sábado, 23 de junho de 2018

Chega de teimosia

Lá vamos nós a caminho de mais uma eleição importantíssima sem termos feito a reforma político-eleitoral...

É no que dá a eterna atitude de deixar para depois, empurrar com a barriga e se perder em firulas. Os parlamentares adiam, o Judiciário hesita ou retrocede, e os eleitores temos deixado correr solto — ainda que com poucos recursos para tomar a rédea do processo. Em outubro é hora de darmos um susto neles todos. Sem deixar barato nem esquecer aquele vergonhoso desfile de manifestações ao microfone no plenário da Câmara no dia da votação do impeachment. Precisamos nos livrar dessa gente.


Mas é difícil. Nem ao menos conseguimos ter uma cláusula de desempenho minimamente eficiente que permita dar partida ao processo de uma representatividade mais democrática. Continuamos com dezenas de partidos sem programas ou plataformas claras. Continuamos com poucas oportunidades de conhecer a maioria dos candidatos ao Congresso, que desfilarão na telinha apenas para dizer nome, número e uma banalidade qualquer. Continuamos nos arriscando a votar em um deputado e eleger outro.

Mas algumas coisas mudaram. Algo será diferente desta vez. A campanha será mais curta. Está proibido o financiamento por empresas. Práticas promíscuas entre o poder público e beneficiários de distorções que favoreciam interesses privados estão tendo consequências: começam a levar à cadeia alguns dos que a elas se dedicavam. A polícia anda investigando, o MP tem feito sua parte, os juizes dão sinais de que diminui a elasticidade da tolerância que sempre caracterizou esse processo nefasto. É crescente o número de prisões após decisão em segunda instância, driblando os processos protelatórios a que se acostumaram os criminosos em condições de pagar grandes advogados. E a Lei da Ficha Limpa não permite a candidatura de condenados, ainda que absurdamente se queira fingir que há uma brecha de interpretação, possibilitando o registro das candidaturas. Nomes emblemáticos estarão fora do páreo e não poderão concorrer — de Sérgio Cabral a Eduardo Cunha, de Geddel Vieira Lima a Eduardo Azeredo. E outros, menos ou mais votados. Cabe agora aos eleitores tomar cuidado para não substituí-los por genéricos com o mesmo princípio ativo.

Recentemente um leitor sugeriu que se criasse um aplicativo que, num clique sobre o nome do candidato, desse acesso a dados objetivos sobre seu currículo, vida pregressa ou folha corrida. Facilitaria muito. Enquanto não existe, teremos mais trabalho para pesquisar. Mesmo sem ter ainda a lista dos concorrentes, dá para tentar se informar sobre nomes que nos chamem a atenção.

E há que ir além dos nomes. Tomar posição diante de problemas do país e eventuais sugestões de soluções propostas. Para poder escolher quem tem afinidade com o que queremos. Há vários especialistas que escrevem artigos, dão entrevistas, manifestam-se de formas variadas e revelam seriedade e preparo. De minha parte, gosto de ficar de olho em quadros cuja capacidade admiro e já a comprovaram. Alguns são egressos de experiências em governos nos quais participaram e deram contribuições preciosas, sem se recusar a ver os desvios que ameaçavam. Não se deixaram respingar por nada sujo.

Há dois, por exemplo, que ajudaram na formulação de programas de redistribuição de renda do governo Lula, mas se mantiveram críticos diante de distorções subsequentes. Não são candidatos a nada. Mas vale ler ou ouvir o que dizem. Na área de educação é sempre lúcida a voz de Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna. Também é muito instrutiva uma página do Facebook, tododiamarcoslisboa, que promete e entrega uma dose diária de inteligência, com o ex-secretário de Politica Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005), atual presidente do Insper. Suas reflexões alimentam pensamentos.

