De um ex-banqueiro, o que se espera é que entenda o mundo do capital, mas Paulo Guedes errou também nisso. Sua fala no Aspen Institute sobre a Amazônia e a questão indígena mostra que ele não se atualizou em assuntos decisivos para entender o mundo de hoje. Além disso, afugenta ainda mais os fundos de pensão e os fundos soberanos. Eles já avisaram que suas normas de compliance limitam investimentos, dos trilhões de dólares que administram, em países que desmatam e ameaçam povos originários.
Guedes tem com o presidente Bolsonaro total afinidade em assuntos como direitos humanos, liberdades democráticas e proteção da Amazônia. Não foi Guedes a convencer Bolsonaro das virtudes do liberalismo econômico, mas o presidente é que o conquistou para seu conjunto de crenças, aliás, incompatíveis com o liberalismo. Eis o paradoxo deste governo. Ele não pode ser liberal, pela simples inadequação desse ideário com o elogio do regime ditatorial, por natureza, inimigo de qualquer liberdade.
Ficou muito mal para o ministro sua sequência de erros conceituais. Como ele é uma autoridade pública, isso prejudica o Brasil. Guedes mostrou desconhecimento do estado atual das coberturas florestais em outros países, sustentou argumentos vencidos e confundiu estoque com fluxo, o que é constrangedor. No caso da floresta, nosso estoque é bom. O Brasil tem uma área considerável de mata preservada. Mas o fluxo é muito ruim. Estamos desmatando a um ritmo crescente nos últimos anos, chegando a 10 mil km2 no ano passado e abandonamos a política com a qual o país reduziu em 80% as taxas anuais de destruição entre 2004 e 2012. A partir daí, o fluxo é contra nós, e piorou muito no governo Bolsonaro. A objetividade e os argumentos sóbrios são mais eficientes para afastar os riscos de o país ser desprezado nas decisões de alocação de recursos. Estamos em um momento de disputa por capital de qualidade.
De um economista não se espera queixa contra as artimanhas da competição. O lógico é que entenda o jogo do capitalismo e não facilite a vida de eventuais competidores. Afirmar que países europeus “usam a desculpa ambiental” para nos barrar não ajuda em nada. O que funciona é não fornecer provas contra nós. E o ministro deu a eles farta munição com o seu destempero.
A frase “vocês mataram seus índios, não miscigenaram” é muito ruim. O ministro não deve desconhecer que aqui matamos também, infelizmente. Extinguimos inúmeras etnias, ameaçamos outras e, neste momento, estamos colocando povos em risco. O governo tem estimulado atividades que agora são mais perigosas do que nunca, e só por ordem do STF foi instalada uma sala de situação para as ações de proteção aos índios isolados.
Outra frase infeliz: “As grandes histórias de como matamos nossos índios são falsas.” Antes fossem mentirosas as histórias que pesam sobre a nossa História. Aimoré, Caeté, Tupiniquim, Tupinambá, Carijó, são tantos os que não podem confirmar a impressão do ministro por não estarem mais aqui. Seus nomes repousam na lista de povos extintos feita pelo IBGE. Ela é longa.
Uma indicação importante de leitura é o livro “As flechas e os fuzis” de Rubens Valente. Ele conta como os militares agiram na época da ditadura contra os índios. São eventos dolorosos como os que vitimaram os Waimiri-Atroari. É difícil saber quantos índios dessa etnia morreram para dar passagem à BR-174. Havia um cálculo de que eles eram 3.000 antes de 1970, quando as obras começaram. Em 1978, havia 350. Valente usou um levantamento feito de avião por indigenistas da Funai e registra que morreram pelo menos 240. Logo na abertura do livro ela fala da morte de um grupo de Kararaô, de gripe, de sarampo, logo nos primeiros contatos nos anos 1960.
Há casos reconhecidos oficialmente. Na Cabanagem, foram massacrados os Tapuia. Na luta contra as Missões, tombaram os Guarani. Uma carta régia decretou a “guerra justa”, no Vale do Rio Doce, contra os Krenak, chamados botocudos. Em 1901, o Exército fez três expedições contra os Guajajara da etnia Tenetehara. O massacre ocorreu em Alto Alegre do Pindaré, no Maranhão.
Abandonar mitos e conhecer a história, mesmo em suas páginas infelizes, não reduz o amor à pátria, apenas nos permite ter uma visão realista e, quem sabe, um compromisso com um futuro diferente e melhor.