segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

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Reedições imperfeitas de passados que não deram certo

Como quem não quer nada, foi chegando. Foi devorando pelo caminho cada segundo, minuto, hora, dia e mês. Até que chegou. Sem alarde. Previsível como sempre. Estamos em dezembro. E 2018 já nos encara de frente.

Não é muito diferente dos dezembros dos últimos anos. Olhando para frente, o fim do túnel não aparece. E pelo retrovisor, a mesma paisagem de sempre. Desoladora, triste, cheia de promessas não cumpridas e esperanças deixadas, semimortas, no correr do ano.

Resta, claro, renovar a esperança, fazer e acreditar em promessas, tentar finalmente ver uma luz no fim do túnel. Nesta altura, até a luz do trem nos animaria mais. E lá se vai mais um ano à deriva.


O Brasil é país realmente estranho. Difícil de compreender. Não porque lá tudo seja diferente, ou porque as leis da física não se apliquem. É estranho porque fazemos questão disso. Alimentamos com entusiasmo cada jabuticaba metafórica. E justificamos a mediocridade a sombra da crença errada e insincera de que por aqui por aqui tudo é diferente.

Vem ano, passa ano, e o país continua sem horizonte. E de tanto não ter, a gente nem mais sabe o que é isso. Não lembra mais o que é ter sonhos. Ou como é a vida normal. Incapazes de elevar a própria estatura, nos últimos anos, a cada ano, optamos por rebaixar o teto.

Nossos objetivos ficaram curtos, modestos, medíocres. Resumidos a sobrevivência no curto prazo, ao pagamento das contas no fim do mês, e, com sorte, a chegar a salvo em casa. Parece pouco para uma nação. E quase nada para quem quer construir uma nação.

Não é falta de acontecimentos. No Brasil acontece de tudo. O tempo todo. Tanto que não existe espaço para publicar ou ler sobre os eventos que teimam em nos atropelar diariamente. Apesar da abundância de notícias, faltam novidades. Tudo lembra as mesmas histórias, com os mesmos personagens. Seguimos condenados a repetir os mesmos erros, movimentos e argumentos. Nem Sisifo recebeu castigo pior.

Dezembro chega trazendo nada de novo ou de bom. Apenas a perspective de mais um ano de sacrifício à espera do próximo dezembro quando, ao que tudo indica, escolheremos nas eleições, entre de ideias e personagens que faz tempo deveríamos ter esquecido.

O Brasil de hoje, não escolhe rumos futuros. Apenas cria reedições imperfeitas de passados que não deram certo.

Jogo de soma zero

Os efeitos eleitorais dos planos Cruzado (1986) e Real (1994) foram evidentes. No primeiro, o PMDB conquistou 22 dos 23 estados em disputa; o segundo fez Fernando Henrique Cardoso presidente da República. Governos adoram acreditar que ganhos econômicos revertam ânimos políticos. Mas, o passado nem sempre é comparável ao presente.

Em 1986, a ''Nova República'' vinha embalada pelas Diretas-já e na eleição/agonia de Tancredo. Em 1994, não pesava sobre Itamar Franco suspeitas que repousam sobre Michel Temer e seu governo. Ademais, nos patamares de então, os ganhos marginais com o fim da inflação eram enormes.

Nos últimos anos, a recessão foi profunda; as marcas resistem: perdeu-se renda e emprego; houve também declínio da qualidade de políticas públicas — basta citar a Segurança, nos centros urbanos.

Em paralelo, o espetáculo de degradação política que levou ao impeachment e não cessou com o PMDB e o ''Centrão'' no poder: parlamentares não podem pegar um voo comercial em sossego; imagens de malas e o sentimento de engodo não se dissipam como lágrimas na chuva de uma melhora econômica ainda relativa.

Como se fosse dois, o governo Temer é um todo contraditório: o da economia tenta dar conta dos desafios; a equipe é crível, não foi atingida por escândalos. Dificuldades à parte, encaminha imprescindível agenda micro e reformas macro: a inflação recuou, os juros caíram.

Mas, o governo da política é o desastre conhecido: superfisiologismo e o tacão da Lava Jato; piora dos serviços. Custos que abalam o humor e somam zero com ganhos econômicos. A pesquisa do Ibope grita: 21%, apenas, concordam com a hipótese de que 2018 será mais próspero; para 86%, ''corrupto'' é a palavra mais adequada para descrever o governo.

