terça-feira, 15 de novembro de 2016

Ocaso da ideia-força

Quando, em 27 de janeiro de 1945, as tropas do Exército Vermelho libertaram os sobreviventes dos campos de extermínio de Auschwitz e Birkenau, revelando ao mundo os horrores do holocausto – muito mais do que a heroica vitória de Stalingrado –, o fascínio do marxismo entre os intelectuais ganhou uma nova aura humanista. A Revolução de Outubro (que no próximo ano completará 100 anos, no dia 7 de novembro), tornara-se uma ideia-força no Ocidente, o que possibilitou o surgimento de grandes partidos comunistas, além de legitimar a ocupação soviética dos países do Leste europeu.

Nem mesmo o relatório de Nikita Kruschov, no XX Congresso do PCUS, em fevereiro de 1956, ao revelar os crimes de Josef Stálin, abalou a fé quase religiosa de que o mundo caminhava para o socialismo. A primeira rachadura política só viria com a invasão da Hungria, em outubro do mesmo ano. Foi preciso o fim da Primavera de Praga, com a invasão da antiga Tchecoslováquia pelo Pacto de Varsóvia, em 1968, para que a ficha caísse: o “socialismo real” havia perdido sua força transformadora e se tornara um regime autoritário e burocrático.

trabalhadores

Mesmo assim, com a Doutrina Brejnev e a “guerra fria”, a Revolução Cubana e a Guerra do Vietnã, os dogmas comunistas continuaram influentes na esquerda mundial, ainda que a maioria dos intelectuais passasse a questioná-los. A perestroika de Gorbatchev, ao final dos anos 1980, chegou a realimentar as esperanças de que os países socialistas encontrassem o caminho da democracia. Mas não foi o que aconteceu. Com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética (1922-1991), o modelo comunista implodiu. Certas ideias do líder da Revolução de 1917, porém, continuam sendo defendidas pelo mundo afora, com base nas realizações econômicas, sociais e científicas do socialismo na URSS.

No Brasil, o declínio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que abandonou a foice e o martelo e se transformou no PPS, coincidiu com a ascensão do Partido dos Trabalhadores, inspirado no Movimento Solidariedade, do metalúrgico Lech Valesa, líder operário católico da Polônia, que liderou grandes greves nos estaleiros de Gdansk. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu fundador e líder máximo, conseguiu reunir num partido de massas sindicalistas, militantes católicos e remanescentes de organizações de extrema-esquerda que consideravam o antigo Partidão uma força conciliadora e reformista.

Talvez por causa da presença de intelectuais marxistas na sua fundação, mesmo se proclamando um partido anti-leninista, o PT acabou adotando um dos principais dogmas de Lênin, o líder comunista que comandou a revolução de Outubro: a tese de que o partido seria a vanguarda de todos os explorados e oprimidos da sociedade. Apesar da presença de sindicalistas de origem operária na cúpula da legenda, o PT tornou-se um partido de servidores públicos, e de uma grande massa popular beneficiada pelos programas de transferência de renda durante os governos Lula e Dilma, principalmente o Bolsa Família.

Entretanto, a ideia-força de que o “ser operário”, encarnado pelo ex-presidente Lula, ao se libertar (no caso, chegar ao poder), libertaria todas as demais classes exploradas e oprimidas continuou no imaginário de intelectuais e artistas que gravitam em torno da legenda. É uma situação muito parecida com a da França no imediato pós-guerra, quando a esmagadora maioria dos intelectuais franceses era militante, simpatizante ou aliada do Partido Comunista, com exceção da corrente liderada por Raymond Aron, autor do polêmico livro O Ópio dos Intelectuais (Três Estrelas). No Brasil, tal fenômeno só não se repetiu na mesma escala, no imediato pós-guerra, por causa do apoio do líder comunista Luís Carlos Prestes à permanência de Getúlio Vargas no poder, o chamado “Queremismo”, o que provocou rupturas importantes, como a de Caio Prado Júnior.

A tese marxista do “ser operário” como “classe geral”, ou seja, aquela que libertaria todas as demais da exploração e opressão, foi completamente ultrapassada pela terceira revolução industrial e a automação. Do ponto de vista objetivo, o “ser operário” é uma espécie em progressiva extinção. Mas permanece sendo a aura do PT (nos dois sentidos, o vulgar e o científico), o que mantém em torno de Lula todas as correntes da legenda, apesar do desgaste causado pela Operação Lava-Jato e do isolamento político revelado nas eleições municipais. A concepção de centralidade do “trabalho” no projeto político, porém, já foi duramente critica por Hanna Arendt, em A Condição Humana(Forense Universitária/Saraiva), para quem essa seria uma raiz de pensamento totalitário. Ao subordinar toda a construção política ao “labor”, cujo auge foi o “stakhanvismo”, o “socialismo real” derivou inexoravelmente para o autoritarismo. A verdadeira condição humana, na visão da filósofa judia alemã, é o “pensar e agir politicamente” em regime de liberdade.

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Paradise ~ By Kiyoshi Iida:
Kiyoshi Iida

A eloquência e o brasileiro

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A eloquência marca Sloper que nos desgraça é com certeza resultado da preocupação de fazer literatura a muque. Entre nós quase toda a gente pensa que literatura é arrevezamento, ginástica verbal, ilusionismo imaginoso, hipérbole sublime. E devido a isso mesmo há no Brasil muitos cavalheiros que falam mas poucos que dizem. Falam até debaixo d’água. Não dizem coisa nenhuma. De tal forma que hoje em dia o conceito de literatura é até pejorativo.

— Não presta para nada esse artigo. É só literatura.

Aí está. A culpa é inteirinha dos que a ela se dedicam, banalizando-a, pondo-a ao alcance de toda a gente, com o objetivo de embasbacar até um limpador de trilhos da Light.

* * *
Aliás para ser franco, ninguém se diverte mais do que eu com as asneiras dengues e sonoras dos oradores de minha terra. Sou leitor fanático dos apanhados jornalísticos das sessões no nosso Congresso, na nossa Câmara Municipal, das excursões políticas, das reuniões de agricultores, comerciantes e homens de letras, de todas as assembleias, de todas as festanças e comemorações discursadas.

Leitura ainda mais hilariante que a dos livros de Jerome K. Jerome. Nem se compara.

Entre os nossos vereadores e parlamentares, principalmente, há cada campeão em matéria de retórica edição Quaresma da gente ficar de boca aberta. Até entrar mosca. É verdade.

Pessoal danado para dizer bobagem com ênfase. Nunca vi. A idéia vem sempre vestida de cores escandalosas, amarrada com laçarotes de penteado de negra, toda arranjadinha para dar bem na vista.

Todos os discursos têm um trechinho imutável que eu não me canso de saborear. É quando o orador alude humildemente à miséria cearense dos seus dotes oratórios.

É assim:

O Sr. Sesostris da Cunha — Embora reconheça, Sr. presidente, que minha desautorizada voz, tão desafeita à tribuna, vem quebrar a harmonia (não apoiados gerais).

O Sr. Amazonas Neto — V.ex. é um belo orador. Todos nós o ouvimos sempre com imenso prazer (apoiados gerais).

O Sr. Sesostris da Cunha — Muito obrigado a v. ex. Como ia dizendo, Sr. presidente, sem embargo…

Delicioso. E fatal. Mas, sobretudo, delicioso.

