segunda-feira, 21 de março de 2016


Máscaras e bananas

A colisão era inevitável. Questão de tempo, apenas. Ficção e feição tão diferentes e contraditórias somente poderiam existir na ausência de luz. Ou atrás da máscara que escondeu a identidade e transformou seu portador naquilo que não era diante dos outros.

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Máscaras são símbolos do engodo. É disfarce que esconde a identidade. Distorcem a realidade. Substituem as verdadeiras feições por ficções planejadas. Ajudam a mistificação buscando a associação do usuário com algum tipo de autoridade incontestável, superioridade moral, ou qualquer outra forma reivindicar papel, importância, ou relevo social que jamais teve.

Máscara é palavra que é proveniente do latim (mascus ou masca; "fantasma") derivado do árabe (maskharah, palhaço; e do verbo sakhira, "ao ridículo"); ou do hebreu (masecha), cuja tradução seria algo como "ele zombou, ridicularizou". Nos dois casos, consistente com o que se viu.

Remove-la, foi (e talvez continua sendo) traumático, chocante. A dissonância entre a face real e a imagem que o mito projetava agride os sentidos. Mas era esperado e consistente com a origem da palavra.

Verificar aquilo que se dizia e se fez quando ninguém olhava, fazer cair a mascar, enfim, revelou rostos imperfeitos, atitudes discutíveis e personagens duvidosos. Tudo escondido em mistura já conhecida de vulgaridades e meias verdades, sempre servidas com doses generosas de mentiras completas.

O que se viu, e principalmente se ouviu, foi duro, mas realidade. Estava comprovado. O personagem era representação falsa, ilusória de si mesmo, disposto a revelar sua verdadeira natureza apenas quando seu rosto (ou voz) permanecesse escondido. Sob o conforto do anonimato, sua identidade ficaria obscurecida. Somente suas ficções, e não as feições fariam historia. Bastou dar-lhe uma mascara para que ele se revelasse de verdade.

E o que se viu, foi triste. Almas autoproclamadas puras revelando perspectivas, opiniões, ações, e intenções fundadas no desprezo profundo pela inteligência e dignidade alheias. Demonstrações incontestáveis de desprezo pela democracia e horror às instituições. Desrespeitos a lei, e aposta no seu descumprimento.

Revelou-se, enfim, o projeto de fundação de uma republica de bananas. Onde, sem duvida, faltariam bananas para todos. Claro.

Torpe e indigno

Qual é o verdadeiro Lula? Aquele que, sem saber que estava sendo ouvido, afirma que o STF e o STJ estão “totalmente acovardados”; cobra gratidão do procurador-geral da República pelo fato de ter sido nomeado pelo governo petista; classifica de “palhaçada” a denúncia de que é alvo por parte do Ministério Público; manda policiais e procuradores enfiar em lugar impublicável as investigações que o envolvem; ou aquele que, em “carta aberta” obviamente escrita por gente alfabetizada, tenta corrigir o devastador efeito negativo da divulgação de suas conversas telefônicas legitimamente gravadas e divulgadas – não “vazadas” – pela Operação Lava Jato?

Afirma Lula, no texto que assinou – e que devem ter lido para ele –, que como presidente da República sempre respeitou o Poder Judiciário e apela ao recurso demagógico de se fazer de vítima que tem sua intimidade “violentada por vazamentos ilegais” e apela à falsa condição de pobrezinho, pessoa humilde e bem-intencionada: “Não tive acesso a grandes estudos formais. Não sou doutor, letrado, jurisconsulto. Mas sei, como todo ser humano, distinguir o certo do errado; o justo do injusto”. Lula não diz a verdade. Ele, de fato, sabe o que é certo e o que é errado. Mas nunca quis saber como se distingue uma coisa da outra. Para ele, certo é tudo aquilo que faz e lhe dá prazer e proveito. Errado é o que não lhe apraz ou pode prejudicar.

Tem sido sempre assim. Reeleito presidente, passou a demonstrar completo desrespeito pelo Judiciário, ofendendo gravemente o STF com a afirmação de que o processo do mensalão era uma farsa que ele trataria de desmontar depois que deixasse o poder. Mas então o petrolão já estava funcionando a pleno vapor e acabou com a fanfarronice do chefão petista.

