terça-feira, 24 de julho de 2018
Cartórios, uma das jabuticabas nacionais
Em Portugal, nos idos de 1512-1521, nas Ordenações Manuelinas, assim como privilégios, foro privilegiado, direitos adquiridos, entre outras estripulias burocráticas, os cartórios foram minuciosamente regulados. Herdeiros do período colonial, ainda estamos em 2018 discutindo como dar cabo do foro privilegiado e reduzir privilégios. O corporativismo que conquistou tantas vantagens e exceções está longe de ter o seu poder afetado. O valor probante dos escritos dos atos notariais e registrais é a cada dia ampliado com a inclusão de novas áreas e o correspondente aumento da receita dos cartórios.
A simplificação e a redução da burocracia que tanto emperra a vida das pessoas e das empresas devem ser ampliadas dentro de uma visão mais abrangente de reforma do Estado. A revista Interesse Nacional, em sua mais recente edição, publica excelente artigo de Daniel Bogéa em que defende a construção de uma política permanente de desburocratização, que tenha o cidadão como alvo número um e assuma como princípio-guia a confiança nas relações Estado-sociedade. Nesse sentido, resgata o Projeto Cidadão, executado nos idos dos anos 80, por Hélio Beltrão, mas que gradualmente foi sendo esquecido, para prejuízo de todos. O então Ministério da Desburocratização fez um levantamento das questões de natureza burocrática que afetavam – e ainda hoje afetam – o dia a dia do cidadão comum, desde o seu nascimento até a sua morte. Não se levou em conta se esses problemas são do governo federal, estadual ou municipal, do Executivo ou do Judiciário. Essas disfunções muitas vezes acabam tendo de ser resolvidas numa das instituições corporativas que cada dia ganham mais força.
Os atos notariais existem de uma forma ou de outra em todos os países, porém cartórios, com atribuições que só fazem crescer, são mais uma das jabuticabas brasileiras. Em nenhum país do mundo tanto poder de interferir na vida das pessoas e das empresas é exercido por um órgão privado.
Até o ano passado existiam 11.946 cartórios extrajudiciais (crescimento de 11,7% em relação a 2016), com faturamento de R$ 15,76 bilhões. Se fosse uma empresa, seria a 29.ª maior empresa do País. 73% dos cartórios de protestos de títulos faturaram mais de R$ 110 milhões em 2017. E o maior deles, localizado na Paraíba, faturou R$ 256 milhões no segundo semestre do ano passado.
Muitas atribuições do Judiciário passaram a ser executadas pelos cartórios, como na área de registro civil: fazer correção de nome, correção de erros de grafia, reconhecimento de paternidade, registros de nascimento por técnicas de reprodução assistida, barriga de aluguel, maternidade e paternidade socioafetiva.
Reconhecimento de assinaturas, autenticação de cópias, reconhecimento de filhos, testamento e divórcio e registro de imóveis implicam perda de tempo e custo para os cidadãos. A situação é tão absurda que, em certos casos, se requer a certificação de um cartório por outro.
Nos últimos anos, nossos cartórios ganharam competências. A partir de 2007, inventários, partilha, separação consensual e divórcio consensual foram entrando no menu. A cobrança extrajudicial e o protesto de certidões de dívida ativa da União, dos Estados e do Distrito Federal, dos municípios, de autarquias e fundações públicas começaram a ser feitos a partir de 2012. A regularização de imóveis por usucapião entrou em 2015. E desde 2016 o apostilamento que legaliza documentos e o reconhecimento de documentos brasileiros no exterior passaram a engrossar a renda de seus donos. E, para somar, em janeiro de 2018 os cartórios de registro civil foram autorizados a fazer solicitação e entrega de documentos como passaporte, RG, documento nacional de identificação, CNHs, carteira de trabalho e título de eleitor.
Por pressão dos cartórios, que recebem R$ 4 bilhões por esses serviços, a iniciativa do governo de criar um registro nacional de duplicatas não avançou. O registro eletrônico previsto na lei mudaria a maneira de cobrar dívidas e poderia reduzir o custo para os tomadores de empréstimos. Segundo dados do Banco Central, em março o desconto de duplicatas movimentava R$ 60 bilhões em operações de crédito no País. O projeto de lei criaria a obrigatoriedade de esses títulos serem registrados em certificadoras autorizadas pelo Banco Central.
