sábado, 19 de setembro de 2020

Labaredas no Pantanal e na Amazônia indicam ação criminosa e coordenada em larga escala

O fogo devasta as florestas do oeste dos EUA e, em outro hemisfério e outras latitudes, extensas áreas da Amazônia e do Pantanal. As mudanças climáticas aproximam os incêndios deles dos nossos. Mas são fogos diferentes. Aqui, as labaredas indicam ação criminosa, coordenada em larga escala.

Nos EUA, Trump revela uma vez mais sua aversão à ciência quando nega o papel decisivo das mudanças climáticas. Contudo, tem razão ao mencionar o diagnóstico de técnicos florestais que acusam o ambientalismo fundamentalista pelo agravamento da crise.

Florestas temperadas de clima subúmido exigem permanente manejo para evitar o adensamento excessivo da vegetação. Nas últimas décadas, porém, sob pressão de grupos preservacionistas extremados, reduziu-se tanto a exploração madeireira sustentável como a boa prática de incêndios controlados.

Na sua vastidão, os incêndios florestais nos EUA relacionam-se primariamente com o aquecimento global, mas é difícil negar a contribuição do acúmulo de matéria orgânica, viva e morta, nos estratos inferiores.


Os sistemas ecológicos tropicais da Amazônia e do Pantanal funcionam de forma diversa. O fogo é um componente deles, durante as estações secas, mas o intrincado tecido de superfícies líquidas opera como fator limitante.

Normalmente, focos amplos de incêndio acabam contidos pelos rios, furos, igarapés, corixos e lagoas de vazante. Incêndios tão extensos como os que estão em curso só podem ser explicados por ações humanas persistentes e deliberadas.

O aquecimento global está na base dos incêndios, mas há fogos e fogos. Queimadas comuns para a limpeza de pastos não se confundem com as labaredas ateadas depois da derrubada criminosa de áreas de reserva legal com a finalidade de substituí-las por pastagens. O segundo fenômeno origina inúmeros dos incêndios amazônicos e pantaneiros. É que o crime compensa, quando o governo simula não vê-lo.

Desta vez, entretanto, a escala do desastre solicita um crime maior. Nos sistemas ecológicos do trópico úmido, incêndios que saltam incontáveis barreiras líquidas só podem nascer de fogos ateados simultaneamente ao longo de arcos de centenas de quilômetros.

Imagens de satélite indicam uma origem coordenada desses incêndios. A PF dispõe de meios para chegar aos organizadores de um crime ambiental aterrador. O obstáculo não é técnico, mas político: os criminosos agem à sombra do poder.

O Ministério do Meio Ambiente é parte do problema, não da solução. Seu titular, Ricardo Salles, não é um fanfarrão ideológico, um adorador de mestres místicos, um Weintraub qualquer, mas um operador profissional que serve aos interesses da devastação ambiental. Sua missão oficiosa consiste em desmontar os aparatos de fiscalização do Ibama e do ICMBio.

Restaria a esperança na ação dos militares, sob o comando de Hamilton Mourão. O vice-presidente fala, para alguns públicos, na proteção da floresta e ensaia a formação de uma “força tática da Amazônia”. Mas vale a pena apostar na figura que, em parceria com Salles, postou o célebre vídeo negacionista do mico-leão-dourado?

“Nós temos que fazer a contrapropaganda. Isso faz parte do negócio”, justificou-se Mourão, confundindo o dever institucional de dizer a verdade com a “guerrilha da informação” típica do bolsonarismo de redes sociais.

O declínio de um vice que chegou a funcionar como contraponto civilizado de Bolsonaro mancha, inevitavelmente, a imagem das Forças Armadas.

Os militares são um símbolo perene da soberania nacional na Amazônia. A história os colocou na linha de frente da preservação do patrimônio ambiental constituído pelas florestas.

Hoje, porém, em nome de lealdades políticas circunstanciais ou de privilégios corporativos que se acumulam, eles curvam a espinha diante do crime ambiental. Isso não “faz parte do negócio” —e não será esquecido.

Pensamento do Dia

 


Ardem florestas, corações e mentes

Enquanto Roma ardia em pavoroso incêndio, Nero tocava lira ou outro instrumento. Como saber? Agora, enquanto o Pantanal arde e a Amazônia segue o mesmo caminho, Bolsonaro toca o quê? Nada. Não toca nem o governo. Cuidado, não mostrem ignorância confundindo Amazônia com Mata Atlântica nem com o Parque do Ibirapuera, Zona da Mata, Cerrado Brasiliense ou Floresta da Tijuca como faz o inescrutável Ricardo Boiada que Passa. Passa um, passa dois, passa três, passa quatro, passa cinco, passa seis.

