sexta-feira, 21 de outubro de 2022
Os dois riscos à democracia brasileira
A democracia brasileira tem dois riscos pela frente. Um é a possibilidade de recondução do presidente Bolsonaro, cujo projeto de poder é claramente autocrático, com a pretensão não só de prolongar sua estadia (ou da família) no Palácio do Planalto por anos, como também de destruir as instituições criadas pela Constituição de 1988. Trata-se de um problema imediato muito grave. Mas há outro perigo mais profundo que não vem sendo comentado, talvez porque tenhamos vergonha como nação de admiti-lo. É crescente o contingente de brasileiros que adotam condutas e visões autoritárias. Esse é o fundo do poço do qual precisamos falar, urgentemente.
Os dois riscos estão interligados uma vez que a ascensão das ideias que alimentam o bolsonarismo é anterior ao fortalecimento político do capitão. Suas origens advêm do debate realizado no referendo do desarmamento, como me lembrou recentemente Ilona Szabó. Nele, já se via um discurso e uma estética antidemocráticas se desenvolvendo, com o jeito do Ovo da Serpente, para lembrar Bergman.
Por mais de uma década até 2018, num processo que envolveu importação de projetos e muitos episódios que já começavam a questionar a institucionalidade democrática presente na Constituição de 1988, foi gerado o monstro autoritário que se consubstanciou na eleição de Bolsonaro à Presidência da República. Seu governo foi corroendo, tal qual os cupins, várias estruturas democráticas do país.
Bolsonaro manietou os órgãos de controle, acabou com quase todos os conselhos de participação social, criou um modelo de orçamento secreto que domestica o Legislativo em troca de um montante escandaloso de recursos que não pode ser completamente conhecido, cortou as bases orçamentárias da autonomia dos estados e municípios, e, não menos importante para uma democracia, destruiu a lógica de direitos que alimentava as políticas públicas, colocando em seu lugar um modelo ampliado de clientelismo, que chantageia a todo momento o eleitorado.
No momento, o estágio do país é o de uma democracia sob chantagem constante do presidente da República. Algumas estruturas seguraram a marcha mais célere para a autocracia, especialmente o Supremo Tribunal Federal, alguns dos governadores, parcela da sociedade civil e da mídia e, não menos importante, a pressão internacional. Com um segundo mandato, Bolsonaro terá muito mais poder para avançar no seu projeto e será mais difícil - embora não impossível - conter a estruturação de uma lógica mais autoritária nas instituições e na dinâmica social do Brasil.
Esse é o primeiro risco, de caráter imediato, à democracia brasileira. Ele se estrutura sobre três bases de poder. Primeiro, a construção de um projeto autocrático, continuando algumas ações do primeiro governo e criando novos aportes autoritários, como a alteração na composição do STF (ou o seu emparedamento com a ameaça constante de mudança), a redução dos elementos constitucionais limitadores do poder do presidente e, ao final, a criação de uma nova Constituição ou uma modificação profunda dela, contendo elementos do discurso geral conservador - como maioridade penal, ampliação do acesso às armas e alterações na autonomia das escolas e universidades - e o que mais interessa ao clã Bolsonaro: regras de eleição eterna ao pai ou permissão de a família o suceder imediatamente.
Em segundo lugar, há uma base social para tal processo político, lastreado no bolsonarismo, que é o movimento social mais forte do país hoje em termos de capacidade de mobilização. É verdade que ele sozinho está longe de agregar a maioria dos brasileiros. Todavia, os bolsonaristas conseguiram atrair no curto prazo uma parcela bem maior da população, especialmente um eixo mais conservador e outro que está há mais de uma década sem muitas perspectivas econômicas, mas que está sendo atingido agora por um pacote gigantesco e inédito de apoios governamentais - muitas dessas medidas seriam consideradas claramente ilegais se o Brasil estivesse numa democracia normal.
