domingo, 21 de janeiro de 2018
A difícil identidade do petismo
Mesmo sem nunca ter tido a carga antissistêmica dos antigos partidos comunistas, o petismo, surgido essencialmente de um núcleo sindical moderno, vocacionado simultaneamente para o confronto e para a negociação trabalhista, continua a responder por boa parte das turbulências da vida brasileira nestes 30 anos de País redemocratizado. Por isso, constitui para intérpretes e comentaristas um desafio que se torna ainda mais agudo em momentos de espesso nevoeiro, como este que temos atravessado, com os fatos relativos a seu maior dirigente, novamente candidato presidencial contra todo e qualquer empecilho legal que lhe possa ser oposto, segundo a vontade reiterada dos organismos partidários e de sua “sociedade civil”.
Em vão procuramos a identidade daquele partido, pouco nítida mesmo após os sucessivos períodos à frente do Poder Executivo, interrompidos por um impeachment traumático. O controle de inúmeros governos municipais e estaduais, bem como as amplas bancadas legislativas, para não falar no lastro eleitoral consistente, parecem não ter trazido aquele mínimo de cultura de governo que caracteriza os agrupamentos conscientes de sua própria força e capazes, por esse motivo, de dirigir todo um país, cumprindo uma função nacional que só se alcança com a superação de vícios de origem, limites programáticos e sarampos ideológicos. Traços, em suma, que os leninistas de antes, com todo o pathos revolucionário que os abrasava, chamavam de doença infantil, cuja irrupção os isolava e criava, à direita, um virulento espírito reacionário de massas.
A comparação sempre imperfeita com os comunistas – porque, repetimos, quando falamos de PT, de comunismo não se trata, sem contar que hoje nem sabemos delinear minimamente qualquer ordem anticapitalista – serve ao menos para afirmar que tais distantes antepassados, em certos casos, desenvolveram um certeiro e valioso sentido institucional. Não se conta a história da Itália moderna sem o PCI, permanece digna de respeito a cautela estratégica do PC chileno nos tempos de Allende, deu provas de serenidade o partido espanhol na transição pós-franquista. E o pequeno e clandestino PCB, durante o regime militar, abriu-se para o liberalismo político e a democracia representativa, que alguns de seus setores, em certo momento, passaram a considerar patrimônio de qualquer esquerda que viesse a se firmar a partir daí.
E nem nos aprofundemos na trajetória social-democrata, o outro ramo dos partidos de origem operária que poderia servir como termo de comparação. Aqui, a plena adesão ao programa reformista foi menos acidentada e mais em linha com o Ocidente político, resultando na construção de algumas das mais interessantes sociedades de que até hoje se tem notícia. Mesmo que o primeiro desses ramos da esquerda do passado tenha desaparecido e o segundo atravesse dificuldades cuja extensão não conhecemos, o fato é que se trata de um legado teórico-político a ser cuidadosamente avaliado na nova configuração que o mundo assumiu neste início tumultuado de século.
O petismo não parece ter-se preparado para esta crucial avaliação, que não é só conceitual, mas envolve modos de ser e agir na sociedade, requisitos de lealdade institucional e compromisso firme com a renovação de hábitos e costumes. Bem mais organizado do que os partidos tradicionais, provincianos e com escassa vitalidade interna, pôs essa sua capacidade organizativa a serviço de uma subcultura sectária, voltada para a cisão e o confronto. Seu militante típico se move à força de slogans e de uma visão maniqueísta do mundo. Muitos de seus intelectuais se soldam à massa dos militantes nesse mesmo plano, abdicando de qualquer esforço de educação democrática. Ao ver e ler uns e outros, podemos ter o sentimento de estar a bordo de uma máquina do tempo: um intelectual comunista dos anos 1950, treinado no catecismo mais elementar, não faria diferente, com a denúncia repetida contra agentes do imperialismo, oposições antinacionais e traidores da pátria, que certamente não teriam lugar na democracia popular que então se propunha com fé e agora retoricamente se quer atualizar.
O trauma comunista do “culto à personalidade” não está superado. Em vez de grupos dirigentes amplos, capazes de autorrenovação constante e porosos ao surgimento de novas elites partidárias, seguem intactos os mecanismos daquilo que mestre Graciliano, ele mesmo contraditoriamente prisioneiro do culto de Prestes, uma vez chamou de “canonização laica”. E, agora, os problemas judiciais em torno do líder canonizado nada mais seriam do que a continuação do golpe que teria vitimado o governo popular de Dilma Rousseff, ainda que o PT e vários de seus intelectuais “orgânicos” tenham requerido o impedimento de todos os presidentes, de Sarney a Fernando Henrique, sem exceção. Tertium non datur: ou bem o impeachment é golpe, e nesse caso o petismo deve admitir um golpismo renitente, ou bem é um remédio amargo, com danos consideráveis, mas plenamente integrado aos dispositivos legais.
Nesse mesmo sentido, estamos por todos os títulos longe do apregoado “estado de exceção” – cuja denúncia em foros internacionais, falsa e artificial, denota a persistência do desprezo que a parte atrasada da velha esquerda votava às liberdades civis e políticas, sob as quais, depois de árdua travessia, vivemos desde 1988. Como se dizia de Weimar e podemos dizer de nós mesmos, impossível ter uma democracia sem democratas. O legado a ser mantido, inclusive e principalmente pela esquerda, é o assinalado pelos valores de um patriotismo de novo tipo: o patriotismo constitucional. Ele é que nos ensinará a nutrir sempre, de modo imperturbável, nojo e horror por todas as ditaduras, como queria um grande liberal. Mesmo as que, por aí, mal e toscamente se disfarçam de progressistas.