O perfil moral do ex-presidente foi descrito, em palavras duras, pelo decano da Suprema Corte, ministro Celso de Mello, ao repudiar, sem citar nomes, as “ofensas” e “grosserias” de que os ministros togados foram alvo por parte do ex-presidente: “Esse insulto ao Judiciário, além de absolutamente inaceitável e passível da mais veemente repulsa por parte dessa Corte Suprema, traduz, no presente contexto da profunda crise moral que envolve os altos padrões da República, a reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes que não conseguem esconder, até mesmo em razão do primarismo de seu gesto leviano e irresponsável, o temor pela prevalência da lei e o receio pela atuação firme, justa, impessoal e isenta de juízes livres e independentes”. Várias entidades representativas de juízes, do Ministério Público e dos policiais também repudiaram a tentativa de desqualificar o trabalho da força-tarefa da Lava Jato e do juiz Sergio Moro.

A verdade é que Lula, hábil manipulador e especialista em dizer o que as pessoas querem ouvir, subiu na vida no papel de líder populista, pragmático no pior sentido do termo, sem nenhum compromisso sério senão com a crescente volúpia pelo poder. Inculto, mas espertalhão, Lula deu um nó nos intelectuais esquerdistas que se iludiram com a possibilidade de manipulá-lo e, com indiscutível apoio popular, fingiu converter-se à política econômica que vinha produzindo resultados e se elegeu à Presidência da República para amoldar a seu feitio o “novo regime”: uma ação entre amigos com sotaque nitidamente sindical.

Enquanto a economia permitiu, o governo Lula mergulhou fundo em programas sociais indiscutivelmente meritórios, mas insustentáveis quando o panorama mundial se tornou adverso e a incompetência de Dilma Rousseff impediu as necessárias correções. Hoje, com o governo se desintegrando politicamente, inflação e desemprego crescentes e sem recursos para investir em programas estruturantes, os brasileiros caíram na real. Já não têm ilusões e isso os faz lutar por seus próprios direitos e interesses, o que significa pôr-se do lado oposto do governo responsável por suas frustrações.

Lula, porém, parece acreditar que ainda conseguirá sobreviver ao desastre político, econômico e moral que montou. Mas isso ficou muito mais difícil a partir do instante em que as autoridades começaram a revelar à Nação, com detalhes, os esquemas de corrupção que vêm sustentando o lulopetismo. E, nesse processo, ficou exposta a verdadeira face de Lula, esse populista irresponsável que procura dissimular sua verdadeira condição de abastado burguês para manter a pose de líder popular que compartilha o destino dos pobres.

Certas palavras valem mais que mil imagens


Eram cinco horas da tarde, eu cobria uma demonstração na porta do Palácio do Planalto. As pessoas estavam com muita raiva de Dilma e de Lula. Sentiam-se ignoradas depois de terem ido para as ruas no domingo. Queriam a queda de Dilma e a prisão de Lula. Dilma não só não deu sinais de renúncia, como convidou Lula para ocupar um ministério e fugir da Lava-Jato.

Uma hora de trabalho e saí em busca de água e um banheiro no Congresso. Ali, soube da divulgação dos áudios.

Em termos cinematográficos, o áudio contém metade das informações de um filme. Nesse caso, os áudios eram toda a informação necessária para inflamar as ruas. As multidões já estavam iradas e o diálogo Dilma-Lula serviu para catalisar um processo que já estava em andamento. Os romances do passado escreviam assim: a marquesa saiu às seis horas. Agora era possível reescrevê-los: Dilma foi para o espaço às seis horas, no rabo de um foguete barbudo.

Só mais tarde, exausto, examinei o conjunto de gravações. Senti que Lula estava acuado, tentando dominar um processo que escapava ao seu alcance. Os interlocutores, inclusive Jaques Wagner e, principalmente, Nélson Barbosa, respondiam com frases curtas, como se estivessem incomodados, loucos para desligar. Ele sabia que era uma luta difícil. Mas lamentava o medo dos outros: o Congresso e o Supremo estavam acovardados. Sua intenção era deter a Lava-Jato e criar uma frente de investigados. Se não fizessem nada, seriam todos presos.

