sábado, 10 de novembro de 2018

A árvore que pensava

Houve uma árvore que pensava. E pensava muito. Um dia transpuseram-na para a praça no centro da cidade. Fez-lhe bem a deferência. Ela entusiasmou-se, cresceu, agigantou-se.

Aí vieram os homens e podaram seus galhos. A árvore estranhou o fato e corrigiu seu crescimento, pensando estar na direção de seus galhos a causa da insatisfação dos homens. Mas quando ela novamente se agigantou os homens voltaram e novamente amputaram seus galhos.

A árvore queria satisfazer aos homens por julgá-los seus benfeitores, e parou de crescer. E como ela não crescesse mais, os homens a arrancaram da praça e colocaram outra em seu lugar.
Oswaldo França Júnior

Brasil das novas tecnologias


A expulsão petista

O fenômeno era absolutamente previsível: o Partido dos Trabalhadores está sendo alijado do comando da oposição. Colocado de lado, evitado como se representasse um verdadeiro cancro da política. E não poderia ser diferente. Ainda que tardiamente, a esquerda começou a perceber o óbvio: relativizar a ética em prol da ideologia custou o apoio dos eleitores nas urnas. O brasileiro não está disposto a dar cheque em branco e conceder alforria a quem se lambuza na corrupção. Por isso mesmo o PT vem sendo banido do paraíso político. Deve espiar seus pecados e culpas antes de alcançar a graça do perdão popular. Não fez isso e segue no purgatório. O hegemonismo que a agremiação de Lula queria impor às demais siglas está indo pelo ralo depois da acachapante derrota eleitoral. O velho caudilhismo populista do lulopestimo parece perto do fim, com os dias contados, sem suporte nas bancadas parlamentares além de sua própria. E a esquerda trata de reorganizar um bloco independente, em outras bases e sob nova direção. O pedetista Ciro Gomes, do alto de quase 13 milhões de votos que o credenciaram ao posto, lidera o movimento de retomada da resistência. De uma maneira, como ele diz, mais responsável e pragmática, dentro de um formato construtivo para o País. Ciro quer gerar um campo de atuação diferente no qual não seja necessário tapar o nariz à ladroeira, à falta de escrúpulos, ao oportunismo e aos desvios de aliados para realizar oposição. O conceito é o da vigilância às práticas e projetos do Executivo, reagindo com responsabilidade quando necessário. Nada de sabotagem pura e simplesmente. Discurso afinado, cabe adotá-lo na prática.


Não se pode negar que a quarentena imposta à esquadra petista na articulação do bloco que fará frente ao governo Bolsonaro é justificada, ao menos em parte, pela conduta autoritária e sempre individualista demonstrada por seus líderes. O PT atuou com soberba, achando que os parceiros eram bons apenas quando o apoiavam cegamente. Da mesma maneira, vigorava o entendimento de que os únicos projetos dignos de aprovação saiam de sua lavra. Sem concessões ou abertura a sugestões dos demais. A legenda jamais fez autocrítica e agora, como diz Ciro Gomes, aliados de outrora apontam o dedo inquisidor para mostrar em praça pública que o PT não é o centro do mundo, nem o centro da política brasileira. Não merece a convivência democrática e colaborativa com os demais. Do alto de sua prepotência está sendo punido. Além do PDT, PCdoB e PSB costuram juntos uma aliança restauradora da relevância de forças que tiveram razoável vitória nas urnas. São partidos que querem se livrar da imagem de linha auxiliar dos petistas, abolir a pecha de meros “puxadinhos” manipulados pela egolatria do presidiário Lula. O PT, por sua vez, segue na tática da pregação do “quanto pior, melhor”. O plano é atravancar os trabalhos do Legislativo.

