domingo, 5 de maio de 2019

Hora de colher


Podemos escolher o que semear mas somos obrigados a colher o que plantamos
Provérbio chinês

Governo Bolsonaro colocou o Brasil na frigideira

Desde que assumiu o Planalto, Jair Bolsonaro vive tentando conciliar duas exigências conflitantes: ser Bolsonaro e exibir o bom senso que o cargo de presidente requer. O problema não é o conservadorismo do capitão. O que obscurece sua Presidência é o arcaísmo. Os valores que Bolsonaro deseja conservar pertencem à Idade da Pedra. Sua agenda paleolítica empurrou o Brasil para dentro de uma frigideira internacional.

Ironia suprema: após liberar a catraca do Brasil para turistas americanos, dispensando-os do visto, Bolsonaro não consegue descer em Nova York. Ministro de sua predileção, Ricardo Salles tanto tramou contra fiscais do meio ambiente que virou figura indesejável no ambiente inteiro da Europa. Sob ataques, cancelou périplo pela França, Noruega, Alemanha e Reino Unido. Se ficasse no constrangimento pessoal, vá lá. O problema é que o país pode perder dinheiro.

Aconteceria cedo ou tarde. Nenhum governante conseguiria associar-se impunemente a desmatadores vorazes, trogloditas rurais, toupeiras climáticas, predadores de índios, moralistas bisonhos e ideólogos precários. As estocadas de Bill de Blasio, o prefeito de Nova York, são café pequeno perto do que está por vir.

O Brasil começou a sofrer resistência de instituições científicas, responsáveis pela produção de dados que ilustram o debate ambiental. Mantida a toada da insensatez, secarão linhas de crédito disponíveis em bancos internacionais. Pior: minguarão contratos de importadores de alimento que já não olha apenas a qualidade do produto, mas a sustentabilidade do modelo de produção.

Dias atrás, Ricardo Salles ironizou uma carta publicada em 26 de abril na conceituada revista Science. Nela, 602 cientistas europeus pedem que os negócios com o Brasil sejam condicionados à redução do desmatamento e respeito aos direitos dos povos indígenas.

"Não somos os responsáveis pela mudança climática" deu de ombros o ministro. "Precisamos, sim, conter o desmatamento da Amazônia, que vem crescendo há mais de dois anos. Mas não vamos deixar que isso seja pretexto para que estrangeiros venham nos dizer onde e como devemos produzir alimentos". Será?

O Brasil tornou-se uma potência agropecuária porque combinou o clima e o solo favoráveis com novas tecnologias. Bolsonaro e o pedaço troglodita do setor rural injetaram na agenda coisas como o afrouxamento da fiscalização do trabalho escravo, a flexibilização dos controles ambientais, a distribuição de armas... Tudo isso e mais a promessa de um salvo-conduto para ruralista atirar sem culpas.

É por essas e muitas outras que o país está na frigideira internacional. E o capitão não esboça a mais remota intenção de sair do óleo quente.

Pensamento do Dia


Orgia de desatinos

Vive-se o tempo da urgência, em que há sempre pressa. A imediatidade despreza a ponderação e a vivência de valores conquistados ao longo da História, pois o fundamental é resolver tudo o mais rápido possível. Por se receberem todas as informações sobre o acontecido em qualquer lugar, a todo instante, não mais é natural esperar a semente germinar para ter o fruto. Como dizem os italianos, prevalece o voglio tutto e subito.

O perigo está em dar voz a pessoas mimadas que, tendo poder, o usam para obter o objeto do desejo de plano, não dando tempo ao tempo ao ultrapassar procedimentos consagrados ou legalmente impostos, sem pejo de causar constrangimentos. Esse desvio de conduta se tornou ainda grave em face dos meios hodiernos de comunicação, dotados de muita força, a ponto de se confundir a verdade com o que é aceito e divulgado pelas redes sociais, com exclusão do pensamento crítico e da análise desinteressada das vivências existenciais reveladas no tumulto do cotidiano. Passa a ser “proibido pensar”.


