O PIB alcança queda acumulada de 7,5% em três anos, a inflação fugiu do controle na era petista, a responsabilidade fiscal foi literalmente para o espaço, estatais, como a Petrobras, foram vítimas de saqueio, o Estado foi partidariamente apropriado, e a corrupção tornou-se sistêmica e ideológica. É como se tudo valesse para que a hegemonia petista pudesse ser conservada.
Socialmente, o desemprego atinge 12 milhões de pessoas e a subocupação, segundo o IBGE, é superior a 22 milhões. A renda familiar foi drasticamente reduzida. A ascensão social não foi apenas interrompida, mas esse mesmo contingente populacional está voltando para as classes D e E. Uma verdadeira catástrofe.
Enquanto isto, o petismo, apesar de ter sofrido uma derrota clamorosa nas eleições municipais, tornando-se um partido médio, sem expectativas futuras imediatas, debatendo-se com sua própria sobrevivência, continua vivo no imaginário social. Para ele, e para os convencidos por esta narrativa, é como se o novo governo representasse o atraso e a perda dos “direitos sociais”. Como se o atraso não fosse a devastação econômica e a perda de direitos sociais, como o desemprego, não fosse já tangível.
Contudo, nas redes sociais continua vigorando uma narrativa de “perda social”, de “redução dos direitos”, sem que o novo governo tenha conseguido contrapor-se, até agora, a esta percepção. Os instrumentos do imaginário petista, particularmente presentes entre certos formadores da opinião pública, como jornalistas, professores, intelectuais, acadêmicos e artistas, produziram resultados eficazes.
O governo Temer conseguiu uma significativa vitória na Câmara dos Deputados, fazendo aprovar com folga a PEC 241, porém não obteve o mesmo sucesso no debate público das redes sociais, onde o PT conseguiu impor uma certa narrativa. A “PEC da vida” mesmo do Estado tornou-se, segundo esta percepção ideológica, a “PEC da morte”.
Não haverá redução nenhuma, por exemplo, nas áreas da saúde e educação, cujos orçamentos continuarão a ser corrigidos segundo a inflação do ano anterior. Ademais, vinculações orçamentárias não são nenhuma garantia de qualidade dos serviços, onde, muitas vezes, a corrupção continua grassando. Há um certo contentamento burocrático na garantia de um orçamento fixo, pois nenhum esforço de gestão e de melhor aproveitamento dos recursos é exigido.
Eis a realidade, porém não necessariamente a percepção pública a acompanha, sobretudo a imperante nas redes sociais. Nestas, a narrativa petista sobre a PEC 241 é hegemônica. Em linhas gerais, a tese difundida é a seguinte:
1) a PEC retira direitos dos brasileiros, reduz investimentos em saúde e educação;
2) ela é a prova dos interesses escusos daqueles que promoveram o “golpe”;
3) ela prova que foi um “golpe”;
4) ela prova que o Brasil está dividido entre aqueles que querem o bem do povo e aqueles que, literalmente, querem o mal do povo. Simples assim e falso assim!
Neste ambiente, setores importantes do funcionalismo público procuram fazer valer os seus privilégios, que são, nada mais, do que direitos exclusivos, que valem apenas para poucos, os que conseguem impor os seus interesses. As corporações estatais acostumaram-se, nos últimos anos, a sobrepor os seus privilégios aos direitos dos demais cidadãos, como se existissem subclasses da cidadania.
Claro que tal postura se apresenta como politicamente correta, seja ancorando-se neste imaginário petista, seja em pretensos argumentos jurídicos segundo os quais o Executivo estaria invadindo competência dos outros poderes, como apresentados pelo Ministério Público. São grupos que pretendem se colocar acima do bem coletivo, exigindo dos outros sacrifícios e não fazendo nenhum.
Não é possível que nenhum Estado — ou família — sobreviva gastando mais do que ganha ou arrecada. Um dia a conta chega. Ela pode chegar, numa empresa, sob a forma da falência, nas famílias, sob a forma da inadimplência, e no Estado, sob a forma de não honrar salários ou a Previdência, além de apresentar serviços públicos de má qualidade.
Certamente, um dos maiores desafios do governo Temer consiste em quebrar essa lógica das corporações, públicas e privadas, que se acostumaram a tratar a coisa pública como se fosse, deles, privada.
A PEC do teto dos gastos públicos vai na direção correta, porém faltam medidas complementares como a da reforma da Previdência, igualando, por exemplo, os funcionários públicos aos trabalhadores privados, e estabelecendo a igualdade de gênero em uma idade mínima para a aposentadoria, que leve em conta os avanços da longevidade dos brasileiros nas últimas décadas.
Cumpre igualmente levar a cabo uma modernização da legislação trabalhista, que seja condizente com o mundo digital e profundamente transformado do século XXI. Nossa legislação tem sua inspiração no final do século XIX e início do século XX, tal como foi influenciada pelo positivismo e, depois, pela concepção das corporações dos anos 30 do século passado.
Tudo isto custa muitos esforços, mudança de percepções e mentalidades, exigindo sacrifícios que devem ser compartilhados por todos. Nenhuma corporação ou grupo social pode se considerar acima dos interesses públicos.
Denis Lerrer Rosenfield