A pretensão, que viola as leis existentes, implica a formação de milícias rurais privadas com selo oficial: o retorno a um passado no qual a proteção da propriedade privada se sobrepunha ao monopólio estatal da violência legítima.
Bolsonaro anunciou uma “limpa no Ibama e no ICMBio” e um drástico corte de recursos para a estrutura de fiscalização das unidades de conservação. Seu filho Flávio apresentou projeto de alteração do Código Florestal que eliminaria o capítulo referente à reserva legal de vegetação nativa nas propriedades rurais.
A supressão permitiria o avanço das culturas em áreas de matas protegidas em estabelecimentos situados na Amazônia. De fato, seria a legalização dos negócios ilegais de desmatadores, madeireiros, palmiteiros, mineradores e invasores de terras indígenas. No Brasil profundo, passaria a valer a lei do colono armado.
Bolsonaro anunciou a retirada de todos os radares de tráfego instalados em rodovias federais. Há, de fato, uma lucrativa indústria de multas de trânsito que opera à base de armadilhas como radares ocultos, variações bruscas de limites de velocidade e confusa sinalização. Daí, o presidente não extraiu a necessidade de adequar o sistema de fiscalização ao propósito de educação dos motoristas. Optou, no lugar disso, por um programa de anarquia individualista nas estradas.
O ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro, tem especial apreço por prisões preventivas. O juiz Marcelo Bretas, que segue a mesma linha, criticou a “visão tradicional” dos tribunais superiores que limitam a prisão preventiva às hipóteses previstas no Código de Processo Penal. Bretas expressou a visão de Moro ao afirmar que “hoje em dia é muito difícil o sujeito fugir” e, por isso, “o que querem é conseguir habeas corpus”.
No discurso legal bolsonarista, o habeas corpus é rebaixado do estatuto de pilar fundamental do direito moderno, salvaguarda da liberdade do cidadão diante do arbítrio estatal, à condição de estratagema de criminosos para escapar à justa punição.
Lula restaurou o Estado balofo, paternalista, corporativista e intervencionista, legado pelo varguismo. Bolsonaro gira o leme até a posição oposta, tentando instaurar o vale-tudo. O espírito da fronteira tomou o Palácio do Planalto. Cada uma das iniciativas presidenciais constitui um ataque às regras de convivência social que previnem o “estado de natureza” hobbesiano: a “guerra de todos contra todos”.
Mas, que ninguém se engane: a plataforma de governo não é, rigorosamente, a do “Estado mínimo” desenhado nas utopias ultraliberais. Segundo Bolsonaro, o princípio do “Estado mínimo” aplica-se às esferas da administração das coisas e da garantia da liberdade dos indivíduos. Por outro lado, aplica-se o princípio do “Estado máximo” à esfera dos costumes e aos interesses das corporações de “amigos do rei”.
O “Estado máximo” bolsonarista emerge em atos de puro arbítrio inscritos numa arena de “guerra cultural”, como a interferência palaciana na publicidade do Banco do Brasil e os propalados cortes seletivos de verbas a cursos de humanas e universidades “esquerdistas”. Assoma, igualmente, na concessão de benefícios preferenciais a grupos de pressão como igrejas, caminhoneiros e ruralistas.
Bolsonaro só não é um Putin, um Erdogan, um Maduro ou um Ortega porque está no país errado. Aqui, vale o que está escrito na Constituição. Por enquanto.
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