Como última base de poder do projeto está o novo Centrão, uma vez que esse bloco muda de contornos a cada governo para ser o fiel da balança do jogo entre o Executivo e o Legislativo. Mais do que em outros períodos, esse grupo é hoje a coluna vertebral do sistema político e se tornou ainda mais forte com o orçamento secreto, que foi fundamental para a reeleição de vários de seus componentes, dando a eles um lugar destacado na próxima legislatura. É plausível a hipótese de que sempre tiram o máximo dos governantes e pulam do barco quando a crise vem, de modo que mantém seu poder de chantagem. Só que, neste momento, estão ganhando muito e inebriados pelo poder obtido - são seus integrantes que estão propondo à luz do dia as medidas mais autoritárias em prol do fortalecimento do presidente. Por isso, sob as lideranças de Arthur Lira, Ciro Nogueira e Valdemar da Costa Neto, o Centrão não terá pruridos em apoiar um governo autocrático se continuarem com os benefícios econômicos e políticos atuais.
Em outras palavras, o novo Centrão está mais para a Arena da ditadura militar do que para o PMDB dos governos FHC, Lula, Dilma e Temer. É um fisiologismo sobre bases autocráticas que vigora hoje. Claro que sempre pode surgir uma crise econômica ou internacional forte, que fuja do controle do bolsonarismo. Seria o sinal para pular do barco. Mas será possível fazê-lo a tempo de manter-se como relevante no sistema político? Arthur Lira não tem base popular e Bolsonaro tem grande capacidade de destruir novos inimigos, como fez com Doria. Daí vem a pergunta: há algum Teotônio Vilela entre os membros do Centrão?
A hipótese da autocracia está ganhando, a cada dia, contornos cada vez mais fortes, porém, não é líquida e certa. Duas coisas podem evitá-la. A primeira delas é a vitória de Lula. Isso não quer dizer que iríamos do inferno ao paraíso. Um mandato lulista será muito difícil e complexo porque o bolsonarismo tem, no mínimo, quase metade do apoio do país no momento, além de ter deixado muitas bombas pelo caminho, especialmente na economia. De todo modo, se fizer um governo efetivamente de Frente Ampla, Lula poderia liderar o Brasil por essa travessia do deserto, pois tem experiência para isso, além de poder contar com o apoio de diversos setores sociais.
Há ainda a possibilidade de as instituições e a sociedade reagirem ao projeto autocrático que Bolsonaro instalaria num segundo governo. As instituições já estão muito desgastadas e o Senado terá uma composição muito favorável para, por exemplo, fazer o impeachment de ministros do STF. Governadores estarão numa situação fiscal pior e com uma crise social muito forte batendo às portas - no federalismo bolsonarista, o governo federal concentra as decisões mais importantes e passa as responsabilidades e os problemas para os governos subnacionais. E uma oposição derrotada terá menos forças para reagir, até porque houve pouca renovação nos seus quadros políticos.
Sobra a esperança na sociedade. A questão é que uma boa parte dela já está adotando comportamentos autoritários. Cinco elementos podem ser brevemente citados aqui para reforçar essa tese. Primeiro, está aumentando a intolerância social, não só contra ideias contrárias, mas sobretudo no campo religioso. Esse é um terreno perigoso, porque permite um radicalismo capaz de controlar a vida privada das pessoas, permitindo o fanatismo, o pior dos venenos autoritários. Para um país que se gabava da conivência entre os diferentes, esse é o maior retrocesso das últimas décadas.
Outro elemento que alimenta o autoritarismo é o crescimento das fake news nas redes sociais. Está ocorrendo a disseminação em larga escala da mentira, num processo em que a mídia tradicional não consegue convencer parcela grande dos cidadãos sobre o que é real ou não. Soma-se a este ponto um terceiro combustível contra a estabilidade democrática: a crença cada vez maior em soluções messiânicas para problemas complexos. Significa distribuir armas à população para acabar com os criminosos, acreditar que as crianças aprendem melhor em casa e não na escola, ir contra a ciência na questão ambiental e no caso das vacinas.
Há duas últimas questões que ressaltam o enfraquecimento social da democracia. Um é o crescimento exponencial das máfias locais, na Amazônia ou nas milícias urbanas. Sem Estado com monopólio da ordem, não há chances para os cidadãos mais desfavorecidos acreditarem no regime democrático. E, por fim, as raízes profundas da desigualdade brasileira estão se espraiando pela população mais privilegiada do país. As mudanças geradas por 30 anos de implementação dos ideias da Constituição de 1988 resultaram numa reação feroz, que alimenta a visão de que alguns são mais iguais do que os outros. Acirra-se, assim, o preconceito de todos os tipos: racial, de gênero, de origem regional e todos aqueles que humilham os mais vulneráveis. Bolsonaro é quem mais alimenta essa divisão do país, considerando inferiores as mulheres, os negros, os nordestinos, os homossexuais e os favelados.