Não podemos nos dar ao luxo de pretender pensar o país sem considerar com seriedade as questões e o conhecimento trazido pela experiência de pessoas desse calibre. Como Eduardo Gianetti, da equipe de Marina Silva. E sempre é ótimo ler Samuel Pessoa. Agora faz falta a contribuição de Paul Singer, mas Fernando Haddad parece capaz de dialogar: é salutar confrontar suas opiniões com outras. Também muitos dos que provaram sua competência na criação e implantação do Plano Real fazem boas análises — sobre abertura da economia, abusos e limites do papel do Estado, estímulo à produtividade, sugestões concretas para reformas estruturais. Vai ser fundamental termos um Congresso capaz de votá-las. São indispensáveis para começarmos a sair do atoleiro.

Se amamos o país e queremos que seja um lugar justo, não podemos continuar fugindo de debates responsáveis ou nos recusarmos a repensar nossas necessidades e caminhos. Chega de teimosia. O tamanho do déficit e o número de desempregados são alarmantes e cruéis. Estamos ficando cada vez mais para trás e pagando um preço muito alto pela recusa em sermos racionais e discutir em termos adultos. É urgente amadurecer.
Ana Maria Machado

Imagem do Dia


Ai, esta terra...

Em Nevoeiro (Mensagem), Fernando Pessoa reflete sobre seu país: “Nem Rei nem lei, nem paz nem guerra/ Define com perfil e ser/ Esse fulgor baço da terra/ Que é Portugal a entristecer”. A tentação é apropriar esses versos, trocando apenas o país. Em vez de Portugal, Brasil. Esperanças vãs. Tardias e estreladas. Em mim, essa tristeza com o país vem das comparações, em pequenas observações do quotidiano. Por conta do espaço limitado, seguem apenas duas.

1. ESCOLAS. Em Portugal, os salários iniciais das carreiras públicas são baixos. Aumentando, a cada cinco anos, por conta de progressões funcionais. Servidores públicos estão há anos sem aumentos porque o governo ainda sofre com o déficit. Só o terão quando o país voltar a ser superavitário. Ali pertinho, na Espanha, vale uma regra parecida. Enquanto a Previdência Social for deficitária, aposentadorias terão aumento máximo anual de só 0,25%. Ponto final. Difícil comparar com o Brasil – em que se pleiteia, todos os anos, correção e recuperação de perdas passadas. Voltando à terrinha, professores agora requerem progressão funcional nas suas carreiras. Por conta do tempo de serviço. Única forma, no contexto, de ganharem algo mais. Só que o governo resiste em dar aquela progressão. E há risco de greve.

Lisboa, o charme das ruas
Ocorre que nem passa pela cabeça de um professor português fazer greve com prejuízo para o aluno. Deixar de dar aulas, pois, nem pensar. Em nenhum lugar civilizado é assim, bom se diga. No Brasil, bem diferente, passam semanas e meses longe das salas. É possível que as provas de fim de ano, a serem realizadas agora em junho, acabem realizadas sem que sejam fornecidas suas respectivas notas à direção das escolas. O mundo, lá, é outro. Por falar em escolas, celulares de muito são proibidos nas salas de aula. Havendo o risco de incorporar, agora, o que já acontece na França; não podendo ser usados, em qualquer situação, dentro das escolas. Tentativa de obter maior concentração, dos alunos, em seus estudos. Difícil imaginar que algo assim possa ocorrer por aqui. Talvez houvesse até greve dos estudantes, contra.

2. MOTOS. Acidentes de motos, e bicicletas, quase não há em Portugal. Por duas razões simples. Uma é que se usa lá, sempre, todas as proteções. Outra é que são considerados veículos, regra geral na Europa. A partir do Código das Estradas português (de 01/01/2014) – quando passaram a ter todos os direitos, e obrigações, de qualquer veículo. No sinal, quando para um carro na frente, motos e bicicletas ficam atrás. No meio da rua. Como se fossem um carro. No Brasil, 40 motos ou bicicletas cortariam pela direita, mais 30 pela esquerda, e todas ficariam estacionadas sobre a passarela de pedestres. Esperando o sinal abrir. Resultado, no Brasil temos acidentes a granel. E lá, não.