A percepção de melhora é mais lenta para o cidadão do que para os agentes econômicos; depende de algo mais que expectativas. Desconhece estatísticas, é indiferente à divulgação de índices. Não mora em tendências; vive no presente. Considerando tudo, natural que pareça distante.

Carlos Melo 

A nova novela do Rio é real e ocorre no presídio

Um novelão prisional ilustra de maneira cada vez melhor a crise política e moral em que está mergulhado o Rio de Janeiro. Desde o dia 22 até a última quinta-feira era preciso recuar duas décadas para citar um governador que não estivesse atrás das grades. Com os três últimos dirigentes do Estado na prisão e um séquito de deputados, ex-secretários e empresários fazendo-lhes companhia, a rotina do presídio deu uma guinada de 180 graus. O dia a dia dos detentos é agora parte do noticiário local, como o eram antes suas coletivas de imprensa.

Os últimos a entrar na prisão foram o casal Anthony e Rosinha Garotinho (que já responde em liberdade), suspeitos de fraudar contratos para engordar o caixa 2 com que pagavam suas campanhas eleitorais em Campos dos Goytazes, o município onde fizeram carreira política. O casal governou o Rio de 1999 a 2002 e de 2003 a 2007, respectivamente. No presídio de Benfica, no subúrbio da cidade, já esperava por eles Sérgio Cabral, que acaba de comemorar seu primeiro aniversário como presidiário. Cabral, governador entre 2007 e 2014, foi o artífice da questionável vitória da cidade como sede olímpica que está hoje sob investigação. O ex-governador já foi condenado a mais de 70 anos de prisão por cobrar propinas em troca de contratos públicos para seus amigos empresários e ainda tem uma dezena de julgamentos pendentes.


Como se não bastasse, um dia depois da chegada dos Garotinho, a justiça anulava a prisão domiciliar da ex-primeira dama e mulher de Cabral, Adriana Ancelmo, e a enviava à mesma prisão. Ancelmo já foi condenada por participar dos esquemas do marido e era a beneficiária das milionárias joias em que o casal torrava o dinheiro. Por um dia, dois dos casais outrora mais poderosos do Rio estiveram sob o mesmo teto.

Aquele era o pior pesadelo de Anthony Garotinho, que conciliava a vida pública com peculiares investigações para prejudicar inimigos políticos, entre eles Cabral e sua tropa. Sua reação não se fez esperar: no dia seguinte denunciava, mostrando hematomas no joelho e no pé, que um homem o agredira dentro da cela com um porrete e o mandara ficar de boca fechada.

A Secretaria de Administração Penitenciária afirmou oficialmente que Garotinho estava delirando e que havia se auto-lesionado. A perícia das câmaras, que até agora não mostraram ninguém entrando no habitáculo do ex-governador, terá a última palavra, mas, por enquanto, Garotinho conseguiu a transferência que pretendia. Ainda que tenha sido como castigo por inventar um drama. Não é a primeira vez que o ex-governador monta um escândalo. Quando foi preso pela primeira vez em novembro do ano passado e soube que seria transferido do hospital onde fazia exames para um presídio comum armou tal cena na ambulância que precisou ser contido pelos bombeiros. Esperneava, agitava os braços e gritava: "Me solta, me solta. Eu sou um infartado. Vocês me respeitem".

Enquanto Garotinho resolvia com a polícia sua suposta agressão, Cabral e seus colaboradores, todos presos por enriquecer com a mesma trama corrupta, preparavam-se para um banquete. O ministério público encontrou em sua cela queijos e presunto importados, camarões, bolinhos de bacalhau e iogurtes líquidos, um cardápio muito distante do arroz com feijão fornecido aos detentos de um presídio que, além do mais, proíbe alimentos não processados. As câmeras captaram um Cabral observando desanimado os promotores levarem sua janta.

Não era a primeira vez que o pegavam em flagrante. O grupo do ex-governador já tinha sido surpreendido pronto para desfrutar de uma televisão de 65 polegadas, um equipamento de home theater e 160 filmes Blue-Ray avaliados em cerca de 8.000 reais. Oficialmente aquilo foi doação de uma igreja, mas, depois que o benefício foi descoberto, a instituição lavou as mãos e disse que tudo era uma farsa e que os próprios detentos compraram os aparelhos.