Renan estava fodido, Cunha, idem. Lula parecia assumir sua verdadeira condição de chefe da imensa quadrilha, para salvá-la dos procuradores que, segundo ele, se achavam representantes divinos. Conversas gravadas sempre trazem embaraços. Na intimidade, somos menos cuidadosos. A série de gravações mostrou não só que Lula queria interferir no processo legal. Mostrou algo que não se suspeitava: a falta de carinho e solidariedade com as pessoas que o ajudaram por décadas.

É o caso de Clara Ant. Ela chegou a ser deputada, mas depois disso dedicou-se, inteiramente, a ajudar Lula. Ao que parece, foi um projeto de vida. Participei de um debate com ela, sobre o conflito no Oriente Médio, diante de uma plateia formada por membros da colônia judaica. Ela defendeu, como pôde, a política externa do governo brasileiro. Pareceu-me uma pessoa tranquila e bastante confortável diante de ideias divergentes. Não tenho procuração para defendê-la e, quem sabe, pense a meu respeito todas as barbaridades que a imprensa petista divulga. No entanto, afirmo que não é assim que se trata uma colaboradora de tantos anos, nem é assim que se trata qualquer mulher que tem sua casa invadida por cinco policiais. Lula disse que ela deve ter achado um presente de Deus tantos homens entrando pela porta. Dilma riu. Dilma, a presidenta, a mulher símbolo de uma conquista feminina, ri de piadas machistas desde que contadas pelo seu chefe.

O ângulo político das gravações, nesta altura, já deve ter sido exaurido, e a tentativa de fugir da Lava-Jato já se revelou o desastre que todas as pessoas sensatas previam. O ministro Aragão, que tinha como tarefa desmontar a Lava-Jato, foi tratado como alguém que é amigo, mas, no momento de fazer as coisas, sempre dizia “Olha’’. Lembrou-me de Sancho Pança, que dizia constantemente: “Olha, mestre, olha bem o que está dizendo’’.

Lula não pode ser comparado a um Dom Quixote, pois seria uma agressão a esse maravilhoso símbolo da cultura ocidental. Ele, simplesmente, estava desesperado. A máquina do governo petista não respondia com eficácia sua ânsia de proteção. Os políticos corruptos marchavam para o matadouro, inertes, à espera da salvação mágica. Ele viria para reagrupá-los, derrotar a República de Curitiba e, certamente, encontrar um meio de financiar as relações obscenas alimentadas pelo mensalão e pelo assalto à Petrobras.

Sua meta conservadora é cristalina. E, ainda assim, algumas pessoas, militantes e intelectuais, continuam achando-o o caminho do futuro e classificando de reacionário quem se opõe a um projeto criminoso de poder. As hostes petistas receberiam ordens claras para achincalhar os adversários e intimidar os procuradores e policiais da Lava-Jato.

No princípio da semana, fui alvo de ataques desonestos dos sites pagos pelo governo. Talvez já fosse uma minúscula parte do plano. Não creio que quisessem me intimidar; estavam apenas exercitando os músculos. De todos as crises que vi no Brasil, esta tem uma singularidade: a tristeza de milhares de pessoas que acreditaram no poder transformador da esquerda no governo. Falei com alguns senadores que deixaram o PT. Estavam desolados, depois de tantos anos de trabalho. Pelo menos compreenderam a realidade e podem tentar outro caminho. Os oportunistas e carreiristas continuaram agarrados aos seus empregos.

O drama mesmo é dos que não suportam as dores da realidade e insistem na negação. Seguem o seu líder sem o bom senso de Sancho Pança. Não ousam dizer: “Mestre, olhe bem o que está dizendo’’.
Fernando Gabeira

'Normalidade democrática não está consolidada no Brasil'


Para o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, a atual crise política mostra que a normalidade do jogo democrático, que se pensava estar consolidada de maneira sustentável no Brasil, de fato não está.

Em entrevista à DW Brasil, ele afirma que a repercussão da atual instabilidade no momento é terrível para a imagem brasileira, mas pode ser positiva no futuro – desde que a Justiça consiga mostrar que não atua de modo seletivo.

"Se conseguir fazer isso, vamos ter uma reformulação e uma refundação política do Brasil. Como aconteceu na Itália, hoje a corrupção naquele país não tem o mesmo caráter endêmico como antes das Mãos Limpas", opina Sousa Santos, doutor em sociologia pela Universidade de Yale (EUA) e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal).

Brasil: Como o senhor avalia o atual momento político no Brasil?