Meu filho Sérgio, ciclista inveterado, e sem saber dessas regras, ultrapassou o carro da frente com sua bicicleta. Foi logo parado por uma guarda. A multa é 1/3 do valor da bicicleta. Não foi multado só porque o guarda o reconheceu como estrangeiro. Acreditou que não conhecia da lei. E foi generoso. O curioso é que Serginho nunca mais ultrapassou carro nenhum, fora das situações em que isso é possível. Tenho dúvidas se, por aqui, continuará sem ultrapassar os carros, vendo todos fazer isso no seu entorno. Não faz lá, enquanto aqui talvez faça. Por conta da cultura. Da civilização. É a única conclusão possível.

Sonho com o dia em que, como no Fado Tropical do português Ruy Guerra, musicado por Chico Buarque, “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal/ Ainda vai tornar-se um imenso Portugal”. Mesmo sabendo não ser possível, nem tão cedo. Pena. Reduzindo-se essa pressa que embala hoje meu coração, como na peça de Shakespeare, a só Sonho de uma noite de verão. Mas continuo otimista. Um dia isso muda.

José Paulo Cavalcanti Filho

Defesa de Lula ama confusão. E é correspondida

Uma das características fundamentais da dificuldade dos tribunais para deferir os recursos de Lula é ter que ler as várias petições da defesa e chegar à conclusão de que os advogados do ex-presidente petista já não têm muito a dizer em favor do seu cliente. A escassez de argumentos leva à criatividade processual. Numa de suas inovações, os defensores de Lula tentaram saltar instâncias. Protocolaram no Supremo um recurso que dependia do aval do TRF-4 para tramitar. Não colou.

A Segunda Turma do Supremo já havia marcado para terça-feira (26) o julgamento de um recurso extraordinário que pedia a libertação de Lula. Os advogados queriam suspender os efeitos da condenação que resultou na inelegibilidade do preso. Desejavam que, além de ganhar a liberdade, Lula pudesse participar da campanha presidencial até que o mérito do seu recurso fosse julgado pelo Supremo.


O problema é que esse tipo de recurso teria de ser analisado previamente pelo TRF-4, o tribunal que confirmou a condenação que Sergio Moro impusera a Lula no caso do tríplex. A defesa tomou o atalho de Brasília sob a alegação de que o tribunal de segunda instância demorava a encaminhar o recurso à Suprema Corte.

Os companheiros estavam esperançosos, pois a Segunda Turma do Supremo absolvera há três dias a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, numa das ações movidas contra ela por corrupção e lavagem de dinheiro. Mas a vice-presidente do TRF-4, desembargadora Maria de Fátima Freitas Labarrère, jogou jurisprudência dentro do chope do petismo.

Em despacho divulgado no final da tarde desta sexta-feira, a magistrada decidiu que um dos recursos protocolados pela defesa de Lula deveria seguir para o Superior Tribunal de Justiça, onde são julgadas as encrencas infra-constitucionais. Envolve uma questão relacionada ao valor da indenização a ser paga por Lula à Petrobras. Mas a desembargadora brecou o recurso que os advogados endereçavam ao Supremo. Sustentou que não há pendências constitucionais a serem julgadas.

Diante da novidade, o ministro Edson Fachin, relator da causa no Supremo, cancelou o julgamento que estava marcado para terça-feira. “A modificação do panorama processual interfere no espectro processual objeto de exame deste STF”, anotou Fachin. “Diante do exposto (…), julgo prejudicada esta petição. Retire-se de pauta.” Presidente da Segunda Turma, o ministro Ricardo Lewandowski já excluiu a matéria da pauta.