Esse seleto grupo amante do cinema agora também inclui o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, um cacique político de peso, e outros dois deputados estaduais acusados de aprovar leis que favoreceram as empresas de transporte em troca de dinheiro. Os três, além de Cabral, formavam o núcleo duro do PMDB, o partido do presidente Michel Temer, no Rio, um Estado declarado em calamidade pública.

O poder que exerceram durante duas décadas trouxe, além de cobiçados alimentos, alguma indigestão. Um agente penitenciário, conhecido por liderar os protestos protagonizados pelos servidores públicos fluminenses que exigem o pagamento dos salários atrasados, cruzou um dia com Cabral. O agente o chamou para enquadrá-lo e quando o ex-governador se aproximou compartilhou com ele umas “verdades”. “Disse que era um genocida. Ladrão. Marginal. Disse que tinha quebrado o estado. Perguntei onde estava o 13º dos servidores”, relata o agente. O atrevimento lhe custou a abertura de um expediente, mas ele se defende: “Não foi nada além do que ocorre no presídio, mas parece que estão se esquecendo de como se tratam alguns criminosos”.

Enquanto a vida segue atrás das grades, Rosinha conseguiu sair. O Tribunal Regional Eleitoral lhe concedeu um habeas corpus parcial que a permitirá responder em liberdade com tornozeleira eletrônica, mas a proíbe de deixar o Rio e sair à noite. Na madrugada da sua libertação, o filho Wladimir e a filha Clarissa, secretária da Prefeitura de Marcelo Crivella, a esperavam na porta do presídio. Os três se fundiram num emotivo abraço. Rosinha não soltou o ventilador que levou da prisão.

Justiça 'fake' ou efetiva? Uma aporia

Um livro antigo, mas cuja atualidade impressiona, traz análises relevantes para compreender a crise brasileira. Trata-se de texto redigido pelo advogado Daniel Soulez Larivière. Mesmo o título é útil para nossa realidade: Sobre o circo midiático-judiciário e sobre os meios de o abandonar (Du cirque médiatico-judiciaire et des moyens d’en sortir). O jurista esmiúça os elos entre imprensa e toga. Ao discutir o sigilo judiciário, a espinhosa questão da censura, os conúbios dos tribunais com as redações e os gabinetes poderosos, ele vai das Cortes às mesas jornalísticas. No velho trato entre esses setores, diz, “a polícia fala, o juiz cala, a imprensa comenta, o advogado fica discreto”. Agora “todo mundo fala, o juiz como os outros. E a justiça segue em dupla cena, midiática e judicial”. Os acusados enfrentam um juiz no palácio e 20 juízes na imprensa. “A cena midiática, por suas investigações, instrumentaliza às vezes a judiciária. E mesmo sem investigações, os vazamentos da judiciária alimentam a midiática, a qual, em retorno, rege a judiciária”.

Com a fundação de um sindicato de juízes, os magistrados entram na luta para “liberar a sociedade e o Estado de seus vícios milenares”. À força de querer “transformar a sociedade e mover a mídia para atingir tal alvo, é grande a tentação de usar a propaganda nos próprios assuntos judiciários”. Com a presença da TV e muitos fotógrafos, juízes impõem penas “exemplares” aos suspeitos. O golpe publicitário, diz Larivière, tem vantagens, pois uma parte da magistratura afirma seu poder terrível. E vem o slogan: “Não condenamos só os pequenos, mas também os grandes”. Ótimo. Conhecemos a técnica no Brasil dos últimos dias. Mas, pergunta o jurista: quanto custa tal fama “para a imagem e conceito de justiça?”. Martirizar os grandes não desculpa martirizar os pequenos, “como se o estupro do segredo da instrução gerasse necessariamente sua ratificação jurídica”. Surgem casos franceses de presos sem acusação válida, expostos à mídia pelo arbítrio de juízes que agem “por simples presunções, construídas intelectualmente”. É o que ocorreu com o senhor chamado Leroy, encarcerado por certo juiz Pascal (abril de 1972). O magistrado foi punido pela Corte de Cassação e pelo Tribunal Correcional de Rennes. Baseado em sua “convicção íntima”, ele “prendeu um homem contra quem não existiam verdadeiras acusações”. O magistrado agira de boa-fé, imaginando lutar do “bom lado”. O desastre não foi menor.