O bolsonarismo é a vitória final do modelo escravocrata de país, o qual, infelizmente, é apoiado por mais brasileiros do que gostaríamos de admitir. Não há nenhuma chance de qualquer regime democrático dar certo nesse modelo de sociedade.
Os dois riscos estão interligados uma vez que a ascensão das ideias que alimentam o bolsonarismo é anterior ao fortalecimento político do capitão. Suas origens advêm do debate realizado no referendo do desarmamento, como me lembrou recentemente Ilona Szabó. Nele, já se via um discurso e uma estética antidemocráticas se desenvolvendo, com o jeito do Ovo da Serpente, para lembrar Bergman.
Por mais de uma década até 2018, num processo que envolveu importação de projetos e muitos episódios que já começavam a questionar a institucionalidade democrática presente na Constituição de 1988, foi gerado o monstro autoritário que se consubstanciou na eleição de Bolsonaro à Presidência da República. Seu governo foi corroendo, tal qual os cupins, várias estruturas democráticas do país.
Bolsonaro manietou os órgãos de controle, acabou com quase todos os conselhos de participação social, criou um modelo de orçamento secreto que domestica o Legislativo em troca de um montante escandaloso de recursos que não pode ser completamente conhecido, cortou as bases orçamentárias da autonomia dos estados e municípios, e, não menos importante para uma democracia, destruiu a lógica de direitos que alimentava as políticas públicas, colocando em seu lugar um modelo ampliado de clientelismo, que chantageia a todo momento o eleitorado.
No momento, o estágio do país é o de uma democracia sob chantagem constante do presidente da República. Algumas estruturas seguraram a marcha mais célere para a autocracia, especialmente o Supremo Tribunal Federal, alguns dos governadores, parcela da sociedade civil e da mídia e, não menos importante, a pressão internacional. Com um segundo mandato, Bolsonaro terá muito mais poder para avançar no seu projeto e será mais difícil - embora não impossível - conter a estruturação de uma lógica mais autoritária nas instituições e na dinâmica social do Brasil.
Esse é o primeiro risco, de caráter imediato, à democracia brasileira. Ele se estrutura sobre três bases de poder. Primeiro, a construção de um projeto autocrático, continuando algumas ações do primeiro governo e criando novos aportes autoritários, como a alteração na composição do STF (ou o seu emparedamento com a ameaça constante de mudança), a redução dos elementos constitucionais limitadores do poder do presidente e, ao final, a criação de uma nova Constituição ou uma modificação profunda dela, contendo elementos do discurso geral conservador - como maioridade penal, ampliação do acesso às armas e alterações na autonomia das escolas e universidades - e o que mais interessa ao clã Bolsonaro: regras de eleição eterna ao pai ou permissão de a família o suceder imediatamente.
Em segundo lugar, há uma base social para tal processo político, lastreado no bolsonarismo, que é o movimento social mais forte do país hoje em termos de capacidade de mobilização. É verdade que ele sozinho está longe de agregar a maioria dos brasileiros. Todavia, os bolsonaristas conseguiram atrair no curto prazo uma parcela bem maior da população, especialmente um eixo mais conservador e outro que está há mais de uma década sem muitas perspectivas econômicas, mas que está sendo atingido agora por um pacote gigantesco e inédito de apoios governamentais - muitas dessas medidas seriam consideradas claramente ilegais se o Brasil estivesse numa democracia normal.