Os advogados de Lula informam que recorrerão contra as duas decisões, a de Maria Labarrère e a de Fachin. Antes, a defesa terá de se entender consigo mesma. As bancas de Brasília e de São Paulo batem cabeça. Em memorial entregue aos ministros do Supremno, o doutor Sepúlveda Pertence pedira a conversão do encarceramento de Lula em prisão domiciliar. Seu colega Cristiano Zanin divulgara nota para informar que não interessa a Lula senão a liberdade plena.

Vai ficando claro que a defesa de Lula ama a confusão. E é plenamente correspondida.

Batatas, fretes e auxílio-moradia

Imaginem o seguinte: um ministro do Supremo Tribunal Federal convoca produtores, atacadistas, comerciantes e consumidores, todos devidamente representados por suas associações, mais funcionários do governo federal, para fixar o preço das batatas em todo o Brasil. Não um preço qualquer, mas que seja “bom” para todos as partes.

Ridículo, não é mesmo? Como é que fariam uma tentativa a sério – patrocinada pelo STF! – para buscar um objetivo impossível? Seria o Supremo organizando um cartel, uma grave violação à lei da livre concorrência. Um produtor que quisesse vender sua batata com desconto estaria cometendo uma ilegalidade.

Pois substituam batata por frete rodoviário – e teremos exatamente o que está acontecendo. O ministro Luiz Fux consulta associações de caminhoneiros e do agronegócio, mais membros do governo e da Procuradoria Geral da República – a primeira reunião foi ontem – para tabelar o preço do frete rodoviário.

Ou seja, está organizando um cartel – o que já é ilegal e um baita equívoco econômico e político. Mas é também um cartel duplamente injusto, pois deixa de fora muita gente interessada, a começar pelos consumidores brasileiros que pagarão os preços dos produtos transportados.

Dirão, assim pelo óbvio: fretes não são batatas; um serviço não pode ser misturado com um tubérculo.

Mas a questão do preço é a mesma. Ou é livre mercado ou é tabelado. Nos dois casos, o tabelamento, ilegal, causaria graves desequilíbrios econômicos.

Considerem o frete. Como um grupo organizado pelo STF pode saber qual o preço do quilômetro rodado em todas as estradas deste país? E mais: para os variados tipos de caminhão e diferentes cargas e viagens? Assim, qualquer preço tabelado estará errado, caro para uns , barato para outros, fonte de lucro aqui, prejuízo ali.

Claro que as partes tentarão passar os custos para a frente. Se o frete da batata da fazenda até o supermercado ficar muito caro, para lucro dos transportadores, os produtores e comerciantes tentarão passar para o varejo, que não terá alternativa senão tentar passar para o consumidor ou simplesmente não comprar, se desconfiar que o consumidor não vai pagar. Isso dá ou inflação ou desabastecimento ou as duas situações ao mesmo tempo.

Pior, vai acabar faltando batata para o consumidor e frete para o caminhoneiro – com o já está ocorrendo com diversos produtos agrícolas, pois está em vigor uma tabela de frete baixada pelo governo e que todo mundo sabe que é impraticável.

A bobagem repetida é achar que se pode encontrar uma outra tabela que seja justa para todos.

Não existe isso. É simples assim, não há preço justo para todos – há apenas o preço definido pelo mercado. O que acaba prevalecendo, pois ninguém cumpre uma tabela tão equivocada.

Chama-se a polícia se um caminhoneiro quiser cobrar mais barato que o preço oficial? Ou tentar cobrar mais caro porque a estrada está um barro só?

Que tal, então, tabelar tudo?

Parece absurdo, é absurdo, mas muita gente ainda acha que pode funcionar, mesmo que todas as experiências mundiais de congelamento e tabelamento tenham dado errado. Como dizia o sábio Mario Henrique Simonsen: é uma regra latino-americana, essa de achar que uma política errada deve ser tentada indefinidamente ….até dar certo.