A comparação sempre imperfeita com os comunistas – porque, repetimos, quando falamos de PT, de comunismo não se trata, sem contar que hoje nem sabemos delinear minimamente qualquer ordem anticapitalista – serve ao menos para afirmar que tais distantes antepassados, em certos casos, desenvolveram um certeiro e valioso sentido institucional. Não se conta a história da Itália moderna sem o PCI, permanece digna de respeito a cautela estratégica do PC chileno nos tempos de Allende, deu provas de serenidade o partido espanhol na transição pós-franquista. E o pequeno e clandestino PCB, durante o regime militar, abriu-se para o liberalismo político e a democracia representativa, que alguns de seus setores, em certo momento, passaram a considerar patrimônio de qualquer esquerda que viesse a se firmar a partir daí.
E nem nos aprofundemos na trajetória social-democrata, o outro ramo dos partidos de origem operária que poderia servir como termo de comparação. Aqui, a plena adesão ao programa reformista foi menos acidentada e mais em linha com o Ocidente político, resultando na construção de algumas das mais interessantes sociedades de que até hoje se tem notícia. Mesmo que o primeiro desses ramos da esquerda do passado tenha desaparecido e o segundo atravesse dificuldades cuja extensão não conhecemos, o fato é que se trata de um legado teórico-político a ser cuidadosamente avaliado na nova configuração que o mundo assumiu neste início tumultuado de século.
O petismo não parece ter-se preparado para esta crucial avaliação, que não é só conceitual, mas envolve modos de ser e agir na sociedade, requisitos de lealdade institucional e compromisso firme com a renovação de hábitos e costumes. Bem mais organizado do que os partidos tradicionais, provincianos e com escassa vitalidade interna, pôs essa sua capacidade organizativa a serviço de uma subcultura sectária, voltada para a cisão e o confronto. Seu militante típico se move à força de slogans e de uma visão maniqueísta do mundo. Muitos de seus intelectuais se soldam à massa dos militantes nesse mesmo plano, abdicando de qualquer esforço de educação democrática. Ao ver e ler uns e outros, podemos ter o sentimento de estar a bordo de uma máquina do tempo: um intelectual comunista dos anos 1950, treinado no catecismo mais elementar, não faria diferente, com a denúncia repetida contra agentes do imperialismo, oposições antinacionais e traidores da pátria, que certamente não teriam lugar na democracia popular que então se propunha com fé e agora retoricamente se quer atualizar.
O trauma comunista do “culto à personalidade” não está superado. Em vez de grupos dirigentes amplos, capazes de autorrenovação constante e porosos ao surgimento de novas elites partidárias, seguem intactos os mecanismos daquilo que mestre Graciliano, ele mesmo contraditoriamente prisioneiro do culto de Prestes, uma vez chamou de “canonização laica”. E, agora, os problemas judiciais em torno do líder canonizado nada mais seriam do que a continuação do golpe que teria vitimado o governo popular de Dilma Rousseff, ainda que o PT e vários de seus intelectuais “orgânicos” tenham requerido o impedimento de todos os presidentes, de Sarney a Fernando Henrique, sem exceção. Tertium non datur: ou bem o impeachment é golpe, e nesse caso o petismo deve admitir um golpismo renitente, ou bem é um remédio amargo, com danos consideráveis, mas plenamente integrado aos dispositivos legais.
Nesse mesmo sentido, estamos por todos os títulos longe do apregoado “estado de exceção” – cuja denúncia em foros internacionais, falsa e artificial, denota a persistência do desprezo que a parte atrasada da velha esquerda votava às liberdades civis e políticas, sob as quais, depois de árdua travessia, vivemos desde 1988. Como se dizia de Weimar e podemos dizer de nós mesmos, impossível ter uma democracia sem democratas. O legado a ser mantido, inclusive e principalmente pela esquerda, é o assinalado pelos valores de um patriotismo de novo tipo: o patriotismo constitucional. Ele é que nos ensinará a nutrir sempre, de modo imperturbável, nojo e horror por todas as ditaduras, como queria um grande liberal. Mesmo as que, por aí, mal e toscamente se disfarçam de progressistas.
Lula entre o fogo de Gleisi e o gelo de Okamotto
Quem, no futuro, quiser estudar o momento que vive o Brasil diante da possível condenação e prisão por corrupção do popular ex-presidente Lula, e o que isso poderá significar em uma sociedade já dividida e conflituosa, no político e no social, terá que estudar as figuras mais próximas a ele hoje: a senadora e presidenta do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, de origem alemã, e o ex-sindicalista Paulo Okamotto, de raízes japonesas.
Os dois tiveram uma reação oposta diante da possibilidade de que Lula acabe na prisão. Gleisi, que é fogo e ousadia, profetizou que nesse caso, “vai ter que matar muita gente”. Não explicou quem morrerá pelas mãos de quem, e diante da confusão armada, acusada de incitação à violência, recuou: “Só usei uma expressão”, explicou.