* * *
Eu sei que estou sendo irritante. Paciência. Sei perfeitamente que nesta terra o que eu estou fazendo se chama falar mal. Paciência. É sempre melhor do que falar bem. Compreendam-me.

João Filipe, que foi ministro de Floriano e hoje é professor jubilado da Politécnica do Rio, velhinho moço de sarcasmo estupendo, desabafou certa vez comigo:

— Eles são bestas e não querem que a gente tome nota.

Eu tomo, sim.
Alcântara Machado (1901-1935)

Retrato do populismo petista

A constatação da existência de irregularidades no pagamento do Bolsa Família a cerca de 1,1 milhão de famílias – o equivalente a 8% dos quase 14 milhões de famílias inscritas no programa – levou o governo a cancelar 469 mil benefícios e bloquear – até que as objeções levantadas sejam esclarecidas, num prazo de três meses – o saque de outras 654 mil contas em todo o País. Explicou o ministro Osmar Terra, do Desenvolvimento Social e Agrário, que não se trata de “corte ou economia de recursos, mas do necessário controle de gastos”. E acrescentou: “O objetivo é separar o joio do trigo. Quem realmente precisa vai continuar recebendo o benefício”.

Um pente-fino no Bolsa Família era indispensável diante das evidências de que os governos petistas, por criminosa negligência ou simples incompetência, haviam perdido o controle do programa. Há cerca de dois meses, no início de setembro, o governo Temer anunciara a decisão de fazer uma ampla varredura no cadastro do Bolsa Família, com a intenção de garantir que, depurado dos pagamentos que vinham sendo indevidamente feitos, o programa passasse a beneficiar um número maior de famílias realmente necessitadas de ajuda.


As irregularidades que agora começam a ser corrigidas foram apuradas mediante o cruzamento de informações de 6 bases distintas de dados: o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, o Instituto Nacional do Seguro Social, o Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos, o Sistema de Controle de Óbitos e a Relação Anual de Informações Sociais.

A existência de mais de 1 milhão de benefícios suspeitos de estarem sendo concedidos indevidamente não é surpresa ao cabo de mais de uma década em que o Bolsa Família foi manipulado pelo lulopetismo como poderoso instrumento para a consolidação de seu projeto de poder. A história é conhecida, revelada anos atrás pelo ex-petista Hélio Bicudo, e remonta ao início do primeiro mandato de Lula, no momento em que o comando político do governo promovia a transformação do projeto original, Fome Zero, em Bolsa Família.

O Fome Zero era, mais do que um programa de transferência de renda, um amplo, complexo e dispendioso projeto de inclusão social que demandaria tempo para ser implantado e para produzir efeitos políticos. Em reunião no Palácio do Planalto, os responsáveis pelo Fome Zero, entre eles Hélio Bicudo, questionaram o então ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil de Lula, a respeito da troca de um programa socialmente reestruturante que ambicionava promover uma transformação social, por outro que atingiria desde logo uma quantidade muito maior de beneficiários, mas praticamente se limitaria àquilo que o Fome Zero também previa: a transferência direta e mensal de uma “renda mínima”. A explicação do chefe da quadrilha do mensalão foi curta e grossa: “O Bolsa Família representa 40 milhões de votos”.

O Bolsa Família, de qualquer modo, cumpre o papel de prover minimamente necessidades materiais básicas, como a de ter o que comer, de uma população carente de outras fontes suficientes de recursos. Nem se trata de questionar, como ocorreu no passado dentro do próprio governo petista, a capacidade desse programa de abrir de fato a possibilidade de futura inclusão dos desvalidos na vida econômica do País. Mas é claro que, tendo sido o Bolsa Família concebido primordialmente para garantir ao lulopetismo um curral eleitoral de “40 milhões de votos”, durante os governos Lula e Dilma ninguém se preocupou para valer com o controle rigoroso dos cadastros. Daí aberrações como as reveladas agora, de que pelo menos 3 mil famílias beneficiárias do programa fizeram doações a campanhas eleitorais no pleito municipal.

A oposição sem voto já acusa o governo de promover “cortes” no Bolsa Família como prova de sua intenção de reduzir os investimentos sociais e, conforme o que está proposto na PEC do Teto de Gastos, “congelar” gastos na educação e na saúde. É um discurso fácil e mentiroso que tem, de qualquer modo, apelo emocional. Mas as eleições municipais demonstraram que os brasileiros estão desiludidos com esse populismo de esquerda campeão na promessa de “distribuição” da riqueza, mas absolutamente incompetente na tarefa de criá-la.

Repúblicas:do Brasil, dos EUA

República dos Estados Unidos do Brasil, definia a nossa primeira Constituição da era republicana, promulgada em 1891. Já naquela época o modelo inspirador era o da República dos Estados Unidos da América.

Há 127 anos somos um regime republicano presidencialista, federalista e com legislativo nacional bicameral. Separou-se a igreja do estado, creia. Proclamou-se o “sufrágio universal”, mas, mesmo com o regime já maduro, só escolhiam parlamentares e governantes os homens que soubessem ler e escrever... Tramoia? Um dos líderes da Proclamação da República, Aristides Lobo, disse que “o povo assistiu bestializado” o grande acontecimento. Truque? O 15 de Novembro resultou da ação de um grupo de oficiais militares, com algum apoio de setores urbanos, contra a elite civil das velhas oligarquias do Império.

Muitos chamam o presidencialismo que temos de mitigado, ou de coalizão – que mais parece de colisão ou, para evitá-la, de cooptação. Trapaça? E o nosso federalismo, da autonomia dos estados, como anda? Está escrito até hoje que Executivo, Legislativo e Judiciário são poderes harmônicos e independentes. Sob o ponto de vista tributário, o desequilíbrio é grande: dos impostos arrecadados, 58% vão para a União, 23% para os estados e 19% para os municípios. Fora o que é sonegado, quase o mesmo do devido e pago. República do trambique?

Enquanto isso, a República dos Estados Unidos da América do Norte acaba de eleger - por um sistema que pode fazer com que a maioria dos votos nacionais totais não corresponda à de delegados – um Donald que é Tio Patinhas. Pleito truncado? Trump, o sonegador ‘outsider’, não se inibiu em mostrar a face machista, xenófoba, antiecológica e preconceituosa na campanha. Representou milhões de norte-americanos que querem “a América grande de novo”, seus empregos de volta, fronteiras muradas e vida em padrões absolutamente conservadores. Sentem-se perdedores com a globalização. A Ku Klux Klan e os neonazistas festejam. Época trevosa...

Apesar dos revezes, impõe-se insistir na revitalização da democracia, na qual a cidadania ativa, plural e informada terá participação permanente. A voz planetária sensata e progressista foi, mais uma vez, a do papa Francisco. No 3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em 5/11 passado, ele proclamou: “Expressamos a mesma sede de justiça e o mesmo grito: terra, casa e trabalho para todos! Para caminhar em direção a uma alternativa humana diante da globalização da indiferença, é preciso colocar a economia a serviço dos povos, construir a paz e a justiça e defender a mãe Terra”.

O papa, a despeito da estrutura monárquica do Vaticano, é um republicano de verdade.

O diabo por aí...

Nos Estados Unidos, dizem, ele saiu dos grotões – da gente do campo, dos trabalhadores das pequenas cidades, das gentes simples, sem diplomas – para somar votos com os universais reaças e deu uma histórica trumpada lá e no mundo. O topetudo Trump será o 45º Mister Presidente dos USA.