E passando, passando pode até passar a Damares para dentro do Supremo Tribunal Federal, este que não chove nem molha em relação ao foro privilegiado de Flávio Rachadinha, filho amado. Imaginemos Damares junto com o Fux e o Toffoli Bolsonaro Nunca Praticou Qualquer Ato Antidemocrático. Periga de vir também o Mendonça, habilmente desenhado por Mario Sergio Conti como protótipo de nazista gestapo cristão.


Ardem as matas, ardem as mentes, arde meu coração nesta primavera em que um dia é quente, o outro gelado, semelhante a Bolsonaro e suas decisões, um dia diz, no outro desdiz, diz que não disse, rejeita o dito, o que foi dito não é confirmado. O homem acusa o palerma do Guedes, que suporta em nome do quê? Qual a ambição deste que leu Keynes no original?

Disse. Não disse. Claro que disse. Quando criança lá em Araraquara, quando você dizia e não sustentava era definido por uma palavra que hoje faz parte do politicamente incorreto, mas vou citar: mariquinha. Roma ardia, Nero tocava lira, romanos morriam sob o fogo, mas também eram mortos na arena, comidos por leões, hienas ou crucificados assim como agora somos cancelados pelas redes. Bolsonaro solta rajadas de tiros, enquanto aposentados morrem à medida que seus vencimentos vão minguando, idosos fenecem porque não fazem falta nenhuma, os carentes, os indigentes, os deficientes, os índios, os negros morrem porque, como dizia Josef Mengele, não contribuem com nada para a pureza da raça.

Por que não impichamos Bolsonaro, colocando em seu lugar o embaixador norte-americano? Os mais velhos se lembram da frase que correu o País na década de 60: “Eliminemos os intermediários, Lincoln Gordon para presidente do Brasil”. Passadas décadas, não elegemos Gordon, mas elegemos um comandatário, vassalo, flâmulo, varlete, armígero, colomim, mirmidão, I Love You Trump. De onde vieram as ideologias dele? Do astrólogo Olavo de Carvalho, de Steve Bannon agora na prisão como corrupto, de Ryan Hartwig com seu Projeto Veritas que andou aqui pelo Brasil.

Olhando o cenário, o que vemos? Trump pede uma base militar e o Brasil dá. Em troca de quê? De uma banana. Trump pede que os EUA nos mandem etanol sem tarifas, o Brasil concorda, esperando que o indicado para o BID seja um brasileiro. Trump nem ouviu, c... e andou, como se diz. Nomeou um dele. Trump determinou que a cloroquina era o medicamento, compramos, e ainda produzimos bilhões de comprimidos, que formariam uma montanha do tamanho do Pão de Açúcar. Ou do Dedo de Deus, já que Deus está acima desta lesa-pátria. Única reação que o Brasil teve foi mandar Weintraub para desmoralizar o Banco Mundial. Por que não elegemos Melania Trump para presidente do Brasil? Seria nossa segunda mulher presidente. Ligação direta. Finais de semana no condomínio da Barra cercado de seguranças milicianos. Ou nos campos de golfe de Trump. Será que teríamos de fazer depósitos em dólares na conta de Melania? Inexplicados 89 mil dólares que o Guedes pagaria?

Sabem por que não temos ainda embaixador nomeado nos Estados Unidos? Por que não precisamos. As ordens vêm por um telefone direto ou por e-mails redigidos pelos 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 0120, 0 mil, 0 um milhão, 0 milhões e milhões que puseram esse homem no poder.

Ardeu Roma, arde a Califórnia, ardem os Estados Unidos, arde minha cabeça, queima meu coração, arde a Hungria, arde Belarus, os nossos mortos decresceram, mas voltaram a subir, todo mundo aglomerado nas ruas, bares, praias, baladeiros ao sol, felizes, roleta-cloroquina, se o outro vai morrer que me importa? 2022 vai chegar, a grande questão é saber quem estará vivo para votar.

Estou dando entrada na Associação Comercial ao meu pedido de abertura de uma seita, uma igreja, quero dízimos, muitos dízimos, não quero pagar nada, imposto, taxa, boleto. Passa boi, passa boiada. A democracia começa a arder, ardem nossos corações e mentes. Não nos calemos.