O projeto de lei que cria o cadastro positivo, por meio do qual o Brasil passará a ter uma legislação de compartilhamento de informações que contribuirá para o aumento da concorrência na concessão de crédito para pessoas físicas e pequenas empresas, também enfrenta restrições dos cartórios.
O senador Ricardo Ferraço apresentou projeto de emenda constitucional transferindo as prerrogativas dos cartórios para o poder público local. A força e a influência dos cartórios, demonstradas no eficiente lobby no governo e no Congresso Nacional, não deveriam ser obstáculo para o exame do Projeto Cidadão e sua aplicação pelo próximo governo. A pessoa física e as empresas não podem continuar à mercê de uma máquina burocrática que representa custo e perda de produtividade.
É urgente uma política efetiva de desburocratização no Brasil, levando-se em conta suas dificuldades culturais, suas dimensões continentais e sua história político-social. Deveria ser definido como meta principal o interesse do cidadão, do contribuinte e usuário de serviços públicos, e não apenas o interesse da própria administração. É necessário que seja reconhecido o caráter político do empreendimento, o que demanda vontade e ação da cúpula dos Três Poderes.
Chegou a hora de ser executada, de maneira vigorosa, uma política para reduzir a crescente burocracia que afeta a vida de todos.
A simplificação e a redução da burocracia que tanto emperra a vida das pessoas e das empresas devem ser ampliadas dentro de uma visão mais abrangente de reforma do Estado. A revista Interesse Nacional, em sua mais recente edição, publica excelente artigo de Daniel Bogéa em que defende a construção de uma política permanente de desburocratização, que tenha o cidadão como alvo número um e assuma como princípio-guia a confiança nas relações Estado-sociedade. Nesse sentido, resgata o Projeto Cidadão, executado nos idos dos anos 80, por Hélio Beltrão, mas que gradualmente foi sendo esquecido, para prejuízo de todos. O então Ministério da Desburocratização fez um levantamento das questões de natureza burocrática que afetavam – e ainda hoje afetam – o dia a dia do cidadão comum, desde o seu nascimento até a sua morte. Não se levou em conta se esses problemas são do governo federal, estadual ou municipal, do Executivo ou do Judiciário. Essas disfunções muitas vezes acabam tendo de ser resolvidas numa das instituições corporativas que cada dia ganham mais força.
Os atos notariais existem de uma forma ou de outra em todos os países, porém cartórios, com atribuições que só fazem crescer, são mais uma das jabuticabas brasileiras. Em nenhum país do mundo tanto poder de interferir na vida das pessoas e das empresas é exercido por um órgão privado.
Até o ano passado existiam 11.946 cartórios extrajudiciais (crescimento de 11,7% em relação a 2016), com faturamento de R$ 15,76 bilhões. Se fosse uma empresa, seria a 29.ª maior empresa do País. 73% dos cartórios de protestos de títulos faturaram mais de R$ 110 milhões em 2017. E o maior deles, localizado na Paraíba, faturou R$ 256 milhões no segundo semestre do ano passado.
Muitas atribuições do Judiciário passaram a ser executadas pelos cartórios, como na área de registro civil: fazer correção de nome, correção de erros de grafia, reconhecimento de paternidade, registros de nascimento por técnicas de reprodução assistida, barriga de aluguel, maternidade e paternidade socioafetiva.
Reconhecimento de assinaturas, autenticação de cópias, reconhecimento de filhos, testamento e divórcio e registro de imóveis implicam perda de tempo e custo para os cidadãos. A situação é tão absurda que, em certos casos, se requer a certificação de um cartório por outro.
Nos últimos anos, nossos cartórios ganharam competências. A partir de 2007, inventários, partilha, separação consensual e divórcio consensual foram entrando no menu. A cobrança extrajudicial e o protesto de certidões de dívida ativa da União, dos Estados e do Distrito Federal, dos municípios, de autarquias e fundações públicas começaram a ser feitos a partir de 2012. A regularização de imóveis por usucapião entrou em 2015. E desde 2016 o apostilamento que legaliza documentos e o reconhecimento de documentos brasileiros no exterior passaram a engrossar a renda de seus donos. E, para somar, em janeiro de 2018 os cartórios de registro civil foram autorizados a fazer solicitação e entrega de documentos como passaporte, RG, documento nacional de identificação, CNHs, carteira de trabalho e título de eleitor.