Obstruir pautas e jogar com o apoio, e os protestos, de movimentos sociais para atrasar votações. Na prática, como rotineiramente vem fazendo, o Partido dos Trabalhadores conspira contra o País. Um contrassenso. Na linha de oposição sem critério a sigla chegou a barrar, nos últimos dias, medidas provisórias editadas por seus próprios quadros. Representantes parlamentares seguraram por seis horas, por exemplo, a aprovação de um projeto enviado a plenário por Dilma Rousseff, que autorizava a União a reincorporar trechos da malha rodoviária federal transferidos aos Estados. Da mesma maneira, eles protelaram o quanto puderam a alteração da meta fiscal sugerida pela ex-presidente. Restaria a pergunta: qual o sentido de uma atuação assim? Simples: bagunçar o ritmo do Congresso para evidenciar que Brasília não anda sem a sua turma. Já foi montado até uma espécie de “kit obstrução”, amparado pelo regimento da Casa, com manobras para adiar indefinidamente alguns temas de vital importância, como o da Previdência. Deputados adeptos da ideia da catimba, defendida com entusiasmo pela agremiação, devem, por exemplo, deixar de registrar presença, evitando assim o quórum mínimo necessário para o início das sessões. Outra artimanha cogitada é a da apresentação de sucessivos requerimentos a serem analisados antes de se avaliar o mérito. Subterfúgios baixos, rasteiras covardes, que agridem fundamentalmente o cidadão. Não por menos os postulantes dessa nau de insensatos mereceu o desprezo da maioria e devem mergulhar no ostracismo por um bom tempo.
Carlos José Marques 

Fidalgos do Poder


No Brasil a fidalguia
No bom sangue nunca está
nem no bom procedimento:
Em que pode, pois, estar?
Está em muito dinheiro...

Gregório de Matos (1636 - 1696)

O novo contra o velho

O cientista politico Antonio Gramsci, fundador do Partido Comunista Italiano, cunhou uma frase que pode bem definir o momento que estamos vivendo: “O velho resiste em morrer, e o novo não consegue nascer”. Gramsci se referia a outros tempos, mas os que estamos vivendo aqui no Brasil hoje tem as mesmas características. Pode ser que o novo que apareceu não seja a melhor solução, mas é o que temos no momento.

O povo, através do voto, fez uma limpa quase geral na classe politica tradicional, e sobreviveram apenas uns poucos caciques, que manobravam o cenário político nos últimos 25 anos em benefício próprio e dos seus próximos. Mas parece que não entenderam o recado das urnas.


Um dos que não sobreviveram foi o ainda presidente do Senado, Eunício de Oliveira, que aproveitou para ir à forra, com o dinheiro público. Botou para votar, do nada, o aumento do Judiciário que estava congelado depois de aprovado na Câmara, por questões de economia.

Não há dúvida de que os juízes merecem ganhar bem, assim como toda carreira do sistema judicial tem que ser bem remunerada. Mas, como disse o presidente eleito, não era o momento. Um Senado já superado pelas urnas, com a maioria de votos de senadores não reeleitos pelo povo, resolveu fazer uma benesse ao Supremo Tribunal Federal, que tem efeito cascata.

O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, agradeceu a decisão do Senado, cujos ocupantes receberam telefonemas de ministros e juízes para aprovarem o aumento, um lobby legítimo mas temerário no momento em que diversos senadores têm processos correndo na última instância do Judiciário.

O argumento dos ministros é correto, pois os salários estão defasados mesmo. E argumentam que o auxilio moradia será extinto, compensando o choque do aumento no orçamento. Bom argumento, mas seria mais republicano, digamos assim, que o Conselho Nacional de Justiça acabasse primeiro com as distorções desse auxílio, que na maior parte das vezes é usado como uma compensação salarial justamente para repor a defasagem.

Se dessem o exemplo, cortando vantagens que são estranhas ao cidadão comum, não poderiam ser acusados de pensarem apenas em seus interesses. Também os senadores usaram o caso para mandar um recado ao presidente eleito Jair Bolsonaro, que fez um apelo para que o aumento não fosse dado nesse momento.

Quando o superministro da Economia Paulo Guedes disse que o Congresso precisaria de “ uma prensa” para aprovar as reformas, inclusive a da Previdência, ainda no governo Temer, o ainda presidente do Senado deu uma risada e comentou: “Ele não sabe como a coisa funciona”. E tratou de demonstrar, na prática, como a banda toca.

É uma banda antiquada, que já saiu de moda, mas ainda tem o controle da programação e insiste em não sair do palco, mesmo com os convidados não gostando, não dançando, e vaiando. Outras surpresas virão devido a uma incongruência de nosso calendário eleitoral.

O novo Congresso só toma posse em fevereiro, e os que foram, na maioria, cassados pelo voto popular, continuam com a caneta na mão até janeiro. O futuro presidente governará quase um mês com um Congresso com prazo de validade prestes a expirar, e com o orçamento feito por um governo que está de saída.