Como última base de poder do projeto está o novo Centrão, uma vez que esse bloco muda de contornos a cada governo para ser o fiel da balança do jogo entre o Executivo e o Legislativo. Mais do que em outros períodos, esse grupo é hoje a coluna vertebral do sistema político e se tornou ainda mais forte com o orçamento secreto, que foi fundamental para a reeleição de vários de seus componentes, dando a eles um lugar destacado na próxima legislatura. É plausível a hipótese de que sempre tiram o máximo dos governantes e pulam do barco quando a crise vem, de modo que mantém seu poder de chantagem. Só que, neste momento, estão ganhando muito e inebriados pelo poder obtido - são seus integrantes que estão propondo à luz do dia as medidas mais autoritárias em prol do fortalecimento do presidente. Por isso, sob as lideranças de Arthur Lira, Ciro Nogueira e Valdemar da Costa Neto, o Centrão não terá pruridos em apoiar um governo autocrático se continuarem com os benefícios econômicos e políticos atuais.
Em outras palavras, o novo Centrão está mais para a Arena da ditadura militar do que para o PMDB dos governos FHC, Lula, Dilma e Temer. É um fisiologismo sobre bases autocráticas que vigora hoje. Claro que sempre pode surgir uma crise econômica ou internacional forte, que fuja do controle do bolsonarismo. Seria o sinal para pular do barco. Mas será possível fazê-lo a tempo de manter-se como relevante no sistema político? Arthur Lira não tem base popular e Bolsonaro tem grande capacidade de destruir novos inimigos, como fez com Doria. Daí vem a pergunta: há algum Teotônio Vilela entre os membros do Centrão?
A hipótese da autocracia está ganhando, a cada dia, contornos cada vez mais fortes, porém, não é líquida e certa. Duas coisas podem evitá-la. A primeira delas é a vitória de Lula. Isso não quer dizer que iríamos do inferno ao paraíso. Um mandato lulista será muito difícil e complexo porque o bolsonarismo tem, no mínimo, quase metade do apoio do país no momento, além de ter deixado muitas bombas pelo caminho, especialmente na economia. De todo modo, se fizer um governo efetivamente de Frente Ampla, Lula poderia liderar o Brasil por essa travessia do deserto, pois tem experiência para isso, além de poder contar com o apoio de diversos setores sociais.
Há ainda a possibilidade de as instituições e a sociedade reagirem ao projeto autocrático que Bolsonaro instalaria num segundo governo. As instituições já estão muito desgastadas e o Senado terá uma composição muito favorável para, por exemplo, fazer o impeachment de ministros do STF. Governadores estarão numa situação fiscal pior e com uma crise social muito forte batendo às portas - no federalismo bolsonarista, o governo federal concentra as decisões mais importantes e passa as responsabilidades e os problemas para os governos subnacionais. E uma oposição derrotada terá menos forças para reagir, até porque houve pouca renovação nos seus quadros políticos.
Sobra a esperança na sociedade. A questão é que uma boa parte dela já está adotando comportamentos autoritários. Cinco elementos podem ser brevemente citados aqui para reforçar essa tese. Primeiro, está aumentando a intolerância social, não só contra ideias contrárias, mas sobretudo no campo religioso. Esse é um terreno perigoso, porque permite um radicalismo capaz de controlar a vida privada das pessoas, permitindo o fanatismo, o pior dos venenos autoritários. Para um país que se gabava da conivência entre os diferentes, esse é o maior retrocesso das últimas décadas.
Outro elemento que alimenta o autoritarismo é o crescimento das fake news nas redes sociais. Está ocorrendo a disseminação em larga escala da mentira, num processo em que a mídia tradicional não consegue convencer parcela grande dos cidadãos sobre o que é real ou não. Soma-se a este ponto um terceiro combustível contra a estabilidade democrática: a crença cada vez maior em soluções messiânicas para problemas complexos. Significa distribuir armas à população para acabar com os criminosos, acreditar que as crianças aprendem melhor em casa e não na escola, ir contra a ciência na questão ambiental e no caso das vacinas.
Há duas últimas questões que ressaltam o enfraquecimento social da democracia. Um é o crescimento exponencial das máfias locais, na Amazônia ou nas milícias urbanas. Sem Estado com monopólio da ordem, não há chances para os cidadãos mais desfavorecidos acreditarem no regime democrático. E, por fim, as raízes profundas da desigualdade brasileira estão se espraiando pela população mais privilegiada do país. As mudanças geradas por 30 anos de implementação dos ideias da Constituição de 1988 resultaram numa reação feroz, que alimenta a visão de que alguns são mais iguais do que os outros. Acirra-se, assim, o preconceito de todos os tipos: racial, de gênero, de origem regional e todos aqueles que humilham os mais vulneráveis. Bolsonaro é quem mais alimenta essa divisão do país, considerando inferiores as mulheres, os negros, os nordestinos, os homossexuais e os favelados.