“Cada americano terá a oportunidade de realizar seu potencial máximo. Os homens e as mulheres esquecidos de nosso país Cada não serão mais esquecidos. Vamos consertar nossas cidades e reconstruir nossas estradas, pontes, túneis, aeroportos, escolas, hospitais. Vamos reconstruir a nossa infraestrutura, que se tornará, por sinal, inigualável, e vamos colocar milhões de pessoas para trabalhar enquanto a reconstruímos.”

Amém, com água benta. Porque diabo que é diabo mesmo, fala A e faz B.

Aqui é alhures, o diabo aparece quando a economia trupica. E, nos detalhes, faz impensáveis diabruras. Depois, quem sobrevive, vê o enxofre, quente e fedorento, puxando um cordão de reaças. Eles são siameses. Estão sempre coladinhos, coladinhos. Um puxa o outro vem.

Esqueça a história de Céu e Inferno. É lirismo. O diabo mora mesmo entre nós, escondido nos detalhes. Há séculos. E o lúcifer não é nada etéreo, mas palpável, velhoso e guloso. Esqueça também a serpente. O maligno mudou a fantasia faz tempo. Aparece ora ruivo, ora com pinta de vampiro sempre engasgado, que limpa bem a garganta para cuspir fogo “ninóis”. E como cospe!

Do macro pro micro, o velho diabo vive sempre encastelado nos detalhes.

Se não é o diabo, o que será então etiqueta sintética, costurada com linha sintética até em roupas 100% algodão?

Qual de nós mortais nunca teve que buscar correndo uma tesoura - em qualquer lugar que esteja, no meio de um dia de trabalho, numa festa, jantar, velório - para tirar a etiqueta de uma roupa que estava pinicando?

Se não é o diabo, que imbecilidade motiva a indústria de roupas a costurar as etiquetas com linhas de nylon – mais sintéticas que garrafas pets? Pior ainda. Às vezes, a própria etiqueta é sintética de cabo a rabo. E vem costurada com pontos tão miúdos e apertados que fica impossível retirá-la sem danos à peça.

Linhas e etiquetas sintéticas são o demo em pessoa - pinicam, arranham, provocam alergia.

E o pernilongo então? Não é o diabo encarnado naquele minúsculo voador de fino e persistente motorzinho? Noite amena, banho delicioso, lençóis limpos, quarto cheiroso. Você, na expectativa do melhor sono da vida, apaga até a mais suave luz do cômodo, deita, acomoda-se e fecha os olhos.

Zummm! Lá vem o maldito, saído das profundezas, para enxofralhar sua pretendida doce e perfeita noite. Embaça.

Se não é o diabo, o que serão então as tampinhas e lacres dos comestíveis nacionais?

Na Europa, USA, Argentina, Uruguai... você compra um iogurte, um leite, um suco, água, pacote de biscoitos, latas de sardinha, atum, segue as instruções do modo de abrir e funciona. A tampa, o selo, o fio saem inteiros, deixando o produto prontinho para ser consumido. No Brasil, não. Eles quebram rasgam, racham, saem pela metade.

É ou não é o tinhoso infiltrado na linha de produção?

Já viu bico dosador de azeite, embalado aqui, funcionar efetivamente como dosador? Aliás, funciona - como cachoeira.

Já viu rolo de papel higiênico abrir sem que seja preciso arrombar a cola da primeira volta, destruindo junto muitas outras voltas? Na França, Portugal, China... sim. Aqui, nunca.
E vale para todas as marcas, de todas as texturas e preços. A cola, seguro, estará sempre grudada nas tais muitas outras voltas do rolo. E, se a necessidade for muito premente, só golpes ferozes de todas as unhas conseguem o feito de romper o lacre. Isso, claro, destruindo um terço do papel em questão, para que ele comece, efetivamente, a rolar e servir ao que se propõe.

Por que, hein? Não pode ser só maldade, incompetência, ou técnica safada para multiplicar o lucro. É coisa do maligno, sempre tarado por infernar nos detalhes. A tinta amarela da cabeleira do Trump, por exemplo. Coisa dele.

O papel higiênico, coitado, pode render um tratado de belzebuzices.

Nos ambientes de trabalho, com banheiro coletivo, o cão tinhoso não falha. No modo tentador, o cornudo paralisa as mãozinhas do colega que usa a última volta do papel higiênico. Tomado pelo egoísmo advindo do tendeiro, não pensa que seu sucessor naquele compartimento só dará pela falta do papel depois de realizada a necessidade.

E o tinhoso fica ali, na espreita do constrangimento. Adora a cena.

A vítima, tentando não comprometer seu underwear, sai furiosa a cata do papel salvador. É isso ou improvisar com o caroço dos rolos – sempre de papelão. Nada apropriado para função limpeza.

Bom não esquecer que, embora no século 21, por obra do mesmo atormentador, aqui ainda são raras as duchas higiênicas nos banheiros públicos ou coletivos. E ducha, ainda coisa do canhoto, molha. Assim, também não dispensa o uso do, naquele momento, sagrado papel higiênico.

Call Center não é coisa do chifrudo?

Correntes de oração e assemelhados também são armação dele. Seguro.

Gente que encontra você na porta do banheiro e emenda conversa sobre as razões do Bigbang não é coisa do maldito?

Publicidade que precede a notícia na internet não é ação direta do das trevas?

Ofertas de serviços em ligação para o seu celular – qualquer hora do dia e insistente - é demanda dele, vá?

Olhos grudados no celular na mesa de refeição é outra satanice.

Declaração de IR é coisa do tinhoso. Crise, reforma da previdência, mau humor, fanáticos de todas as vertentes, sala de espera de médico – marca pras 15H, atende às 20h -, aeroporto lotado, taxi com rádio ligado em pregação de pastor ou padre, carro da pamonha, criança chorando em avião, gente que você pergunta como vai? e conta como vai a família inteira... Tudo ação direta do chifrudo, que fica lá, na espreita, às gargalhadas.

Só pode.

O jurupari, pai do mal, danado, tentador montou barraca neste 2016. Desfez e fez. Inferniza. Aqui e alhures. E, ainda por cima, por sorteio das profundezas, dessa vez veio de véio e com preferência pela letra T. Ele, no detalhe.


Ante a onda de populismo nacionalista

Aqui está o novo desafio: enfrentamos a globalização da antiglobalização, a frente popular dos populistas, a internacional dos nacionalistas. “Hoje, os Estados Unidos; amanhã, a França”, tuíta Jean-Marie Le Pen. Uma luta longa e difícil nos espera, em casa e no estrangeiro, e talvez tenhamos que passar o título de “líder do mundo livre” dos Estados Unidos para a Alemanha. Mas os derrotaremos.

A Rússia de Vladimir Putin se parece muito com o fascismo. A Turquia de Recep Tayyip Erdogan está passando rapidamente da democracia autoritária ao fascismo, e a Hungria de Viktor Orban já é uma democracia autoritária. Na Polônia, França, Holanda, Reino Unido e agora EUA devemos impedir que se ultrapasse o limite que separa a democracia liberal da autoritária. No Reino Unido, isso significa defender a independência da justiça, a soberania do Parlamento e o poder imparcial da BBC. Nos Estados Unidos, vamos presenciar o teste mais difícil para um dos sistemas democráticos de controles e equilíbrios mais sólidos e antigos. Embora os republicanos dominem o Congresso e, infelizmente, o presidente Donald Trump possa fazer nomeações políticas fundamentais no Supremo Tribunal, isso não quer dizer que sempre vá conseguir o que quer.

