúlio Vargas e do povo gaúcho como o Lira Neto na primeira parte da sua trilogia. Foi tão impactante para mim que me vi andando com Getúlio, fumando um charuto, pela Rua da Praia, em Porto Alegre”. Pode-se duvidar de que o petista tenha realmente atravessado o livro, mas fica evidente o bovarismo de Lula, decalcado da mentira martelada pela esquerda de que houve “dois Getúlios”: o ditador e o presidente convertido à democracia, ao ser eleito em 1950.
Lula, que se viu “andando com Getúlio”, quer fazer-se passar por democrata quando na verdade não é. As tentativas do petista de solapar a democracia por dentro, a fim de perpetuar-se no poder, foram elencadas por mim neste espaço e são do conhecimento de qualquer pessoa informada sobre os últimos dezesseis anos da interminável tragicomédia brasileira. Solapar a democracia por dentro foi exatamente o que Getúlio fez até conseguir instaurar o Estado Novo – e que teria repetido, se pudesse, depois de suceder Dutra por meio do voto. Mas ele já não contava com os militares e os adversários aprenderam o seu jogo. Saiu da vida para entrar na história, com um gesto que revela o seu narcisismo de déspota: o suicídio acompanhado de “carta-testamento”. Gesto que propiciaria hagiologias oportunistas e resultariam, em 2010, na iniciativa de Lula de inscrever Getúlio Vargas no Livro dos Heróis da Pátria (uma autoinscrição bovarista). Desde então, os petistas sentiram-se legitimados a comparar livremente as alegadas virtudes de ambos – o que se acirrou, é claro, após a prisão do chefão condenado. Os dois “pais dos pobres” seriam vítimas das “elites”, dos “reacionários”, mentira que embasa a farsa da condenação sem provas do petista.
Se é para discutir acontecimentos de décadas atrás, eu recuaria até os anos trinta. E ficaria mais preocupado com o bovarismo de Lula em relação a Getúlio Vargas do que com os encômios de Jair Bolsonaro aos Hermes da Fonseca de 1964.
Matança virou coisa normal
Hoje, é normal andar pela cidade e ver corpos pelo chãoArmando Brasil, promotor militar responsável do Ministério Público por investigar má conduta de policiais militares e atuação de milícias armadas no Pará
Os livreiros querem tungar os leitores
Não há crise no mercado de livros. Como no de parafusos, o setor passou pelas dificuldades de todos os empresários. Neste ano o mundo dos livros cresceu 5,7% e seu faturamento aumentou em 9,3%. Também não existe crise de livrarias, pois há redes que vão muito bem, obrigado. A Cultura e a Saraiva enroscaram-se nas próprias gestões. Quem lhes manteve o crédito devia saber o que fazia. Se Temer quiser ajudá-las, pode liderar uma vaquinha. Quando as grandes redes de livrarias estavam comendo as pequenas, louvava-se a destruição criadora do capitalismo. Havia até editoras que imprimiam seus livros na China. Agora, cavalgam um falso problema e foram ao escurinho de Brasília para recorrer à capacidade destruidora do corporativismo. Grandes livreiros quebram e a conta vai para a freguesia, instituindo-se um tabelamento de preços.
O mercado de livros, como o de jornais, passa pelo choque da era digital. Primeiro surgiu a Amazon, revolucionando o setor com seu sistema de vendas. Depois veio o ebook, que compete com os volumes impressos. Assim é a vida, o automóvel quebrou as fábricas de carruagens, o CD matou o disco de vinil e a internet matou o CD. Como em Pindorama canta o sabiá, no século XIX, quando os Estados Unidos e a Europa expandiam suas ferrovias, os plutocratas lutavam para preservar a escravidão.
Em 1994, todos os donos de redes de livrarias e de grandes editoras brasileiras tinham mais patrimônio que Jeff Bezos, um papeleiro de 30 anos que pensava em criar um varejão eletrônico. Ele começou a Amazon com menos de 200 mil dólares, vendendo só livros. Metade do capital foi-lhe emprestado pelos pais e Bezos avisou que as chances de perderem tudo era de 70%. Hoje a Amazon está encostando no trilhão de dólares em valor de mercado. Esse gigante surgiu dando descontos. As guildas dos livreiros nacionais querem socializar um falso problema suprimindo-os.
