Primatas com menos de um metro de altura, frágeis se comparados às feras carnívoras da vizinhança, os primeiros hominídeos foram obrigados a formar grupos para se defender, necessidade que forjaria o comportamento das gerações que chegaram até nós.
Os primeiros bandos habitaram cavernas. Não fazia sentido construir moradias para abandoná-las quando a caça rareasse e as frutas e os tubérculos chegassem ao fim. Milhões de anos de nomadismo fincaram raízes tão sólidas, que esse estilo de vida predominou até insignificantes 10 mil anos atrás, com o surgimento da agricultura.
No decorrer desses milhões de anos, a seleção natural impôs ao corpo humano adaptações radicais. Ficamos mais altos, nosso córtex cerebral se desenvolveu, aprendemos a nos comunicar por meio da fala, da escrita e da eletrônica, fizemos revoluções na agricultura e na tecnologia de preservação de alimentos e construímos cidades gigantescas.
Enquanto os trogloditas que nos antecederam viviam em média 20 anos, a expectativa atual ultrapassou 70 anos, na maioria dos países.
Esses avanços trouxeram problemas inesperados, no entanto. A explosão demográfica, a poluição e o aquecimento global colocam em risco não apenas a saúde dos habitantes, mas a própria vida na Terra.
Na hipótese de contrariarmos os estudiosos do clima e sobrevivermos às intempéries planetárias, a oferta abundante de alimentos de boa qualidade acessíveis a grandes massas populacionais e os confortos da vida moderna continuarão ameaçando a saúde individual e coletiva. Comida farta e sedentarismo criaram uma armadilha que impedirá aumentos expressivos na expectativa de vida dos nossos filhos.
Pela primeira vez na história de nossa espécie, foi-nos oferecida a possibilidade de comer à larga em todas as refeições e de ganhar a vida sentados o dia inteiro. Obesidade e sedentarismo se tornaram as principais epidemias nos países de renda média e alta, nos quais a praga mortífera do tabagismo começa a ser a duras penas controlada.
Na esteira dessas duas pandemias caminham a passos apressados: hipertensão arterial, diversos tipos de câncer, diabetes, doenças cardiovasculares, problemas ortopédicos, articulares, renais e outras complicações que sobrecarregam o sistema de saúde, encarecem o atendimento e fazem sofrer milhões de pessoas.
Nas capitais, 19% dos brasileiros adultos estão obesos e outros 35% têm sobrepeso (Vigitel, 2017), ou seja, menos da metade da população cai na faixa do peso considerado saudável.
A fila de candidatos à cirurgia bariátrica aumenta mais depressa do que as nossas condições para operá-los; muitos morrem enquanto aguardam. Nesse ritmo, daqui a pouco estaremos como os americanos: 40% de adultos obesos; quase outro tanto com sobrepeso (CDC, 2018).
A demanda por atendimento médico de uma população que envelhece rapidamente é trágica para o SUS e insuportável para os planos de saúde. O SUS não vai à falência, porque, quando falta disponibilidade, o atendimento é negado, expediente com o qual não conta a saúde suplementar.
Na contramão de outros ramos da economia, a incorporação de tecnologia na área médica aumenta o custo do produto final. A assistência a uma população que envelhece mal como a brasileira exigirá recursos que não dispomos no SUS nem na saúde suplementar.
Esperar as pessoas adoecerem para tratá-las em hospitais e unidades de pronto atendimento é política suicida. Não há saída: ou investimos na prevenção ou, cada vez mais, só os privilegiados terão acesso à medicina moderna.
O ministério e as secretarias de Saúde, escolas, associações comunitárias, imprensa, empresas, a sociedade inteira precisa se envolver na divulgação e na aplicação prática da principal mensagem de saúde pública, no Brasil atual: “Não dá para passar o dia sentado comendo tudo o que oferecem”.
Nos anos 1960, cerca de 60% dos nossos adultos fumavam, hoje não passam de 10%. Se conseguimos resultado tão impressionante com a dependência química mais feroz que a medicina conhece, não é impossível convencer mulheres, crianças e homens a comer um pouco menos e a andar míseros 40 minutos num dia de 24 horas.
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