segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Percepção e realidade

A imagem da herança recebida pelo governo Temer é a de terra arrasada. Eis uma descrição precisa da realidade. Os pilares da economia, que foram construídos pelo governo Fernando Henrique e preservados no primeiro governo Lula, foram destruídos. Não há Estado que possa se sustentar sem fundamentos econômicos sólidos.

O PIB alcança queda acumulada de 7,5% em três anos, a inflação fugiu do controle na era petista, a responsabilidade fiscal foi literalmente para o espaço, estatais, como a Petrobras, foram vítimas de saqueio, o Estado foi partidariamente apropriado, e a corrupção tornou-se sistêmica e ideológica. É como se tudo valesse para que a hegemonia petista pudesse ser conservada.

Socialmente, o desemprego atinge 12 milhões de pessoas e a subocupação, segundo o IBGE, é superior a 22 milhões. A renda familiar foi drasticamente reduzida. A ascensão social não foi apenas interrompida, mas esse mesmo contingente populacional está voltando para as classes D e E. Uma verdadeira catástrofe.

veronezi

Quem conheceu a mobilidade social, para cima, vive, agora, dramaticamente o pesadelo do sonho frustrado. Expectativas sociais não foram realizadas. Quem conheceu uma melhor situação social vê-se nas agruras da redução de renda. Imóveis e automóveis são devolvidos, os planos de saúde privados foram abandonados, e a escola privada já não é mais frequentada. As famílias vivem uma péssima realidade.

Enquanto isto, o petismo, apesar de ter sofrido uma derrota clamorosa nas eleições municipais, tornando-se um partido médio, sem expectativas futuras imediatas, debatendo-se com sua própria sobrevivência, continua vivo no imaginário social. Para ele, e para os convencidos por esta narrativa, é como se o novo governo representasse o atraso e a perda dos “direitos sociais”. Como se o atraso não fosse a devastação econômica e a perda de direitos sociais, como o desemprego, não fosse já tangível.

Contudo, nas redes sociais continua vigorando uma narrativa de “perda social”, de “redução dos direitos”, sem que o novo governo tenha conseguido contrapor-se, até agora, a esta percepção. Os instrumentos do imaginário petista, particularmente presentes entre certos formadores da opinião pública, como jornalistas, professores, intelectuais, acadêmicos e artistas, produziram resultados eficazes.

O governo Temer conseguiu uma significativa vitória na Câmara dos Deputados, fazendo aprovar com folga a PEC 241, porém não obteve o mesmo sucesso no debate público das redes sociais, onde o PT conseguiu impor uma certa narrativa. A “PEC da vida” mesmo do Estado tornou-se, segundo esta percepção ideológica, a “PEC da morte”.

Não haverá redução nenhuma, por exemplo, nas áreas da saúde e educação, cujos orçamentos continuarão a ser corrigidos segundo a inflação do ano anterior. Ademais, vinculações orçamentárias não são nenhuma garantia de qualidade dos serviços, onde, muitas vezes, a corrupção continua grassando. Há um certo contentamento burocrático na garantia de um orçamento fixo, pois nenhum esforço de gestão e de melhor aproveitamento dos recursos é exigido.

Eis a realidade, porém não necessariamente a percepção pública a acompanha, sobretudo a imperante nas redes sociais. Nestas, a narrativa petista sobre a PEC 241 é hegemônica. Em linhas gerais, a tese difundida é a seguinte:

1) a PEC retira direitos dos brasileiros, reduz investimentos em saúde e educação;

2) ela é a prova dos interesses escusos daqueles que promoveram o “golpe”;

3) ela prova que foi um “golpe”;

4) ela prova que o Brasil está dividido entre aqueles que querem o bem do povo e aqueles que, literalmente, querem o mal do povo. Simples assim e falso assim!

Neste ambiente, setores importantes do funcionalismo público procuram fazer valer os seus privilégios, que são, nada mais, do que direitos exclusivos, que valem apenas para poucos, os que conseguem impor os seus interesses. As corporações estatais acostumaram-se, nos últimos anos, a sobrepor os seus privilégios aos direitos dos demais cidadãos, como se existissem subclasses da cidadania.

Claro que tal postura se apresenta como politicamente correta, seja ancorando-se neste imaginário petista, seja em pretensos argumentos jurídicos segundo os quais o Executivo estaria invadindo competência dos outros poderes, como apresentados pelo Ministério Público. São grupos que pretendem se colocar acima do bem coletivo, exigindo dos outros sacrifícios e não fazendo nenhum.