Para Okamotto, que é gelo e prudência, após a prisão de Lula “não ocorrerá, infelizmente, uma revolução”. Frisou, entretanto, que ele, de desgosto, “morreria do coração”. Mas não vê os brasileiros dispostos a sacrificarem-se pelo ex-metalúrgico que conquistou o carinho das pessoas e que hoje, ainda com altos índices de apoio, precisa lutar para defender sua inocência frente ao assédio da Justiça que o incrimina.
Ambos, Gleisi e Okamotto, são considerados as mãos esquerda e direita de Lula. E não podiam ter personalidades mais opostas. Gleisi, apesar de ter estudado em dois colégios religiosos e ter pretendido tornar-se freira em sua juventude, acabou nas fileiras do Partido Comunista do Brasil e depois no PT. Ela é o desassossego permanente, enquanto Okamotto, que mais parece seguir a filosofia japonesa zen, é invisível e ninguém sabe no que ele acredita e o que ele pensa.
Se Gleisi é o pitbull de Lula, disposta a morder ao primeiro sinal de problema, Okamotto, por sua vez, é seu cão de guarda, sempre disposto a defender seu amo sem a necessidade de cravar os dentes em ninguém. É o homem que avisa. Quando explodiu o escândalo do mensalão (2005), quando o empresário Marcos Valério ameaçou falar e contar os subornos que ele administrava e que se tornaram rotina no Executivo de Lula, Okamotto foi vê-lo em nome do presidente para “acalmá-lo”, um eufemismo para avisá-lo que seria melhor ficar quieto. E até hoje continua preso e mudo.
Okamotto é tão sombra que pouco se sabe de seu passado, se é religioso, como Gleisi, ou sem outra fé e ideologia além de ser o fiel escudeiro de seu quixote Lula. Se os especialistas literários dizem que sem o fiel Sancho seria inconcebível a figura do fidalgo de La Mancha, que transformava os moinhos de vento em gigantes ameaçadores, também há quem pense que Lula não poderá ser estudado sem também se analisar sua sombra, o pragmático Okamotto, o Sancho do quixote brasileiro.
Lula é mais Gleisi ou mais Okamotto? Lula é só Lula, mas talvez seja certo que, se acabar na prisão, o que não acredito, preferiria ter ao seu lado o gélido e mudo Okamotto do que o vulcão Gleisi, que se esqueceu de dizer – e os lapsos são imperdoáveis – que além dos que deveriam ser mortos para que Lula vá à prisão, ela também “morreria do coração”, como Okamotto. E o ex-sindicalista sempre foi um político com memória de sobra que sabe usar muito bem quando chega o momento. Ele mesmo se definiu como uma “metamorfose ambulante”.
Costuma se dizer que no Brasil é difícil adivinhar o tempo que irá fazer porque, nos trópicos, os ventos mudam de direção a cada momento. Os políticos também terão sido contaminados por essa volubilidade que os impede de ser definidos?
Os dois tiveram uma reação oposta diante da possibilidade de que Lula acabe na prisão. Gleisi, que é fogo e ousadia, profetizou que nesse caso, “vai ter que matar muita gente”. Não explicou quem morrerá pelas mãos de quem, e diante da confusão armada, acusada de incitação à violência, recuou: “Só usei uma expressão”, explicou.
Para Okamotto, que é gelo e prudência, após a prisão de Lula “não ocorrerá, infelizmente, uma revolução”. Frisou, entretanto, que ele, de desgosto, “morreria do coração”. Mas não vê os brasileiros dispostos a sacrificarem-se pelo ex-metalúrgico que conquistou o carinho das pessoas e que hoje, ainda com altos índices de apoio, precisa lutar para defender sua inocência frente ao assédio da Justiça que o incrimina.
Ambos, Gleisi e Okamotto, são considerados as mãos esquerda e direita de Lula. E não podiam ter personalidades mais opostas. Gleisi, apesar de ter estudado em dois colégios religiosos e ter pretendido tornar-se freira em sua juventude, acabou nas fileiras do Partido Comunista do Brasil e depois no PT. Ela é o desassossego permanente, enquanto Okamotto, que mais parece seguir a filosofia japonesa zen, é invisível e ninguém sabe no que ele acredita e o que ele pensa.
Se Gleisi é o pitbull de Lula, disposta a morder ao primeiro sinal de problema, Okamotto, por sua vez, é seu cão de guarda, sempre disposto a defender seu amo sem a necessidade de cravar os dentes em ninguém. É o homem que avisa. Quando explodiu o escândalo do mensalão (2005), quando o empresário Marcos Valério ameaçou falar e contar os subornos que ele administrava e que se tornaram rotina no Executivo de Lula, Okamotto foi vê-lo em nome do presidente para “acalmá-lo”, um eufemismo para avisá-lo que seria melhor ficar quieto. E até hoje continua preso e mudo.
Okamotto é tão sombra que pouco se sabe de seu passado, se é religioso, como Gleisi, ou sem outra fé e ideologia além de ser o fiel escudeiro de seu quixote Lula. Se os especialistas literários dizem que sem o fiel Sancho seria inconcebível a figura do fidalgo de La Mancha, que transformava os moinhos de vento em gigantes ameaçadores, também há quem pense que Lula não poderá ser estudado sem também se analisar sua sombra, o pragmático Okamotto, o Sancho do quixote brasileiro.
