quarta-feira, 9 de abril de 2025

Pensamento do Dia

 


As tarifas de Trump vão prejudicar o mundo

Agora sabemos qual economia é a maior ameaça aos Estados Unidos depois da China: Lesoto. Atualmente, a China tem uma tarifa combinada de 54% sob o novo plano de Donald Trump. Mas, aparentemente, Lesoto merece uma tarifa "recíproca" de 50% sobre suas exportações para os EUA, logo à frente dos 49% sobre o Camboja e 46% sobre o Vietnã, seguidos por 32% sobre a Indonésia e Taiwan, 26% sobre a Índia e 20% sobre a UE. O Reino Unido escapa com 10%.

O que talvez seja mais extraordinário sobre a derrubada de quase um século de política comercial é que ninguém, aparentemente, informou ao presidente que um procedimento que coloca Lesoto no degrau mais alto faria os EUA parecerem ridículos. Mas fez —e fez isso porque esse procedimento era ridículo.


Não houve uma análise sutil de todas aquelas supostas barreiras tarifárias e não tarifárias das quais, diz Peter Navarro, ecoando seu chefe, os EUA explorados têm sofrido tão terrivelmente. Não, foi muito mais simples e estúpido. As tarifas propostas são proporcionais ao déficit comercial bilateral dividido pelas importações bilaterais.

A suposição implícita é que, em um mundo justo, o comércio se equilibraria com cada parceiro individual. Isso é uma completa loucura. No entanto, agora se tornou a base intelectual da política comercial do país mais poderoso do mundo —infelizmente, pobre coitado, aparentemente vítima de uma conspiração comercial global.

Não é apenas loucura. É perversidade. Pense na história do envolvimento dos EUA no Vietnã. No entanto, agora, os EUA decidiram tentar interromper seu desenvolvimento econômico. O Vietnã não está sozinho em buscar explorar os benefícios da abertura. De fato, a política comercial convergiu para o liberalismo nas economias emergentes de forma bastante ampla. Eles estavam respondendo a uma promessa que os EUA agora retiraram.

Isso não é nem mesmo todo o trabalho de Trump. Canadá e México ainda são vítimas de suas "tarifas de fentanil". Há uma tarifa de 25% sobre automóveis e as tarifas sobre aço e alumínio também foram aumentadas.

No entanto, as tarifas não fecharão os déficits comerciais. Nos anos 1970, trabalhei na economia indiana, então uma das economias mais protegidas do mundo. Ela tinha grandes superávits comerciais? Não. Sim, tinha uma proporção pequena de importações em relação ao PIB. Mas tinha uma renda ainda menor de exportações. Isso se devia ao impacto adverso da proteção na competitividade das exportações.

Isso agora acontecerá com os EUA: as importações encolherão, mas as exportações também. Os déficits, determinados pela renda e pelo gasto, permanecerão praticamente inalterados. O mundo apenas acabará mais pobre. Como argumenta o Instituto Kiel da Alemanha, os maiores efeitos negativos provavelmente recairão sobre os EUA: a proteção geralmente é um tiro no próprio pé.

As pessoas que fundaram o sistema de comércio global nas décadas de 1930 e 1940 experimentaram os resultados do protecionismo empobrecedor nas décadas de 1920 e 1930. O sistema que criaram foi baseado, por boas razões, nos princípios de não discriminação, liberalização através de negociações recíprocas, vinculação de tarifas e adjudicação imparcial de qualquer uso das cláusulas de escape no sistema.

Tudo isso foi projetado para criar um regime comercial previsível, transparente e liberal. Ao longo de oito rodadas de negociações concluídas, o resultado se tornou uma economia mundial aberta e dinâmica. Isso foi um produto da diplomacia dos EUA. Trump não apenas trouxe a proteção dos EUA a níveis não vistos em um século, mas destruiu tudo o que seus predecessores buscaram alcançar. Isso é um ato de guerra contra o mundo inteiro.

O debate sobre se devemos levar Trump a sério acabou. Ele agora aprendeu a ser o tirano que sempre desejou ser. Isso levou um tempo. Mas, com a ajuda que recebeu, ele chegou lá. Sua administração está engajada em um ataque abrangente à república americana e à ordem global que ela criou. Sob ataque doméstico estão o Estado, o Estado de direito, o papel do Legislativo, o papel dos tribunais, o compromisso com a ciência e a independência das universidades.