Não é possível que nenhum Estado — ou família — sobreviva gastando mais do que ganha ou arrecada. Um dia a conta chega. Ela pode chegar, numa empresa, sob a forma da falência, nas famílias, sob a forma da inadimplência, e no Estado, sob a forma de não honrar salários ou a Previdência, além de apresentar serviços públicos de má qualidade.

Certamente, um dos maiores desafios do governo Temer consiste em quebrar essa lógica das corporações, públicas e privadas, que se acostumaram a tratar a coisa pública como se fosse, deles, privada.

A PEC do teto dos gastos públicos vai na direção correta, porém faltam medidas complementares como a da reforma da Previdência, igualando, por exemplo, os funcionários públicos aos trabalhadores privados, e estabelecendo a igualdade de gênero em uma idade mínima para a aposentadoria, que leve em conta os avanços da longevidade dos brasileiros nas últimas décadas.

Cumpre igualmente levar a cabo uma modernização da legislação trabalhista, que seja condizente com o mundo digital e profundamente transformado do século XXI. Nossa legislação tem sua inspiração no final do século XIX e início do século XX, tal como foi influenciada pelo positivismo e, depois, pela concepção das corporações dos anos 30 do século passado.

Tudo isto custa muitos esforços, mudança de percepções e mentalidades, exigindo sacrifícios que devem ser compartilhados por todos. Nenhuma corporação ou grupo social pode se considerar acima dos interesses públicos.

Denis Lerrer Rosenfield 

Crimes abençoados


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Nós erramos. O golpe foi possível também devido aos nossos erros. Em 13 anos, não promovemos a alfabetização política da população. Não tratamos de organizar as bases populares. Não valorizamos os meios de comunicação que apoiavam o governo nem tomamos iniciativas eficazes para democratizar a mídia
Frei Betto

Será que o PT consegue se pensar sem incidir na lei das organizações criminosas?

O PT, leiam post anterior, está procurando meios de se… renovar.

É mesmo?

Querem um exemplo de quão perdido está o partido? Tomem o caso de Tarso Genro. Em 2005, quando explodiu o mensalão, ele defendeu, ora, ora, a refundação do partido. Assumiu pouco depois a presidência da sigla. Refundou o quê? Nada. Em 2006, vai para o Ministério das Relações Institucionais e, no ano seguinte, para o da Justiça, onde ficou até 2010.

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Aquele que se queria o “refundador” passou a repetir a bobajada de que o mensalão era uma tentativa de “golpe” das elites, conversa mole que foi repetida agora, com o petrolão. Pois é… Tarso, membro da corrente “Mensagem ao Partido”, volta agora a falar em “refundação”. E que mensagem nova ele traz?

Ora, vimos isso há meros três meses. Em carta aberta aos petistas, o doutor recomendou que o PT se mantivesse longe da disputa pela presidência da Câmara e censurou os companheiros de partido que apoiaram a candidatura de Rodrigo Maia. Num dado momento, escreve:
“Esta crise não foi inventada pela mídia nem pelos Procuradores. A mídia oligopolizada e uma parte não significativa, em termos quantitativos, do Judiciário e de outros aparatos do Estado – opositores radicais do projeto que representamos – souberam, isto sim, manipular nossos erros políticos, equívocos de gestão e mesmo a ilusória sensação de impunidade (que às vezes leva ao delito), que afetou em alguma medida parte de companheiros nossos. Manipulando contra toda a evidência, porém, vincularam artificialmente a Presidenta à corrupção e assim promovem a sua derrubada, colocando no Poder uma Confederação de Denunciados e Investigados.”
Alguém poderá dizer: “Bem, é melhor do que Rui Falcão, que não admite erro nenhum”. Ora, a questão é saber o que Tarso propõe como profilaxia para aquilo que chama “nossos erros”. Mais: que renovação seria essa que parte do princípio de que existe uma “mídia oligopolizada” e de que a queda de Dilma e a derrocada do PT decorrem da oposição que setores da sociedade brasileira fazem a seu “projeto”.

Qual projeto?

O PT é um paciente terminal, entre outras razões, porque seus doutores se negam a enxergar a doença. Há uma boa possibilidade de que assim seja porque o partido só entende a própria estruturação e a própria configuração segundo aquilo que a lei define como “organização criminosa”.

Nesses termos, não pode haver refundação, autocrítica ou mea-culpa.