O bolsonarismo é a vitória final do modelo escravocrata de país, o qual, infelizmente, é apoiado por mais brasileiros do que gostaríamos de admitir. Não há nenhuma chance de qualquer regime democrático dar certo nesse modelo de sociedade.
A sagrada soberania das nações
No Sudão, apedreja-se uma jovem,
porque Alá é misericordioso.
As muitas pedras que sobre ela chovem
agradam àquele deus meticuloso!
Matar por uma fé disparatada
é bem pior do que morrer por ela.
Destruir uma vida à pedrada
é fazer, da fé, sórdida novela.
Chegámos ao século vinte e um,
consentindo estas atrocidades
à soberania de cada um:
o que se faz na intimidade
bem regulada de cada país
não é coisa onde metas o nariz!
Eugénio Lisboa
porque Alá é misericordioso.
As muitas pedras que sobre ela chovem
agradam àquele deus meticuloso!
Matar por uma fé disparatada
é bem pior do que morrer por ela.
Destruir uma vida à pedrada
é fazer, da fé, sórdida novela.
Chegámos ao século vinte e um,
consentindo estas atrocidades
à soberania de cada um:
o que se faz na intimidade
bem regulada de cada país
não é coisa onde metas o nariz!
Eugénio Lisboa
O apagão da ‘Política’
As eleições costumavam ser um momento de debater visões e projetos em todos os lugares. Era como uma Copa da cidadania. Enquanto os candidatos cumpriam seus roteiros, suas equipes discutiam temas específicos com os setores da sociedade.
Colando da web, a Política é justamente essa “atividade dos cidadãos quando se dedicam aos assuntos públicos com seu trabalho, sua militância ou seu voto”.
Sendo assim, vale indagar se um indeciso consegue hoje identificar num debate de TV o candidato mais preparado para ‘se dedicar aos assuntos públicos’ em 2023. Num primeiro olhar, a agressividade superficial está tão abundante, de parte a parte, que pode distrair o eleitor das questões primordiais.
E não é por falta de assunto, em tempos de emergência climática, guerra na Europa, tensões geopolíticas, crime organizado, desigualdade social, atraso econômico, retrocesso democrático, crise energética, degradação do Estado.
Não se vê uma análise de conjuntura, de contexto, menos ainda de tendências, como era comum no passado. Nos últimos 15 anos, os partidos e a sociedade como um todo se permitiram um apagão político, mostrando desinteresse em ideias, história, utopias ou planos futuros.
Bolsonaro e Lula entendem que o povo já os conhece, dispensando apresentações de programas de governo. No entanto, se os problemas evoluem junto com o cenário, não seria obvio que as soluções também fossem outras?
O diálogo precarizou-se. A estratégia deu lugar à tática frívola. Onde havia militantes, vemos fãs e seguidores. A opinião deu vez ao like e à fake news. Trocamos as lideranças por influencers. O twiter substituiu os movimentos sociais. A política virou reality show. A camisa da CBF é figurino político.
Enquanto isso, 60% dos brasileiros acham importante a religião do candidato. Porém, às vésperas da eleição 70% das pessoas não tinham candidato a deputado e mais da metade nem se lembra em quem votou no pleito passado.
A boa notícia é que a polarização passional nas eleições deste ano trouxe a política de volta às rodas de conversa, às discussões setoriais e às ruas.
Contudo, dessa vez, não bastará o novo governo “consultar a população pelas redes sociais”. Tampouco poderemos nos iludir de que “não precisamos mais de movimentos populares porque o povo está no governo”.
Havia debates entre futuros ministros da economia, da educação etc. A discussão rolava nas universidades, empresas, entidades setoriais, rádios locais, escolas, fosse no campo ou na cidade. Era frequente o debate acontecer entre eleitores comuns, sobre os programas dos candidatos (até mesmo nas residências).