O jurista não masca palavras ao comentar o caso acima e muitos outros. Quando o juiz de instrução se transforma em “policial pela metade (...) ele está de tal modo inserido no sistema que nada mais enxerga, a ponto de proferir burradas (âneries) indignas de um estudante de primeiro ano”. Seria possível continuar a resenha do volume. Os leitores prudentes percebem o quanto ele seria útil no Brasil. Com uma ressalva: o que se passa na França é menos grave que o costume de nossa terra. Mas a “pedagogia” e o suposto rigor contra “os grandes” indicam algo ainda mais inquietante. No espetáculo midiático/judicial existem atores e plateia.

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Pesquisa recente mostra que o tempo de fala no STF aumentou com o advento da TV Justiça. Segundo o autor, Felipe de Mendonça Lopes (Escola de Economia, FGV), “os acórdãos ficaram com 26 páginas a mais, em média, o que aumenta o tempo de leitura e prejudica a eficiência do Tribunal. (...) O motivo do aumento não é a dificuldade técnico-jurídica da questão, mas tão somente aparecer mais tempo na TV”. As 26 páginas a mais dos ministros elevam o tempo de leitura de cada voto em 45 a 50 minutos. Quanto à eficiência do tribunal, “esse registro de vaidade é claramente negativo. (...) Como políticos, os ministros usam a televisão como publicidade gratuita e procuram maximizar sua exposição escrevendo votos mais longos – lidos em voz alta nas sessões – e se envolvendo em discussão mais longa com seus pares” (Estado, 25/11).

O fenômeno, caricato e trágico, tem raízes na passagem da mídia às togas. Na História ocidental a vida coletiva e seus líderes sempre foram caracterizadas como teatro. Os palcos, de Ésquilo e Sófocles a Shakespeare, emolduram a política. Mas o fato se amplia no século 20. R. Sennet (O Declínio do Homem Público) indica a virada rumo ao casamento de plateias, artistas e poder na eleição de Ronald Reagan. Depois vieram Arnold Schwarzenegger, Berlusconi, Sarkozy e Trump. Na equação do novo mando, o binômio ator-plateia é essencial. Agora muitos juízes buscam um lugar no palco à custa da justiça. Não é por acaso tais pessoas, atraídos os holofotes para seu rosto, são docemente chamadas a cargos públicos, de preferência no Executivo. A propaganda rende, mas o preço é literalmente impagável.

Mas não só pela máquina da TV Justiça nossos togados exercitam a garrulice. Conforme Mendonça Lopes, eles visam a plateia. Mesmo em países onde os debates judiciais ocorrem decorosamente, como nos EUA, juízes almejam falar ao coração dos seguidores. Entre muitos, destaco o livro de Lawrence Baum Judges and Their Audiences – A Perspective on Judicial Behavior. O que move tais juízes quando agem como fonte das decisões em políticas públicas? Segundo Baum, boa parte do seu alvo reside na atenção dos expectadores. O autor indica o quanto é relevante nas sentenças o peso das plateias. Tal influência vem do interesse dos juízes em popularidade e respeito. As decisões buscam várias plateias: ramos governamentais, colegas, pares dos juízes na sociedade. Roland Barthes tem um volume sobre o mundo de mentira, a ordem fake. Nas Mitologiasele ridiculariza as comidas que só devem e podem ser vistas (“A cozinha de Elle”). Em outro lugar examina o fake máximo: o telecatch onde se batem o Bem e o Mal de mentirinha. Não foi outra a lógica do espetáculo, dias atrás, no STF. Aliás, a pantomima vem desde antes do mensalão e nela juízes só não passam aos tapas. Se um tribunal superior invade o solo dos reality shows, some o Estado. Sobra a hobbesiana luta livre cuja maior virtude é a de ser fake. Como a nossa infeliz Justiça.