Lula é mais Gleisi ou mais Okamotto? Lula é só Lula, mas talvez seja certo que, se acabar na prisão, o que não acredito, preferiria ter ao seu lado o gélido e mudo Okamotto do que o vulcão Gleisi, que se esqueceu de dizer – e os lapsos são imperdoáveis – que além dos que deveriam ser mortos para que Lula vá à prisão, ela também “morreria do coração”, como Okamotto. E o ex-sindicalista sempre foi um político com memória de sobra que sabe usar muito bem quando chega o momento. Ele mesmo se definiu como uma “metamorfose ambulante”.
Costuma se dizer que no Brasil é difícil adivinhar o tempo que irá fazer porque, nos trópicos, os ventos mudam de direção a cada momento. Os políticos também terão sido contaminados por essa volubilidade que os impede de ser definidos?
Um vazio a ser preenchido
Em meio à polarização entre os populismos de direita e de esquerda, os brasileiros genuinamente preocupados com o futuro do País não enxergam no atual quadro sucessório uma candidatura capaz de atender a seus anseios de estabilidade econômica, racionalidade administrativa e responsabilidade fiscal.
Muitos políticos agora se apresentam como candidatos do “centro”, sem que fique claro que “centro” vem a ser esse, pois nenhum deles parece capaz de enfrentar as urnas defendendo, sem ambiguidades e com coragem, as reformas, a austeridade no trato das contas públicas, o respeito irrestrito às leis, a modernização do Estado, a coesão social e o estímulo à iniciativa privada. Ou seja, não há uma candidatura verdadeiramente liberal entre aquelas que têm potencial para efetivamente disputar a eleição.
O País atravessa um momento muito especial da longa crise deflagrada há 15 anos pela aventura lulopetista. Tem-se a impressão de que o pior já ficou para trás, graças à competente ação da equipe econômica do governo e também em razão do bom momento da economia mundial. No entanto, é preciso ter clareza de que tal recuperação é meramente circunstancial, pois depende do resultado da eleição presidencial para se consolidar. Se o próximo ocupante do Palácio do Planalto não for alguém totalmente comprometido com um projeto que coloque o Brasil no rumo do desenvolvimento sustentável, se esse novo presidente não compreender a dimensão da catástrofe que se abaterá sobre o País caso caia na tentação de se desviar do caminho das reformas estruturais, o atual esforço para dragar o pântano deixado pela abilolada administração de Dilma Rousseff – corolário dos oito anos de Lula – terá sido em vão.
Considerando-se os acontecimentos político-partidários registrados até o momento, não há razão para otimismo. Os dois candidatos mais bem posicionados nas pesquisas de intenção de voto, Lula da Silva e Jair Bolsonaro, são partidários de soluções mágicas para os principais problemas nacionais. Nem é preciso perder tempo analisando suas propostas, pois todas convergem para a expansão irresponsável dos gastos públicos e para a desmoralização da política, cenário que caracteriza países periféricos e eternamente dependentes de circunstâncias externas favoráveis.
Acrescente-se a essa tenebrosa perspectiva o fato de que ambos, Lula e Bolsonaro, representam o risco de ruptura da democracia. O primeiro, conhecido por ter dividido o País em “nós” e “eles”, está em franca campanha de desmoralização do Judiciário e já avisou que, se for eleito, fará a “regulação da mídia”, um eufemismo para a censura. O segundo já fez até apologia da tortura, o que dispensa qualquer outro comentário. Sua candidatura deveria ser apenas uma piada de mau gosto, mas o fato é que, tanto quanto o lulopetismo, o bolsonarismo é um movimento que vai além do homem que o inspira, sendo consequência da apatia de muitos eleitores e da degradação acentuada que permitiram que a prática política atingisse.
Os eleitores que não se identificam nem com um nem com outro – e eles são a maioria, conforme indicam as mesmas pesquisas – estão, por ora, aguardando uma candidatura que de fato represente a negação desse populismo desbragado. Há, portanto, um amplo espaço para o crescimento de nomes e partidos que se identifiquem com uma plataforma genuinamente de centro. Contudo, essa candidatura ainda não apareceu.
O que se tem até agora são postulantes que, malgrado se digam comprometidos com a responsabilidade fiscal e com as reformas, não conseguem se desvincular do ranço estatista que tanto mal faz ao País. Ao hesitarem na defesa cristalina das privatizações e da redução dos gastos públicos, por entenderem que isso não dá voto, esses candidatos indicam que, uma vez eleitos, não terão a necessária capacidade de liderar um processo de arregimentação de apoio político para as duríssimas medidas que terão de ser tomadas, se pretenderem de fato evitar o colapso das contas públicas.
O verdadeiro centro político, portanto, está à espera de quem o represente de fato. Na ausência desse candidato, ao País restará apenas a esperança de que vença o menos pior. Esta seria uma aposta na mediocridade, isto é, no desastre.
Muitos políticos agora se apresentam como candidatos do “centro”, sem que fique claro que “centro” vem a ser esse, pois nenhum deles parece capaz de enfrentar as urnas defendendo, sem ambiguidades e com coragem, as reformas, a austeridade no trato das contas públicas, o respeito irrestrito às leis, a modernização do Estado, a coesão social e o estímulo à iniciativa privada. Ou seja, não há uma candidatura verdadeiramente liberal entre aquelas que têm potencial para efetivamente disputar a eleição.
Considerando-se os acontecimentos político-partidários registrados até o momento, não há razão para otimismo. Os dois candidatos mais bem posicionados nas pesquisas de intenção de voto, Lula da Silva e Jair Bolsonaro, são partidários de soluções mágicas para os principais problemas nacionais. Nem é preciso perder tempo analisando suas propostas, pois todas convergem para a expansão irresponsável dos gastos públicos e para a desmoralização da política, cenário que caracteriza países periféricos e eternamente dependentes de circunstâncias externas favoráveis.