Todos esses eram os pilares sobre os quais a liberdade e a prosperidade dos EUA repousavam. Agora, ele está destruindo a ordem internacional liberal. Em breve, presumo, Trump estará invadindo países, enquanto prossegue para restaurar a era dos impérios.

A aplicação de todas essas tarifas é um símbolo perfeito do que Trump representa. Ele apelou para uma "emergência" inexistente, permitida por um Legislativo tolo, para impor um aumento de impostos altamente regressivo que pesará particularmente sobre sua própria base política, em parte para financiar uma extensão que estoura o orçamento de seu próprio corte de impostos altamente regressivo de 2017.

Parece inevitável que essas tarifas, além da incerteza criada pelo novo ambiente político não ancorado e, portanto, imprevisível, prejudicarão o mundo e os EUA tanto agora quanto a longo prazo. Nossas economias estão muito mais abertas do que nunca.

Aumentos enormes e repentinos na proteção terão efeitos econômicos correspondentes maiores do que antes. Os mercados de ações estão certamente certos ao supor que uma boa parte do estoque de capital produtivo de hoje se tornará sucata: a contínua turbulência do mercado é provável.

Isso oferece um tipo perverso de esperança. A tentativa de Trump e seus associados de minar a república levaria tempo. Agora é mais provável que ele fique sem tempo. Imagine que, como resultado de toda essa turbulência, a economia realmente vacile e, assim, os republicanos sejam derrotados nas eleições de meio de mandato. Isso tornaria o projeto Maga muito mais difícil de realizar. Quem sabe? As instituições dos EUA podem começar a mostrar um pouco de coragem. Acima de tudo, a próxima eleição presidencial pode realmente ser justa.

Enquanto Maga dominar a direita americana, o potencial dos EUA para um comportamento imprevisível, irracional e pernicioso permanecerá. Isso é, infelizmente, um grande presente para a China. Mas quanto pior ficar agora, mais provável é que Maga seja um interlúdio, não o destino da América. Isso é um consolo e uma esperança.

Conflitos globais estimulam o garimpo na América Latina

Com o aumento das incertezas econômicas pela guerra entre Israel e Hamas, um velho conhecido voltou a aparecer como investimento seguro: o ouro. Justamente quando o metal vinha de uma queda nos preços, o conflito deu novo impulso às cotações, que subiram cerca de 10% desde os ataques de 7 de outubro. Os reflexos desta alta ultrapassam o setor financeiro e chegam até garimpos da América Latina.

Além das chamadas compras físicas, que vão de barras de ouro a joias, muitos investidores buscam os chamados ETFs, ou fundos de índices, que replicam as movimentações do metal no mercado internacional. A principal cotação nos mercados é a da chamada onça-troy na New York Mercantile Exchange (NYMEX), onde o ouro é negociado em dólares. Nos últimos dias, o metal vem rondando os 2.000 dólares (R$ 9.746) por onça-troy, um valor próximo de seu recorde histórico.

Até 2019, o ouro vinha sendo cotado próximo de 1.300 dólares. A chegada da pandemia, porém, impulsionou os preços. Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, o metal teve outro estímulo, em parte devido ao aumento da procura pela commodity por bancos centrais. Após as sanções contra Moscou, o ouro passou a ser visto como mais seguro por muitos governos, o que estimulou a demanda pelas autoridades monetárias, que, no primeiro semestre de 2023, foi a maior já registrada.

"A compra pelos bancos centrais é um elemento que tem apoiado os preços do ouro. Vemos isso principalmente como uma declaração política a Washington, sinalizando desconforto com a política internacional dos EUA", afirma Carsten Menke, líder de pesquisa do banco Julius Baer.

"O gatilho mais importante foi o congelamento dos ativos russos, levando os países que não estão alinhados com o Ocidente a diversificar algumas das suas reservas monetárias em ouro", afirma o analista. China e Turquia estão entre os grandes compradores recentes, por exemplo. "Esperamos que as aquisições de ouro pelos bancos centrais permaneçam fortes no futuro próximo, apoiando os preços", projeta.