Presidente 'valentão'


Vocês não entraram na conversinha mole de fica em casa. Isso é para os fracos

Jair Bolsonaro

Sucursal do inferno

No vasto e fumegante braseiro a céu aberto, de labaredas inclementes, mato seco esturricado e fogaréu até onde a vista alcança, irrompendo às alturas, sem controle, respirar é quase insuportável. Ardem os pulmões. O cheiro das cinzas de animais fritados vivos, que invade as narinas, misturado ao pó da terra barrenta e aos ventos quentes de gás e fuligem putrefata com toda aquela queima incessante, transforma o ambiente em cenário cruelmente real de uma sucursal do inferno. Sítio das trevas. Desolador. Nunca foi tão devastador. Um bioma inteiro, dentre os mais ricos e diversificados do mundo, ardendo em chamas incontroláveis. Implacáveis. Quase 30% desse paraíso na Terra tomados pelas queimadas, consumidos pela destruição que não encontra paralelo na história da região. Sem resistência, sem fiscalização, sem qualquer esforço das autoridades competentes para evitar ou barrar o processo.


Alguns, como o próprio presidente Bolsonaro, diante das cobranças, foram capazes de gargalhadas indolentes, em recente e bizarra reunião no Palácio do Planalto. Quando ali questionados por uma criança de 10 anos a respeito do fogo no Pantanal, os presentes fizeram pouco caso da pergunta e, em tom de galhofa, tripudiaram da garotinha.

“Mandamos dez aviões para jogar água lá”, respondeu um deles aos risos, como se fosse a iniciativa suficiente. Ao menos para calar a curiosidade infantil, deve ter pensado. Sabe não ser. Descaso. Descrença. Abandono. Combinados à temporada de intempéries climáticas arrasadoras que castigam a vegetação, e aos abates criminosos, compõem a receita explosiva do caos ambiental. Fauna e flora sofrem de maneira lancinante e somem da paisagem. Restam carcaças de bichos e árvores carbonizados. A vazante da natureza que ali fazia seu belo espetáculo da multiplicação de espécies cedeu lugar ao extermínio. É triste de ver. Difícil de aceitar. A algaravia de pássaros misturada ao serpentear de animais silvestres que habitavam a planície pantaneira, e dominavam o local, hoje é substituída pelo quadro dantesco e tenebroso de corpos fétidos das milhares de vítimas largadas à própria sorte. Jacarés, capivaras, cobras, onças, ariranhas, infindável diversidade de aves dizimadas pela ação do homem em sociedade com a escaldante secura da temporada. O Pantanal, maior planície alagável do planeta, perdeu quase toda a vazão de água. O território do tamanho de Portugal, Suíça, Bélgica e Holanda somados foi, em boa parte, arrasado. Numa só sentada. Resultado do mesmo pendor à irresponsabilidade de governantes, nos diversos escalões, que fizeram secar recursos e brigadas de vigilância para proteger a região. Caíram em 48% as multas por violações e infrações, embora essas seguissem em escalada gritante naquele cinturão ambiental. Multiplicou-se a área devastada. Dados consolidados do INPE apontam que os incêndios provocados e os desmatamentos ilegais cresceram 210% entre janeiro e 15 de setembro último, em comparação com o mesmo período do ano passado. O fogo decorrente consumiu uma área equivalente a 2,5 milhões de hectares. Até aqui. Já corresponde ao território inteiro de um estado como Sergipe ou a quase quatro vezes o tamanho do Distrito Federal. Menos fiscais e mais burocracia levaram não apenas ao tímido número de autuações lavradas em períodos de estiagem como o atual. Também contribuíram para o crescimento exponencial de aventureiros, que ali desembarcam, fazem suas tendas e saem à cata de oportunidades nessa hoje terra de ninguém. O garimpo nas redondezas de Poconé, por exemplo, no limite norte do Pantanal Mato-grossense, explodiu. Virou parte do problema. Exemplo intolerável de como a interferência e exploração indevidas podem ferir, aniquilar e frear o florescer da natureza que deveria ser preservada e é, na prática, espoliada. Com a complacência dos responsáveis que tudo veem e nada fazem na defesa sustentável do patrimônio. Será que entendem a dimensão dos erros por omissão? Ao contrário. Negam a realidade. Disfarçam. Fingem não ter nada a ver com o drama local. E há de se questionar: Como não? Mentem e deixam a “boiada” de irregularidades passar para depois lavarem as mãos? No mínimo deveriam cair em si sobre a leviandade latente. O assoreamento dos rios, em consequência de lavouras e pastagens em sua cabeceira, denunciam intervenções fora dos limites que contribuem para o drama. É mais um delito praticado a céu aberto. O Rio Taquari, por exemplo, já foi quase completamente soterrado por milhões e milhões de toneladas de terra que desceram com as enchentes pela via tortuosa dos desmatamentos sem controle. O ecossistema pantaneiro paga um preço caro, insuportável, por tanto descaso. O bote mortal contra o bioma é armado na moita. Devastam e quando a floresta está esgotada, enfraquecida, com a vegetação morrendo pelas motosserras, vem o golpe final por meio de tochas sendo acesas para botar fogo em tudo. E a mata arde de novo. Por dias, semanas, às vezes meses, restando os poucos troncos torrados, teimosos, fincados como palitos na paisagem calcinada. Para que tudo ali se transforme em pastagem, compondo um quadro deplorável de abandono do esplendor daquela reserva. O Pantanal está morrendo!