O que vemos em todos esses populismos nacionalistas é uma ideologia que afirma que a vontade expressa diretamente pelo “povo” vale mais que todas as demais fontes de autoridade. E o líder populista identifica a si mesmo (ou a si mesma, no caso de Marine Le Pen) como a única voz desse povo. Quando Trump diz: “Eu sou a sua voz” está usando uma típica frase populista. Igual à primeira página do The Daily Mail quando acusa de serem “inimigos do povo” os três juízes britânicos que decidiram que o Parlamento deve votar sobre o Brexit. Como o primeiro-ministro turco, quando rejeita as afirmações da UE de que, com sua brutal repressão da liberdade de imprensa, cruzou uma linha vermelha, e diz que “o povo é quem traça as linhas vermelhas”.

Quando se examina isso em detalhes, vê-se que “o povo” – Volk seria um termo mais exato – não é, na realidade, mais que uma parte do povo. Trump encarnou à perfeição essa encenação populista em uma frase espontânea pronunciada durante um comício de sua campanha. “A única coisa importante é a unificação do povo”, disse, “porque os demais não contam”. Os demais: curdos, muçulmanos, judeus, refugiados, imigrantes, negros, elites, especialistas, homossexuais, ciganos, cosmopolitas urbanistas e juízes gays e eurófilos. Nigel Farage anunciou que o Brexit era uma vitória para as pessoas normais, as pessoas decentes, as pessoas de verdade: ou seja, que os 48% que votaram nãono referendo não eram nem normais nem decentes nem de verdade.

A história nos ensina algo sobre esses fenômenos, sobre as ondas que surgem mais ou menos ao mesmo tempo em distintos lugares, em distintas variantes nacionais e regionais, mas com características comuns? O populismo nacionalista de hoje, o liberalismo globalizado (o neoliberalismo) dos anos noventa, o fascismo e o comunismo dos anos trinta e quarenta, o imperialismo do século XIX. Talvez nos ensine duas lições: que essas coisas demoram certo tempo para serem resolvidas e que, para fazer com que a onda retroceda (quando são ondas que convém fazer retroceder) é preciso coragem, empenho, consistência, o desenvolvimento de uma nova linguagem política e novas respostas políticas a problemas reais.

Um grande exemplo é a combinação da economia de mercado e o Estado de bem-estar que se desenvolveu na Europa Ocidental a partir de 1945. O modelo, que conseguiu pôr fim às ondas do comunismo e do fascismo, necessitou do gênio intelectual de John Maynard Keynes, a sabedoria de um William Beveridge e a perícia política de gente como Clement Attlee. Além de outros nomes nas diferentes versões adotadas em outros países. De qualquer modo, o desenvolvimento de um novo modelo requer tempo.

Devemos, pois, nos preparar para uma luta prolongada, talvez geracional. Não estamos ainda num mundo pósliberal, mas talvez cheguemos a estar. As forças que movem a frente popular do populismo estão em alta, muitos partidos tradicionais estão debilitados, e não se dá a volta a uma dessas ondas da noite para o dia. Para começar, temos de defender o pluralismo. Também temos de compreender as causas econômicas, sociais e culturais que fazem com que as pessoas votem nos populistas. Temos de buscar – não só a esquerda, mas também os liberais, conservadores moderados e criadores de opinião de todo tipo – uma nova linguagem que atraia, em conteúdo e emoções, esse amplo setor do eleitorado populista que não é irremediavelmente xenófobo, racista e misógino (por exemplo, tratar de não chamá-los de “miseráveis”).

Mas é evidente que a retórica por si só não basta. Quais são as políticas acertadas? São verdadeiramente os acordos de livre comércio e a imigração os que estão tirando postos de trabalho? É a tecnologia? Neste último caso, o que podemos fazer?

No plano internacional, o primeiro desafio é impedir a erosão dos elementos atuais da ordem internacional liberal, por exemplo, os acordos sobre mudança climática que foram tão custosos ou os de livre comércio. Como filosofia, é possível que o presidente chinês, Xi Jinping, dê as boas-vindas a um mundo trumpiano de Estados soberanos fortes, firmes e nacionalistas, mas, na prática, os dois dirigentes precisam estar conscientes de que a volta ao nacionalismo econômico dos anos trinta –Trump, durante a campanha, prometeu tarifas de 45% sobre os produtos importados da China – seria um desastre para todos. A única coisa boa de uma internacional de nacionalistas é que é uma contradição em si mesma.

Temos de confiar em que a política externa e econômica da nova Administração esteja em mãos de pessoas sérias e experientes, por mais repugnância moral que Trump nos cause. Chegou o momento de cobrir o nariz e a “ética da responsabilidade” de Max Weber. Ainda assim, é provável que nos encontremos diante de uma presidência grandiloquente, errática e imprevisível.

Por isso mesmo, as demais grandes democracias do mundo – todas as democracias nacionais da Europa, o Canadá, Austrália, Japão, Índia – precisam assumir uma carga muito maior. Se nós, europeus, pensamos que é vital que os Estados bálticos estejam protegidos contra qualquer possível agressão da Rússia, temos de fazer o possível, por meio da OTAN e da UE, para garantir isso. Não podemos confiar em um Trump que se dedica a elogiar Putin. Se nós, europeus, achamos que é importante que a Ucrânia continue sendo democrática e independente, teremos de nos ocupar de conseguir isso. Dado que o Reino Unido se marginalizou, como consequência de sua própria variante de populismo nacionalista, os eleitores franceses e alemães vão ter uma responsabilidade especial. Se, no final do ano que vem, tivermos na França um presidente Alain Juppé e na Alemanha uma chanceler Angelar Merkel reeleita, é possível que a Europa possa cumprir o papel designado.

A resposta mais digna que vi à eleição de Trump é, de longe, a que Merkel deu. “A Alemanha e os Estados Unidos”, disse, “estão unidos pelos valores da democracia, da liberdade e do respeito à lei e à dignidade humana, independentemente da origem, cor de pele, religião, gênero, orientação sexual ou ideias políticas. Ofereço ao próximo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, uma estreita cooperação baseada nesses valores.” Magnífico.

A expressão “líder do mundo livre” costuma ser ouvida em referência ao presidente dos Estados Unidos, e com frequência em tom irônico. Estou tentado a dizer que a líder do mundo livre, hoje, é Angela Merkel.

A Pantera Cor de Rosa


O que conta é o que se destrói

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Bento Rodrigues (Minas Gerais)
Não é o que construíram. É o que destruíram. Não são as casas. São os espaços entre as casas. Não são as ruas que existem. São as ruas que já não existem
James Fenton, "A german requiem".

Brexit à americana

Alguns meses atrás, a Inglaterra votou pela saída da União Europeia. Foi o Brexit. Depois se arrependeu. Ninguém quis assumir a saída. Hoje o resultado do plebiscito seria diferente.

Agora um fenômeno semelhante aconteceu nos Estados Unidos: Donald Trump venceu as eleições. Ele é um isolacionista. Defende o encolhimento dos norte-americanos em relação ao mundo, a ponto de ter sugerido a criação de um muro na fronteira com o México – e prometido enviar a conta para os mexicanos. Também fez declarações racistas, antifemininas, homofóbicas, xenofóbicas, antirreligiosas. Seu lema é fazer os Estados Unidos grandiosos outra vez. À custa de muita gente, pelo visto.