Boaventura de Sousa Santos: É uma crise muito grave, fundamentalmente porque a normalidade do jogo democrático, que se pensava estar consolidada de maneira sustentável no Brasil, de fato não está. As elites políticas conservadoras que dominaram durante praticamente todo o período histórico de Independência do Brasil não se conformaram com o fato de terem perdido as últimas eleições por uma pequena margem. É realmente pouco usual que, poucos meses após um presidente assumir, seja pedido o seu impeachment. Além disso, uma fração minoritária, mas importante do Poder Judiciário está ultrapassando e manipulando politicamente os seus poderes e cometendo ilegalidades que, aliás, estão sendo reconhecidas até mesmo pelos adversários políticos do ex-presidente Lula e do PT.

E as denúncias da Lava Jato envolvendo os nomes de Lula e Dilma?

É evidente que o PT e seus dirigentes cometeram muitos erros ao longo desses 12 anos. O PT cedeu, sobretudo a partir do segundo mandato de Lula, e governou à moda antiga, com outros objetivos, aquilo que sempre fizeram as elites oligárquicas conservadoras, o que é uma grande intimidade e promiscuidade entre o poder político e econômico. Se um governo de esquerda não protege essa elite conservadora e pode ter cometido alguns erros, isso tem um significado político muito forte: primeiro, porque a corrupção cometida pela direita e pela esquerda não é tratada de forma igual pelo Judiciário, e isso é assim no Brasil e na Europa. Essa dualidade de critérios é uma constante do sistema judiciário. O juiz Sergio Moro invoca a operação Mãos Limpas na Itália, mas invoca mal, porque na Itália a operação atuou contra toda a classe política: a esquerda e a direita.

Qual seria uma possível solução para a atual crise?

Tem que ser uma solução democrática. E não podemos ter uma situação de distensão como aquela que já está gerando uma divisão profunda do sistema judiciário e político. Muitos pensam que, neste momento, talvez fosse preferível que Dilma renunciasse, e o PT voltasse à oposição e se reconstruísse. A outra posição é aquela que está acertada, de Lula entrar para o ministério. Ele é um grande negociador, um grande político. Ele continua mostrando que, apesar disso tudo, ele está ainda na linha de frente para uma eleição em 2018. O Brasil é um país que está extremamente dividido. É um país menos injusto, que está mais equilibrado econômica e socialmente, mas mais desequilibrado politicamente, precisamente porque as classes dominantes que governaram o Brasil não admitem estar fora do poder por tanto tempo. E isso está
condicionando o futuro político do Brasil.

A farofada com Romanée Conti

Quando principalmente a intelectualidade petista vai sair da comodidade aqui e lá fora, do vinho tomado à beira do rio Sena numa tarde em Paris, e visitará as grandes realizações dos governos do PT ao menos nas cidades médias e pequenas?

Não precisarão gastar muito nem perderão tanto tempo nessas cidades de maravilhas abençoadas pelo consagrado partido. Só não vale confiar na propaganda que espalham por meio mundo ao custo do Erário, milhões desviados que seriam obrigatoriamente aplicados ao bem-estar do povo.

Conheçam os hospitais, alguns até alcunhados de Portal da Morte; passeiem por suas maravilhas turísticas atravessando pontes de tábuas, ruas enlameadas; vejam as construções em ruínas nem bem iniciadas ou quase concluídas e já tomadas pelo mato; sintam o cheiro da falta de saneamento: procurem lembranças, que não existem, no comércio do Passo Ponto ou no Centro Cultural fechado há meses depois de custar quase R$ 1 milhão. Também podem frequentar as águas doces poluídas, há anos impróprias para banhistas, ou passear pelos rios infestados de poluição, lixo e aguapés.

Conheçam o espetáculo de lixo não recolhido em terrenos baldios, nas calçadas em torno dos postes.

Será um passeio pela realidade que dirão ser algo parecido com o que acontece em outras cidades. Talvez assim seja, mas quando cidades deixadas ao Deus dará enquanto seus cofres públicos se enchem regularmente de royalties em torno de bilhão, fica difícil engolir que não se melhore a vida da população ao tempo em que os comissionados - praga invasora nos governos petistas - luxam com casa nova, carro novo e até passeios a Cuba, paraíso dos emergentes petistas.