Colando da web, a Política é justamente essa “atividade dos cidadãos quando se dedicam aos assuntos públicos com seu trabalho, sua militância ou seu voto”.
Sendo assim, vale indagar se um indeciso consegue hoje identificar num debate de TV o candidato mais preparado para ‘se dedicar aos assuntos públicos’ em 2023. Num primeiro olhar, a agressividade superficial está tão abundante, de parte a parte, que pode distrair o eleitor das questões primordiais.
E não é por falta de assunto, em tempos de emergência climática, guerra na Europa, tensões geopolíticas, crime organizado, desigualdade social, atraso econômico, retrocesso democrático, crise energética, degradação do Estado.
Não se vê uma análise de conjuntura, de contexto, menos ainda de tendências, como era comum no passado. Nos últimos 15 anos, os partidos e a sociedade como um todo se permitiram um apagão político, mostrando desinteresse em ideias, história, utopias ou planos futuros.
Bolsonaro e Lula entendem que o povo já os conhece, dispensando apresentações de programas de governo. No entanto, se os problemas evoluem junto com o cenário, não seria obvio que as soluções também fossem outras?
O diálogo precarizou-se. A estratégia deu lugar à tática frívola. Onde havia militantes, vemos fãs e seguidores. A opinião deu vez ao like e à fake news. Trocamos as lideranças por influencers. O twiter substituiu os movimentos sociais. A política virou reality show. A camisa da CBF é figurino político.
Enquanto isso, 60% dos brasileiros acham importante a religião do candidato. Porém, às vésperas da eleição 70% das pessoas não tinham candidato a deputado e mais da metade nem se lembra em quem votou no pleito passado.
A boa notícia é que a polarização passional nas eleições deste ano trouxe a política de volta às rodas de conversa, às discussões setoriais e às ruas.
Contudo, dessa vez, não bastará o novo governo “consultar a população pelas redes sociais”. Tampouco poderemos nos iludir de que “não precisamos mais de movimentos populares porque o povo está no governo”.
Elogio da morte
Não sei quem foi que disse que a Vida é feita pela Morte. É a destruição contínua e perene que faz a vida.
A esse respeito, porém, eu quero crer que a Morte mereça maiores encômios.
É ela que faz todas as consolações das nossas desgraças; é dela que nós esperamos a nossa redenção; é ela a quem todos os infelizes pedem socorro e esquecimento.
Gosto da Morte porque ela é o aniquilamento de todos nós; gosto da Morte porque ela nos sagra. Em vida, todos nós só somos conhecidos pela calúnia e maledicência, mas, depois que Ela nos leva, nós somos conhecidos (a repetição é a melhor figura de retórica), pelas nossas boas qualidades.
É inútil estar vivendo, para ser dependente dos outros; é inútil estar vivendo para sofrer os vexames que não merecemos.
A vida não pode ser uma dor, uma humilhação de contínuos e burocratas idiotas; a vida deve ser uma vitória. Quando, porém, não se pode conseguir isso, a Morte é que deve vir em nosso socorro.
A covardia mental e moral do Brasil não permite movimentos. de independência; ela só quer acompanhadores de procissão, que só visam lucros ou salários nós pareceres. Não há, entre nós, campo para as grandes batalhas de espírito e inteligência. Tudo aqui é feito com o dinheiro e os títulos. A agitação de uma idéia não repercute na massa e quando esta sabe que se trata de contrariar uma pessoa poderosa, trata o agitador de louco.
Estou cansado de dizer que os malucos foram os reformadores do mundo.
Le Bon dizia isto a propósito de Maomé, nas suas Civilisation des arabes, com toda a razão; e não há chanceler falsificado e secretária catita que o possa contestar..
São eles os heróis; são eles os reformadores; são eles os iludidos; são eles que trazem as grandes idéias, para melhoria das condições da existência da nossa triste Humanidade.
Nunca foram os homens de bom senso, os honestos burgueses ali da esquina ou das secretárias chics que fizeram as grandes reformas no mundo.
Todas elas têm sido feitas por homens, e, às vezes mesmo mulheres, tidos por doidos.
A divisa deles consiste em não ser panurgianos e seguir a opinião de todos, por isso mesmo podem ver mais longe do que os outros.
