É no que dá a eterna atitude de deixar para depois, empurrar com a barriga e se perder em firulas. Os parlamentares adiam, o Judiciário hesita ou retrocede, e os eleitores temos deixado correr solto — ainda que com poucos recursos para tomar a rédea do processo. Em outubro é hora de darmos um susto neles todos. Sem deixar barato nem esquecer aquele vergonhoso desfile de manifestações ao microfone no plenário da Câmara no dia da votação do impeachment. Precisamos nos livrar dessa gente.
Mas é difícil. Nem ao menos conseguimos ter uma cláusula de desempenho minimamente eficiente que permita dar partida ao processo de uma representatividade mais democrática. Continuamos com dezenas de partidos sem programas ou plataformas claras. Continuamos com poucas oportunidades de conhecer a maioria dos candidatos ao Congresso, que desfilarão na telinha apenas para dizer nome, número e uma banalidade qualquer. Continuamos nos arriscando a votar em um deputado e eleger outro.
Mas algumas coisas mudaram. Algo será diferente desta vez. A campanha será mais curta. Está proibido o financiamento por empresas. Práticas promíscuas entre o poder público e beneficiários de distorções que favoreciam interesses privados estão tendo consequências: começam a levar à cadeia alguns dos que a elas se dedicavam. A polícia anda investigando, o MP tem feito sua parte, os juizes dão sinais de que diminui a elasticidade da tolerância que sempre caracterizou esse processo nefasto. É crescente o número de prisões após decisão em segunda instância, driblando os processos protelatórios a que se acostumaram os criminosos em condições de pagar grandes advogados. E a Lei da Ficha Limpa não permite a candidatura de condenados, ainda que absurdamente se queira fingir que há uma brecha de interpretação, possibilitando o registro das candidaturas. Nomes emblemáticos estarão fora do páreo e não poderão concorrer — de Sérgio Cabral a Eduardo Cunha, de Geddel Vieira Lima a Eduardo Azeredo. E outros, menos ou mais votados. Cabe agora aos eleitores tomar cuidado para não substituí-los por genéricos com o mesmo princípio ativo.
Recentemente um leitor sugeriu que se criasse um aplicativo que, num clique sobre o nome do candidato, desse acesso a dados objetivos sobre seu currículo, vida pregressa ou folha corrida. Facilitaria muito. Enquanto não existe, teremos mais trabalho para pesquisar. Mesmo sem ter ainda a lista dos concorrentes, dá para tentar se informar sobre nomes que nos chamem a atenção.
E há que ir além dos nomes. Tomar posição diante de problemas do país e eventuais sugestões de soluções propostas. Para poder escolher quem tem afinidade com o que queremos. Há vários especialistas que escrevem artigos, dão entrevistas, manifestam-se de formas variadas e revelam seriedade e preparo. De minha parte, gosto de ficar de olho em quadros cuja capacidade admiro e já a comprovaram. Alguns são egressos de experiências em governos nos quais participaram e deram contribuições preciosas, sem se recusar a ver os desvios que ameaçavam. Não se deixaram respingar por nada sujo.
Há dois, por exemplo, que ajudaram na formulação de programas de redistribuição de renda do governo Lula, mas se mantiveram críticos diante de distorções subsequentes. Não são candidatos a nada. Mas vale ler ou ouvir o que dizem. Na área de educação é sempre lúcida a voz de Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna. Também é muito instrutiva uma página do Facebook, tododiamarcoslisboa, que promete e entrega uma dose diária de inteligência, com o ex-secretário de Politica Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005), atual presidente do Insper. Suas reflexões alimentam pensamentos.
Não podemos nos dar ao luxo de pretender pensar o país sem considerar com seriedade as questões e o conhecimento trazido pela experiência de pessoas desse calibre. Como Eduardo Gianetti, da equipe de Marina Silva. E sempre é ótimo ler Samuel Pessoa. Agora faz falta a contribuição de Paul Singer, mas Fernando Haddad parece capaz de dialogar: é salutar confrontar suas opiniões com outras. Também muitos dos que provaram sua competência na criação e implantação do Plano Real fazem boas análises — sobre abertura da economia, abusos e limites do papel do Estado, estímulo à produtividade, sugestões concretas para reformas estruturais. Vai ser fundamental termos um Congresso capaz de votá-las. São indispensáveis para começarmos a sair do atoleiro.
Se amamos o país e queremos que seja um lugar justo, não podemos continuar fugindo de debates responsáveis ou nos recusarmos a repensar nossas necessidades e caminhos. Chega de teimosia. O tamanho do déficit e o número de desempregados são alarmantes e cruéis. Estamos ficando cada vez mais para trás e pagando um preço muito alto pela recusa em sermos racionais e discutir em termos adultos. É urgente amadurecer.
Ana Maria Machado