Orgulhosos que são das conquistas em favor dos pobres - algo inédito como se nunca em governo algum se teve a mínima iniciativa desse tipo - os famosos e ferrenhos defensores dos vermelhinhos deveriam conhecer mais da realidade desses mesmos desasssistidos nas mãos do PT. Será que baterão palmas para habitações do Minha Casa Minha Vida construídas em brejos, sujeitas a inundações, bolsas famílias fartamente distribuídas até para não necessitados, UPAs já começando a ser sucateadas, a compra de votos fajuta através de benefícios sociais? Talvez quem sabe aprovem tais ações, justificando com a costumeira cretinice de quem enche a boca com os "pobres" mas arrota caviar e Romanée Conti

Lula na contramão de Collor

Quando renunciou à Presidência da República, em 1992, Fernando Collor abandonava o poder com o objetivo de tentar escapar das garras da Justiça, que acabou por lhe cassar os direitos políticos por alguns anos, após os quais retornou com ficha limpa para o Senado. Os momentos que antecederam a renúncia foram de imensa tensão, tanto no meio político quanto empresarial. Havia rejeição até então inédita do governo, e a oposição não era composta somente pelos caras-pintadas radicais que insultavam o então ex-presidente na lateral do Palácio do Planalto. Os fatos eram inéditos, e e as opiniões sobre o que poderia ou não poderia acontecer eram tão obscuras e contraditórias quanto foram quando da morte de Tancredo Neves.


Lula, agora, faz o caminho inverso, agarrando-se a qualquer migalha de poder, subindo de elevador privativo para o lugar onde o superpoderoso José Dirceu finalmente foi desmascarado antes de ser condenado e levado para a cadeia. É preciso lembrarmos que a Casa Civil, além de conceder foro no STF para o ocupante, é o lugar onde foram praticados a maioria dos atos que envergonham o Brasil mundo afora. Foi lá que aconteceu o escândalo que envolveu Erenice Guerra. Foi de lá que partiram as maquinações do Mensalão. Era na condição de ministra que a atual presidente Dilma comandou a Petrobrás quando decisões inimaginavelmente desastrosas foram tomadas, com seu nome escrito e sua assinatura rabiscada em contratos lesivos ao patrimônio da empresa. Por outro lado, foi de lá que Dilma deixou o primeiro escalão do governo para assumir a presidência...

A avaliação dos eventos recentes envolvendo a posse de Lula no ministério exige cautela e conhecimento. Não basta a enorme indignação da imensa parcela da população que se manifesta contra a nomeação para que o ato seja invalidado. Uma decisão liminar contra a posse já caiu. A decisão do ministro Gilmar Mendes ainda será apreciada pelo plenário do Supremo e, avaliando com os pés no chão, ainda tem como ser anulada.

Corremos o risco, portanto, de termos um ministro em campanha full time para as eleições de 2018. Com a caneta que nomeia e autoriza (ou decide) pagamentos na mão. Uma pessoa que tem aglomerados, organizações e sindicatos às ordens para impedir a oposição de falar e a população de se mover, que podem agredir e insultar qualquer um que divirja da sua ortodoxia dogmática, uma espécie de santo intocável com alguns milhões de devotos capazes de qualquer coisa.

É muito preocupante que exista uma pessoa assim, capaz de deflagrar movimentos imensos de ódio irracional pró e contra. Eu temo imensamente pelo futuro do país e dos nossos filhos, caso uma eventual ação da Justiça que leve Lula à companhia de seus amigos e partidários na Papuda deflagre movimentos ainda maiores e mais violentos. Esse não deveria ser o custo da democracia e da transparência. As coisas não deveriam ter evoluído tanto. A sangria deveria ter sido interrompida lá atrás, qualquer que seja o lugar e o momento em que tenha começado. Ao menos esperamos que tudo o que está ocorrendo ensine alguma coisa útil. Tanto a quem governa (ou julga) quanto a quem vota.

Lava Jato, filho mais novo da operação Mãos Limpas

No próximo ano se completarão 25 anos do início, na Itália, da operação Mãos Limpas, liderada pelo juiz Antonio Di Pietro, considerada a maior investida de todos os tempos contra a corrupção político-empresarial.

A Lava Jato brasileira poderia ser considerada como o filho mais novo daquele terremoto político que varreu a Primeira República da Itália depois de ter feito desaparecer nas urnas os quatro maiores partidos de então, entre eles a poderosa Democracia Cristã (DC) e o Partido Socialista Italiano (PSI).