PT transformou a EBC em covil de malandros

Não devemos culpar apenas o PT pelo descalabro na EBC – Empresa Brasil de Comunicação – que administra a TV Brasil, traço de audiência. Ali sempre foi um depósito de parasitas, apaniguados e refúgio para os apadrinhados de políticos. Descobre-se agora que no governo da Dilma centenas de funcionários fantasmas transformaram a empresa em um birô panfletário. De lá de dentro, os adeptos do partido disparavam notícias contra o impeachment e faziam apologia do PT, o partido que se transformou numa organização criminosa, cujo capo, sabe-se agora, era o ex-presidente Luís Inácio da Silva, segundo o Ministério Público.

Como empresa privada, a EBC já teria deixado de existir há muito tempo. É deficitária, desorganizada e virou um depósito de funcionários fantasmas. Sustenta-se até hoje porque o idiota do contribuinte paga os salários dos 2600 empregados concursados e comissionados que vivem devorando a folha salarial da empresa. Como informa Cláudio Humberto, no Diário do Poder, a maioria dos parasitas consumiram do estado 272 milhões de reais apenas em 2015. Isso mesmo, é o que você leu: 272 milhões de reais em salários e benefícios. Um descalabro, um desrespeito com o dinheiro do contribuinte que paga seus impostos para alimentar a mamata daqueles que vivem pendurados no cabide de emprego.
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O atual presidente da empresa, Laerte Rimolli, já demitiu 40 dos 300 funcionários fantasmas que encontrou dentro da EBC, a maioria militantes do PT que transformaram a empresa numa célula de comunicação, com os instrumentos do estado, para difamar e caluniar os críticos do partido a um custo muito alto. Em apenas um mês, em 2015, os servidores da EBC esfolaram o bolso do contribuinte com a retirada de R$ 24,8 milhões de reais dos cofres da empresa.

A bandalheira dentro da EBC se agravou quando ela deixou de se chamar Radiobrás para virar Empresa Brasil de Comunicação durante o governo de Lula. Entre todos os contratos que fez para favorecer algumas produtoras de militantes petistas aprovando projetos duvidosos e de má qualidade, um deles, na área administrativa, salta aos olhos até hoje de funcionários antigos. Trata-se do aluguel de um porão no edifício Venâncio 2000, na época, no valor de 1 milhão de reais por mês.

O local insalubre é uma ameaça aos seus empregados. Não tem saída de emergência, está localizado no subsolo de um dos prédios até então mais deteriorado de Brasília e não se sabe até hoje como foi aprovado para abrigar a empresa e centenas de pessoas que por lá transitam e trabalham diariamente. Não se conhece também quem intermediou o aluguel, que, seguramente, até hoje vive da corretagem.

Laerte Rimolli, um jornalista experiente, que já passou pelas grandes redações do país, precisa escancarar mais ainda a caixa preta da EBC, moralizar e valorizar os servidores que trabalham com honestidade e dignidade enquanto a empresa se mantiver viva. E cobrar na justiça o prejuízo que os comissionados fantasmas – muitos recebendo salários de até 16 mil reais – deu aos cofres públicos se quiser realmente implementar uma política de austeridade na principal empresa de comunicação do governo.

Se a EBC não for moralizada nesta gestão, que reúne profissionais qualificados na área administrativa e na comunicação, que se feche a empresa.

O bolso do contribuinte agradece.

Ceticismo

Sou cético acerca das ciências sociais. Simplesmente não acredito que seja possível a formulação de uma estrutura teórica (marxista, keynesiana, hayekiana, ou seja lá qual for a sua preferência pessoal) capaz de explicar, mesmo que de forma rudimentar, os processos econômicos, quiçá os processos sociais em geral. Os sistemas sociais, além de muito complexos, não são fechados (interagem com outros sistemas) e são caóticos (pequenas variações nas condições iniciais podem causar grandes diferenças no resultado final). Além disso, as ciências sociais não dispõem de modelos teóricos que incorporem, ao mesmo tempo, variáveis políticas, econômicas, tecnológicas, geográficas, climáticas e culturais. E é óbvio que qualquer dessas variáveis pode alterar drasticamente a evolução de uma sociedade. Os processos sociais são, pura e simplesmente, complexos demais para serem modelados.