Já o aumento do preço do ouro desde os ataques do Hamas foi, acima de tudo, impulsionado por uma mudança de humor entre os comerciantes especulativos, avalia Menke. Em sua visão, o aumento nos preços do metal, maior do que em conflitos anteriores, ocorre também por um pessimismo geral com a economia global antes dos ataques.

Para Carsten Fritsch, analista de commodities do Commerzbank, é "evidente que o ouro está lucrando com o seu papel de porto seguro em tempos de maior incerteza e aversão ao risco".

A relação entre a alta nos preços do metal e o avanço do garimpo na América Latina já foi citada por um relatório da Interpol, em 2022. "Há uma relação direta entre o aumento do ouro nos mercados globais e o preço dos mercados locais, ainda que de maneira ilegal", reforça Daniel Bonilla Calle, professor de negócios internacionais da Fundação Universitário CEIPA, acrescentando que os preços da mineração ilegal se comportam e têm o mesmo movimento da exploração legal.

"Quando há picos internacionais, se produz o que se chama de bonanças de ouro nos mercados locais. Isso atrai mineradores ilegais e grupos armados, além de outros atores que queiram entrar na atividade", resume Bonilla.

O especialista destaca que um dos motivos que movimenta o mercado ilegal é o valor entre 20% e 30% mais barato do ouro desta origem. No Brasil, estimativas são de que cerca de metade do metal exportado pelo país tenha origem ilegal. Na Colômbia, os cálculos são de que 80% dos envios de ouro ao exterior não tenham origem legal.

"Há uma cadeia complexa, e muitas vezes os compradores finais não têm uma visão de 100% de onde o material veio", afirma Livia Wagner, chefe de governança da Global Initiative, organização civil que estuda o crime organizado internacional. De acordo com a especialista, o metal no exterior é buscado não apenas na joalheria, mas também para a produção de equipamentos eletrônicos.

Um consenso entre especialistas é o de que a maior lucratividade do garimpo atraiu o crime organizado para a atividade, especialmente na Amazônia. Os criminosos buscam, principalmente, lavar dinheiro com a mineração ilegal, e o avanço da violência é um resultado.

"A valorização expressiva do ouro nos últimos anos teve um impacto significativo nas áreas de garimpo na Amazônia. Entre as diversas consequências, a alta resultou em um aumento nos investimentos em maquinários, como balsas e escavadeiras hidráulicas", afirma Bruno Manzollli, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que monitora o tema. Ele aponta que tais equipamentos, que podem custar mais de R$ 1 milhão, aceleram o processo de desmatamento e de retirada do material do solo.

"Assim, novas frentes de lavra são abertas com maior rapidez, a partir de práticas predatórias, sem controle ambiental. Outro fator relevante é que a partir do momento que o preço do ouro sobe, depósitos que até então não apresentavam viabilidade econômica passam a ser explorados", afirma Manzolli. Além do desmatamento, o uso do mercúrio é outro problema observado.

Em alguns casos, a atração da atividade fez com que criminosos deixassem de lado outros negócios. Segundo Bonilla, o ouro compete com o cultivo da coca, base para a cocaína, e, em algumas regiões, os mesmos grupos podem comandar ambas as atividades. Assim, pessoas migram de um mercado para outro que "paga melhor", afirma. Com uma baixa nos preços internacionais da coca, há registros na Colômbia de cultivos abandonados e sem mão de obra.
Melhor fonte de renda e soluções

"Comunidades empobrecidas veem o garimpo como uma oportunidade mais fácil para gerar renda", afirma Wagner. Segundo Manzollli, mesmo sendo abordados pela fiscalização, seja ela ambiental ou trabalhista, é comum o garimpeiro desejar voltar para a atividade, devido à falta de oportunidades na cidade ou à melhor remuneração em comparação ao salário recebido em alguns empregos na área urbana.

Para ele, no Brasil, a legislação deve ser atualizada para a nova realidade do garimpo, exigindo planos que contemplem desde a fase anterior à exploração até o fechamento das minas e plano de recuperação da área. "E os garimpeiros não podem ser deixados de lado, é preciso um plano de capacitação para que essas pessoas encontrem oportunidades em outras atividades econômicas, a fim de reduzir a dependência do garimpo", afirma.