Cartel do auxílio

E tem também a história do auxílio-moradia dos juízes. Eles estão recebendo o benefício faz tempo, com seus vencimentos superando o teto salarial, mas uma ação de inconstitucionalidade chegou ao Supremo. O ministro Luiz Fux, relator do processo (e autor da liminar que permite o pagamento até o momento) mandou o caso para uma arbitragem patrocinada pela Advocacia Geral da União. O órgão convocou associações de magistrados e de outros interessados, mais funcionários do governo, para arbitrar uma solução.

Começou errado. Faltou ali pelo menos uma parte interessada: o contribuinte brasileiro, que vai pagar a conta.

De todo modo, a comissão não conseguiu arbitrar nada e o caso voltou ao STF. Mas a comissão fez sugestões de como encaminhar uma saída.

Com qual propósito?

Adivinharam: para legalizar de vez o pagamento do auxílio. Não ocorreu a ninguém dizer que simplesmente o benefício é ilegal – quer dizer, foi legalizado por gambiarras feitas pelos beneficiados – e duplamente ilegal quando fura o teto salarial e triplamente errado quando pago a casais de magistrados que têm casa própria.

É difícil arrumar uma lei para legalizar isso tudo. Mas continuam tentando. E tentando passar a conta.

Brasil de São João


Rejeição a checagem de fatos no Brasil surpreende Facebook

Para reverter a fama de principal vetor de notícias falsas da internet, o Facebook firmou parcerias com agências de checagem de fatos em 14 países. Implementado no exterior, o programa ajudou a reduzir o alcance orgânico de fake news na plataforma em até 80%. Mas no Brasil a medida provocou uma forte reação de usuários contrários.

A resposta foi um reflexo da polarização política no Brasil, que parece não contaminar apenas o debate eleitoral, mas também o combate à desinformação. Quando o serviço de checagem de notícias falsas no Facebook começou a funcionar no país, em 10 de maio, grupos que se autodenominam liberais e de direita promoveram ataques contra os profissionais das agências Lupa e Aos Fatos, que, junto com a Agence France Press (AFP), mantêm a parceria com a rede social.

Os profissionais das agências foram acusados de serem incapazes de fazer uma checagem de dados profissional e isenta por serem "esquerdistas". Alguns jornalistas foram agredidos pessoalmente nas redes sociais, receberam ameaças e intimidações, tiveram a vida pessoal e até mesmo informações sobre familiares expostas no mundo virtual.

Sites, blogs e páginas que se identificam com preceitos da "direita liberal" no Brasil foram os primeiros a acusar o Facebook de censura, cerceamento e aparelhamento ideológico que, segundo eles, poderá ter consequências no processo eleitoral brasileiro.

A reação visceral contra a checagem de fatos no Brasil surpreendeu especialistas internacionais. O Facebook foi obrigado a se manifestar em defesa dos profissionais. "O trabalho deles é checar fatos, não ideias. Nossos parceiros no Brasil têm sido alvo de ataques pelo trabalho que estamos fazendo para ajudar a construir uma comunidade melhor informada. Condenamos essas ações e seguimos comprometidos em trabalhar com organizações reconhecidas pela IFCN no nosso programa de verificação de notícias", diz trecho da nota do Facebook divulgada em 18 de maio.

Questionado pela DW Brasil sobre a polêmica no país, o Facebook informou que dará continuidade ao programa e que as críticas de partidarismo político e censura são improcedentes. "O Facebook é um espaço para todas as ideias, mas não para a disseminação de notícias falsas. Nossos parceiros são certificados pela International Fact-Checking Network (IFCN), uma organização apartidária, cujo selo garante que os verificadores estão comprometidos com a imparcialidade e a transparência de suas fontes de informação e metodologia de checagem".

Cristina Tardáguila, diretora da Agência Lupa, a primeira criada no Brasil para checagem de fatos, diz que o trabalho de seus profissionais não será interrompido por esses ataques. "Para atuar neste modelo de jornalismo, com certificação internacional, é crucial ser absolutamente transparente e estar aberto a críticas, e aperfeiçoar sempre os sistemas de correção", explica. A Lupa, informou, tenta ampliar cada vez mais essas medidas de transparência que reforçam a sua imparcialidade.

