Pawel Kuczynski |
Relendo aquele texto, escrito quando não havia internet e os movimentos sindicais e estudantis recorriam ao mimeógrafo para divulgar opiniões, fica claro que a imprensa exercia um papel que hoje é ameaçado pelas novas tecnologias de comunicação. Em outras palavras, jornais e revistas supervisionavam as fronteiras entre o espaço público e os espaços sociais, entre as conversações e as informações. O espaço público tradicional relegava à sociedade a função de audiência, filtrando informações e opiniões. Com a internet, concebida não para que um emissor se dirija a uma massa acrítica de receptores, mas para facilitar e agilizar as comunicações entre eles, a verticalidade entre jornalistas e leitores vem sendo substituída por novas formas de relações entre o mundo das conversações e o mundo das informações. Dito de outro modo, a verticalidade entre jornalistas e sua audiência cedeu lugar a redes de comunicação que horizontalizaram o espaço público. A internet propiciou assim uma significativa ampliação do espaço público, que cada vez menos é filtrado por jornalistas e políticos profissionais. Como lembra Daniel Innerarity, da London School of Economics, em seus ensaios sobre a política em “tempos de indignação”, não há nenhuma palavra pública imune a críticas, nem autoridades governamentais capazes de impor o silêncio absoluto.
Com as novas tecnologias de comunicação eletrônica, a imprensa enfrenta dificuldades para atuar como ponte entre os leitores e o mundo
No lado positivo, esse processo multiplica o intercâmbio de opiniões e amplia o campo do debate democrático, oferecendo amplas possibilidades para a transformação da política. No lado negativo, ele não é imune a todo e qualquer tipo de risco, como difusão de mentiras e difamações, achaques a reputações, desmoralização de adversários e os perigos da personalização dos conteúdos por parte dos sites de buscadores, como o Google. À medida que esses sites conhecem as preferências dos usuários e se empenham em oferecer serviços sob medida para seus gostos sociais, inclusive notícias e resultados de pesquisas, a internet intensifica de tal modo suas preferências que eles acabam não tendo acesso a opiniões diferentes nem recebendo informações que poderiam desafiar ou alargar, de forma crítica, suas visões de mundo.
Além da horizontalização do espaço público, as redes sociais viabilizadas pela internet são descentralizadas, dada a conectividade entre entidades estudantis, movimentos sociais e coletivos, a proliferação das chamadas organizações de “perímetro aberto – com facilidade de entrar e de sair e com critérios porosos de pertencimento – e o questionamento contínuo das autoridades hierarquizadas do poder público, disseminando, estimulando a ideia de auto-organização. Pelas críticas, controles recíprocos e troca incessante de informações em tempo real, muitos participantes das redes sociais creem na possibilidade de uma vida em grupo sem a necessidade de uma autoridade central – o que tem sido visto nas ocupações de escolas públicas por estudantes do ensino médio.
Quando redigi o prefácio do livro sobre política e jornalismo, o que se esperava da imprensa era que cumprisse de modo equilibrado e responsável o papel de iluminar e enfatizar a importância do mundo público. O que se esperava era que atuasse como um mecanismo de articulação política fundamental ao processo de conversão do pluralismo de valores políticos em decisões coletivas legítimas. Com as novas tecnologias de comunicação eletrônica, a imprensa enfrenta dificuldades para atuar como ponte entre os leitores e o mundo, é certo, ainda que permaneça como memória e espécie de consciência deles. Por sua vez, a internet vai despertando todo tipo de devaneio político – incluídos os mais radicais, como os de inspiração libertária e anarquistas.
Se isso está gerando formas originais e consequentes de experimentação democrática ou se vem estimulando aventuras autoritárias e um ativismo político irresponsável, essa é outra questão.
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