Vivemos num mundo marcado pelo proibido e pelo “amanhã” - um futuro que justificava as negativas porque seria vivido como realidade. Menino e moço, eu não fui cidadão na “terra do nunca” como o mítico moderno Peter Pan, mas no país do “não”. Na terra no “não temos”, “não pode”, “não é possível”, “a lei não permite”, “proibido para menores de 18 anos” ao lado do “daqui a pouco eu faço...”. Essas foram as expressões que - sem exagero - eu mais ouvi na minha rotina caseira, escolar e religiosa, bem como quando estava com a minha “turma” na esquina da rua Dr. Romualdo com a avenida Rio Branco, em Juiz de Fora; ou no “muro branco” de Icaraí, aqui em Niterói.
Em casa, eu internalizava o não entrelaçado ao “tenha muito cuidado”, essa outra dimensão da vida moral brasileira. A “turma” que competia com a minha família e aliava a vivência de proibições permanentes me dava uma certa saúde mental, embora tivesse também suas formas de negação e limites. Nela, eu aprendi o significado do pecado e do correto - essas dissimulações do velho não.
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Hoje, eu vejo que esse Brasil do não, do proibido e do amanhã estava centrado numa religiosidade cuja promessa era o paraíso a ser conquistado pelos obedientes, pelos pacientes, pelos que aceitavam o seu lugar - mesmo quando eram escravos, desviantes, marginais ou miseráveis. Neste mundo, tudo é proibido, mas, em compensação, “no céu”, no paraíso, no verdadeiro mundo real que era ironicamente o outro mundo, havia a felicidade eterna ao lado dos anjos, dos santos e de Deus. O paraíso seria a terra sem fronteira do sim.
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Este mundo e o outro formam as margens ideológicas do imenso rio nacional. Num lado, fica o sim da minoria dos que podem fazer tudo; do outro, há o não da maioria proibida de tudo fazer. Seria o carnaval, essa festa sem centro ou sujeito, uma rosiana terceira margem?
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No país do carnaval, há uma pergunta que não quer calar: por que, com toda essa roubalheira abusiva e nessa falência estrutural de serviços públicos essenciais, os brasileiros não reclamam em bloco e o País não explode numa reversão momesca?
Seria porque nas sociedades densamente antimodernas, fundadas na mais profunda opressão, existem mecanismos sociais de evasão, de compensação e de mistificação - válvulas de escape bem estabelecidas, como o carnaval?
Nesse caso, o carnaval seria o momento festivo do “sim” e do “pode tudo” na terra do não. E, como a liberdade licenciosa do reino de Momo está relacionada ao riso, ao canto, à dança, e aos desfiles nos quais os subordinados viram deuses e os ricos os aplaudem dos seus luxuosos camarotes, o carnaval é um drama fugaz que reverte o cotidiano. Tal teatro tem que terminar em cinzas.
Percorremos mais um carnaval. Fomos da opulenta carne fantasiada e sensualizada (boa de comer) dos desfiles, blocos e bailes, onde a regra é exibir sem vergonha todos os excessos. Sobretudo o de ter o direito e nada fazer num sistema que foi tocado a escravidão.
Não há como todo esse fogo não terminar em cinzas. Nesta pungência fria da morte.