The Hive is the New Network – Medium:
Logo, qualquer político que afirme dispor de algum modelo teórico ou ideológico capaz de balizar políticas sociais e econômicas de sucesso garantido, sobretudo no longo prazo, ou está mentindo ou está seriamente equivocado. Tome o exemplo das empresas estatais. É verdade que as empresas estatais tendem a ser ineficientes e que estão sujeitas ao achaque de maus governantes (caso da Petrobras e da Eletrobras), mas isso não significa que não existam contextos em que as empresas estatais sejam benéficas ou mesmo necessárias para o desenvolvimento de um país. Às vezes, o setor privado de um país não dispõe de recursos para investir em infraestrutura e energia, e a formação de uma empresa estatal é a única forma viável de resolver o problema. Por outro lado, a privatização de empresas estatais ineficientes e caras pode impulsionar o desenvolvimento de um país. A História está plena de exemplos nos dois sentidos. Chavões do tipo “temos que privatizar” ou “temos que estatizar” são exemplos de arrogância intelectual injustificada ou sintomas de fanatismo.

A verdade é que todos os grandes dogmas da esquerda e da direita são mitos. Afirmações do tipo “só os empreendedores capitalistas irão inovar” são balela. A internet, por exemplo, não foi inventada por empresas privadas buscando o lucro. Foi inventada por cientistas e professores universitários trabalhando para o setor público. E a Nasa, que inovou bastante, é uma agência do governo americano. Por sua vez, a ideia de que “o Estado tem que redistribuir riquezas para compensar os defeitos do sistema capitalista” sequer faz sentido. A que sistema capitalista essa ideia se refere? Se a todos, trata-se de uma ideia equivocada, posto que o sistema capitalista americano dos anos 50 e 60, por exemplo, gerou crescimento com distribuição de riquezas.

A realidade é bem mais complexa do que parece à primeira vista. O máximo que um administrador público pode fazer é estar consciente da falibilidade das teorias sociais em geral, avaliar sem apego ideológico os modelos teóricos e as políticas públicas que tiveram melhor resultado na História recente de sociedades parecidas com a sua, e aplicá-los tentativamente, sempre monitorando os resultados e reavaliando os rumos.

Sabendo que penso assim, o leitor pode imaginar o quão estupefato fico face ao atual debate político brasileiro. Os nossos formadores de opinião, quase todos socialistas ou neoliberais convictos, travam um debate estúpido a partir de posições ideológicas dicotômicas que, acreditam eles, explicam o Brasil e o mundo. Como se a esquerda e a direita radicais exaurissem todas as possíveis formulações teóricas das ciências sociais. Apenas para dar um exemplo: se você acha que a teoria dos jogos é um bom ponto de partida para modelar um dado processo social e emite opiniões a partir dela, as suas opiniões são de esquerda ou de direita? Pois é, nem todas as ideias são reduzíveis às ideologias dominantes...

Do ponto de vista socrático, de quem busca conhecer a própria ignorância, o debate político no Brasil se transformou em um festival inacreditável de besteiras gritadas em tom grandiloquente. O Brasil não precisa de neoliberais ou de socialistas simplórios, polarizados e convictos; o Brasil precisa de uma liderança racional e honesta. Infelizmente, não vejo ninguém assim no horizonte. Sem exceção, não vi um único candidato a prefeito razoável nestas eleições. Uma lástima. Estou tão cético quanto o Brasil quanto sou cético acerca das ciências sociais.
José Padilha

Um pouco de alegria na segunda-feira

Herança imbecil

A pior herança que o lulopetismo deixou para a minha geração foi a personificação da democracia em um líder popular criado por uma engenhosa e bilionária máquina de comunicação.

A geração de meados dos anos 80 começou a ter alguma consciência política em torno dos 15 anos de idade, quando aconteceu uma guinada histórica na vida política do Brasil: Lula chegava à Presidência da República, depois de três duras eleições, com notoriedade mundial e credencial de ser o grande porta-voz das necessidades dos brasileiros necessitados.

Crescemos vendo “programas sociais” serem ampliados, ouvindo que o Brasil era a grande promessa mundial, que fazíamos parte de uma geração testemunha de uma transformação inédita em terras tupiniquins.

Fizeram-nos acreditar que sem Estado somos incapazes de criar arte, que qualquer coisa que carregue o nome “social” é bom, ignorando os mais de sete milhões de famintos, os mais de 12 milhões de desempregados e que apenas 8% da faixa etária trabalhadora compreendem e se expressam plenamente através das letras e dos números.

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Achamos lucro pecaminoso e a estabilidade de um emprego público ideal e atraente porque, afinal, o Estado, essa entidade grandiosa e onipresente e potente, é responsável por todos os nossos sucessos e fracassos — pessoais e sociais.

Nos injetaram altas de doses de propagandas que o Fies era maravilhoso e nos blindaram do fato de que, sem qualidade de ensino e de emprego, o diploma torna-se enfeite na parede e o financiamento, um fardo que gruda nas costas de quase 47% dos estudantes que não conseguem pagar.