Acrescente-se a essa tenebrosa perspectiva o fato de que ambos, Lula e Bolsonaro, representam o risco de ruptura da democracia. O primeiro, conhecido por ter dividido o País em “nós” e “eles”, está em franca campanha de desmoralização do Judiciário e já avisou que, se for eleito, fará a “regulação da mídia”, um eufemismo para a censura. O segundo já fez até apologia da tortura, o que dispensa qualquer outro comentário. Sua candidatura deveria ser apenas uma piada de mau gosto, mas o fato é que, tanto quanto o lulopetismo, o bolsonarismo é um movimento que vai além do homem que o inspira, sendo consequência da apatia de muitos eleitores e da degradação acentuada que permitiram que a prática política atingisse.
Os eleitores que não se identificam nem com um nem com outro – e eles são a maioria, conforme indicam as mesmas pesquisas – estão, por ora, aguardando uma candidatura que de fato represente a negação desse populismo desbragado. Há, portanto, um amplo espaço para o crescimento de nomes e partidos que se identifiquem com uma plataforma genuinamente de centro. Contudo, essa candidatura ainda não apareceu.
O que se tem até agora são postulantes que, malgrado se digam comprometidos com a responsabilidade fiscal e com as reformas, não conseguem se desvincular do ranço estatista que tanto mal faz ao País. Ao hesitarem na defesa cristalina das privatizações e da redução dos gastos públicos, por entenderem que isso não dá voto, esses candidatos indicam que, uma vez eleitos, não terão a necessária capacidade de liderar um processo de arregimentação de apoio político para as duríssimas medidas que terão de ser tomadas, se pretenderem de fato evitar o colapso das contas públicas.
O verdadeiro centro político, portanto, está à espera de quem o represente de fato. Na ausência desse candidato, ao País restará apenas a esperança de que vença o menos pior. Esta seria uma aposta na mediocridade, isto é, no desastre.
O país do quero o meu
Isso é lá hora de o Comandante da Marinha pedir, e o do Exército endossar que se restabeleça o auxílio-moradia para militares extinto em 2000? Logo quando o resultado negativo das contas do Estado só faz aumentar e quase não sobra dinheiro para investimentos?
A volta do auxílio-moradia para quem veste farda representaria uma nova despesa da ordem de R$ 2.2 bilhões este ano. Dos atuais 378 mil militares na ativa, 246 mil teriam direito ao benefício. Recrutas não teriam direito porque dispõem de alojamento.
Segundo os comandantes Eduardo Bacellar Leal Ferreira (Marinha) e Eduardo Villas Boas (Exército), o auxílio-moradia seria capaz de proteger os militares “da ação nefasta do crime organizado por, eventualmente, residirem nas áreas de risco”.
A intenção pode ser boa e até justa, mas o momento não é. De resto, por que não se pensar então que uma espécie de auxílio moradia deveria ser dado para proteger os civis também que residem em áreas de risco, sujeitos à ação nefasta dos traficantes e milicianos?
Somente na cidade do Rio de Janeiro, segundo cálculos do Ministério da Defesa, cerca de 2.5 milhões de pessoas vivem em locais onde não existe o Estado de Direito, mas, sim o Estado sob Controle do Crime Organizado (ECCO).
Mais dia, menos dia, haverá de ser aprovada mais uma reforma, ou arremedo de reforma da Previdência. O sistema quebrará se ela não for feita. Ocorre que quem deveria pagar mais pela reforma porque simplesmente tem mais dinheiro para isso, não quer pagar.
A ser assim, adivinhe quem acabará pagando por ela? Os magistrados, por exemplo? Só de auxílio-moradia eles recebem mensalmente R$ 4.377. O Conselho Nacional do Ministério Público estendeu o auxílio a promotores e procuradores.
Ricardo Noblat
A volta do auxílio-moradia para quem veste farda representaria uma nova despesa da ordem de R$ 2.2 bilhões este ano. Dos atuais 378 mil militares na ativa, 246 mil teriam direito ao benefício. Recrutas não teriam direito porque dispõem de alojamento.
Segundo os comandantes Eduardo Bacellar Leal Ferreira (Marinha) e Eduardo Villas Boas (Exército), o auxílio-moradia seria capaz de proteger os militares “da ação nefasta do crime organizado por, eventualmente, residirem nas áreas de risco”.
A intenção pode ser boa e até justa, mas o momento não é. De resto, por que não se pensar então que uma espécie de auxílio moradia deveria ser dado para proteger os civis também que residem em áreas de risco, sujeitos à ação nefasta dos traficantes e milicianos?
Somente na cidade do Rio de Janeiro, segundo cálculos do Ministério da Defesa, cerca de 2.5 milhões de pessoas vivem em locais onde não existe o Estado de Direito, mas, sim o Estado sob Controle do Crime Organizado (ECCO).
Mais dia, menos dia, haverá de ser aprovada mais uma reforma, ou arremedo de reforma da Previdência. O sistema quebrará se ela não for feita. Ocorre que quem deveria pagar mais pela reforma porque simplesmente tem mais dinheiro para isso, não quer pagar.
