Hermien |
Vivemos em um mundo dominado pela violência, onde os humanos nos sentimos cada vez mais massa passiva dominada por quem nos escraviza de mil formas sofisticadas fazendo-nos perder o sentido mais profundo da existência. Sentimo-nos, todos, e os despossuídos mais ainda, um número, uma peça dentro de uma sociedade que se torna cada vez mais passiva e resignada, “como gado levado ao matadouro”, segundo o sábio adágio popular.
A sociedade se descobre cada dia mais castrada em sua identidade, em sua liberdade de pensar e de criar, de ser mais que um número e uma peça no xadrez anônimo dos poderes de fato que nos vigiam, dominam e domesticam para que sejamos um produto que pode ser vendido e consumido. Somos todos vítimas destinadas ao sacrifício no altar do dinheiro, pelo bem comum, dizem, os novos sacerdotes do mercado.
Talvez por isso, milhares de pessoas tenham se sentido sensibilizadas, quase libertadas, ao se identificar com esse animal que intuiu por instinto que era conduzido ao martírio para se transformar em comida dos seus donos, os humanos, e saltou em busca de liberdade.
Essa ânsia de liberdade, a luta contra a morte, a resistência para não ser mais um na multidão anestesiada, as vontades de continuar gozando a vida sem que ninguém tenha o direito de nos sacrificar antes do tempo, pode ter sido o que sentem aqueles estão se identificando com o gesto da vaca Hermien, que disse “não” a quem se arrogava o direito de sacrificá-la. Libertar de uma morte não natural esse animal, que preferiu a fuga no vazio atirando-se do caminhão à aceitação passiva do matadouro, está sendo para muitos uma espécie de catarse. É como se a sociedade se perguntasse se, com nosso conformismo diante dos poderes e das ideologias que pretendem decidir autoritariamente nosso destino, não seria preferível saltar do caminhão da morte para redescobrir nossa dignidade humana. Essa dignidade que vemos metaforicamente refletida no gesto dessa vaca que disse não à multidão e se jogou no vazio que acabou sendo sua salvação.
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