Duas mudanças recentes endureceram as regras para o garimpo. Em junho, o plenário do Supremo Tribunal Federal suspendeu uma norma que presumia a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da empresa que comprava o metal. No mesmo mês, o governo enviou ao Congresso propondo um novo marco legal para o mercado de ouro no país. Em julho, entrou em vigor uma instrução normativa da Receita que passou a exigir a emissão de nota fiscal eletrônica para negócios que envolvam ouro como ativo financeiro ou como instrumento cambial.

Outro meio que pode ser buscado é a ampliação da certificação de legalidade internacional do ouro. Segundo Wagner, há casos de sucesso da medida, incluindo a Colômbia. "É importante buscar fazer isso em menor escala, não somente nos comerciantes finais. É necessário que todos os passos da cadeia de fornecimento sejam verificados", afirma.
Matheus Gouvea de Andrade

Receita de homem novo


(Os sábios que me perdoem, mas a piedade é essencial)

Com um pouco de Freud
Envolto em celuloide
Um tanto de marxismo
Embrulhado em jornalismo
Bastante violência
Alguma inteligência
Desprezo da verdade
E alma bem fria
Se faz a humanidade
Do robô da ideologia.
Millôr Fernandes

Tarifaço de Trump é sintoma do vigarista com paranoia de ser otário

Dizer, como tenho feito repetidamente nesta coluna, que não há nenhuma estratégia sofisticada por trás das ações de Donald Trump não é o mesmo que dizer que tudo é burrice e ignorância. Também não é o mesmo que dizer que as suas ações primam pela irracionalidade, o que no fundo seria pressupor que elas fossem meramente táticas, como defendem aqueles que acreditam que as tarifas de Trump são absurdas a não ser como tática negocial.

Nada disso. A minha tese é a seguinte: existe uma lógica simples que explica as ações de Trump. Essa lógica é a do vigarista com medo de ser otário.

Para quem é vigarista, como Trump tem demonstrado ser em toda a sua carreira desde que começou por não pagar a fornecedores e a tentar despejar inquilinos nos seus tempos de magnata do mercado imobiliário, todo o mundo é otário.

No início, o vigarista está embevecido com o superpoder que descobriu em si mesmo. Se não seguir as regras comuns da honestidade e do respeito mútuo, se não tiver vergonha na cara, se estiver disposto a tirar vantagem de todas as relações, o mundo é seu. Como qualquer psicopata, o vigarista não ganha apenas pela sua capacidade de violar limites; ele ganha pela nossa boa educação, pelos nossos escrúpulos, ou seja, pela nossa incapacidade de violar esses mesmos limites.

Com o tempo, porém, o vigarista começa forçosamente a questionar-se: "se eu ganho fazendo assim, por que é que os outros não fazem o mesmo a mim?" Aí o mundo do vigarista começa a distinguir entre duas categorias de pessoas: os otários e os que poderiam ser vigaristas como ele.

Como é natural nestes casos, o vigarista fica obcecado pela projeção. Medindo os outros com sua própria régua, ele desenvolve a paranoia de que em todas as transações só há dois resultados possíveis: ou ele ganha, vigarizando com sucesso os outros; ou, se não ganha, isso é sinal de que foi vigarizado pelos outros. Na sua mente não cabem os jogos que não sejam de soma nula. Se alguém está a ganhar, é porque ele está a perder.

Esta lógica simples explica-nos a visão que Trump tem do comércio global. Para ele, o mero fato de que um país tenha com os Estados Unidos uma balança comercial positiva é uma injustiça. Pior, é sinal de que alguém tirou vantagem dos Estados Unidos e os vigarizou. Para Trump também só há dois tipos de jogos: aqueles em que ele ganha e aqueles em que os outros jogaram sujo.

De caminho, esta explicação ajuda a entender a fórmula que o governo Trump utilizou para definir as suas "tarifas adicionais". Como vários especialistas apontaram, elas não fazem qualquer sentido macroeconômico. Mas fazem todo o sentido psicológico para a mente do vigarista que ficou obcecado com ser otário.

Se eu estiver certo, há uma conclusão inquietante a retirar de tudo isso: é que não vale a pena negociar com Trump. Nada o convencerá a reintroduzir justiça num jogo cujas regras ele não aceita, a não ser que a vitória lhe seja dada à partida. A única saída é os países que ainda reconhecem as regras do jogo reforçarem os laços comerciais entre si, deixando a birra de Trump passar sozinha.