A ser assim, adivinhe quem acabará pagando por ela? Os magistrados, por exemplo? Só de auxílio-moradia eles recebem mensalmente R$ 4.377. O Conselho Nacional do Ministério Público estendeu o auxílio a promotores e procuradores.
Ricardo Noblat
Meu pirão primeiro
É indiscutível que Lula tem vocação para política, mas política no sentido de se dar bemCaetano Veloso
A militância do silêncio
Lula e o PT não estão sós no ataque à Lava Jato. Toda a classe política (com honrosas e escassas exceções), mesmo os que a eles se opõem, torce para que, na próxima quarta-feira, o ex-presidente não tenha sua sentença confirmada por unanimidade pelo TRF-4.
Basta um voto contrário para que entre em cena todo o cipoal de recursos da lei processual brasileira e se abram prazos infindáveis à revisão da sentença, propiciando as mais diversas chicanas jurídicas – inclusive sua exclusão temporária da Lei da Ficha Limpa.
Nessa hipótese, estaria garantido o registro da candidatura do já condenado ex-presidente, que é réu em mais seis processos, um dos quais, o do sítio de Atibaia – também por corrupção passiva e ocultação de patrimônio –, prestes a ter sua sentença lavrada.
Seria um golpe de morte na Lava Jato – e, em suma, é o que, na Praça dos Três Poderes, todos desejam. São os militantes do silêncio, cuja abstenção ativa é mais ruidosa e efetiva que a soma dos decibéis de todos os assim chamados movimentos sociais.
Não há nenhum segmento relevante (ou mesmo irrelevante) do espectro partidário que não tenha alguma conta a prestar à Justiça. Todos os partidos estão encrencados, em graus variados, não obstante o inquestionável protagonismo do PT.
Desde que a Lava Jato foi deflagrada, e lá se vão quatro anos, o Congresso não tem feito outra coisa senão pensar em uma saída para impugnar, pela via legislativa, a ação da Justiça.
Primeiro tentou descriminalizar o caixa dois; depois, quis transformar uma proposta dos procuradores de Curitiba, as tais dez medidas contra a corrupção (ainda que exageradas), no seu inverso.
No Senado, Renan Calheiros e Roberto Requião, ambos do PMDB, puseram em cena uma proposta de lei contra o abuso de autoridade, que, na verdade, é em prol do abuso da impunidade.
Na Câmara, em março do ano passado, o deputado petista Wadih Damous, um dos mais ardorosos defensores de Lula, apresentou proposta que extingue processos ou procedimentos penais, sem julgamento de mérito, se não forem concluídos em um ano. Se já estivesse em vigor, todos estariam absolvidos.
Michel Temer declarou há alguns meses ser contra a prisão de Lula, por considerar que causaria turbulência social. É um critério original, alheio à ciência do Direito, que, como ex-professor e constitucionalista, certamente não ensinou a seus alunos.
FHC e o governador Geraldo Alckmin valeram-se de outro argumento, igualmente heterodoxo: são contra a prisão porque preferem enfrentar Lula nas urnas. É possível, quem sabe, que algum parlamentar venha a transformar essa preferência em emenda à lei processual penal, criando mais uma alternativa aos condenados.
Mas não é só no Legislativo que se enfrenta a Lava Jato. Também no STF, há movimentação no mesmo sentido. O ministro Gilmar Mendes, que há pouco mais de um ano votou em favor da prisão em segundo grau – que permite que Lula seja preso se o TRF-4 confirmar a sentença de Sérgio Moro –, decidiu reabrir a questão.
Já não mais concorda consigo mesmo – e há sinais de que outros colegas de toga também refluíram de seu voto original.
Convém não esquecer que, para além do que decidirá o TRF-4, na quarta-feira (a sentença do tríplex) – e para além dos seis outros processos em que Lula é réu -, há diversas investigações em curso que o envolvem, direta ou indiretamente.
Entre outras, a delação ainda não fechada de Palocci; as dos marqueteiros Mônica e João Santana; a compra de Pasadena; as contas secretas, em nome de laranjas e de off shores, mencionadas pelo doleiro Alberto Youssef; os 30 milhões de dólares que os irmãos Batista dizem ter depositado numa conta no exterior para Lula e Dilma; o 1 milhão de dólares que Kadhafi deu à campanha de Lula.
Lula, porém, repita-se, não está só. De Michel Temer ao mais insignificante dos partidos, sem esquecer sindicatos, movimentos sociais e alguns empresários de grande porte, há muitos companheiros de viagem, empenhados em usá-lo como veículo de salvação – uma Arca de Noé, sem Noé.
Ruy Fabiano
Basta um voto contrário para que entre em cena todo o cipoal de recursos da lei processual brasileira e se abram prazos infindáveis à revisão da sentença, propiciando as mais diversas chicanas jurídicas – inclusive sua exclusão temporária da Lei da Ficha Limpa.
Seria um golpe de morte na Lava Jato – e, em suma, é o que, na Praça dos Três Poderes, todos desejam. São os militantes do silêncio, cuja abstenção ativa é mais ruidosa e efetiva que a soma dos decibéis de todos os assim chamados movimentos sociais.
Não há nenhum segmento relevante (ou mesmo irrelevante) do espectro partidário que não tenha alguma conta a prestar à Justiça. Todos os partidos estão encrencados, em graus variados, não obstante o inquestionável protagonismo do PT.
Desde que a Lava Jato foi deflagrada, e lá se vão quatro anos, o Congresso não tem feito outra coisa senão pensar em uma saída para impugnar, pela via legislativa, a ação da Justiça.