Gente fora do mapa

NgasalBlog : IBU

Euforia no Rio

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A explosão de alegria no calçadão de Ipanema, com o movimento matinal de carros da imprensa e da Polícia Federal diante de certos edifícios da avenida Vieira Souto, é equivalente a um grito de gol. É mais um corrupto que está saindo com as mãos para trás e sendo levado pelos agentes para um banco traseiro, no qual zarpará para Benfica. Onde será recebido pelos vizinhos da penitenciária com iguais exclamações de júbilo e votos para que mofe ali para sempre —de preferência, depois de devolver pelo menos parte do dinheiro que roubou.

Por mais que as pessoas de fora se compadeçam do Rio e lamentem a nossa situação —derrocada econômica, política, social e institucional—, temos motivos para estar eufóricos. Há dois anos, essa derrocada já era iminente (nós é que não sabíamos) e seus responsáveis estavam à solta e no poder. Hoje, quase todos estão enjaulados, e o carioca se orgulha de o Rio estar dando exemplo em matéria de desinfecção do aparelho putrefato.
A população está vibrando com a cadeia para Sérgio Cabral (cada nova condenação é pretexto para um churrasco) e para seus ex-secretários de governo, líderes na Assembleia, conselheiros do TCE e cúmplices no empresariado —enfim, da máquina que permitia à quadrilha assaltar sem levantar suspeita. A empolgação aumentou com o recolhimento às grades também de Garotinho, este abrilhantado pelos esperneios do ex-governador, sempre tão plásticos e hilariantes.

O rombo provocado no Rio pelas políticas e ilegalidades que nos apunhalaram custará para reverter, mas só a evacuação de cena desses malandros já provoca enorme euforia no povo. Se duvida, ande pelas nossas ruas.

Ruas estas que Sérgio Cabral e Adriana Ancelmo, mesmo que um dia sejam soltos por um juiz de suas relações, nunca mais poderão pisar.

Reflexões sobre o provolone

Parei algum tempo para pensar na história do deputado que levava queijo provolone e biscoitos na cueca. Ele foi condenado a sete dias no isolamento. O queijo provolone custa R$ 35, o quilo. Na cela de Cabral foram encontrados queijos tipo Saint Paulin e Chavroux, ambos rondando os R$ 300, o quilo. Nada aconteceu, exceto a retirada dos alimentos importados.

Na verdade, acho que ambos os casos são simples infrações das regras do presídio. O do deputado Celso Jacob acabou resultando numa pena quase que perpétua. Durante muitos anos, ele será conhecido como o deputado do queijo na cueca. De um ponto vista social, é um ato inofensivo. Descoberto, revela um ser humano numa situação patética, dessas que podem acontecer com muitas pessoas ao longo da vida. São, ao mesmo tempo inofensivas mas destruidoras, se divulgadas.

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Minha conclusão sobre esse caso não é nada popular, a julgar pelas reações das pessoas com quem comentei meu desconforto. Sinceramente, acho que ele deveria sofrer algum tipo de punição por infringir a regra e que não deveria exercer o mandato desde quando foi condenado. No entanto, o sistema penitenciário poderia tratar o caso como a centenas de outros no presídio, sem exposição pública.

Sei que a luta contra a corrupção é uma grande causa. Exatamente por abraçar algumas grandes causas, tenho também um pouco de medo delas. Às vezes, fazem com que gente ignore o outro e sua precária condição humana, no embalo da defesa de nossas ideias.

A revolução cultural chinesa foi um impacto para mim. Estava em Lisboa, rumo ao País de Gales, onde faria um curso de jornalismo. Aquelas imagens de homens seminus com cartazes pendurados no peito me traziam desconforto. Com o tempo, conheci melhor o que se passou na China, e cada vez mais a ação daqueles jovens com o livro vermelho de Mao Tsé-Tung na mão, prendendo e humilhando, pareceu-me uma maneira doentia de como uma sociedade autoritária pune as pessoas.

Até num filme sobre julgamento de líderes nazistas, lembro-me de uma cena, de um dos acusados mais velhos segurando a calça porque estava sem cintos, em que senti também um desconforto.

Os tempos passam, e a sociedade renova sua maneira de punir. Além da luta contra a corrupção, grandes temas como racismo, machismo, homofobia são causas que mobilizam. Nos Estados Unidos, há um grande movimento de denúncia de assédio sexual, derrubando um a um os acusados. No Brasil, o eixo do confronto esquerda-direita acabou se deslocando para essa área de costumes.