Lula, pintinhos e gambás
O bicho é pesado como um elefante, tem cor de elefante, patas de elefante, tromba de elefante, mas Lula dirá que é um pássaro. Na quarta-feira, 14, quando volta a depor na 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná, o ex-presidente insistirá em que o sítio de Atibaia não é e nunca foi dele – embora tudo, absolutamente tudo, demonstre o contrário.
Assim como no processo do triplex do Guarujá, pelo qual foi condenado a 12 anos e um mês, Lula também é acusado por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio. Mais de R$ 1 milhão desviado da Petrobras teria sido utilizado pela Odebrecht e OAS para adequar o sítio às necessidades do presidente e de sua mulher, Marisa Letícia, morta em fevereiro do ano passado, antes de a denúncia ser oficializada pela força-tarefa da Lava-Jato.
A peça, com 168 páginas, resume boa parte dos achados da operação em diferentes níveis, incluindo propinas para políticos do PT, PP e PMDB. Explica como funcionava o caixa paralelo do governo e os das duas empreiteiras. Cita transações envolvendo os codinomes de Lula – Brahma para Léo Pinheiro da OAS, e Amigo, para Marcelo Odebrecht – e o sofisticado esquema de coleta e distribuição dos ilícitos. E expõe um conjunto de provas de que Lula e sua família eram os únicos a usar o sitio, a dar ordens aos trabalhadores e a decidir por compras e reformas.
Alguns trechos são hilários. E-mails sobre tudo remetidos para a Fundação Lula, incluindo fotos de animais e de pedalinhos. Outros de funcionários públicos que prestavam serviços ao ex relatando ocorrências, a exemplo da notificação de um de seus seguranças: “Botão pânico, foi acertado com o Fábio que seriam 03 (três), sendo duas na casa do PR e uma na casa dele”. Recibos de rotas de pedágios dando conta de que carros de Lula fizeram o percurso São Bernardo-Atibaia-São Bernardo por 270 vezes entre 2011 e 2016.
Como Lula vai explicar a singeleza do e-mail que o caseiro Maradona enviou à Fundação em abril de 2014, dando conta de que “morreu mais um pintinho e caiu dois gambá nas armadilhas”? Mais do que o português ruim, outra mensagem, desta vez dirigida a Fernando Bittar em maio de 2015, aponta quem é o verdadeiro dono: “colocaram a venda aqui um sítio visinho do presidente”.
Bittar, sócio de Fábio Luis Lula da Silva na G4, empresa de games, é um dos proprietários formais do sítio. O outro é Jonas Suassuna, também parceiro de Lulinha na BR4 Participações. Os dois teriam adquirido duas propriedades anexas – os sítios Santa Bárbara e Santa Denise – no mesmo dia, em uma transação formalizada pelo compadre e advogado de Lula, Roberto Teixeira, dois dias antes da vitória de Dilma Rousseff no segundo turno das eleições de 2010.
As plantas de reforma, incluindo espaços generosos para guardar objetos vindos de Brasília, uma ampla adega, estação de tratamento de água e sauna foram encontradas em uma pasta da ex-primeira-dama dentro do sítio. Nos armários, roupas de Lula e Marisa, cremes de manipulação com nome dela. E nenhum pertence dos proprietários de papel. Nada, nadica.
Como só trata de corrupção relacionada à Petrobras, a Lava-Jato não incluiu no documento um outro mimo: a gigantesca antena que a operadora Oi (também citada em rolos de Lulinha) instalou em 2011 a 300 metros da propriedade. Conhecida pelos vizinhos como a “torre do Lula”, a Estação Rádio Base conectou o sítio ao mundo, mas não fortaleceu o sinal para além dele.
Apresentada pelo MPF em maio de 2017, a denúncia foi aceita pelo juiz Sérgio Moro em agosto deste ano, mas ele preferiu adiar as oitivas dos acusados – além de Lula há outros 12 – devido ao processo eleitoral. Com a saída de Moro para o governo Jair Bolsonaro, a arguição agora será feita pela juíza substituta Gabriela Hardt, tida por colegas como mais dura do aquele por quem Lula e os seus cultivam ojeriza máxima.
Em apenas uma semana, Gabriela negou um pedido de adiamento da audiência feito pela defesa de Lula, e já ouviu os Odebrecht – o filho Marcelo e o pai Emilio -, também réus, que confirmaram a denúncia.