Primeiro tentou descriminalizar o caixa dois; depois, quis transformar uma proposta dos procuradores de Curitiba, as tais dez medidas contra a corrupção (ainda que exageradas), no seu inverso.
No Senado, Renan Calheiros e Roberto Requião, ambos do PMDB, puseram em cena uma proposta de lei contra o abuso de autoridade, que, na verdade, é em prol do abuso da impunidade.
Na Câmara, em março do ano passado, o deputado petista Wadih Damous, um dos mais ardorosos defensores de Lula, apresentou proposta que extingue processos ou procedimentos penais, sem julgamento de mérito, se não forem concluídos em um ano. Se já estivesse em vigor, todos estariam absolvidos.
Michel Temer declarou há alguns meses ser contra a prisão de Lula, por considerar que causaria turbulência social. É um critério original, alheio à ciência do Direito, que, como ex-professor e constitucionalista, certamente não ensinou a seus alunos.
FHC e o governador Geraldo Alckmin valeram-se de outro argumento, igualmente heterodoxo: são contra a prisão porque preferem enfrentar Lula nas urnas. É possível, quem sabe, que algum parlamentar venha a transformar essa preferência em emenda à lei processual penal, criando mais uma alternativa aos condenados.
Mas não é só no Legislativo que se enfrenta a Lava Jato. Também no STF, há movimentação no mesmo sentido. O ministro Gilmar Mendes, que há pouco mais de um ano votou em favor da prisão em segundo grau – que permite que Lula seja preso se o TRF-4 confirmar a sentença de Sérgio Moro –, decidiu reabrir a questão.
Já não mais concorda consigo mesmo – e há sinais de que outros colegas de toga também refluíram de seu voto original.
Convém não esquecer que, para além do que decidirá o TRF-4, na quarta-feira (a sentença do tríplex) – e para além dos seis outros processos em que Lula é réu -, há diversas investigações em curso que o envolvem, direta ou indiretamente.
Entre outras, a delação ainda não fechada de Palocci; as dos marqueteiros Mônica e João Santana; a compra de Pasadena; as contas secretas, em nome de laranjas e de off shores, mencionadas pelo doleiro Alberto Youssef; os 30 milhões de dólares que os irmãos Batista dizem ter depositado numa conta no exterior para Lula e Dilma; o 1 milhão de dólares que Kadhafi deu à campanha de Lula.
Lula, porém, repita-se, não está só. De Michel Temer ao mais insignificante dos partidos, sem esquecer sindicatos, movimentos sociais e alguns empresários de grande porte, há muitos companheiros de viagem, empenhados em usá-lo como veículo de salvação – uma Arca de Noé, sem Noé.
Ruy Fabiano
Da mentira com torcida ao esplendor da verdade
Todos têm direito à própria opinião, mas não a seus próprios fatosDaniel Patrick Moyniham
Em 1980, a jornalista Janet Cooke trabalhava na seção de temas "Semanais" do Washington Post. Para ali ingressar, inflara significativamente seu nível de formação profissional. Nessas condições, escreveu um artigo - "Jimmy's World" - no qual relatou a surpreendente história de um menino de oito anos que se tornara dependente de heroína, levado a tal condição pelo namorado da mãe. A história causou comoção nacional. Enquanto ela "preservava sua fonte" (o caso inteiro era uma invenção narrada com extraordinário talento), as autoridades se empenhavam, inutilmente, em procurar pistas que levassem à criança. Dentro do próprio jornal surgiram dúvidas sobre a veracidade do relato. A direção, porém, bancou a funcionária e sua matéria. Candidatou-a ao cobiçado "Pulitzer Price for feature writting" (textos de especial interesse humano). Eram negros, o menino, o namorado da mãe, a mãe e a jornalista. O principal postulante do prêmio para a autora de Jimmy's World dentro da comissão de seleção era um militante negro, interessado em revelar aos brancos a realidade das drogas na comunidade negra.
Janet Cooke ganhou o mais cobiçado troféu do jornalismo norte-americano, mas foi desmascarada, dias depois, porque a divulgação de seu perfil profissional fez com que a universidade onde obtivera o bacharelado suspeitasse de tudo mais que ela dissera sobre si mesma. E a teia das mentiras foi se rompendo. O Post divulgou o que ficara sabendo, extraiu a confissão da moça, e pediu a retirada do prêmio.
Há mentiras muito mais graves sendo contadas em nosso país. Estão acobertadas pelo direito de mentir conferido aos acusados e são referendadas pela multidão que depende fisiológica, financeira, psicológica, política e ideologicamente de que elas sejam acolhidas e se propaguem. São mentiras tão relevantes que poderiam ser classificadas como institucionais. Determinam fatos políticos. Geram enorme círculo de conexões cuja ruptura põe em risco sistemas e esquemas. Estimulam uma densa solidariedade que, primeiro, sai a pichar muros e colar cartazes e, depois, atiçada a adrenalina, passa a prometer fogo e fúria.
Poderia estar relatando qualquer item de um verdadeiro catálogo de mentiras envolvendo a corrupção do ambiente político em nosso país. E isso, certamente, não surpreenderá o leitor. Nenhum corrupto desses de mala de dinheiro, conta na Suíça, offshore no Caribe, chegou a tal estágio sem, antes, ter sido um competente mentiroso. E a mentira, à qual damos tão pouco valor, é gravíssima forma de degradação moral por corromper esse bem precioso que é a verdade.