Sei que não posso evitar que toda essa energia emotiva se extravase. Mas sei também que os tribunais se deslocaram para as redes e que aí são feitos grandes julgamentos, de um modo geral aceitos de imediato pelas empresas. As opiniões individuais ganham peso, no entanto trazem também a responsabilidade de se informar melhor. O que nem sempre acontece.

Na rede, não existe um código pré-estabelecido, como na lei, ponderando crime e castigo. Ela não sentencia ninguém à perda da liberdade, ou qualquer tipo de multa. Ela trata da imagem e, às vezes, decreta o fim de uma carreira pública.

E, nesses casos, a distinção entre esquerda e direita é inócua. Recentemente, surgiu uma campanha afirmando que Caetano Veloso era pedófilo, porque fez amor com uma garota de 14 anos que se tornou sua mulher e mãe dos seus filhos.

O caso mais doloroso foi a saída de William Waack de seu posto de trabalho. Ele disse uma frase condenável. Mas existe ponderação entre a pena e a frase? Eu o conheci na Alemanha, éramos correspondentes, ele para o “Estadão”, eu para a “Folha”. Convivemos na época, estivemos juntos quando os sérvios invadiam a Croácia, no início dos grandes conflitos na região. Sempre o achei um excepcional jornalista. E nós precisamos dele no Brasil, com sua experiência e conhecimento do mundo.

Sou um dos responsáveis pela valorização desses temas no Brasil. Influência dos anos de Europa. Também de lá, creio, muitas ideias se transportaram para as universidades americanas. Respeitadas as diferenças nacionais, é um mesmo movimento por direitos civis aqui e nos Estados Unidos. A experiência americana é um dos temas que me preocupam. Trump ganhou as eleições. É um equívoco pensar que não existem retrocessos. Como evitá-los nesse contexto tão apaixonado?

Nesse domingo de manhã, a única pista que me ocorre é esta: o conhecimento do outro, do que não concorda com suas ideias liberais. Entender o apelo nostálgico a um passado mais ordeiro, a ansiedade com as transformações muita rápidas, o medo de aniquilamento de seu universo cultural, da dissolução da família.

Nada evitará que o debate seja intenso. Mas talvez possa ter um nível de respeito e senso de justiça que permitam em certos momentos, a todos, ultrapassarem sua luta identitária para a condição de brasileiro num país arruinado.

Quem é quem

O Brasil está precisando, cada vez mais, de um “Quem é Quem” permanente em sua vida pública, a ser publicado de preferência todos os dias, como o Diário Oficial, para que as pessoas possam ter um mínimo de noção sobre a verdadeira natureza dos políticos que andam por aí – todos eles. Em geral, no momento, esse povo é apresentado pela mídia e por suas biografias oficiais (pagas por você), como sendo deste ou daquele partido, desta ou daquela corrente, e em seus currículos aparece em destaque todo o bem que fizeram até hoje para os brasileiros e para a humanidade em geral. Esse amontoado de informações não serve para nada. Praticamente tudo que está ali, na verdade, serve justamente para ocultar quem o sujeito realmente é. O “Quem é Quem” que seria de fato útil para o Brasil é um outro. Ele mostraria quem são os nossos homens públicos não por suas palavras, mas por seus atos.

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Um episódio ocorrido dias atrás demonstra com muita clareza os benefícios que a população teria com um sistema permanente de informações sobre os políticos que vivem à suas custas. Ao mostrar o que fazem, em vez de repetir o que dizem, deixaria óbvio para todos os contribuintes quem é essa gente, de fato, na vida real. Um deputado do PT de quem pouco se sabia até agora, um Paulo Pimenta, conseguiu de repente os seus cinco minutos de fama – deu “voz de prisão” num corredor do Senado a uma mulher do movimento político “Nas Ruas”, que se opõe com agressividade à esquerda e, quanto tem oportunidade, atormenta os políticos do PT e suas sesmarias. “Voz de prisão”? Isso é coisa de polícia, e não de um deputado de “esquerda”, do “campo progressista” e defensor das “causas populares”, como esse Pimenta diz que é. Mais: é hoje uma piada francamente extraordinária, neste país de roubalheira desesperada, que um deputado brasileiro, e ainda mais do PT, tenha a pretensão de dar “voz de prisão” a alguém. Deputado, hoje em dia, tem mais é de fazer o contrário: dar duro todos os dias para ver se consegue, ele próprio, ficar do lado de fora do xadrez.