Será a primeira vez que Lula sairá da sede da Polícia Federal de Curitiba, onde está preso desde abril. E, de acordo com o tom que vem sendo mantido por seus advogados, o fará para negar qualquer acusação e repetir ser o homem mais honesto do planeta. Difícil será esconder o elefante.Mary Zaidan
Assim como no processo do triplex do Guarujá, pelo qual foi condenado a 12 anos e um mês, Lula também é acusado por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio. Mais de R$ 1 milhão desviado da Petrobras teria sido utilizado pela Odebrecht e OAS para adequar o sítio às necessidades do presidente e de sua mulher, Marisa Letícia, morta em fevereiro do ano passado, antes de a denúncia ser oficializada pela força-tarefa da Lava-Jato.
A peça, com 168 páginas, resume boa parte dos achados da operação em diferentes níveis, incluindo propinas para políticos do PT, PP e PMDB. Explica como funcionava o caixa paralelo do governo e os das duas empreiteiras. Cita transações envolvendo os codinomes de Lula – Brahma para Léo Pinheiro da OAS, e Amigo, para Marcelo Odebrecht – e o sofisticado esquema de coleta e distribuição dos ilícitos. E expõe um conjunto de provas de que Lula e sua família eram os únicos a usar o sitio, a dar ordens aos trabalhadores e a decidir por compras e reformas.
Alguns trechos são hilários. E-mails sobre tudo remetidos para a Fundação Lula, incluindo fotos de animais e de pedalinhos. Outros de funcionários públicos que prestavam serviços ao ex relatando ocorrências, a exemplo da notificação de um de seus seguranças: “Botão pânico, foi acertado com o Fábio que seriam 03 (três), sendo duas na casa do PR e uma na casa dele”. Recibos de rotas de pedágios dando conta de que carros de Lula fizeram o percurso São Bernardo-Atibaia-São Bernardo por 270 vezes entre 2011 e 2016.
Como Lula vai explicar a singeleza do e-mail que o caseiro Maradona enviou à Fundação em abril de 2014, dando conta de que “morreu mais um pintinho e caiu dois gambá nas armadilhas”? Mais do que o português ruim, outra mensagem, desta vez dirigida a Fernando Bittar em maio de 2015, aponta quem é o verdadeiro dono: “colocaram a venda aqui um sítio visinho do presidente”.
Bittar, sócio de Fábio Luis Lula da Silva na G4, empresa de games, é um dos proprietários formais do sítio. O outro é Jonas Suassuna, também parceiro de Lulinha na BR4 Participações. Os dois teriam adquirido duas propriedades anexas – os sítios Santa Bárbara e Santa Denise – no mesmo dia, em uma transação formalizada pelo compadre e advogado de Lula, Roberto Teixeira, dois dias antes da vitória de Dilma Rousseff no segundo turno das eleições de 2010.
As plantas de reforma, incluindo espaços generosos para guardar objetos vindos de Brasília, uma ampla adega, estação de tratamento de água e sauna foram encontradas em uma pasta da ex-primeira-dama dentro do sítio. Nos armários, roupas de Lula e Marisa, cremes de manipulação com nome dela. E nenhum pertence dos proprietários de papel. Nada, nadica.
Como só trata de corrupção relacionada à Petrobras, a Lava-Jato não incluiu no documento um outro mimo: a gigantesca antena que a operadora Oi (também citada em rolos de Lulinha) instalou em 2011 a 300 metros da propriedade. Conhecida pelos vizinhos como a “torre do Lula”, a Estação Rádio Base conectou o sítio ao mundo, mas não fortaleceu o sinal para além dele.
Apresentada pelo MPF em maio de 2017, a denúncia foi aceita pelo juiz Sérgio Moro em agosto deste ano, mas ele preferiu adiar as oitivas dos acusados – além de Lula há outros 12 – devido ao processo eleitoral. Com a saída de Moro para o governo Jair Bolsonaro, a arguição agora será feita pela juíza substituta Gabriela Hardt, tida por colegas como mais dura do aquele por quem Lula e os seus cultivam ojeriza máxima.
Em apenas uma semana, Gabriela negou um pedido de adiamento da audiência feito pela defesa de Lula, e já ouviu os Odebrecht – o filho Marcelo e o pai Emilio -, também réus, que confirmaram a denúncia.
Será a primeira vez que Lula sairá da sede da Polícia Federal de Curitiba, onde está preso desde abril. E, de acordo com o tom que vem sendo mantido por seus advogados, o fará para negar qualquer acusação e repetir ser o homem mais honesto do planeta. Difícil será esconder o elefante.Mary Zaidan
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