Elon Musk: O reformador radical à beira do colapso?

Elon Musk – bilionário, showman e conselheiro governamental – estaria prestes a deixar o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), criado por Donald Trump , segundo a mídia dos EUA. Trump teria sugerido sua retirada em uma reunião de gabinete, afirmando que Musk desempenharia apenas um "papel de apoio" de agora em diante. No entanto, a Casa Branca está minimizando: nenhuma decisão foi tomada oficialmente. Musk, por sua vez, fala em "notícias falsas".

O que está claro é que o papel de Musk foi limitado desde o início: como um “Funcionário Especial do Governo ” , ele só pode trabalhar no máximo 130 dias por ano para o governo sem estar sujeito a regras éticas mais rígidas ou obrigações de transparência (como divulgação detalhada de ativos e renda), desde que tenha uma isenção prévia.


Até o momento, não há registro público de que tal isenção tenha sido concedida. Esse limite será atingido, no máximo, no início de junho. Portanto, sua saída oficial do DOGE parece ser apenas uma questão de tempo, principalmente porque, segundo pesquisas, Musk está se tornando uma figura cada vez mais controversa entre a população americana. A maioria já rejeita seu curso de reformas radicais.

Musk não era apenas um conselheiro, mas quase o "homem sombra" do presidente americano. Poucas pessoas na comitiva de Trump eram tão visíveis, tão influentes e tão presentes. Seja no Salão Oval, em visitas de Estado ou jogando golfe nos fins de semana, Musk estava sempre lá.

Trump até mesmo apresentou novos modelos da Tesla no gramado da Casa Branca como um incentivo às relações públicas da empresa em dificuldades.

Mas, por trás dos bastidores da camaradagem, há tensões. Vozes críticas dentro do Partido Republicano têm aumentado. O secretário de Estado Marco Rubio e o ex-assessor Steve Bannon acusam Musk de ter um estilo egocêntrico e exposição excessiva. No entanto, Sascha Lohmann, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), em Berlim, não acredita em uma divergência entre Trump e Musk:

"Trump às vezes criticou Musk por certos comportamentos e o instou a agir com mais cautela. Mas, fundamentalmente, na ideia de desmantelar o aparato administrativo por meios radicais, mesmo além dos limites constitucionais, eles sempre concordaram."

DOGE foi a resposta de Trump à sua promessa de campanha de "drenar o pântano de Washington". Em Musk, ele ganhou um aliado cuja abordagem empresarial prometia reformas abrangentes. Em pouco tempo, Musk implementou medidas de longo alcance: mais de 20.000 empregos foram eliminados em agências federais, e outros 75.000 funcionários receberam pacotes de indenização voluntária. Fusões estruturais, como a dos Correios dos EUA com o Departamento de Comércio, estão em andamento.

O exemplo mais espetacular até agora: a eliminação da USAID, a agência estatal de ajuda internacional ao desenvolvimento.

Ao mesmo tempo, processos administrativos importantes foram digitalizados. Um projeto histórico, porém controverso, foi a digitalização dos registros de pensão da Pensilvânia e das folhas de pagamento de mais de 270.000 funcionários federais. O DOGE afirma ter gerado economias de mais de US$ 100 bilhões. No entanto, auditorias independentes ainda não foram realizadas, e alguns meios de comunicação já revelaram inconsistências nos números oficiais.

"O procedimento foi eficiente e rápido, mas também arriscado, pois os mecanismos tradicionais de controle foram sistematicamente contornados", alerta o especialista norte-americano Lohmann.

Donald Trump reiterou que o DOGE continuará existindo sem Musk. Ao mesmo tempo, ele minimizou um pouco a importância do empreendedor, ressaltando que, no final, são as agências as responsáveis ​​por alcançar as economias.

O que Musk planeja após sua possível aposentadoria permanece incerto. Ele provavelmente voltará a se concentrar mais em seus negócios. No entanto, não está descartado que ele continue sua carreira política.