Se nós tivéssemos sempre a opinião da maioria, estaríamos ainda no Cro-Magnon e não teríamos saído das cavernas.
O que é preciso, portanto, é que cada qual respeite a opinião .de qualquer, para que desse choque surja o esclarecimento do nosso destino, para própria felicidade da espécie humana.
Entretanto, no Brasil, não se quer isto. Procura-se abafar as opiniões, para só deixar em campo os desejos dos poderosos e prepotentes.
Os órgãos de publicidade por onde se podiam elas revelar, são fechados e não aceitam nada que os possa lesar.
Dessa forma, quem, como eu nasceu pobre e não quer ceder uma linha da sua independência de espírito e inteligência, só tem que fazer elogios à Morte.
Ela é a grande libertadora que não recusa os seus benefícios a quem lhe pede. Ela nos resgata e nos leva à luz de Deus.
Sendo assim, eu a sagro, antes que ela me sagre na minha pobreza, na minha infelicidade, na minha desgraça e na minha honestidade.
Ao vencedor, as batatas!
Lima Barreto, "Marginália"
De volta aos tempos em que vacas vestiam farda e davam golpe
Sabe a última dos militares que voltaram ao poder pelas mãos de Bolsonaro, gostaram tanto que não sairiam de lá tão cedo?
Obedientes por formação, a pedido de Bolsonaro, armaram o maior salseiro para desacreditar o processo eleitoral.
Bolsonaro disse que em 2018 só não se elegeu presidente no primeiro turno porque houve fraude. Os militares concordaram.
Bolsonaro disse que pessoas votaram no número dele e que na urna apareceu o número de Fernando Haddad, candidato do PT.
Os militares disseram que seria possível. E sugeriram fazer uma auditoria nas urnas e no processo de apuração dos votos.
Falaram até em apuração paralela de votos, em simulação de votação com urnas de papel só para testar.
O Tribunal Superior Eleitoral cedeu à pressão deles para não arrumar mais confusão. E agora…
Agora, o general Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, não quer revelar as conclusões da auditoria. Por que? Não disse.
Ou melhor: começou a dizer que não foi bem uma auditoria, que isso e mais aquilo outro.
Não querem admitir que não encontraram falhas. Bolsonaro ficaria irritado. Se ele perder a eleição, como dirá que foi roubado?
Há generais que estão mais para “vacas fardadas”. A expressão foi cunhada pelo general Olímpio Mourão Filho.
Mourão (nada a ver com o atual vice-presidente da República) liderou as tropas que deflagraram o golpe militar de 64.
De Juiz de Fora, Minas Gerais, ele foi direto para o Rio. Ganhou como prêmio a presidência da Petrobras. E mais tarde, afirmou:
“Em matéria de política, sou uma vaca fardada”.
Obedientes por formação, a pedido de Bolsonaro, armaram o maior salseiro para desacreditar o processo eleitoral.
Bolsonaro disse que em 2018 só não se elegeu presidente no primeiro turno porque houve fraude. Os militares concordaram.
Bolsonaro disse que pessoas votaram no número dele e que na urna apareceu o número de Fernando Haddad, candidato do PT.
Os militares disseram que seria possível. E sugeriram fazer uma auditoria nas urnas e no processo de apuração dos votos.
Falaram até em apuração paralela de votos, em simulação de votação com urnas de papel só para testar.
O Tribunal Superior Eleitoral cedeu à pressão deles para não arrumar mais confusão. E agora…
Agora, o general Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, não quer revelar as conclusões da auditoria. Por que? Não disse.
Ou melhor: começou a dizer que não foi bem uma auditoria, que isso e mais aquilo outro.
Não querem admitir que não encontraram falhas. Bolsonaro ficaria irritado. Se ele perder a eleição, como dirá que foi roubado?
Há generais que estão mais para “vacas fardadas”. A expressão foi cunhada pelo general Olímpio Mourão Filho.
Mourão (nada a ver com o atual vice-presidente da República) liderou as tropas que deflagraram o golpe militar de 64.
De Juiz de Fora, Minas Gerais, ele foi direto para o Rio. Ganhou como prêmio a presidência da Petrobras. E mais tarde, afirmou:
“Em matéria de política, sou uma vaca fardada”.
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