segunda-feira, 17 de outubro de 2016

E as filhas de servidores que ficam solteiras para ter direito a pensão do Estado?

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Sempre que o país entra em crise econômica, o inquilino que esteja ocupando o eixo Planalto-Alvorada sempre anuncia reformas destinadas a tirar benefícios dos trabalhadores. Nenhum governante realmente se preocupa em enxugar os gastos de custeio da máquina estatal. Não há seriedade no trato da coisa pública. As autoridades até hoje não se deram conta que desde o governo de Fernando Henrique Cardoso os gastos excessivos da administração vêm sendo feitos utilizando recursos da dívida pública, que não tem parado de crescer, tornou-se uma bola de neve nas últimas décadas.

Até o governo Itamar Franco, a situação estava inteiramente sob controle. Mas seus sucessores – FHC, Lula e Dilma – agiram com uma irresponsabilidade gritante, alienante e contagiante, permitindo que a gastança se espalhasse para governos estaduais e prefeituras. Não mais que de repente, diria Vinicius de Moraes, o Brasil pensou que estava rico, sem perceber que apenas havia recebido um talão de “cheque especial”, que lhe seria implacavelmente cobrado com altos juros e correção monetária.

Nossos governantes raciocinam da seguinte forma: vamos gastar agora, porque a conta somente será paga por nosso sucessor. Ou sejam, os eleitores têm escolhido políticos que não levam em conta o interesse público, mas apenas o interesse próprio e a preservação de suas carreiras (e de seus herdeiros pessoais ou partidários). E a culpa não é dos eleitores, porque todos os políticos têm se comportado assim, não importa a que partido ou ideologia pertençam.
Vamos dar alguns prosaicos exemplos de desperdício de gastos públicos. O que justifica a recente contratação de uma assessora em cargo comissionado para a Vice-Presidência da República, se até 1º de janeiro de 2019 o país não terá vice-presidente?

Por que a Presidência da República ainda mantém a chefia de gabinete criada por Lula em São Paulo, para abrigar a amiga Rosemary Noronha, assim como a chefia de gabinete criada em Belo Horizonte por Dilma, para abrigar a também amiga Sônia Lacerda? Qual é a justificativa. Por que essas “repartições” não foram fechadas? E ainda bem que Dilma desistiu da chefia de gabinete em Porto Alegre, que até chegou a criar, com sede luxuosa e tudo mais…

São pequenos gastos que indicam uma tendência de mau uso de recursos públicos, mas os exemplos mais gritantes foram a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, que fizeram a festa de empreiteiros e governantes corruptos. O que o Brasil ganhou com isso? Por que a prefeita de Roma acaba de desistir da Olimpíada, imitando a riquíssima Estocolmo, que abriu mão de sediar os Jogos Olímpicos de Inverno?

Diante da insistência do governo Temer no tocante à reforma previdenciária, lembrei uma matéria do excelente repórter Raphael Gomide na revista Época, em 19/11/2013, que exibe clamorosos abusos que ainda ocorrem, com o beneplácito do Judiciário.

O jornalista denunciou o direito atribuído a filhas solteiras de servidores públicos, que ganham pensão integral quando seus pais morrem. A matéria mostrou o luxuoso casamento da dentista Márcia Brandão Couto, em 1990. Ela se manteve solteira no civil para seguir recebendo a pensão do pai, desembargador José Erasmo Couto, que morrera oito anos antes.

No ano seguinte, o casal teve o primeiro filho. O segundo menino nasceu em 1993. Até hoje, Márcia Machado Brandão Couto recebe do Estado duas pensões como “filha solteira maior”, que em 2015 perfaziam R$ 43 mil mensais. Um dos benefícios é pago pela Rioprevidência, órgão previdenciário fluminense que está falido. O outro pagamento vem do Fundo Especial do Tribunal de Justiça.

Os vultosos benefícios de Márcia chegaram a ser cancelados por uma juíza, a pedido da Rioprevidência, mas a “solteira maior” conseguiu recuperá-los no Tribunal de Justiça do Rio, onde seu pai atuou por muitos anos.

O excêntrico caso está longe de ser exceção. O levantamento inédito feito pelo repórter Raphael Gomide revela que em 2013 as pensões para filhas solteiras de funcionários públicos mortos custam ao menos R$ 4,35 bilhões por ano à União e aos Estados brasileiros. Esse valor, correspondente a 139.402 mulheres, supera o orçamento anual de 20 capitais do país – como Salvador e Recife.

Ao longo de três meses, Época consultou o Ministério do Planejamento e os órgãos de Previdência estaduais para apurar os valores pagos, o número de pensionistas e a legislação. Ao menos 14 Estados confirmaram pagar rendimentos remanescentes para filhas solteiras, embora todos já tenham mudado a lei para que não haja novos benefícios. Hoje, as pensões por morte são dadas a filhos de ambos os sexos até a maioridade e, por vezes, até os 24 anos, se frequentarem faculdade. Santa Catarina, Amapá, Roraima, Tocantins e Mato Grosso do Sul informaram não ter mais nenhum caso. Distrito Federal, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Rondônia e Piauí deram informações incompletas ou não forneceram a quantidade de pensionistas e o valor gasto. Época não conseguiu contato com a Paraíba. É provável, portanto, que os números sejam superiores aos 139.402 apurados e aos R$ 4,35 bilhões.

Essas pensões abusivas estão garantidas pelo direito adquirido, uma importante doutrina que foi completamente esculhambada pelo Judiciário brasileiro, porque não pode existir “direito adquirido” de fraude e canalhice com recursos públicos. A Constituinte Cidadã de 1988 mandou reduzir “imediatamente” todas as remunerações de servidores públicos que estivessem acima do teto constitucional (Art. 17 das Disposições Transitórias). Mas o Supremo, “legislando” em causa própria, reconheceu o direito adquirido dessas pilantragens supostamente legais.

Por essas e outras, o editor da Tribuna da Internet defende a tese de que o maior problema brasileiro é o apodrecimento do Judiciário. Se a Justiça funcionasse a tempo e a hora, interpretando as leis em seu real sentido e evitando prescrições e recursos intermináveis, a administração pública funcionaria melhor, a corrupção diminuiria, os políticos pensariam em atuar pelo bem comum e os criminosos teriam receio de descumprir as leis. Mas quem se interessa?

Carlos Newton

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