Fizeram-nos acreditar que Fies e cotas eram suficientes e nos esconderam que os orçamentos das universidades federais têm tido contingenciamento desde 2014, resultando em um déficit (2015) de R$ 400 mi apenas em nove das 15 maiores do país. Também esconderam que as bolsas dos que insistiam em fazer ciência sempre atrasavam e que a burocracia para o avanço científico e tecnológico era monstruoso.

Os que foram contra a eleição de Tancredo Neves contra os generais no Colégio Eleitoral, a Constituição de 88, o Plano Real, que pediram o impeachment para todos os presidentes desde a abertura democrática, que acharam que um presidente deveria cair porque privatizava demais querem nos convencer de que nunca estiveram no poder durante 13 anos e que crise é culpa de um governo tampão que assumiu por conta de crimes fiscais. Não assumem que Temer no poder é escolha do PT e seus eleitores desde 2010.

Ganham força na retórica de que as contas públicas não têm problema, que corte orçamentário é maldade da elite golpista. Não assumem os golpes bilionários contra o Brasil, para mover essa máquina comunicativa.

O lulopetismo deixou uma geração acreditar que a democracia só vale se jogada pelo jogo do nós contra eles e que qualquer pessoa ou fato que atinja as almas vivas mais caridosas do país, cujo roubo é filantrópico e altruísta, é um golpe contra a democracia.

Thiago Mourão

O bom ladrão

Uma prática comum dos colonizadores ibéricos é que “chegavam pobres às Índias ricas e retornavam ricos das Índias pobres”, nas palavras do Padre Antônio Vieira (1608-1697), o Paiaçu, na língua tupi. Lusitano, passou a vida entre o Brasil (Salvador, Olinda e São Luís) e a Europa (Lisboa e Roma). Ao morrer na Bahia, deixou uma obra que soma 30 volumes. Um de seus sermões mais famosos é o do Bom ladrão, de 1655, proferido na Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), perante D. João IV e sua corte, além dos dignitários do reino, juízes, ministros e conselheiros. Vieira atacou os que se valiam da máquina pública para enriquecer ilicitamente, denunciou escândalos no governo, as gestões fraudulentas e, indignado, criticou a desproporcionalidade das punições nas masmorras do século 17: “Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma viatura, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma força pública, sois governador?”

Depois de conjugar o verbo furtar de várias maneiras durante o sermão — “furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse” —, disparou contra a corte: “São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões, porque os consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e são finalmente seus companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo”. À época de Vieira, a política era uma via de enriquecimento patrimonial, que, por sua vez, permitia o acesso continuado aos cargos públicos.

Desde então, no Brasil, a política se tornou um empreendimento pessoal, familiar e corporativo. A riqueza privada e a vida pública, dialeticamente, se cruzam e se reforçam reciprocamente.


A fusão entre os negócios privados e a gestão pública é um instrumento de perpetuação no poder. Mas esse mecanismo está em xeque devido à Operação Lava-Jato, cuja escala de combate ao chamado “crime de colarinho branco” não tem precedentes. Graças à Constituição de 1988, que conferiu autonomia ao Ministério Público Federal e fortaleceu os órgãos de controle e coerção do Estado, principalmente à Receita Federal e à Polícia Federal.

Há dois tipos de políticos profissionais: os que vivem para a política como bem comum e os que vivem da política como negócio. Ambos têm a política como profissão principal, o que torna essa separação uma fronteira sinuosa. São consequências desse fenômeno os critérios plutocráticos para constituição da camada dirigente dos partidos.

Os partidos que têm mais recursos econômicos elegem mais e têm mais poder. Segundo Max Weber, isso facilita a criação de “uma casta de filisteus corruptos”. A captação de votos e recursos valoriza os “operadores” capazes de montar “estruturas” eleitorais com empregos, dinheiro e poder. Promove as carreiras meteóricas, o troca-troca partidário e os escândalos, muitos escândalos. No lugar dos projetos de nação, que deveriam definir os partidos e seus programas, surgem poderosos projetos pessoais de poder e formaçao de fortuna.

Na sexta-feira, a Justiça de São Paulo aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual contra o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, e o ex-tesoureiro do PT e ex-presidente da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) João Vaccari Neto, além de outras 10 pessoas por irregularidades relacionadas a oito empreendimentos imobiliários.