Há dois aspectos aqui: a retórica de campanha e a personalidade de Trump. Muito do que ele disse, logo será descartado como exagero do calor da disputa, como já aconteceu em relação às piadas machistas que ele contou. Conversa fiada, descartou ele. No entanto, Trump é arrogante, narcisista, cioso de seu sucesso. Encarna bem o tipo “winner”. A frase que o tornou conhecido foi “você está despedido!”, em que ele exercia o papel de mando sem pejo, embora num programa de televisão. Nacionalista extremado, acha que seu país, por ser o mais forte, é também o melhor. Ganhou o jogo da seleção natural. Portanto, suas ideias e seus princípios são os melhores. Essa lógica não tem lógica, mas é usada. E ele acredita nela.

Se apelar para essa pseudossuperioridade, essa agenda de povo escolhido, poderemos ter sérios problemas na ordem mundial. Ameaças à paz poderão ocorrer. Trump, mais do que Putin, me lembra muito o atual presidente da Coreia do Norte, Kim Jong-Un. Além dos horríveis cortes de cabelo, têm em comum o vocabulário de desafio, de guerra. Enquanto Kim fala apenas para manipular seu povo, Trump terá armas de fato à disposição. E, em tese, poder para usá-las.

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Ele, no entanto, se diz isolacionista. Não quer saber do mundo. Vai cuidar de seu país, tirar de lá os ilegais, acabar com o sistema previdenciário, caçar os pouco patrióticos. Veremos.

Todo presidente norte-americano age de maneira mais ou menos igual. O Prêmio Nobel da Paz Obama foi um guerreiro, jogou bomba em muitos lugares, matou inocentes, só não divulgou os números com ênfase. Seus antecessores fizeram o mesmo, com muito barulho na mídia. Trump conta com um Congresso que o apoia, mas não lhe dará carta branca para qualquer ação. Para governar, deverá ceder. Mesmo dentro de seu partido, uma boa parte o rejeitou. Ele, entretanto, não é burro. Saberá negociar.

O mundo está em choque. Bolsas caem, todos se perguntam o que aconteceu, preveem o pior. Trump logo se tornará conciliador. Como empresário, sabe que precisa cativar a mídia, amansar o público, blefar. Depois agirá, e o verdadeiro Trump virá à tona. Trump, em inglês, quer dizer contar bravata. Esperemos que toda a ameaça que agora o mundo sente não passe disso. Uma bravata de mau gosto.

Luís Giffoni 

Política e imprensa em tempos de internet

Convidado a participar de um evento acadêmico sobre a crise política, coube-me, entre outras questões, discutir o impacto das novas tecnologias de comunicação e o papel da imprensa. O convite levou-me a recuperar a introdução que escrevi para um pequeno livro sobre política e jornalismo, editado na virada dos anos 70 para os anos 80, quando os governos militares distribuíam notas secas aos jornais comunicando o que não podia ser publicado. No texto afirmei que a liberdade de imprensa sempre enfrentou ameaças ao longo da História, sobrevivendo a todas elas. Também disse que, por mais que o espírito de liberdade sobreviva sob os mais opressores regimes políticos, as pressões contra ele não desaparecem.

Thought-Provoking Satirical Illustrations by Pawel Kuczynski:
Pawel Kuczynski
Na época em que escrevi o prefácio, a preocupação era com os temas da mentira e da censura, comuns aos períodos históricos em que os jornais são obrigados a divulgar não sua leitura dos acontecimentos, mas sinopses oficiais. Inspirado em Hannah Arendt, lembrei que o problema da mentira é que ela só é eficiente quando o mentiroso sabe a verdade que quer esconder. O campo da política é o do pensamento plural e seu terreno não é o da evidência, dizia ela, mas o do acordo e do consentimento, que pressupõem liberdade, participação, conflito, diálogo e negociação. Como o pensamento político é eminentemente representativo, consentimento sem liberdade é viciado e acordo sem conflito é escamoteação ideológica. Ainda nessa linha de raciocínio, política e jornalismo são atividades que se implicam e só se articulam quando existe um mundo público e, por extensão, um campo para o exercício da liberdade. Quando a hipocrisia, o conformismo e enviesamentos ideológicos se sobrepõem ao vigor moral, à participação e à crença na dignidade humana, é preciso buscar o sentido do espírito de liberdade, que se expressa por independência, combatividade e poder de crítica.

Relendo aquele texto, escrito quando não havia internet e os movimentos sindicais e estudantis recorriam ao mimeógrafo para divulgar opiniões, fica claro que a imprensa exercia um papel que hoje é ameaçado pelas novas tecnologias de comunicação. Em outras palavras, jornais e revistas supervisionavam as fronteiras entre o espaço público e os espaços sociais, entre as conversações e as informações. O espaço público tradicional relegava à sociedade a função de audiência, filtrando informações e opiniões. Com a internet, concebida não para que um emissor se dirija a uma massa acrítica de receptores, mas para facilitar e agilizar as comunicações entre eles, a verticalidade entre jornalistas e leitores vem sendo substituída por novas formas de relações entre o mundo das conversações e o mundo das informações. Dito de outro modo, a verticalidade entre jornalistas e sua audiência cedeu lugar a redes de comunicação que horizontalizaram o espaço público. A internet propiciou assim uma significativa ampliação do espaço público, que cada vez menos é filtrado por jornalistas e políticos profissionais. Como lembra Daniel Innerarity, da London School of Economics, em seus ensaios sobre a política em “tempos de indignação”, não há nenhuma palavra pública imune a críticas, nem autoridades governamentais capazes de impor o silêncio absoluto.

Com as novas tecnologias de comunicação eletrônica, a imprensa enfrenta dificuldades para atuar como ponte entre os leitores e o mundo

No lado positivo, esse processo multiplica o intercâmbio de opiniões e amplia o campo do debate democrático, oferecendo amplas possibilidades para a transformação da política. No lado negativo, ele não é imune a todo e qualquer tipo de risco, como difusão de mentiras e difamações, achaques a reputações, desmoralização de adversários e os perigos da personalização dos conteúdos por parte dos sites de buscadores, como o Google. À medida que esses sites conhecem as preferências dos usuários e se empenham em oferecer serviços sob medida para seus gostos sociais, inclusive notícias e resultados de pesquisas, a internet intensifica de tal modo suas preferências que eles acabam não tendo acesso a opiniões diferentes nem recebendo informações que poderiam desafiar ou alargar, de forma crítica, suas visões de mundo.

Além da horizontalização do espaço público, as redes sociais viabilizadas pela internet são descentralizadas, dada a conectividade entre entidades estudantis, movimentos sociais e coletivos, a proliferação das chamadas organizações de “perímetro aberto – com facilidade de entrar e de sair e com critérios porosos de pertencimento – e o questionamento contínuo das autoridades hierarquizadas do poder público, disseminando, estimulando a ideia de auto-organização. Pelas críticas, controles recíprocos e troca incessante de informações em tempo real, muitos participantes das redes sociais creem na possibilidade de uma vida em grupo sem a necessidade de uma autoridade central – o que tem sido visto nas ocupações de escolas públicas por estudantes do ensino médio.