Não podemos ser lenientes, refratários e indulgentes com os culpados. Não foi dada a menor atenção à catástrofe em andamento. Quando os encarregados pela proteção e preservação acordaram para o quadro, já era tarde. O fracasso do controle oficial está estampado nas cenas abomináveis da mortandade na região. Em meio à angústia geral dos brasileiros, o Poder Federal foi capaz de reservar meros R$ 3,8 milhões de verba para remediar o mal. Uma esmola vergonhosa. Afronta diante dos esforços para se perdoar R$ 1 bilhão de dívidas de igrejas evangélicas, na articulação até aqui considerada essencial pelo capitão do Planalto. O paralelo sobre os dois empenhos mostra a desproporção gritante e serve para efeito comparativo das prioridades estabelecidas em Brasília. As autoridades teimam em dizer que nada é o que parece. Cinicamente brincam de promover as belezas naturais do Pantanal com vídeos propagandísticos falsos para entreter os áulicos, daqui e do resto do planeta. São biocidas do ambiente, carniceiros da fauna, espoliadores da riqueza nacional, oportunistas de plantão que não parecem entender o valor da vida selvagem e das florestas. Meros depredadores da Mata Atlântica que, por omissão ou estímulo indevido, semeiam a tragédia. Quem há de zelar por esse patrimônio para as próximas gerações? Que vozes irão se levantar para defender o que nos foi legado? A luta da preservação não pode mais ficar circunscrita a ecologistas, defensores ocasionais e ambientalistas de profissão. É devida e urgente a mobilização geral. Setores mais sensatos, líderes globais, empreendedores conscientes, produtores do agronegócio, alguns parlamentares e hoje até mesmo portentos do sistema financeiro já acordaram para a importância da missão. O capital internacional está deserdando do Brasil pela apatia nessa área vital para a humanidade. Comprometemos nosso futuro. Deixamo-lo virar joguete nas mãos de personagens inconsequentes, hoje aboletados no poder. É preciso resgatar o tempo perdido nesse campo. Não dá para ficar à mercê dos aloprados de plantão. Nem se venha falar, por falar, de mera fatalidade sazonal. Não é bem assim. Ardem no Pantanal, no momento, os órfãos de nossa resignação. Estão sendo sacrificados no altar do desprezo sistêmico, abandonados por um viés ideológico extremista, estapafúrdio e negacionista, com interesses escusos, que deitou raízes no poder e deixou o Pantanal queimar. Não acreditem nesses aventureiros de palanque, insolentes tratantes da boa fé. A joia ambiental do País está ardendo. É fato. Acordamos na era do Pantanal em extinção e não conseguimos reagir. O estupor e o choque pela perda devem ceder lugar à resposta. O Pantanal precisa de você, antes que nada mais reste que não as cinzas.

A pior notícia é que Bolsonaro diz o que as pessoas querem ouvir

Jair Bolsonaro é um completo irresponsável com a saúde pública, a sua atitude diante da pandemia é a de um sociopata, mas a pior notícia é outra: ele diz exatamente o que a maioria dos brasileiros pensa a respeito de distanciamento social e uso de máscara. Pensa e age. Passados sete meses desde o início da quarentena à la Brasil, um número crescente de cidadãos vem passando a viver como se nada houvesse — nem quase 4,5 milhões de pessoas que já foram infectadas, nem mais de 135 mil mortos. Como previsto, estamos gradativamente abolindo a pandemia por decreto e pensamento mágico infantil.