Tai Nalon, diretora executiva e cofundadora da agência Aos Fatos, diz que sua equipe resolveu aderir à iniciativa do Facebook "porque isso faz parte da lógica do nosso trabalho. Somos filiados à rede internacional de checadores. É um selo de integridade e de boas práticas", explica.

Conseguir a certificação do IFCN não é um processo simples. As agências de checagem certificadas precisam dar provas constantes de transparência, apartidarismo e responder prontamente às críticas. Além disso, submetem-se a uma auditoria internacional anual para que todas esses requisitos de independência sejam verificados por agentes externos.

Um dos grupos que centralizou os ataques às agências de checagem foi o Movimento Brasil Livre (MBL), que tem tem mais de 2,8 milhões de seguidores no Facebook e ganhou protagonismo no país durante manifestações favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff.

Um dos líderes do MBL, o vereador Fernando Holiday (DEM-SP), defende que cada um crie seus próprios critérios de checagem. "Fake news são um problema desde que a internet existe", disse o vereador à DW Brasil.

"É algo que a humanidade vai ter que aprender a lidar. O cidadão vai criando seus critérios para conferir a informação. Trazer esse poder de conferir a agências, ligadas a jornalistas com um lado ideológico muito claro, pode ser perigoso. Porque você dá o poder de dizer o que é verdade e o que não é a um grupo restrito. E quem vai checar as verdades julgadas por esse próprio grupo? O critério deve ficar nas mãos do individuo, até porque se ele não tiver a capacidade de discernir o que é falso e o que é verdadeiro, nunca vai aprender, e nós nunca teremos a independência completa", argumenta.

A primeira onda de ataques veio da direita, mas os dirigentes das agências de checagem afirmam que estão preparados também para ataques de grupos de extrema esquerda, algo que já vivenciaram no Brasil, especialmente em 2016, durante o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff e as eleições municipais.

Além do Brasil, desde dezembro de 2016 o Facebook firmou parcerias com agências de checagem de fatos nos Estados Unidos, França, México, Argentina, Colômbia, Holanda, Itália, Filipinas, Irlanda, Turquia, Indonésia, Índia e Alemanha.

Guillaume Daudin, chefe do setor de checagem de fatos da Agence France Press, em Paris, disse que a AFP nunca foi acusada de engajamento partidário e ideológico e nem tampouco de partidarismo político em nenhuma das experiências de checagem das quais participa na França, México e Colômbia.

"Fact-checking é parte das várias soluções na luta contra a desinformação, assim como a educação para as mídias e um melhor uso do conteúdo de notícias pelos algoritmos do Facebook, do Google, etc", diz Daudin.

Esse tipo de trabalho, esclarece o profissional da France Press, não tem "absolutamente nenhum risco de censura". "A AFP não tem o poder de deletar nenhum conteúdo da internet, apenas vamos dizer se tal conteúdo é falso e explicar por que chegamos a essa conclusão. Nunca o Facebook deleta um conteúdo, exceto se ele infringir a lei (conteúdos de racismo, discurso de ódio e pedofilia)."

Para Gilmar, o culpado é sempre o caseiro

Em 2006, o caseiro Francenildo Costa contou que tinha visto Antonio Palocci na mansão em que trabalhava, situada no Lago Sul de Brasília e conhecida como “República de Ribeirão”. Primeiro numa entrevista ao Estadão, depois no depoimento a uma CPI do Congresso, afirmou que Antonio Palocci, então ministro da Fazenda, usava o local para a articulação de negociatas durante encontros enfeitados por garotas de programa.

O caseiro pagou caro por ter dito a verdade. Imediatamente demitido, teve o sigilo bancário estuprado por ordem de Palocci, nunca mais conseguiu um emprego fixo e até hoje não recebeu a indenização a que tem direito. Palocci precisou afastar-se do governo Lula, mas acabou inocentado pelo Supremo Tribunal Federal. Melhor: foi absolvido por Gilmar Mendes, que articulou a libertação do bandido de estimação por “falta de provas”. As atividades criminosas de Palocci só cessaram em 2016, quando foi caiu na rede da Operação Lava Jato.