Quando redigi o prefácio do livro sobre política e jornalismo, o que se esperava da imprensa era que cumprisse de modo equilibrado e responsável o papel de iluminar e enfatizar a importância do mundo público. O que se esperava era que atuasse como um mecanismo de articulação política fundamental ao processo de conversão do pluralismo de valores políticos em decisões coletivas legítimas. Com as novas tecnologias de comunicação eletrônica, a imprensa enfrenta dificuldades para atuar como ponte entre os leitores e o mundo, é certo, ainda que permaneça como memória e espécie de consciência deles. Por sua vez, a internet vai despertando todo tipo de devaneio político – incluídos os mais radicais, como os de inspiração libertária e anarquistas.

Se isso está gerando formas originais e consequentes de experimentação democrática ou se vem estimulando aventuras autoritárias e um ativismo político irresponsável, essa é outra questão.

Paisagem brasileira

Carro de boi, Paulo Daleffi

A agricultura que combate a pobreza é assim

Se 70% de todos os pobres trabalham na agricultura e o mundo tem a meta de erradicar a pobreza extrema até 2030, uma conclusão natural é de que esses camponeses precisam de cada vez mais apoio para aumentar as colheitas e a renda. Mas em que exatamente consiste tal apoio?

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É possível encontrar muitas respostas a essa pergunta enquanto se percorre o interior de Santa Catarina, onde 92% das propriedades são consideradas pequenas (com até 50 hectares). Lá, uma parceria de 30 anos entre o Governo do Estado e o Banco Mundial vem gerando lições que podem ser replicadas em outros países em desenvolvimento.

Na atual fase, o Programa SC Rural, que se estende até junho de 2017, atende a 40.000 pequenos produtores rurais, dos quais 4,800 indígenas e 1,300 jovens. Uma recente avaliação de impacto revela que, em cinco anos, a renda dos beneficiários aumentou 118%, enquanto a dos agricultores não atendidos pelo programa subiu 56%.

Com o que aprendeu em oito meses de um curso para jovens agricultores, Adriano Heerdt conseguiu aumentar a produção de leite, diminuir o custo, melhorar as pastagens e resolver alguns problemas de saúde das vacas de que cuida. A capacitação oferecida pelo SC Rural mistura aulas com atividades práticas, no campo, para levar informações confiáveis a um público que nem sempre tem acesso a educação formal, televisão ou internet.

“Fui aplicando as técnicas que me ensinavam e via que dava certo. Hoje, cada vez mais procuro me aperfeiçoar, porque tudo dá retorno para a gente”, diz Adriano.

A informação sobre melhores práticas, novas tecnologias e oportunidades de mercado hoje é elemento chave para que os agricultores familiares possam competir no mercado de alimentos e aumentar a renda. “Em Santa Catarina, o foco deixou de ser somente em produção agrícola e passou a incluir o agronegócio (ou seja, produção e processamento) e os jovens rurais. Isso deveria ser uma estratégia a seguir no resto do Brasil e no mundo em desenvolvimento”, comenta o economista rural Diego Arias, do Banco Mundial.

Atualmente, cerca de 9,6 milhões de jovens entre 15 e 29 anos vivem da agricultura nos 20 países latino-americanos (2,3 milhões só no Brasil). A cifra regional caiu 20% na última década, segundo o estudo Juventude Rural e Emprego Decente na América Latina, publicado este ano pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

O documento explica que, embora pareça haver um “fenômeno de jovens empreendedores rurais que conseguem fazer um negócio decolar”, tal conquista não é fácil. Esbarra nas dificuldades de infraestrutura do campo e requer, entre outros incentivos, programas de orientação e financiamento para esse público.

Foi exatamente esse apoio que Jaqueline Grapiglia, 25 anos, encontrou para expandir os negócios familiares. Quando o pai conseguiu montar uma padaria em casa por meio do SC Rural, a jovem viu a oportunidade de voltar para o campo. Formada em administração e pós-graduada em gestão estratégica, ela também fez o curso de empreendedorismo para jovens, que financia as melhores ideias elaboradas pelos alunos. Como projeto final, criou uma loja de quitutes rurais e agora sonha abrir um café colonial. “O agricultor só vai ficar no campo se tiver perfil para empreender”, aposta Jaqueline.
Inovação

Com tecnologias simples, já dá para aumentar o rendimento, ter um produto de melhor qualidade, trabalhar em menos tempo e poupar a saúde dos agricultores. Imagine, então, o que é possível fazer com radares, drones e equipamentos mais modernos. Tudo isso ajuda os produtores de grande porte a lidar com as mudanças climáticas e poupar os recursos naturais... mas nada está disponível (ainda) para a agricultura familiar.

Por isso, Santa Catarina criou o Núcleo de Inovação Tecnológica para Agricultura Familiar para reunir os pequenos produtores às startups locais e discutir como é possível levar inovação ao campo com escala e custo acessíveis.

“Meu sonho é ver o pessoal usando a nossa tecnologia, que é nacional e nasceu na universidade”, comenta Vitor Miranda, diretor executivo da Q Prime Engenharia, criada na Universidade Federal de Santa Catarina. A empresa está adaptando para os pequenos agricultores uma máquina de secagem de alimentos (muito usada para erva-mate e outras), que deixa o produto mais homogêneo e economiza energia. “Como é complicado chegar até os agricultores porque é muita gente espalhada pelo estado, o SC Rural pode facilitar esse contato”, conclui Miranda.

Andreia e Paulo Colle cuidam de uma beneficiadora de porco
Quando Andreia Colle e o marido tiveram de fechar o próprio aviário, por não terem condições de cumprir as exigências da grande empresa para a qual vendiam, encontraram no SC Rural a chance de recomeçar com um trabalho mais rentável. Com apoio do programa, eles estruturaram e equiparam uma pequena agroindústria de embutidos de porco, de onde saem salames, torresmos, lombos e outros produtos oferecidos tanto no comércio local quanto na merenda escolar das escolas públicas.

Nos últimos quatro anos, também fizeram cursos que, segundo Andreia, ajudaram os Colle a encontrar seu público-alvo, produzir com mais qualidade e a gerenciar o negócio de forma profissional. O próximo desafio: aumentar a quantidade de pontos de venda, mas sem perder de vista o jeito colonial dos itens produzidos pela família.

Outro tema importante na questão do acesso aos mercados é o da infraestrutura local, para que os agricultores possam escoar a produção com mais facilidade. O SC Rural atuou tanto na melhoria de 400 km de trechos de estradas rurais quanto na das telecomunicações do campo.

Mariana Kaipper Ceratti

Deputados agora querem 'desligar' a TV Justiça

Num instante em que algo como quatro dezenas de parlamentares respondem a inquérito no STF apenas no caso do petrolão, os deputados decidiram aprovar uma lei para desligar a TV Justiça da tomada. Querem impedir a transmissão das sessões plenárias da Suprema Corte nos julgamentos de processos penais e civis. A proposta já foi aprovada na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara. Seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça. Se for aprovada novamente, seguirá direto para o Senado.


O autor do projeto é Vicente Cândido (PT-SP), amigo dos petistas condenados no julgamento do mensalão, que popularizou, por assim dizer, a TV Justiça. O relator é Silas Câmara (PRB-AM). Sem meias-palavas, ele admite que quer apagar os refletores do plenário do Supremo para evitar os efeitos que as luzes provocam sobre as togas. Alega que as transmissões expõem “as entranhas da Justiça”, mostrando o que chamou de “sensacionalismo exacerbado” de alguns ministros. Para o relator, a superexposição ofende “a imagem, a honra e a dignidade da pessoa humana.”