No momento atual, vive o Brasil uma orgia de desatinos, fruto da implantação do voglio tutto e subito, a se ver pela conduta do presidente da República. Bolsonaro achou ser demasia o valor do aumento do óleo diesel. Confessando, novamente, nada saber de economia, desgostoso com o porcentual acima da inflação – quando o reajuste dizia respeito ao mercado internacional –, Bolsonaro deu ordem ao presidente da Petrobrás para sustar a elevação do preço do diesel, causando na bolsa perda de valor das ações da Petrobrás na ordem de R$ 32 bilhões. Não importava ser a Petrobrás uma empresa de economia mista, com independência decisória. Era o presidente falando e querendo: punto e basta.

Em outra invasão de competência, o capitão presidente desconheceu novamente a lei das estatais e determinou ao Banco do Brasil a retirada de propaganda veiculada buscando atrair o público jovem de todas as tendências para se tornar cliente, operando totalmente por celular.

Nessa campanha, denominada Selfie, pessoas de aparência e estilos completamente distintos se fotografam com seus celulares, sendo convidadas a baixar o aplicativo e abrir uma conta.

Mas a manobra invasiva foi além, pois as agências de publicidade foram informadas de que a partir daquele momento todas as peças deveriam ser submetidas ao escrutínio da Secretaria de Comunicação Social, ordem depois desfeita. Importa destacar a frase dita no sábado passado pelo presidente: “Quem nomeia o presidente do Banco do Brasil? Sou eu? Não preciso falar mais nada, então”. É a palavra do presidente!!!

Duas outras situações indicam a avidez de desfazer o desgosto: multado diversas vezes no trânsito, propõe mudar a lei e dobrar o número de pontos para cassação da carteira de habilitação; flagrado pescando no mar em local impróprio, demite-se o fiscal. Tutto subito.

Se há liberdade de pensar na democracia brasileira, que, conforme a tradição a partir do Iluminismo, conduz a uma diversidade de perspectivas, tal deve ser obstaculizado no entendimento dos novos inquisidores, em sua pretensa imposição de uma unanimidade obediente e cinzenta, de acordo com os ditames de conservadorismo moralista. A forma imediata de suprimir a liberdade de refletir está, então, em dificultar ao máximo os cursos de filosofia, sociologia e das demais áreas das ciências humanas, pois perigosamente suscitam uma visão crítica. Faz-se, sem cerimônia, tábula rasa das conquistas do espírito ao longo da nossa civilização.

Com rudimentar obscurantismo, pelo Twitter, seu meio de comunicação preferido, Bolsonaro disse: “O ministro da Educação, Abraham Weintraub, estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas). O objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como veterinária, engenharia e medicina”.

Rapidamente se busca eliminar o pensamento diferente do oficialmente aceito pelo Alvorada, impondo redução das verbas para as ciências humanas, com a desculpa de querer promover profissões que rendam retorno financeiro imediato. Tutto subito.

Mas não fica por aí. No início da semana, em evento de agronegócio na cidade de Ribeirão Preto, Bolsonaro defendeu o envio de projeto criador de excludente de ilicitude para produtores rurais que atirarem em invasores, objetivando sua não punição. Quer porque quer acabar à bala com possíveis invasões. Tutto subito.

A palavra do presidente propondo nova disposição legal que legitime o uso da violência armada é grave exemplo para os concidadãos. Em defesa da propriedade nada é preciso além do que já consta do Código Civil e do Penal. Com efeito, segundo o Código Civil é permitida a retorsão imediata em caso de esbulho possessório, conforme o artigo 1.210, § 1.º: “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se, ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo”. A legítima defesa, prevista no artigo 25 do Código Penal, cabe também na hipótese de defesa da propriedade, mas apenas com uso moderado e necessário dos meios disponíveis para se alcançar o fim de repelir a agressão, ou seja, a invasão.