Vaccari está preso desde o começo da Operação Lava-Jato. Era o típico “operador” do PT. É acusado de associação criminosa, falsidade ideológica e violação à lei do condomínio, que diz que é crime contra a economia popular promover incorporação fazendo afirmação falsa sobre a construção do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção das edificações. Léo Pinheiro é acusado de associação criminosa e estelionato.

A juíza excluiu da ação o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, Fábio Lula da Silva e Igor Ramos Pontes, por entender que a denúncia contra eles, relacionada ao imóvel 164-A do edifício Solaris, foi apresentada pelo Ministério Público Federal e recebida pela 13ª Vara Federal de Curitiba.

Imagem do Dia

Farol de Þrídrangar nas ilhas 
Vestmannaeyjar (Islândia) - foto Gísli Gíslason

Por que as pessoas vivem com medo na Argentina

Milhares de argentinos têm saído às ruas de Buenos Aires para protestar contra a falta de segurança no país depois de uma onda de episódios envolvendo os chamados justiceiros, cidadãos que reagem com violência extrema a assaltos.

A se julgar pelo que é mostrado pelas TVs locais, a Argentina é um país extremamente perigoso. E não é apenas pela televisão que se tem essa ideia. Ao chegar ao aeroporto internacional, um estrangeiro certamente ouvirá de um argentinos o conselho de não usar o celular na rua, ou de que deve manter as persianas de casa fechadas e de evitar caminhar na rua à noite.

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Mas essa percepção não é correspondida pelas estatísticas nacionais, que revelam um dos países mais seguros da América Latina. Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), a Argentina tem uma taxa de 6 homicídios para cada 100 mil habitantes.

Mesmo se considerarmos os números compilados por uma entidade argentina (8,8 homicídios para cada 100 mil, segundo a Associação para Políticas Públicas, entidade independente), a taxa é bem menor que a média da América Latina (19,4 por 100 mil) e do Brasil (32,4 pelos mesmos 100 mil), de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Por outro lado, o país tem uma das mais altas taxas de roubo na América Latina, de 973,3 para cada 100 mil habitantes, acima do Brasil, com 572,7 para cada 100 mil, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Depois de uma série de casos dramáticos que ganharam atenção nas últimas semanas, a insegurança voltou a se tornar uma das maiores preocupações dos cidadãos argentinos (18,4%), quase empatada com corrupção (18,9%) e inflação (18,7%), de acordo com a consultoria Management and Fit.

Na terça-feira, a indignação da população se transformou em um novo protesto em Buenos Aires. Várias organizações sociais convocaram uma manifestação contra "a insegurança, a injustiça e a impunidade".

Não é o primeiro protesto. Pesquisas recentes apontam que poucos argentinos confiam nas autoridades ou sentem que o Estado responde ao clima de insegurança.

O governo do presidente Mauricio Macri aumentou a vigilância e os controles nas fronteiras e nas cidades em níveis inéditos, mas, para especialistas consultados pela BBC, não está claro o que realmente mudou nos últimos 10 anos, já que a Argentina se mantém como um dos países menos violentos da região.

Na Argentina, há mais suicídios ou acidentes de trânsito com vítimas fatais do que homicídios dolosos, um nível que apenas países considerados seguros por órgãos internacionais alcançam.

Segundo o Ministério de Segurança Pública, houve uma redução de 12% do índice de homicídios em comparação a 2003, quando a violência chegou ao nível máximo em meio à crise econômica.

Mesmo na região com mais elevado número de homicídios do país, Santa Fé, para onde o governo enviou 6,2 mil agentes federais em uma medida de emergência na semana passada, a taxa é bem menor do que a brasileira: 12 homicídios para cada 100 mil habitantes.

A taxa de homicídios é a que mais se usa internacionalmente para contabilizar a violência, já que é a mais grave, é irreparável e, sobretudo, tem menos problemas metodológicos. Por isso a taxa de roubos não serve tão bem de parâmetro para medir níveis de violência.

Dos que não sabem dizer 'não', aos que não suportam ouvi-lo

Se, grosso modo, pudéssemos separar dois grupos de espécimes de humanos, poderíamos denominar uma enorme população de “maioria silenciosa”, vulgarmente chamada de “Maria vai com as outras”, e o outro grupo dos chamados “façam o que eu mando”.

Em geral, a sociedade nos treina para sermos bonzinhos, bem-mandados, obedientes. Dizer: “sim” , “pois não”, “é claro”. Andar e agir em manada. Cabeça baixa, sem reclamar e deixando escapar suspiros recheados de falsa fé, do tipo “é Deus quem quer”. Por questões sociais, familiares, nos esforçamos ao máximo para agradar ao outro. Principalmente, se esse outro for importante, rico, chefe, autoridade ou alguém que tememos ou admiramos. Portanto, como dizer não ?! E se... ele me punir? E se... ele me evitar? E se... ele se frustrar comigo? E se... milhões de besteiras?

