segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

A nova novela do Rio é real e ocorre no presídio

Um novelão prisional ilustra de maneira cada vez melhor a crise política e moral em que está mergulhado o Rio de Janeiro. Desde o dia 22 até a última quinta-feira era preciso recuar duas décadas para citar um governador que não estivesse atrás das grades. Com os três últimos dirigentes do Estado na prisão e um séquito de deputados, ex-secretários e empresários fazendo-lhes companhia, a rotina do presídio deu uma guinada de 180 graus. O dia a dia dos detentos é agora parte do noticiário local, como o eram antes suas coletivas de imprensa.

Os últimos a entrar na prisão foram o casal Anthony e Rosinha Garotinho (que já responde em liberdade), suspeitos de fraudar contratos para engordar o caixa 2 com que pagavam suas campanhas eleitorais em Campos dos Goytazes, o município onde fizeram carreira política. O casal governou o Rio de 1999 a 2002 e de 2003 a 2007, respectivamente. No presídio de Benfica, no subúrbio da cidade, já esperava por eles Sérgio Cabral, que acaba de comemorar seu primeiro aniversário como presidiário. Cabral, governador entre 2007 e 2014, foi o artífice da questionável vitória da cidade como sede olímpica que está hoje sob investigação. O ex-governador já foi condenado a mais de 70 anos de prisão por cobrar propinas em troca de contratos públicos para seus amigos empresários e ainda tem uma dezena de julgamentos pendentes.


Como se não bastasse, um dia depois da chegada dos Garotinho, a justiça anulava a prisão domiciliar da ex-primeira dama e mulher de Cabral, Adriana Ancelmo, e a enviava à mesma prisão. Ancelmo já foi condenada por participar dos esquemas do marido e era a beneficiária das milionárias joias em que o casal torrava o dinheiro. Por um dia, dois dos casais outrora mais poderosos do Rio estiveram sob o mesmo teto.

Aquele era o pior pesadelo de Anthony Garotinho, que conciliava a vida pública com peculiares investigações para prejudicar inimigos políticos, entre eles Cabral e sua tropa. Sua reação não se fez esperar: no dia seguinte denunciava, mostrando hematomas no joelho e no pé, que um homem o agredira dentro da cela com um porrete e o mandara ficar de boca fechada.

A Secretaria de Administração Penitenciária afirmou oficialmente que Garotinho estava delirando e que havia se auto-lesionado. A perícia das câmaras, que até agora não mostraram ninguém entrando no habitáculo do ex-governador, terá a última palavra, mas, por enquanto, Garotinho conseguiu a transferência que pretendia. Ainda que tenha sido como castigo por inventar um drama. Não é a primeira vez que o ex-governador monta um escândalo. Quando foi preso pela primeira vez em novembro do ano passado e soube que seria transferido do hospital onde fazia exames para um presídio comum armou tal cena na ambulância que precisou ser contido pelos bombeiros. Esperneava, agitava os braços e gritava: "Me solta, me solta. Eu sou um infartado. Vocês me respeitem".

Enquanto Garotinho resolvia com a polícia sua suposta agressão, Cabral e seus colaboradores, todos presos por enriquecer com a mesma trama corrupta, preparavam-se para um banquete. O ministério público encontrou em sua cela queijos e presunto importados, camarões, bolinhos de bacalhau e iogurtes líquidos, um cardápio muito distante do arroz com feijão fornecido aos detentos de um presídio que, além do mais, proíbe alimentos não processados. As câmeras captaram um Cabral observando desanimado os promotores levarem sua janta.

Não era a primeira vez que o pegavam em flagrante. O grupo do ex-governador já tinha sido surpreendido pronto para desfrutar de uma televisão de 65 polegadas, um equipamento de home theater e 160 filmes Blue-Ray avaliados em cerca de 8.000 reais. Oficialmente aquilo foi doação de uma igreja, mas, depois que o benefício foi descoberto, a instituição lavou as mãos e disse que tudo era uma farsa e que os próprios detentos compraram os aparelhos.

Esse seleto grupo amante do cinema agora também inclui o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, um cacique político de peso, e outros dois deputados estaduais acusados de aprovar leis que favoreceram as empresas de transporte em troca de dinheiro. Os três, além de Cabral, formavam o núcleo duro do PMDB, o partido do presidente Michel Temer, no Rio, um Estado declarado em calamidade pública.

O poder que exerceram durante duas décadas trouxe, além de cobiçados alimentos, alguma indigestão. Um agente penitenciário, conhecido por liderar os protestos protagonizados pelos servidores públicos fluminenses que exigem o pagamento dos salários atrasados, cruzou um dia com Cabral. O agente o chamou para enquadrá-lo e quando o ex-governador se aproximou compartilhou com ele umas “verdades”. “Disse que era um genocida. Ladrão. Marginal. Disse que tinha quebrado o estado. Perguntei onde estava o 13º dos servidores”, relata o agente. O atrevimento lhe custou a abertura de um expediente, mas ele se defende: “Não foi nada além do que ocorre no presídio, mas parece que estão se esquecendo de como se tratam alguns criminosos”.

Enquanto a vida segue atrás das grades, Rosinha conseguiu sair. O Tribunal Regional Eleitoral lhe concedeu um habeas corpus parcial que a permitirá responder em liberdade com tornozeleira eletrônica, mas a proíbe de deixar o Rio e sair à noite. Na madrugada da sua libertação, o filho Wladimir e a filha Clarissa, secretária da Prefeitura de Marcelo Crivella, a esperavam na porta do presídio. Os três se fundiram num emotivo abraço. Rosinha não soltou o ventilador que levou da prisão.

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