Diante da desnecessidade de novas disposições legais em defesa da propriedade, as palavras de Bolsonaro dando porte de arma a fazendeiros só se podem entender como expulsão à bala a qualquer tempo, sendo despicienda a ida ao Judiciário. Assim, propõe-se ser o conflito possessório resolvido legitimamente na base do revólver. Destarte, pretende Bolsonaro instalar o faroeste com consagração do uso arbitrário das próprias razões.

Em suma, é preciso um freio de arrumação para conter a pressa e instalar a paciência e a razão propícias ao respeito à lei e aos ritos democráticos no exercício do poder. Na democracia não há quem não deva ser súdito da lei.

A ignorância como critério de gestão

Bolsonaro na área da Educação. A ideia é focar em cursos que preparem os alunos para o mercado de trabalho. Além de caolho, o pressuposto é preconceituoso e ignora a relevância das Humanidades na vida atual.

O presidente usou sua conta no Twitter para dizer que haverá um corte de investimentos nas faculdades brasileiras de ciências humanas. Repetiu o discurso do novo ministro da Educação, que anda afirmando que “a função do governo é respeitar o dinheiro do pagador de imposto” e, por isso, o ensino deve se voltar para a disseminação de “habilidades” que ajudem os jovens a entrar no mercado de trabalho.


Para o governo, “poder ler, escrever e fazer conta” é o mais fundamental. Exclui-se, desde logo, o saber pensar, o saber conviver, o saber apreciar o belo. O pragmatismo é rasteiro, na doce ilusão de que a educação garantirá a aquisição de ofícios que “gerem renda para a pessoa e bem-estar para a família delas”, melhorando a sociedade.

A postura governamental ignora alguns fatos elementares. Antes de tudo, parece pressupor que os gastos das Humanidades ultrapassam os gastos com as demais áreas científicas e acadêmicas, quando todos sabem que a verdade está do lado oposto: dos cerca de R$1 bilhão investidos em pesquisa no Brasil, somente 160 milhões vão para as Ciências Humanas. O governo economizará pouquíssimo caso deixe de injetar dinheiro nas faculdades de Humanas.

O argumento orçamentário, portanto, não procede, deixando evidente que a intenção do governo é de outra natureza: ele acredita que as Humanas são um reduto das esquerdas, uma espécie de “foco subversivo” permanente. Despreza o pluralismo que vigora nessas áreas e ignora por completo a dimensão cívica, técnica e cultural das Ciências Humanas, que são vitais seja para o aprimoramento da língua e a formação reflexiva, seja para a investigação dos graves problemas sociais do País, como a desigualdade, a pobreza, a violência.

É difícil acreditar que alguém, ao final da segunda década do século XXI, não valorize a contribuição que a sociologia, a ciência política e a antropologia têm dado para a compreensão das sociedades e a abordagem dos múltiplos temas socioculturais. Sem elas, nenhum diagnóstico pode ser concluído, nenhuma política pública consegue ser formatada, executada e avaliada. A própria diversidade brasileira fica à margem, sem consideração adequada.

Numa época de complexidade crescente, demonstra ignorância e alienação quem procura rebaixar as ciências que podem se valer de perspectivas transdisciplinares para atingir a totalização crítica da experiência humana e a valorização da vida.

Alguém poderia dizer que o governo deseja imprimir marca tecnocrática à sua política educacional. Antes fosse, ao menos o caminho seria desastroso mas conhecido. O governo, porém, quer deslizar mais para baixo, abandonando qualquer tipo de filosofia educacional. Mistura problemas pedagógicos com organização acadêmica, privilegia a caça à esquerda em vez de apresentar planos e propostas para melhorar o ensino superior, faz crítica ideológica sem qualquer avaliação de desempenho.