Onde se lê “pessoa humana”, leia-se “réu”. Silas Câmara desqualifica em seu parecer os defensores da tese segundo a qual o interesse público se sobrepõe ao direito à privacidade que os réus poderiam, eventualmente, reivindicar: “Ocorre que esses militantes da mídia livre se esquecem que a garantia de um julgamento isento e imparcial é um direito humano, que se sobrepõe ao direito de informação, ou seja, o interesse público não pode ser maior do que o direito a um julgamento isento.”

Tomado pelos termos do relatório, os deputados parecem dar de barato que o calor dos holofotes derrete a isenção dos ministros do Supremo. Pior: avaliam que o processo de derretimento começa antes do julgamento:

“O cidadão vem sendo condenado a priori e de maneira covarde pela superexposição na mídia, exposição esta que influencia, também, diretamente no resultado do julgamento per se, ao criar o que podemos chamar, ironicamente, de ‘afã condenatório’ por parte de membros do Poder Judiciário que tenham dificuldade em conter eventuais ‘arroubos’ de vaidade, provocados pela súbita notoriedade conferida pela mídia”.

Ironicamente, a proposta anti-transparência vem à luz num instante em que os processos da Lava Jato são julgados na Segunda Turma do Supremo, sem a transmissão da TV Justiça. Apenas processos que envolvem os presidentes da Câmara e do Senado precisam ser obrigatoriamente submetidos ao plenário do tribunal.

Hoje, a exposição tem sido maior na jurisdição de Sergio Moro, em Curitiba. Ali, não há transmissões ao vivo. Mas o juiz da Lava Jato cultiva o hábito de filmar seus interrogatórios, divulgando-os na sequência. Disponíveis na internet, os vídeos revelam que os cofres do Estado vêm sendo assaltados com método pela quadrilha de oligarcas empresariais e políticos. Quem assiste percebe que o melhor detergente contra esse tipo de sujeira é mesmo a luz do Sol.

Sugestão popular à Receita

Odebrecht: Arrogância deu lugar à humildade

Ao trocar a suprema arrogância pela humildade depois de ter sido condenado a quase vinte nos de prisão, Marcelo Odebrecht decidiu mostrar ao juiz Sérgio Moro o mapa do desvio de 7 bilhões de reais que saíram do propinoduto da sua empresa para políticos e afins. Só o Lula, segundo a ISTOÉ, meteu a mão em 8 milhões de reais, dinheiro que lhe foi entregue ao vivo e a cores pelo próprio empreiteiro. A Dilma, que agora tenta passar imagem de boa samaritana, é citada 16 vezes na delação do ex-presidente da Odebrecht que foi ainda mais longe. Disse que ela pediu dinheiro para sua reeleição em 2014 e que o intermediário do caixa dois foi o ministro Palocci, já preso.

É a maior delação premiada do mundo de uma empresa que fatura mais de 130 bilhões de reais e que durante anos deu as cartas no país. Não só Marcelo, mas também seus 80 executivos abriram o bico para o juiz Sérgio Moro e sua equipe que prometem, em contrapartida, aliviar a condenação de todos eles. Em compensação, Moro revela para o Brasil o maior esquema de corrupção de uma organização criminosa que se trasvestiu de partido político para assaltar os cofres públicos. Assustado com o volume de informações obtido pelos procuradores da Lava Jato que o apontam como o chefe da bandidagem, Lula vociferou contra a Polícia Federal, Sérgio Moro e os procuradores, desafiando-os a mostrar provas da sua participação na quadrilha. Coisa de quem continua acuado.
Marcelo Odebrecht chegou à Polícia Federal do Paraná arrotando prepotência. Imaginava que o dinheiro e o poder iriam comprar a consciência dos procuradores e do próprio Moro, como ainda é comum no Brasil. Antes de ser preso, conversou com a Dilma sobre o interesse que tinha na nomeação do ministro do STJ, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas cuja tarefa, ao ser nomeado ministro do tribunal, seria soltar ele e seus comparsas, como denunciou o ex-senador Delcídio do Amaral. O tiro, entretanto, saiu pela culatra quando os próprios pares de Navarro no STJ desconfiaram da armação e bloquearam o habeas-corpus que iria implodir a Lava Jato.

Ao se sentir isolado, Marcelo ainda tentou enfrentar Sérgio Moro. Em alguns depoimentos tratou o magistrado com desdém, menosprezo. Achou que a fortuna, que comprou durante anos políticos e presidentes, dava-lhe o direito à impunidade e a confrontar os investigadores da Lava Jato. Por algum tempo não se deu conta de que enfrentava um lado até então desconhecido da justiça brasileira: um juiz e procuradores sem rabo preso que tinham como objetivo apurar o maior escândalo de desvio de dinheiro de empresas públicas. A ficha de Marcelo só caiu quando o martelo implacável de Moro desabou sobre a sua cabeça, condenando-o à prisão.

Quando for homologado pelo ministro Teori Zavascki até o final deste mês, a delação de Marcelo Odebrecht não deixará pedra sobre pedra. Um dos alvos, como se saberá lá na frente, também é o BNDES que durante os mandatos do Lula e Dilma foi chefiado por Luciano Coutinho. Marcelo Odebrecht contou aos procuradores na delação que Luciano Coutinho e o ex-ministro Guido Mantega eram os intermediários das doações à campanha de Dilma em 2014 que tinham como caixa o BNDES.

As empresas que obtinham financiamento do banco para obras no exterior eram obrigadas a fazer doações ao PT. Lula, o lobista de luxo da Odebrecht, já responde a processo sobre sua influência na liberação desses recursos, mas Coutinho e Mantega ainda conseguem sair de fininho da sala da corrupção até agora. É claro que Lula não agiu sozinho. A aprovação desses empréstimos no exterior teve a participação de Coutinho para liberar o dinheiro para Odebrecht que depois voltava para as campanhas petistas.

Mudar pra valer

O presidente Temer vem, com seu estilo maneiro, empurrando para aprovação a PEC 241 (ou PEC 55), que tem como objetivo a limitação dos gastos públicos e seu congelamento por 20 anos. Sempre que a proposta é criticada ou contestada nos diversos espaços sociais, o próprio presidente Temer tem devolvido como resposta que os que condenam tal medida não tiveram o cuidado de ler seu conteúdo, concebido como único caminho possível de saneamento do orçamento fiscal para que a União possa se reencontrar com a possibilidade de se fazer presente nas responsabilidades básicas e indelegáveis do poder público para com a sociedade.

Contraditório, mas é limitando gastos e congelando suas aplicações por 20 anos que o governo quer se fazer mais eficiente na contraprestação de seus serviços e nas responsabilidades genuínas do Estado, como educação, saúde, segurança e previdência públicas.

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Ninguém em sã consciência pode ser contrário a que se busque, com rigor, a readequação dos gastos feitos pelo poder público, que sustentam irresponsavelmente privilégios todos os dias revelados e nunca coibidos; custeiam aposentadorias injustificáveis, como aquelas de que se tem ciência de funcionários dos Legislativos, do Judiciário em todas as instâncias e das polícias militares dos Estados, todos, como exemplo, em que os absurdos não se limitam apenas aos valores de suas remunerações, mas aos critérios como são concedidas.