Donald Trump e o seu populismo tarifário com cara de antigo faroeste

Não sou capaz de opinar sobre a racionalidade econômica por trás da guerra tarifária em que Trump empenhou seu governo nos últimos dias. Deixo a dor de cabeça para quem entende de comércio internacional. Mas gostaria de examinar essa confusão do ponto de vista da política ou, mais precisamente, da comunicação política. Mesmo porque tenho a impressão de que Trump entende tanto quanto eu sobre comércio e tarifas —e é na arena das narrativas e dos imaginários que está, de fato, jogando o seu jogo.


E se tudo parece desconcertante sob a ótica econômica, talvez no campo da comunicação política as coisas se esclareçam. Trump é um populista de direita, é essa a sua persona pública —e ele ainda não saiu do personagem. O contrato que o populista estabelece com seus seguidores é simples: ele é o campeão do povo contra a exploração e a traição das elites.

O povo, neste caso, é a nação em seus estratos mais profundos: o americano médio, trabalhador e empobrecido por ser vítima, ao mesmo tempo, de um Estado que mete a mão no seu bolso e do globalismo que se aproveita do país. O populismo opera com uma equação sem variações: há um povo bom, uma elite exploradora e um líder vinculado organicamente ao povo, que busca o poder para reparar essa injustiça.

Por isso, Trump estrutura sua retórica sobre três pilares centrais: o vitimismo (nacionalista), a exigência de compensações e, agora com nitidez, a punição exemplar dos culpados. O primeiro inverte os papéis: os EUA, vistos como potência imperial, aparecem como nação humilhada por seus aliados e adversários. O segundo transforma a reparação em questão de justiça histórica. E o terceiro —o mais brutal e eficaz— promete fazer os exploradores sofrerem.

Esse tripé retórico esteve escancarado no discurso do chamado Liberation Day, na semana passada. Trump declarou que "por décadas, nosso país foi saqueado, pilhado, estuprado e explorado" e que "trabalhadores americanos assistiram, impotentes, à destruição do sonho americano enquanto líderes estrangeiros roubavam seus empregos e fábricas". O mais absoluto vitimismo: a nação como vítima passiva da pilhagem mundial, enquanto uma elite nacional cúmplice a tudo assistia.

A resposta vem sob a forma de uma vingança organizada e institucional. "Este é o Dia da Libertação", declarou Trump, com pompa e vaidade. "É a nossa declaração de independência econômica." E, com isso, anunciou tarifas punitivas sobre automóveis estrangeiros e novas exigências para países que desejem acesso ao mercado americano: "Se quiser tarifa zero, construa aqui".

Aqui entra a lógica da compensação —mas com um detalhe central: essas tarifas não são apenas uma medida econômica, são castigo. Um mecanismo de correção simbólica que faz os supostos culpados —os países que "nos exploraram"— sentirem na pele o peso da justiça retributiva.

As tarifas, nesse registro, pouco têm a ver com racionalidade econômica. Podem ser um absurdo técnico —e os analistas de mercado quase unânimes as tratam como tal—, mas fazem sentido no campo da retórica política. Para Trump, elas são o chicote que desce no lombo dos que "por muito tempo se aproveitaram de nós", um prazer punitivo que o povo americano merece ver e saborear. Afinal, o que importa é o espetáculo da restituição, da revanche e da punição dos que "nos humilharam". "Eles vão pagar um preço alto", prometeu. "E, pela primeira vez em muito tempo, o povo americano vai vencer."

Essa retórica —que ora se vitimiza, ora agride— alterna dois modos populistas clássicos. No modo vitimista, Trump apresenta o povo americano como explorado por uma elite global e traído por suas próprias lideranças políticas e culturais. No modo valentão, encarna o macho alfa que chegou para limpar a cidade: o novo xerife do Velho Oeste do comércio internacional, disposto a restaurar a decência nem que seja à base de balas e murros.

Trump talvez não entenda nada de comércio internacional. Mas entende tudo de ressentimento, espetáculo e gozo punitivo. E é nisso que aposta: na satisfação que a vingança política oferece aos que se sentem derrotados, empobrecidos e esquecidos por um sistema que, ao longo das décadas, os transformou em número, estatística e dano colateral.

No fundo, o que ele oferece não é uma política comercial. É o roteiro de um western moral: o povo foi roubado, o herói chegou e alguém vai pagar com sangue por cada lágrima derramada. Se vai dar certo, não sei, mas o enredo é esse.

Falta só combinar com a realidade.