Ainda que concentrada nas Humanidades, a perspectiva governamental mostra-se hostil ao conjunto da vida universitária. Coube ao ministro da Educação a façanha de ameaçar as universidades que permitirem a ocorrência de “balbúrdias” em seu interior, expressão genérica que pode se referir a tudo ou a qualquer coisa.

Ao atropelar a autonomia das universidades e comprimi-las com cortes e pressão, o governo exibe sua face arbitrária e destemperada. Demonstra ignorância e vontade de agredir tudo o que pode fazer pensar. Parece muito mais interessado em produzir fumaça e provocar do que em administrar o sistema universitário brasileiro e proteger as atividades de pesquisa e produção de conhecimento.

As Humanidades não podem ser suprimidas por decreto, indispensáveis que são à compreensão da vida social e à organização de um ensino superior de qualidade. O governo não sabe o que fazer nem com a Educação Básica, nem com o ensino universitário. Falta-lhe tudo o que é indispensável para a gestão de sistemas estratégicos: senso de proporção, inteligência crítica, equilíbrio, temperança, respeito à diversidade. Prefere coagir, sem se dar conta de que, ao assim proceder, está a destruir tudo o que já se construiu no País em termos educacionais. Não colocará nada no lugar, a não ser provocações. Sua maior contribuição será semear pânico e confusão.

A brutalidade governamental esbarrará na lógica dos fatos e na resistência de professores e estudantes. De agressão em agressão, preparará o caos, sem se dar conta de que nem sequer ele mesmo poderá disso se beneficiar.
Marco Aurélio Nogueira

Indignar-se é pouco

O que a gente não pode perder é a indignação contra essa loucura que está aí
Ignácio de Loyola Brandão

Devaneios

O governo de Jair Bolsonaro vem mantendo uma relação conflituosa com a realidade. O presidente e alguns de seus assessores, incluindo aí seus filhos, parecem incapazes de refletir de modo racional sobre os problemas do País. Suas reações indicam um consistente alheamento, situação em que referências concretas são ignoradas ou, pior, são consideradas um entrave para a realização de sua visão de mundo, ou um inimigo a ser enfrentado.

Nos devaneios de Bolsonaro, dos filhos e dos ministros do que se chama equivocadamente de ala “ideológica” do governo, a realidade é a inimiga a ser combatida, e com frequência o núcleo duro do poder bolsonarista trava essa guerra cultivando entre si fantasias sobre complôs de ateus esquerdistas, profecias apocalípticas e missões divinas.

A ilustrar esse desvario, Bolsonaro costuma recitar o versículo bíblico “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32). Em sua excêntrica exegese, Bolsonaro dá a entender que seria o portador da “verdade” revelada por Deus, num missão para “libertar” o País. Quando diz que não sabe ser presidente e não sabe como foi eleito, Bolsonaro, ao contrário de se desmerecer, reforça o mistério em torno de sua “escolha” para governar o País neste momento. “Estou cumprindo uma missão de Deus”, disse Bolsonaro, ainda durante a campanha.

Quase todos no entorno do presidente não apenas aparentam crer firmemente nessa visão, como a alimentam entre si e nas redes sociais, uma forma de proteger o governo do mundo real – aquele em que os atos têm consequências.

Movido a impulsos claramente desordenados, o presidente Bolsonaro desconsidera os limites concretos de sua atuação – legais, institucionais e econômicos – e parece convencido de que sua vontade basta para tornar realidade o que não passa de fantasia. Quando confrontado com os fatos – e eles existem, a despeito das crenças do presidente –, Bolsonaro os denuncia como “fake news”. A imprensa, cuja função é retratar a vida como ela é, torna-se naturalmente inimiga de quem prefere o conforto de suas convicções.

Assim, Bolsonaro julga-se livre de qualquer amarra – ética, legal ou racional – para impor suas vontades. A cada dia o presidente, os filhos e alguns de seus ministros dão inquietantes mostras de alienação – em alguns momentos, acarretando apenas constrangimento; em outros, graves riscos para o País.