As novas gerações em todo o mundo, graças ao avanço da medicina e da tecnologia, viverão mais; além dessa premissa, cálculos atuariais elementares dão conta de que não há como sustentarmos o modelo de aposentadoria que hoje vige no Brasil. Nos Legislativos, nos quais, sabidamente, imperam o abuso e a falta de critério, é possível identificar a forma trapaceira como, para a grande maioria de seus beneficiários, aposentadorias foram construídas. No Judiciário, igualmente. Sempre que comparadas tais remunerações com o conferido a ocupações idênticas na iniciativa privada, constatam-se absurdos revoltantes. E, nas polícias militares, independentemente do Estado da Federação, é possível ver oficiais reformados com menos de 50 anos de idade.

Não há caixa que possa devolver a qualquer de seus beneficiários em aposentadorias muito mais do que recebeu de contribuições. Acrescentem-se ainda os valores de pensões pagos aos cônjuges e descendentes desses aposentados, quando assim justificadas.

Da mesma forma, um senador ou deputado, federal ou estadual não pode se fazer beneficiário de aposentadoria proporcional ao tempo de cumprimento de dois mandatos eletivos, enquanto ao restante da sociedade que trabalha na iniciativa privada se impõe a obrigação de recolhimento de 35 anos de contribuição previdenciária.

Muita coisa tem que ser mudada; a sociedade tem que ir às ruas para exigir justiça nos cortes propostos e que também se operem horizontalmente mudanças profundas nos demais poderes do Estado. A meia-boca, sem atacar na essência, não há como se acreditar em nada. E, pior, estaremos perdendo uma oportunidade histórica de se fazer justiça com o dinheiro público.

Com o fracasso do comunismo e do capitalismo, a solução é o socialismo democrático

Muita gente acreditava que o mundo fosse acabar no ano 2000. A decepção foi grande, porque nada mudou, a população continuou crescendo e passou dos 6 bilhões de habitantes. Mas o que aumentou mesmo foi a pobreza, consolidando uma situação de “brutal desigualdade” que manchou o surgimento do novo milênio, segundo a declaração oficial da Organização das Nações Unidas (ONU). Naquela época, todos já sabiam que o comunismo havia fracassado e não mais existia na Rússia nem na China. Mas esse relatório da ONU no ano 2000 mostrou que também o capitalismo havia fracassado, pois o fosso entre a riqueza total e a miséria absoluta continuou se aprofundando.

Essa tese eu já vinha defendendo desde 1978, quando dirigia a “Revista Nacional”, que circulava encartada em jornais de mais de 20 estados e tinha a maior tiragem da imprensa brasileira. Escrevi naquela época uma série de artigos sob o título “O fim das ideologias”. A repercussão foi intensa, a ponto de provocar discussões formais no curso da Escola Superior de Guerra.

A opção que restou foi o socialismo democrático, que é um mix de capitalismo e comunismo e está demonstrando sua viabilidade como modelo político nos países nórdicos, que já conseguiram chegar a índices satisfatórios de justiça social, qualidade de vida e oportunidades de ascensão para as camadas menos privilegiadas. Trata-se de uma realidade que ninguém pode contestar.

No caso específico do Brasil, que é a oitava economia do mundo e tem a quinta maior população, o que fizemos foi cultivar uma jabuticaba política, criando um regime muito doido, no qual convivem o capitalismo selvagem e o socialismo estatal.

Em entrevista a Mônica Bergamo e Reynaldo Turollo Jr., na Folha, o ministro Luís Roberto Barroso lançou nesta segunda-feira uma interessante frase de efeito, ao se referir ao supersalário de juízes e à apropriação indevida de recursos públicos pelos agentes do Estado.: “O modelo no Brasil não é propriamente capitalista. É um socialismo para ricos”.

Ilustrações sarcásticas criticam a sociedade moderna:
Na verdade, o regime brasileiro nada tem de socialista, mas nada mesmo. Chamar de socialismo o SUS, o Bolsa Família, o ensino público e o Minha Casa Minha Vida, sem a menor dúvida, é um deboche inaceitável. A possibilidade de um estudante pobre entrar numa universidade pública é de apenas 2%. O regime vigente no Brasil é o pior tipo já testado no mundo contemporâneo – um capitalismo sem risco, meramente financeiro, em que os investidores são desestimulados a aplicar recursos em atividades produtivas. Simplesmente investem o dinheiro financeiramente e ficam arrecadando juros sobre juros. São os chamados “rentistas”.
Em seus trabalhos de previsão econômica, há cerca de 150 anos, Karl Marx e Friedrich Engels criaram a expressão “rentier” para denominar o capitalista que não investia em produção, apenas se dedicava a especular.

Daí se originou a palavra “rentista” em português. Marx e Engels previam que a ascensão do “rentismo” derrubaria as atividades produtivas do capitalismo. É exatamente o que está acontecendo hoje no Brasil, que desde o governo do sociólogo ex-marxista Fernando Henrique Cardoso (“Esqueçam o que escrevi”) resolveu inventar o capitalismo tropicalista sem risco, que em poucos anos elevou a dívida pública à enésima potência e causou essa crise sem precedentes.

Não dá para acreditar que FHC tenha lido Marx e Engels. Se o fez, não entendeu nada, porque seu procedimento no governo brasileiro veio apenas a confirmar as previsões da “Teoria da mais valia”, escrita em 1863. E o Brasil, que comprovadamente é o país com maior potencial de crescimento econômico no mundo, está literalmente quebrado.

No meio desse caos, chegam a ser patéticas as críticas a Marx e Engels, pois comumente são atribuídas a esses dois humanistas as atrocidades praticadas por déspotas como Josef Stalin ou Pol Pot. Ora, Marx e Engels eram pacifistas e defensores da liberdade de imprensa, jamais se leu uma única linha deles propondo matar opositores ou censurar jornais.

Está patente que o comunismo não deu certo, mas isso não significa que os dois pensadores estivessem totalmente errados. Pelo contrário. Foi a adaptação de suas teorias que conduziu ao socialismo democrático e à busca do Estado do bem-estar social, que já vigoram nos países nórdicos, enquanto os brasileiros, em termos humanitários, continuam na Idade da Pedra Lascada, com os maiores índices de homicídio do mundo.

O mais importante de tudo isso é lembrar que nada se consegue fora das vias democráticas. Não adianta chamar os militares para ocupar o Planalto e fechar o Congresso. É uma ilusão verdadeiramente obsoleta.

Para olhar para a frente, antes é preciso olhar para trás, estudar os maiores benfeitores da humanidade – os grandes avatares do pensamento filosófico, social e espiritual, que nos influenciam até hoje. Pela ordem de entrada em cena – Krishna na Índia (3 mil anos antes de Cristo); Lao Tse na China (1.300 a.C.); ao mesmo tempo, Moisés no Egito e Oriente Médio (1.291 a.C), Buda na região do Nepal/Himalaia (600 anos a.C.); pouco depois, Confúcio no Nordeste da China (550 anos a.C.); logo em seguida, Sócrates na Grécia (469 a.C.); o próprio Jesus Cristo na Palestina, com a abertura da atual nova Era; e Maomé (570 depois de Cristo).

Para mim, ser comunista é comungar com todos os avatares e compreender a mediocridade dos seres humanos, que 5 mil anos depois de Krishna continuam se deixando levar pelos interesses individuais, ao invés de se curvarem à prevalência dos interesses coletivos. Na nossa era, por enquanto é conveniente seguir o exemplo do socialismo democrático dos países nórdicos, pois o comunismo somente será alcançado daqui a muitos séculos (talvez, milênios). Então, vamos em frente. E que assim seja.