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Ai de quem não sabe dizer um sonoro “Não!”. Simples assim. Não, pois não gosto; não, pois não quero; não, pois não estou a fim. Agradeço o convite e gosto de você. Mas , simplesmente, não! Que liberdade, que coerência. Na mesma proporção que direi “sim” feliz e entusiasticamente ao que desejo, anseio, sonho fazer ou ser. Pois quem é escravo do temor do julgamento alheio, quem é “Maria vai com as outras”, teme dizer o tal do “não”. Equivale a um terreno baldio. Uns invadem e plantam horta, outros vão lá fazer xixi e jogar lixo. E quer saber? Bem feito! Pois não se iludam. Sempre existe o grupo que adora usar e abusar dos bonzinhos, dos educadinhos, da maioria silenciosa. A turma dos invade terra, grilheiros que adoram um usocapião. Aí que entra os “façam o que mando”: os tiranos, chefes abusadores, donos implacáveis, os autoritários e bravos, os imaturos que não aceitam ouvir o “não”. São os que exploram os bobos transvestidos de bons, os que aceitam os jogos de culpa, gritos, constrangimento. Aqueles que assumem o papel de vítimas das tragédias familiares, os coitadinhos em geral. Os que se calam.

Comedores de sapos, ruminadores de mágoas, sabotadores silenciosos da própria insatisfação. Maioria silenciosa a resmungar maldizendo políticos, cônjuges, filhos, colegas de trabalho. Mas sempre dizendo o que não pensa para agradar, sorrindo falsamente quando gostaria de chorar, fazendo coisas que odeia fazer. Segue a fila, vira manada. Em silêncio. E iluda-se, pois mil vezes que disser “sim” te chamarão de príncipe encantado. Um dia , tomando coragem inédita, finalmente dirá seu primeiro “não”. Quase por encanto, te transformarão num sapo barbudo.

Assim caminha a humanidade. E já que encanto existe para ser quebrado, que tal rever essa baixa auto-estima e na busca de sua libertação dos conflitos intrapsíquicos, buscar um mínimo de coerência: dar a resposta verdadeira a cada estímulo que receber. Mas, lembre-se, vivemos a era da imaturidade. Ninguém quer escutar nada que não seja aquilo que quer ouvir. Então, saiba que há grande chances de ser deletado de redes ou massacrado por ciberbulling. Nada do que não acontece nas chamadas “conversas de vestiário”. Mil vezes melhor o “tô nem aí” do que o tal do infernal e adoecedor “e se...”

E as filhas de servidores que ficam solteiras para ter direito a pensão do Estado?

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Sempre que o país entra em crise econômica, o inquilino que esteja ocupando o eixo Planalto-Alvorada sempre anuncia reformas destinadas a tirar benefícios dos trabalhadores. Nenhum governante realmente se preocupa em enxugar os gastos de custeio da máquina estatal. Não há seriedade no trato da coisa pública. As autoridades até hoje não se deram conta que desde o governo de Fernando Henrique Cardoso os gastos excessivos da administração vêm sendo feitos utilizando recursos da dívida pública, que não tem parado de crescer, tornou-se uma bola de neve nas últimas décadas.

Até o governo Itamar Franco, a situação estava inteiramente sob controle. Mas seus sucessores – FHC, Lula e Dilma – agiram com uma irresponsabilidade gritante, alienante e contagiante, permitindo que a gastança se espalhasse para governos estaduais e prefeituras. Não mais que de repente, diria Vinicius de Moraes, o Brasil pensou que estava rico, sem perceber que apenas havia recebido um talão de “cheque especial”, que lhe seria implacavelmente cobrado com altos juros e correção monetária.

Nossos governantes raciocinam da seguinte forma: vamos gastar agora, porque a conta somente será paga por nosso sucessor. Ou sejam, os eleitores têm escolhido políticos que não levam em conta o interesse público, mas apenas o interesse próprio e a preservação de suas carreiras (e de seus herdeiros pessoais ou partidários). E a culpa não é dos eleitores, porque todos os políticos têm se comportado assim, não importa a que partido ou ideologia pertençam.
Vamos dar alguns prosaicos exemplos de desperdício de gastos públicos. O que justifica a recente contratação de uma assessora em cargo comissionado para a Vice-Presidência da República, se até 1º de janeiro de 2019 o país não terá vice-presidente?