Há poucos dias, por exemplo, o presidente achou-se com poder para pedir que o Banco do Brasil (BB) reduzisse suas taxas de juros – segundo ele, seria uma medida “patriótica”. Na semana passada, Bolsonaro já havia interferido no BB, ao mandar suspender uma campanha publicitária da instituição, por considerá-la inadequada. Nos dois casos, houve intromissão descabida nas decisões do banco. Não à toa, depois de suas declarações sobre os juros do BB, as ações do banco despencaram, pois ninguém gosta de investir em negócios cujo planejamento esteja sujeito não às condições de mercado, mas às idiossincrasias do presidente da República – que, aliás, não manda no banco.

Alguns dias antes, Bolsonaro já havia causado prejuízo semelhante à Petrobrás, também por interferência indevida em sua política de preços.

Assim, o presidente Bolsonaro e alguns de seus ministros, em pouco mais de quatro meses de governo, vêm colecionando decisões autoritárias, fruto desse voluntarismo. A área da educação tem sido particularmente atingida, em razão da ofensiva que o governo empreende contra um certo “marxismo cultural”.

Outro terreno em que a ideologia substituiu o bom senso é o da política externa, hoje pautada por discípulos de um ex-astrólogo que vive na Virgínia. Conforme essa doutrina, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é o “salvador do Ocidente”, razão pela qual é preciso alinhar o Brasil incondicionalmente aos americanos e desprezar organismos multilaterais. Não se sabe o que o Brasil ganhará com isso, mas sabe-se o que corre o risco de perder: o respeito internacional e boas oportunidades de negócios.

Mas isso não importa. Afinal, para quem se faz conhecer por “mito” – designação comum a narrativas fantasiosas –, nada mais natural do que fazer de devaneios a própria realidade.

Brasil digital


Faroeste Brasil

Bolsonaro organizou sua campanha presidencial em torno de um discurso ideológico, não de uma plataforma de governo. Hoje, quatro meses após a posse, temos finalmente uma clara plataforma de governo. O nome dela é faroeste Brasil. Bolsonaro anunciou a intenção de conceder aos proprietários rurais o direito a portar armas e um passaporte de impunidade, cinicamente descrito como “excludente de ilicitude”, para os que alvejarem invasores.

A pretensão, que viola as leis existentes, implica a formação de milícias rurais privadas com selo oficial: o retorno a um passado no qual a proteção da propriedade privada se sobrepunha ao monopólio estatal da violência legítima.


Bolsonaro anunciou uma “limpa no Ibama e no ICMBio” e um drástico corte de recursos para a estrutura de fiscalização das unidades de conservação. Seu filho Flávio apresentou projeto de alteração do Código Florestal que eliminaria o capítulo referente à reserva legal de vegetação nativa nas propriedades rurais.

A supressão permitiria o avanço das culturas em áreas de matas protegidas em estabelecimentos situados na Amazônia. De fato, seria a legalização dos negócios ilegais de desmatadores, madeireiros, palmiteiros, mineradores e invasores de terras indígenas. No Brasil profundo, passaria a valer a lei do colono armado.

Bolsonaro anunciou a retirada de todos os radares de tráfego instalados em rodovias federais. Há, de fato, uma lucrativa indústria de multas de trânsito que opera à base de armadilhas como radares ocultos, variações bruscas de limites de velocidade e confusa sinalização. Daí, o presidente não extraiu a necessidade de adequar o sistema de fiscalização ao propósito de educação dos motoristas. Optou, no lugar disso, por um programa de anarquia individualista nas estradas.

O ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro, tem especial apreço por prisões preventivas. O juiz Marcelo Bretas, que segue a mesma linha, criticou a “visão tradicional” dos tribunais superiores que limitam a prisão preventiva às hipóteses previstas no Código de Processo Penal. Bretas expressou a visão de Moro ao afirmar que “hoje em dia é muito difícil o sujeito fugir” e, por isso, “o que querem é conseguir habeas corpus”.