A infame corrente de males desencadeada pela mentira é bem mais sinistra do que se possa depreender da simbologia infantil representada por Pinóquio. Ela se agrava com os reforços retóricos construídos mediante sofismas (que corrompem a razão) e com calúnias e difamações que lançam sobre a honra alheia as indignidades do mentiroso.
Felizmente, a exemplo do que aconteceu com a senhora Janet Cooke, o que se esconde na penumbra das conspirações um dia chega às manchetes e a verdade vem à tona. E não como flutuante achado lúgubre de filme de terror, mas esplendente como um anjo dourado no alto de seu campanário.Percival Puggina
Tshiyuki morto
Kawaji Toshiyuki, 52 anos de idade, está morto. Seu corpo foi encontrado pela polícia de Osaka, no Japão, aos 26 de outubro de 2015. Segundo consta, a causa da morte foi um tiro disparado contra seu peito. Após algumas investigações, descobriu-se que Kawaji era líder de uma organização criminosa.
Qualquer brasileiro, habituado à rotina do absurdo das páginas policiais sempre recheadas, após tomar conhecimento desta notícia, seguramente indagaria o motivo de sua excepcionalidade. Sim, o que haveria de extraordinário no homicídio de um chefe de quadrilha?
Segue a resposta, registrada pela séria revista britânica "The Economist": em todo o ano de 2015 houve, no Japão inteiro, um único homicídio produzido por arma de fogo! Kawaji Toshiyuki foi, ao longo de todo um ano, o único ser humano abatido a tiro no Japão. Em um humilhante contraste, no Brasil há uma média de 120 homicídios cometidos com armas de fogo por dia - sim, por dia!
O Japão é um país paupérrimo, desprovido de recursos minerais os mais básicos. Sequer de espaço para grandes investimentos em agricultura ou pecuária dispõe. Para piorar, seu solo é sujeito a constantes terremotos e salpicado por vulcões.
O Brasil é um país riquíssimo. Chega a ser difícil imaginar uma riqueza que não tenhamos em abundância. Do petróleo ao ouro, do ferro ao nióbio, a natureza nos foi pródiga. Temos espaço a fartar para plantar e criar. Nosso solo foi poupado de terremotos e vulcões.
Lá, um povo rico vive civilizadamente. Aqui, um povo pobre apenas sobrevive. Diante deste humilhante contraste, apontamos o dedo para o Zé-Povinho ou para os políticos. Acabamos nos esquecendo, porém, de que quando apontamos um dedo para alguém, direcionamos três outros a nós mesmos.
Sim, somos nós os maiores culpados. Preferimos não ver a realidade dos entornos de nossas cidades, nas quais o Estado há muito não entra. Somos pessoas de bem, mas não do bem; dizemos não ao mal, porém não aos maus - veja nossos maiores corruptos sendo festejados nos mais requintados ambientes e reflita sobre o quanto somos omissos enquanto elite dirigente.
Mesquinhos, sequer de continuidade administrativa conseguimos falar. Medíocres, vivemos há séculos do extrativismo. E, covardes, ainda cobramos de um povo abandonado o preço de nossa cegueira assassina.
Pedro Valls Feu Rosa
Qualquer brasileiro, habituado à rotina do absurdo das páginas policiais sempre recheadas, após tomar conhecimento desta notícia, seguramente indagaria o motivo de sua excepcionalidade. Sim, o que haveria de extraordinário no homicídio de um chefe de quadrilha?
Segue a resposta, registrada pela séria revista britânica "The Economist": em todo o ano de 2015 houve, no Japão inteiro, um único homicídio produzido por arma de fogo! Kawaji Toshiyuki foi, ao longo de todo um ano, o único ser humano abatido a tiro no Japão. Em um humilhante contraste, no Brasil há uma média de 120 homicídios cometidos com armas de fogo por dia - sim, por dia!
O Japão é um país paupérrimo, desprovido de recursos minerais os mais básicos. Sequer de espaço para grandes investimentos em agricultura ou pecuária dispõe. Para piorar, seu solo é sujeito a constantes terremotos e salpicado por vulcões.
O Brasil é um país riquíssimo. Chega a ser difícil imaginar uma riqueza que não tenhamos em abundância. Do petróleo ao ouro, do ferro ao nióbio, a natureza nos foi pródiga. Temos espaço a fartar para plantar e criar. Nosso solo foi poupado de terremotos e vulcões.
Lá, um povo rico vive civilizadamente. Aqui, um povo pobre apenas sobrevive. Diante deste humilhante contraste, apontamos o dedo para o Zé-Povinho ou para os políticos. Acabamos nos esquecendo, porém, de que quando apontamos um dedo para alguém, direcionamos três outros a nós mesmos.
Sim, somos nós os maiores culpados. Preferimos não ver a realidade dos entornos de nossas cidades, nas quais o Estado há muito não entra. Somos pessoas de bem, mas não do bem; dizemos não ao mal, porém não aos maus - veja nossos maiores corruptos sendo festejados nos mais requintados ambientes e reflita sobre o quanto somos omissos enquanto elite dirigente.
Mesquinhos, sequer de continuidade administrativa conseguimos falar. Medíocres, vivemos há séculos do extrativismo. E, covardes, ainda cobramos de um povo abandonado o preço de nossa cegueira assassina.
Pedro Valls Feu Rosa
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