Nesta quarta-feira, o depoimento do caseiro Élcio Pereira Vieira ao juiz Sérgio Moro confirmou que Lula é o dono real do sítio em Atibaia. É bom que se cuide: dizer a verdade continua perigoso. Gilmar Mendes vem fazendo o diabo para que o ex-presidente presidiário, na sessão do dia 26, seja libertado pela Segunda Turma do Supremo. Para salvar Palocci, condenou Francenildo ao desemprego. Desta vez, poderá tentar prender o caseiro Élcio.

A Matriz Tupi da sociedade brasileira

Darcy Ribeiro analisou, na série em dez segmentos denominada “O Povo Brasileiro”, nossas origens e cinco grupos regionais existentes no país. O segundo episódio refere-se à Matriz Tupi, apresentando fotos e vídeos de vários períodos sobre o cotidiano de tribos remanescentes dos povos que viviam aqui antes da colonização portuguesa. Mostra crianças em diversas atividades e adultos que constroem malocas, trançam redes, preparam alimentos, dançam e cultivam plantas comestíveis e terapêuticas, sem visar à acumulação para estocagem ou comercialização. Querem apenas a provisão momentânea, porque farão o mesmo nos dias vindouros, sem segmentar o tempo em horas e calendários.

A produção foi dirigida por Isa Grispum Ferraz, que contou com o narrador Matheus Nachtergaele. O geógrafo Aziz Ab’Saber e o jornalista Washington Novaes expuseram conceitos muito interessantes sobre a terra sem males, a profunda integração com a natureza, o saber sem propósito de oprimir o outro, a autossuficiência para resolver todos os problemas, a vida após a morte, a interseção entre a realidade e o mundo dos sonhos, o permanente agradecimento à divindade por tudo que existe em seu ambiente; enfim, a postura singular de um povo que não dispõe de escrita, não imagina a propriedade privada de qualquer bem e não instituiu o Estado opressor.

É difícil para um civilizado entender um sistema cultural tão diverso, em que as pessoas são felizes dispondo de instrumentos aparentemente rústicos e infraestrutura sem luxos. O vídeo escancara, entretanto, singela amostra das chamadas 240 tribos indígenas que continuam existindo no Brasil, em vários níveis de aculturação, sendo que 80 se mantêm isoladas, na Amazônia. O tronco linguístico Tupi estende-se do Maranhão ao Rio Grande do Sul, na porção leste do país. Pertence a ele o grupo Urubu-Kaapor, estudado por Darcy Ribeiro entre 1949 e 1951, inspiração maior para que o antropólogo construísse sua teoria sobre as bases para a formação do povo brasileiro. Além dos ameríndios, somos o resultado das matrizes Lusa e Africana, descritas em outros episódios da série.

Novaes ressaltou particularidades desses povos sem paralelo em nosso mundo, com forte presença da poesia, da música, da dança e do vinho no dia a dia. Apreciam festejar os acontecimentos, cultivando a estética corporal por pinturas em elaborados desenhos e adereços obtidos em seu meio. Desenvolvem também conexões espirituais com a terra, conhecendo a natureza em detalhe para garantir sua subsistência sem devastar sua área. Os pesquisadores reconhecem, atualmente, como essas tribos têm sido guardiães da biodiversidade diante de ações nocivas de seringueiros, madeireiros e mineradores, que dizimam tribos em assassinatos ou por contaminação de doenças para as quais os índios não têm anticorpos.

Aproveitamos pouco da sabedoria Tupi, ignorando que poderíamos construir uma sociedade mais justa se nos tivéssemos inebriado do sentimento de que ninguém pode dar ordens a outro, instalando a opressão.

Gilda de Castro