No discurso legal bolsonarista, o habeas corpus é rebaixado do estatuto de pilar fundamental do direito moderno, salvaguarda da liberdade do cidadão diante do arbítrio estatal, à condição de estratagema de criminosos para escapar à justa punição.

Lula restaurou o Estado balofo, paternalista, corporativista e intervencionista, legado pelo varguismo. Bolsonaro gira o leme até a posição oposta, tentando instaurar o vale-tudo. O espírito da fronteira tomou o Palácio do Planalto. Cada uma das iniciativas presidenciais constitui um ataque às regras de convivência social que previnem o “estado de natureza” hobbesiano: a “guerra de todos contra todos”.

Mas, que ninguém se engane: a plataforma de governo não é, rigorosamente, a do “Estado mínimo” desenhado nas utopias ultraliberais. Segundo Bolsonaro, o princípio do “Estado mínimo” aplica-se às esferas da administração das coisas e da garantia da liberdade dos indivíduos. Por outro lado, aplica-se o princípio do “Estado máximo” à esfera dos costumes e aos interesses das corporações de “amigos do rei”.

O “Estado máximo” bolsonarista emerge em atos de puro arbítrio inscritos numa arena de “guerra cultural”, como a interferência palaciana na publicidade do Banco do Brasil e os propalados cortes seletivos de verbas a cursos de humanas e universidades “esquerdistas”. Assoma, igualmente, na concessão de benefícios preferenciais a grupos de pressão como igrejas, caminhoneiros e ruralistas.

Bolsonaro só não é um Putin, um Erdogan, um Maduro ou um Ortega porque está no país errado. Aqui, vale o que está escrito na Constituição. Por enquanto.

Crise e incompetência

O país está parado. O primeiro trimestre, no campo econômico, foi perdido. O otimismo pós-eleitoral se desmanchou no ar. As expectativas criadas a partir do último bimestre de 2018 foram frustradas. Nada indica que o crescimento do PIB neste ano passe de 1,5%, mesmo com a aprovação da reforma da Previdência. O perigo é a contaminação de 2020. Neste cenário econômico teremos o primeiro biênio presidencial com resultados tímidos, próximos aos dos anos 2017 e 2018. Está descartada uma recuperação em ritmo acelerado. Lembrando que a economia internacional deve crescer neste e no próximo ano acima de 3%. Portanto, as razões para a paralisia são internas.

A retomada do crescimento econômico depende da solução da crise política. O processo eleitoral de 2018 sinalizou que a Nova República, edificada sobre a Constituição de 1988, deu seus últimos suspiros. Morreu, mas não nasceu algo novo em seu lugar. Vivemos um período de transição que pode ser curto ou longo e sem ainda estar claro onde será seu ponto final.



A indefinição aprofunda os problemas. Pior ainda quando os fatores de transição são frágeis. Isto fica patente quando observamos o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Um misto de primarismo, incompetência e ignorância tomou conta da Praça dos Três Poderes. As dificuldades para a aprovação das medidas consideradas essenciais pelo governo são uma clara demonstração da inaptidão política dos novos donos do poder.

A renovação no Legislativo, até o momento não representou uma melhoria no debate sobre as alternativas abertas para o Brasil.

A diferença é que o parlamentar usa das redes sociais para se comunicar, no calor da hora, com seus supostos representados. Seria como se no teatro, o ator representasse no palco e depois acompanhasse a peça sentado na plateia ao lado dos espectadores.

A barafunda fica estabelecida. O desconhecimento da vida parlamentar é patente. E além de ignorar o regimento, desconhecem — o que é mais importante — o teor das matérias. As sessões da Comissão de Constituição e Justiça que analisou a PEC da Previdência demonstraram à exaustão este fato.