O surto de “autoridade” do deputado – do tipo “eu mando prender”, etc. – foi particularmente mesquinho, como em geral acontece nesses casos. Após uma altercação com a manifestante, ele perdeu o prumo e disse para ela uma das coisas provavelmente mais infelizes que poderia ter dito: “Vai trabalhar”. Um deputado mandando alguém “trabalhar”? Com uma deixa dessas só poderia mesmo ter ouvido o que ouviu: “Eu trabalho, sim, não fico roubando como vocês”. Ficou bravo, foi tirar satisfação e levou mais uma: “Ué, o PT não rouba?” Era um caso perdido, mas o deputado, cercado pela segurança do Congresso, resolveu crescer para cima de uma mulher com metade do seu tamanho, desarmada e no exercício dos seus direitos. Aí, utilizando uma coragem que mostra bem que tipo de homem ele é, mandou a polícia legislativa prender a oponente. Não deu em nada, obviamente, porque a “ordem” do deputado era um disparate, fruto apenas de um acesso de neurastenia. Ela foi afastada dali, ouvida na delegacia local e de lá voltou para casa.

O deputado Jair Bolsonaro, que causa tantos pesadelos ao Brasil civilizado por suas convicções “totalitárias”, nunca mandou prender ninguém em sete mandatos consecutivos como parlamentar. O deputado Paulo Pimenta, que passa por um formoso democrata dedicado à proteção dos pobres e desvalidos, pensa automaticamente em “cadeia” logo na primeira fez que toma uma pancada. É assim que as coisas deveriam aparecer no “Quem é Quem”. Jair Bolsonaro é Jair Bolsonaro. Paulo Pimenta é o PT em estado puro, exatamente como ele e o seu partido são.

Paisagem brasileira

Poço Azul, Mambaí (GO)

PT faz a campanha de Lula escondendo Dilma

A forma como a presidente do PT celebra o resultado do Datafolha levanta a suspeita de que a companheira esteja com a febre dos políticos picados pelo mosquito que faz sumir a memória. A senadora Gleisi Hoffmann atribuiu a liderança de Lula na pesquisa “aos resultados do seu governo.” Ela emendou: “As pessoas analisam o que elas já viveram e comparam. Elas tinham renda e emprego. Hoje, voltou a pobreza e a miséria.” A amnésia apagou da análise de Gleisi a companheira Dilma Rousseff.

A gestão de Michel Temer revela-se perversa. Mas a ruína econômica não deriva da malignidade intrínseca do governo do PMDB. A recessão que espalhou desemprego e desesperança é uma consequência direta do desastre gerencial que foi o governo de Dilma, ao qual Gleisi serviu como uma cultuada chefe da Casa Civil. A febre do esquecimento afetou também a memória da senadora sobre os “resultados” da passagem de Lula pelo poder.


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Na formulação da presidente do PT, o governo Lula é um borrão cor-de-rosa. Foram para o armário do esquecimento todas as mazelas que tingiram a estrela vermelha de cinza. As máculas trazem impressas as digitais de Lula. Por exemplo: a criação do mito da gerentona; a cumplicidade cega com o mensalão e as petrorroubalheiras que vieram à luz na sua gestão; a transformação do presidencialismo de coalização num eufemismo para organização criminosa.

O PT e Lula só lembram de Dilma quando querem fazer pose de vítimas de um ''golpe''. O diabo é que madame foi deposta por seus aliados, sob regras constitucionais, numa sessão presidida pelo amigo Ricardo Lewandowski, que representava a Suprema Corte. No limite, Lula é responsável também pela perversão do governo Temer, pois foi nos seus mandatos que o PMDB tornou-se sócio do PT na fábrica de fazer propinas.

Hoje, os acionistas da massa falida que tem PT e PMDB como sócios majoritários dividem-se em dois grupos. Os que dispõem de mandato desfrutam das imunidades do cargo e do privilégio do foro do Supremo Tribunal Federal. Essa ala inclui Temer e os ministros palacianos Eliseu Padilha e Moreira Franco. Mas também inclui gente como a ré Gleisi Hoffmann.