Bolsonaro é instintivo, mas no caso da pandemia ele agora também se manifesta por cálculo eleitoral. Foi o cálculo eleitoral que o levou a soltar a frase de hoje, em Mato Grosso, na entrega de títulos de propriedade rural: “Vocês não entraram naquela conversinha mole de ‘fique em casa e a economia a gente vê depois’. Isso é para os fracos. O vírus, eu sempre disse, era uma realidade e tínhamos que enfrentá-lo. Nada de se acovardar perante aquilo que a gente não pode fugir dele.”

Enfrentar a pandemia com sacrifícios pessoais e profissionais está mais para ato de coragem, não de covardia, se fosse o caso de atribuir firmeza ou fraqueza de espírito ao que é meramente contingência. Não é, à exceção dos profissionais de saúde, cujo trabalho a contingência requer, não raro, boa dose de coragem. O truque do discurso do presidente é justamente falsear a realidade, emprestando-lhe moldura incompatível com o quadro.

Governo rediscute tirar de pobres, saúde e educação para dar a paupérrimos

O congelamento do valor das aposentadorias, dos benefícios assistenciais e provavelmente do mínimo de gasto federal em saúde e educação ainda está nos cálculos do Orçamento para o ano que vem. É daí que pode sair algum dinheiro para encorpar o Bolsa Família Verde Amarelo.

Congelamento quer dizer que esses valores não serão reajustados nem pela inflação, como manda a Constituição. Caso não exista reajuste de aposentadoria, BPC e do piso de saúde e educação e a inflação (INPC) seja de 2,4%, como prevê o Ministério da Economia, o governo deixaria de gastar cerca de R$ 20 bilhões em 2020. É o número que Paulo Guedes tem apresentado ao Congresso.

Com esse dinheiro extra, seria possível pagar cerca de R$ 226 por mês a 20 milhões de famílias. Antes da epidemia, o Bolsa Família pagava R$ 190 mensais a pouco mais de 14 milhões de famílias. No fim das contas, o valor total dos benefícios anuais seria um pouco maior do que se paga atualmente em um mês de auxílio emergencial.



Vai acontecer? Um ministro com sala no Planalto diz que isso é o que está sendo combinado com o relator do Orçamento e da emenda constitucional do “pacto federativo”, senador Márcio Bittar (MDB-AC), mesma informação que vem de líderes formais e informais do governo no Congresso.

No entanto, a crise da semana foi o “cartão vermelho” de Bolsonaro para ideias de “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”. Dessa vez, tratava do congelamento do valor do Benefício de Prestação Continuada (o BPC), pago a 4,9 milhões de idosos e deficientes muito pobres, e das aposentadorias e outros benefícios do INSS, pagos a 30,9 milhões de pessoas (das quais 19,2 milhões ganham um salário mínimo ou um pouco menos).

Nesta quinta-feira, em uma live de uma instituição financeira, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), disse o seguinte: “Se não houver desindexação, não haverá recursos para o Renda Brasil [ou equivalente]”. “Sem uma coisa não tem a outra”, afirmou na live, explicação que deu também para o método da redução de impostos sobre a folha de salários das empresas (que não ocorrerá sem a compensação da receita criada por um imposto sobre transações eletrônicas). Barros enfatizou que “nenhum setor” vai perder recursos ou renda —congelamento é isso mesmo.

A este jornalista Barros diz que não sabe o que será o projeto de Bittar para o equivalente do Renda Brasil ou do Bolsa Família encorpado. Afirma que vai conhecer o relatório apenas no começo da semana que vem, talvez na segunda-feira.

O Congresso ou o governo vão bulir com cerca de 35 milhões de pessoas para beneficiar talvez umas 6 milhões? De resto, além do problema político e da provável insuficiência social desse Bolsa Família encorpado, há um provável problema econômico, ao menos de demanda (consumo).

Em tese, o governo vai cortar gastos no valor de mais de meio trilhão de reais de 2020 para 2021, o equivalente à redução das despesas extraordinárias do “Orçamento de guerra” deste ano de calamidade.

Nesse pacote, corta também o auxílio emergencial inteiro, gasto que pode chegar a R$ 250 bilhões. Não vai ser tudo isso. Mas o Bolsa Família encorpado teria apenas mais R$ 20 bilhões, que, enfim, não seriam “dinheiro novo”, mas recurso drenado de aposentadorias e BPC (cerca de R$ 16,6 bilhões), e o restante, de saúde e educação.

As conversas sobre a mágica orçamentária continuarão pelo final de semana. No começo da que vem, algum pobre ou paupérrimo terá perdido dinheiro ou deixado de ganhá-lo.