Do lado do Executivo federal, a renovação não implicou em um processo de eficácia administrativa. Não há projeto de governo. As ações não dialogam entre si. O voluntarismo e o improviso tomaram conta da administração pública. E, desta forma, o país vai continuar paralisado.

Mudança climática está deixando países ricos mais ricos, e pobres mais pobresi

No último século, a mudança climática aumentou a desigualdade entre as nações, puxando para baixo o crescimento econômico dos países mais pobres e aumentando a prosperidade de alguns dos países mais ricos do planeta, aponta uma nova pesquisa.

O abismo entre as nações mais pobres e as mais ricas do mundo é 25% maior do que seria sem o aquecimento global entre 1961 e 2010, diz um estudo da Universidade de Stanford, na Califórnia.


Países tropicais africanos foram os mais afetados- os Produtos Internos Brutos da Mauritânia e do Níger estão 40% menores do que estariam se as temperaturas não estivessem aumentando progressivamente.

O Brasil, que é nona maior economia do mundo, teria tido um crescimento 25% maior se não houvesse aquecimento global.

A Índia - que, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), se tornará a quinta maior economia do mundo neste ano - atingiu um PIB 31% menor em 2010 por causa do aquecimento global, diz a pesquisa.

Por outro lado, conforme o estudo, publicado na revista acadêmica National Academy of Sciences, o aquecimento global contribuiu para o crescimento do PIB de vários países ricos, inclusive de alguns dos maiores emissores de gases poluentes.

Um dos autores da pesquisa, Marshal Burke, do Earth System Science, da Universidade de Stanford, passou anos analisando a relação entre temperatura e flutuação econômica em 165 países, entre 1961 e 2010.

O estudo usou mais de 20 modelos climáticos para determinar quanto cada país aqueceu em decorrência do aquecimento global provocado pelos seres humanos. Ele, então, calculou 20 mil versões de qual seria a taxa de crescimento anual dessas nações se não tivesse havido esse aumento na temperatura.

Burke demonstrou que, nos anos que registraram climas mais quentes que a média, o crescimento econômico acelerou nos países mais frios e reduziu, nos mais quentes.

"Os dados históricos mostram claramente que as plantações são mais produtivas, e as pessoas são mais saudáveis e mais produtivas no trabalho quando as temperaturas não são nem tão quentes nem tão frias", explica.

O pesquisador argumenta que países frios se beneficiaram do efeito do aquecimento global ao vislumbrarem alguns anos de temperaturas mais amenas, enquanto os países quentes foram "punidos" com temperaturas mais extremas que o normal.

Noah Diffenbaug, que liderou a pesquisa, disse à BBC News que a temperatura afeta a economia de um país de diferentes maneiras.

"Por exemplo, a agricultura. Países frios têm períodos limitados para germinação, por causa do inverno com temperaturas muito frias. Por outro lado, obtivemos evidências de que a produção agrícola declina acentuadamente em temperaturas muito altas", diz.

"Da mesma maneira, há evidências de que a capacidade de trabalho decai em temperaturas quentes, assim como a performance cognitiva. E os conflitos interpessoais aumentam em climas quentes também."

Os pesquisadores dizem que, enquanto há certa incerteza sobre o tamanho dos benefícios obtidos pelos países mais ricos e frios, o impacto do aquecimento global em nações de clima quente não deixa margem para dúvida.

Na realidade, se tivessem considerado o aquecimento global desde o período da Revolução Industrial, os efeitos seriam ainda mais significativos.

"Os achados dessa pesquisa são consistentes com conhecimentos que já tínhamos, como o fato de que as mudanças climáticas agem como multiplicador de ameaças, agravando vulnerabilidades", afirmou Happy Khambule, consultor do Greenpeace África.

"Isso significa que os mais pobres e vulneráveis estão na linha de frente das mudanças climáticas, e os países em desenvolvimento estão tendo de lidar com temperaturas cada vez mais extremas, que tolhem o seu desenvolvimento."