Por pressão dos cartórios, que recebem R$ 4 bilhões por esses serviços, a iniciativa do governo de criar um registro nacional de duplicatas não avançou. O registro eletrônico previsto na lei mudaria a maneira de cobrar dívidas e poderia reduzir o custo para os tomadores de empréstimos. Segundo dados do Banco Central, em março o desconto de duplicatas movimentava R$ 60 bilhões em operações de crédito no País. O projeto de lei criaria a obrigatoriedade de esses títulos serem registrados em certificadoras autorizadas pelo Banco Central.
O projeto de lei que cria o cadastro positivo, por meio do qual o Brasil passará a ter uma legislação de compartilhamento de informações que contribuirá para o aumento da concorrência na concessão de crédito para pessoas físicas e pequenas empresas, também enfrenta restrições dos cartórios.
O senador Ricardo Ferraço apresentou projeto de emenda constitucional transferindo as prerrogativas dos cartórios para o poder público local. A força e a influência dos cartórios, demonstradas no eficiente lobby no governo e no Congresso Nacional, não deveriam ser obstáculo para o exame do Projeto Cidadão e sua aplicação pelo próximo governo. A pessoa física e as empresas não podem continuar à mercê de uma máquina burocrática que representa custo e perda de produtividade.
É urgente uma política efetiva de desburocratização no Brasil, levando-se em conta suas dificuldades culturais, suas dimensões continentais e sua história político-social. Deveria ser definido como meta principal o interesse do cidadão, do contribuinte e usuário de serviços públicos, e não apenas o interesse da própria administração. É necessário que seja reconhecido o caráter político do empreendimento, o que demanda vontade e ação da cúpula dos Três Poderes.
Chegou a hora de ser executada, de maneira vigorosa, uma política para reduzir a crescente burocracia que afeta a vida de todos.
O Jesus da Bíblia e a menina que aprendeu com Bolsonaro o gesto de disparar um revólver
Questionados sobre a cena que horrorizou não poucos, os assessores de Bolsonaro explicaram que podia ser interpretada como um “gesto cristão” de bravura. Que eu saiba, e estudei os evangelhos durante anos, o único símbolo de violência no cristianismo é o de Cristo na cruz, um inocente condenado à morte. O restante da simbologia dos seguidores do Nazareno é impregnado de paz e perdão, não de violência ou vingança.
Foi Jesus que, em diversas ocasiões, propôs uma criança como símbolo do Reino de Deus. Ele considerava tão grave qualquer tipo de violência contra a infância que chegou a pedir pena de morte para quem ofendesse uma criança: “melhor fora que lhe atassem ao pescoço a pedra de um moinho e o lançassem no fundo do mar” (Mt.18,5ss). A dura condenação do Mestre a quem ofendesse uma criança deve ter impressionado tanto aos seus discípulos que essa passagem aparece nos três evangelhos sinóticos considerados os mais antigos e próximos da sua morte.
Jesus, o manso, o compassivo, o que pedia perdão para todos os pecados, diz que não merece viver quem exerce violência com uma criança. Os evangelhos não dizem a que violência se referia. Há quem pense em uma violência sexual, mas existem muitas formas de ofender um pequeno. Uma delas é usar suas mãos ainda inocentes, que estão aprendendo a acariciar e a brincar, a escrever e a alimentar-se, para imitar o gesto de uma arma que evoca ecos de morte.
Escrevi nesta mesma coluna por que a candidatura do extremista e violento ex-paraquedista Bolsonaro “me dava arrepios”. Hoje, àquele medo tenho que acrescentar o de que o gesto ensinado à menina vire moda, já que durante a liturgia da consagração de Bolsonaro como candidato à presidência corriam pela sala outras crianças imitando o gesto de imitar um revólver com as mãos.
Seria triste se o Brasil, que conquistou o mundo com sua festividade e com a riqueza da sua miscigenação, sua música e sua alegria, se tornasse hoje exportador de uma nova maneira de se divertir na infância: brincar de matar. As crianças devem ser cercadas, desde que nascem, frágeis e indefesas, de gestos de amor e respeito pelos demais, de símbolos que evoquem a vida e não a morte. Terão tempo de sobra para aprender que o mundo está infestado pelos ventos da violência e da intolerância, do desprezo pelas diferenças, do medo das liberdades. Deixemos, agora, que usem as mãos para brincar com a vida. Jesus as usava não para matar, mas para ressuscitar os mortos, devolver a visão aos cegos e fazer os paralíticos voltarem a andar.