Por que a Presidência da República ainda mantém a chefia de gabinete criada por Lula em São Paulo, para abrigar a amiga Rosemary Noronha, assim como a chefia de gabinete criada em Belo Horizonte por Dilma, para abrigar a também amiga Sônia Lacerda? Qual é a justificativa. Por que essas “repartições” não foram fechadas? E ainda bem que Dilma desistiu da chefia de gabinete em Porto Alegre, que até chegou a criar, com sede luxuosa e tudo mais…

São pequenos gastos que indicam uma tendência de mau uso de recursos públicos, mas os exemplos mais gritantes foram a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, que fizeram a festa de empreiteiros e governantes corruptos. O que o Brasil ganhou com isso? Por que a prefeita de Roma acaba de desistir da Olimpíada, imitando a riquíssima Estocolmo, que abriu mão de sediar os Jogos Olímpicos de Inverno?

Diante da insistência do governo Temer no tocante à reforma previdenciária, lembrei uma matéria do excelente repórter Raphael Gomide na revista Época, em 19/11/2013, que exibe clamorosos abusos que ainda ocorrem, com o beneplácito do Judiciário.

O jornalista denunciou o direito atribuído a filhas solteiras de servidores públicos, que ganham pensão integral quando seus pais morrem. A matéria mostrou o luxuoso casamento da dentista Márcia Brandão Couto, em 1990. Ela se manteve solteira no civil para seguir recebendo a pensão do pai, desembargador José Erasmo Couto, que morrera oito anos antes.

No ano seguinte, o casal teve o primeiro filho. O segundo menino nasceu em 1993. Até hoje, Márcia Machado Brandão Couto recebe do Estado duas pensões como “filha solteira maior”, que em 2015 perfaziam R$ 43 mil mensais. Um dos benefícios é pago pela Rioprevidência, órgão previdenciário fluminense que está falido. O outro pagamento vem do Fundo Especial do Tribunal de Justiça.

Os vultosos benefícios de Márcia chegaram a ser cancelados por uma juíza, a pedido da Rioprevidência, mas a “solteira maior” conseguiu recuperá-los no Tribunal de Justiça do Rio, onde seu pai atuou por muitos anos.

O excêntrico caso está longe de ser exceção. O levantamento inédito feito pelo repórter Raphael Gomide revela que em 2013 as pensões para filhas solteiras de funcionários públicos mortos custam ao menos R$ 4,35 bilhões por ano à União e aos Estados brasileiros. Esse valor, correspondente a 139.402 mulheres, supera o orçamento anual de 20 capitais do país – como Salvador e Recife.

Ao longo de três meses, Época consultou o Ministério do Planejamento e os órgãos de Previdência estaduais para apurar os valores pagos, o número de pensionistas e a legislação. Ao menos 14 Estados confirmaram pagar rendimentos remanescentes para filhas solteiras, embora todos já tenham mudado a lei para que não haja novos benefícios. Hoje, as pensões por morte são dadas a filhos de ambos os sexos até a maioridade e, por vezes, até os 24 anos, se frequentarem faculdade. Santa Catarina, Amapá, Roraima, Tocantins e Mato Grosso do Sul informaram não ter mais nenhum caso. Distrito Federal, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Rondônia e Piauí deram informações incompletas ou não forneceram a quantidade de pensionistas e o valor gasto. Época não conseguiu contato com a Paraíba. É provável, portanto, que os números sejam superiores aos 139.402 apurados e aos R$ 4,35 bilhões.

Essas pensões abusivas estão garantidas pelo direito adquirido, uma importante doutrina que foi completamente esculhambada pelo Judiciário brasileiro, porque não pode existir “direito adquirido” de fraude e canalhice com recursos públicos. A Constituinte Cidadã de 1988 mandou reduzir “imediatamente” todas as remunerações de servidores públicos que estivessem acima do teto constitucional (Art. 17 das Disposições Transitórias). Mas o Supremo, “legislando” em causa própria, reconheceu o direito adquirido dessas pilantragens supostamente legais.

Por essas e outras, o editor da Tribuna da Internet defende a tese de que o maior problema brasileiro é o apodrecimento do Judiciário. Se a Justiça funcionasse a tempo e a hora, interpretando as leis em seu real sentido e evitando prescrições e recursos intermináveis, a administração pública funcionaria melhor, a corrupção diminuiria, os políticos pensariam em atuar pelo bem comum e os criminosos teriam receio de descumprir as leis. Mas quem se interessa?

Carlos Newton