Há maneiras de amenizar a situação, mas a falta de coerência é evidente. Vários projetos, que não tiveram o apoio da sociedade, voltam à pauta nos derradeiros instantes, para pagar dividas ou, sobretudo, para tentar salvar a pele dos que perderam o foro privilegiado com o fim do mandato.

Há de tudo um pouco: proposta para reduzir os efeitos das delações premiadas, para acabar com a prisão em segunda instância, para reduzir o poder de fogo dos que hoje combatem a corrupção com formidável êxito. E amanhã estarão mais que nunca no poder, com a chegada do Juiz Sergio Moro como também superministro da Justiça e Segurança Pública.

Não será fácil para o novo governo aprovar reformas que são impopulares, ou reforçar a legislação de combate ao crime organizado e à corrupção. Mas não será também com “prensas” ou “tratoramento” que os congressistas se curvarão.

Sempre será preciso negociar com o Congresso e com as corporações. Tentar pressionar com milícias digitais se tornará uma maneira antidemocrática de persuasão. Pode até ser que o novo que tenta nascer não seja tão novo assim, e repita os velhos hábitos. Mas é preciso virar a página e recomeçar em novas bases esse jogo político.

O cidadão já deu seu recado. Se os políticos fizerem ouvidos moucos, teremos crise em cima de crise e só aprofundaremos nossos problemas.

Os usos e desusos da última flor do Lácio

“Furna da Onça”, o nome da operação da Polícia Federal que prendeu ontem no Rio sete deputados estaduais faz referência, segundo a PF, a “uma sala ao lado do plenário da Alerj, onde deputados se reúnem para ter conversas reservadas, destinada às combinações secretas que resultam em decisões individuais antes das votações, momento conhecido como a hora da ‘onça beber água’”.

Sete foram presos nessa operação. Três já estavam detidos, o que leva a Alerj a contar com dez parlamentares a menos. Dos setenta que formam o plenário, estão com sessenta o que, nas palavras de um parlamentar entrevistado pela Globo News, envergonha e entristece a Assembleia, mas não impede que os trabalhos continuem para votar matérias muito importantes para o Estado, como, por exemplo, o orçamento para o próximo ano.

O nome da operação da PF é muito bom, não é não? Parece que é uma continuação da operação Cadeia Velha. Combina bem não combina? A Onça Bebe Água na Cadeia Velha…

Vamos torcer para que o bicho não beba água na Cadeia Nova.

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É muito triste constatar que os brasileiros não acreditam mais nas palavras dos que ocupam postos importantes na administração do país. Se não estiver gravada e filmada então… Aí ninguém acredita mesmo.

Mas pior que não levar a sério o que eles dizem, mesmo se a palavra estiver gravada em vídeo, é o eterno duvidar… Duvidamos de tudo. Quando, por algum motivo de força maior, precisamos citá-los, todos usamos o indefectível “segundo falou” o ministro, ou o deputado, ou o vereador. É uma espécie de garantia esse “segundo falou”.

Será nossa a culpa, ou apenas levamos tantas pauladas no quengo que finalmente aprendemos que duvidar é o melhor caminho?

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O português não é uma língua que facilite a criação de novas palavras, como o inglês, que é sensacional nesse esporte. Outro dia mesmo aprendi uma nova que adorei: hangry. É somar hunger, fome, como angry, zangado. E como quem está com fome geralmente está zangado, lá veio o hangry.

Nisso perdemos. mas somos extraordinários em criar novos sentidos para palavras muito antigas.

Por exemplo. Agora não se diz aumento salarial para as classes altas, só para quem ganha salário mínimo. Os que não precisam do aumento, usam uma expressão muito mais elegante: reposição salarial.

Outro exemplo. Como vocês definiriam o capitão Bolsonaro, presidente-eleito do Brasil?

Eu o definiria como homem severo, de olhar duro. Mas isso sou eu, uma velhota meio assustada. Já o ex-juiz Sergio Moro, de quem sou admiradora e cidadã agradecida, o definiu como “homem bastante sensato e moderado”.

Sensato e moderado, duas palavras antigas que servem a muitos senhores em mais de sete países. São os tais usos e desusos da nossa língua, a última flor do Lácio, tão rica e tão linda e a quem Bilac chamou de inculta….