O Jesus que sempre cantou a vida e não a morte não gostava de armas. Quando os soldados foram prendê-lo no Horto das Oliveiras, um dos apóstolos desembainhou a espada em sua defesa. Jesus o repreendeu: “Embainha tua espada, porque todos aqueles que usarem da espada, pela espada morrerão” (Mt 26,31ss).
Na mesma manhã em que os jornais me horrorizaram com a foto de Bolsonaro rindo com a menina nos braços aprendendo a disparar uma pistola, veio me visitar a pequena Maria Luisa, uma neta por afinidade que deve ter a mesma idade da menina da foto. Brincando no jardim, a pequena me perguntou se podia colher uma flor para dar a sua mãe. Colheu-a e, quando a deu para a mãe, esta a abraçou e beijou suas mãos.
Que nossos pequenos possam povoar seus sonhos não com gestos de morte, nem com símbolos de guerra, mas de arco-íris de paz, de luz de girassóis. Que sonhem tendo nas mãos não o sabor da pólvora, mas o dos beijos daqueles que as amam.
O bom combate
É difícil combater o pacto oligárquico entre políticos, empresários e burocratasLuís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal
À sombra do passado
Desejam voltar à era dos showmícios, quando candidatos atraíam o público às praças com a magia musical e, nos intervalos, vendiam alegres utopias, logo desmentidas pela realidade. Quem mais abusou do artifício foi Fernando Collor, na campanha em que derrotou Lula 29 anos atrás.
Na essência, esse bloco partidário que se autodenomina de esquerda protocolou no Supremo uma confissão de impotência para renovar seu projeto, lideranças, meios de se comunicar e a própria mensagem.
O refúgio no túnel do tempo ajuda a dissimular a incapacidade de entender as ansiedades do eleitorado, que não vê uma cisão entre “trabalhadores” e “burguesia”, mas enxerga com nitidez um confronto entre Estado e cidadãos, entre a sociedade e seus governantes — como demonstram pesquisas do PT na periferia de São Paulo.
Em Pernambuco tem-se outro exemplo dessa fuga nostálgica. Partidos e candidatos se transformaram em reféns de dois personagens — um mito e um encarcerado.
Morto há 13 anos, o ex-governador Miguel Arraes paira sobre a cena estadual em que se tornou mítico, depois de dominá-la por mais de cinco décadas. Dois dos três candidatos ao governo estadual disputam sua memória nessa eleição.
De um lado está Paulo Câmara, governador em busca da reeleição pelo PSB. Burocrata do Tribunal de Contas, foi ungido por Eduardo Campos, neto de Arraes, quando deixou o governo em 2014 para se candidatar à Presidência da República (Campos morreu num acidente aéreo).
Na oposição está Marília, 34 anos, neta de Arraes. Vereadora no Recife, rompeu com os primos do PSB e migrou com o sobrenome para o PT. É candidata ao governo contra a vontade da burocracia petista, que deseja sua renúncia. Motivo: uma aliança com o PSB aumentaria em 51% o tempo de propaganda eleitoral do PT (de 171 para 258 minutos).
Paulo e Marília também cultuam Lula, pernambucano do agreste, há mais de cem dias cumprindo pena em Curitiba por corrupção e lavagem de dinheiro. Ao ritual juntou-se um terceiro candidato a governador, Armando Monteiro (PTB), cuja origem remonta às usinas de açúcar e ao sistema financeiro.
À sombra do mito e do cárcere criou-se um impasse entre o PSB dos Arraes e o PT de Lula. Derivou na imobilização de quatro partidos (PCdoB, PDT, Pros e Rede). No fim de semana, o PT adiou suas convenções no Amazonas, Amapá, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Tocantins e Rondônia.
Outros candidatos também preferem o gueto da ilusão e da saudade. Jair Bolsonaro (PSL) transformou sua campanha presidencial em homenagem à tortura e à matança dos adversários, na efusão de sangue patrocinada pela ditadura militar. É o mesmo regime que o julgou por traição à farda, acusando-o como autor de um plano para explodir quartéis no Rio dos anos 80.
Embriagados de nostalgia, eles se abstraem do debate de alternativas reais às agruras do presente compartilhado por 175 milhões de dependentes da combalida rede pública de saúde, e por 13,5 milhões de desempregados que perambulam no inverno das maiores cidades.
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