Os que não têm mandato se encontram na cadeia ou na fila de espera. Integram esse contingente barões do PMDB como Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves. Mas também estão em cana marqueses petistas do porte de Antonio Palocci e João Vaccari Neto. José Dirceu, arrasta uma tornozeleira em Brasília à espera da ordem de retorno para o xadrez. E Lula, já condenado a 9 anos e meio de cana, costeia as grades à espera da confirmação da sentença no TRF-4.

Gleisi celebra o favoritismo de Lula sem levar em conta dois detalhes: 1) para quem desceu a rampa do Planalto cavalgando uma popularidade de 84%, os 37% de intenção de votos detectados pelo Datafolha revelam que a divindade do PT também está sujeita à condição humana; 2) Para que as urnas confirmem o favoritismo de Lula, o Poder Judiciário terá de contrair a mesma febre que transforma parte da memória de Gleisi em vapor.

Na hipótese de a candidatura de Lula ficar em pé, Gleisi e o petismo talvez descubram que esconder pedaços do passado pode custar caro. Os presidenciáveis do PSDB especializaram-se em esconder Fernando Henrique Cardoso. Ocultaram até o que deveriam exibir. Isso transformou os tucanos em candidatos favoritos a fazer de seus adversários os novos presidentes da República. Esconder a gestão de Dilma, com todas as digitais de Lula, é algo tão difícil como acomodar uma baleia numa banheira jacuzi.

Cegueira?


Sai do caminho da justiça. Ela é cega  
Stanislaw Jerzy Lec

Falta um adesivo no Rio: "Eu fui Cabral"

Os pacientes do hospital Rocha Faria ficaram sem comida, culpa do Cabral. Depois de ter se transformado no símbolo de um Rio do futuro, Sérgio Cabral virou o ícone da sua ruína.

O Magnífico Cabral era uma empulhação. Cabral, o Flagelo dos Céus, é outra.

O moço é ladrão e mofará na cadeia, mas uma só pessoa não produz tanta desgraça. Cabral foi reeleito com dois terços dos votos.

Quando ele propôs erguer um muro para segregar uma favela, a única voz que se ergueu contra a maluquice foi a do escritor português José Saramago.

O Magnífico, como os diamantes de sua mulher, tinha muitas facetas. Em alguns casos, refletiam ilusões, em outros, também demofobia e, às vezes, luziam interesses sociais ou mesmo pecuniários.


O Rio de Janeiro é uma cidade onde seis em cada dez imóveis cadastrados não pagavam IPTU. (Nada a ver com favelas.) Isso tem um preço.

Na semana passada, soube-se que os pacientes do Hospital Rocha Faria jejuavam. Trata-se de um dos grandes hospitais públicos da cidade. Para um estado arruinado, seria apenas mais uma desgraça.

Em janeiro de 2016, o Rocha Faria ganhou fama porque descobriu-se que mantinha um ambulatório exclusivo para o atendimento de seus mil servidores estatutários.

A choldra e os 1.300 terceirizados não podiam entrar nessa ala vip. O ambulatório tinha 57 funcionários, entre eles 27 médicos, inclusive três obstetras e três cirurgiões.

Denunciada a maluquice, o privilégio foi defendido pela Associação dos Funcionários e pelo presidente do Sindicato dos Médicos.

As guildas dos serviços públicos de saúde vestem o manto dos defensores dos fracos e dos oprimidos contra o capitalismo selvagem da medicina privada, mas, no Rocha Faria, seus associados dispunham de um hospital só para eles e nenhum comissário reclamou. Nenhum. O silêncio não foi coisa do Cabral.

À época, anunciou-se que seria aberta uma sindicância. Revelou-se que pelo menos outros dois hospitais tinham mordomias semelhantes. Nada. Agora os pacientes do Rocha Faria estão sem comida.

Numa cidade onde mais da metade dos imóveis não pagam IPTU e servidores de hospitais públicos têm ambulatórios privativos, alguma coisa daria errado. Deu, e essa ruína foi construída com a ajuda de muita gente boa.

Falta um adesivo na paisagem do Rio: “Eu fui Cabral”.
Elio Gaspari