Alguns números são suficientes para mostrar que a Lava Jato é, por enquanto, apenas uma pequena onda daquele tsunami italiano que na época estremeceu a Europa e mais além dela.

Como correspondente deste jornal na Itália naquele momento, coube a mim informar sobre a experiência que permitiu aos jornalistas assistirem atônitos a condenação de quatro ex-primeiros-ministros, 438 políticos e parlamentares, 872 empresários e 2.993 mandados de prisão entre 6.059 investigados. Também pudemos assistir à fuga do líder socialista Bettino Craxi, considerado o centro da operação, que preferiu se auto-exilar depois de ter sido condenado a 17 anos de prisão.

Onze dos condenados acabaram cometendo suicídio, entre eles dois personagens de destaque: Gabriele Calhari, presidente da estatal ENI (Ente Nacional de Hidrocarbonetos) que tirou a própria vida enquanto estava sob prisão preventiva, e o bilionário Raul Gardini, presidente da poderosa Montedison, a maior indústria petroquímica do país, que se um tiro na cabeça.

Tudo começou com um empresário que abriu a panela de pressão da corrupção política empresarial, denunciando o líder dos socialistas em Milão, Mario Chiesa, que aspirava à prefeitura da capital da Lombardia e que extorquia um empresário exigindo-lhe propina para obter licenças públicas.

Puxando o fio, o grupo de juízes de Milão chegou ao coração de uma corrupção que tinha ramificações nacionais. Era uma espécie de máfia perpetrada entre empresários e políticos para obter licenças de obras e serviços públicos em troca de financiamento ilegal dos partidos políticos. Descobriu-se que havia até planilhas com os valores que os empresários se comprometiam a pagar a cada partido, especialmente aos dois maiores, a Democracia Cristã (DC) e o Partido Socialista (PSI) de Bettino Craxi, que em 1983 foi o primeiro socialista a se tornar primeiro-ministro da Itália.

Entre os políticos condenados, Craxi foi considerado então como il capo [o chefe, em italiano] da trama de corrupção em nível nacional, que tinha o objetivo de perpetuar os socialistas no poder.
A trama, no entanto, capturou em suas redes os demais partidos que nas eleições políticas posteriores acabaram sendo varridos do mapa pelos eleitores, fazendo crescer os partidos menores.

Craxi foi condenado a 17 anos de prisão, mas preferiu fugir do país, exilando-se em sua mansão em Hammamet, na Tunísia, onde morreu no ano 2000, considerado como fugitivo político.

Antes disso, o líder socialista havia confessado no Congresso ter financiado seu partido com dinheiro da corrupção. Atacou duramente a operação Mãos Limpas e o juiz Di Pietro, sobre o qual afirmou: “Nem tudo que reluz é ouro. Logo descobriremos que o juiz não é esse herói de que se fala. Há muitos aspectos pouco claros na Mãos Limpas”. Tentou-se processar Di Pietro, mas este acabou absolvido.

Enquanto Craxi arremetia contra os juízes da Mãos Limpas, seu colega de partido, Sergio Moroni, cometeu suicídio e deixou uma carta na qual confessou seus crimes de corrupção e os de seu próprio partido.

Craxi foi sucedido no Governo por seu amigo, o milionário empreiteiro Silvio Berlusconi, um outsider da política, que mesmo com uma dúzia de acusações conseguiu vencer as eleições em 1994 com a força de seus três canais de televisão que o amigo Craxi havia legalizado.

Berlusconi foi em seguida um duro perseguidor da Mãos Limpas e acusou Di Pietro e sua equipe de juízes de “abusar da prisão preventiva para arrancar confissões”.

Com ele no Governo, foram feitas várias manobras chamadas de “salvaladrões” visando anular sentenças dos condenados pela Mãos Limpas. Tentou-se legislar que crimes como a corrupção política e, especificamente, o financiamento ilegal dos partidos, não pudessem ser condenados com prisão. Foi o Presidente da República, Oscar Luigi Scalfari, um político reto, que abortou a manobra.

É difícil, quase um quarto de século depois da Mãos Limpas, fazer um balanço dessa experiência singular, que se repete hoje, embora em miniatura, no Brasil. Sem dúvida, a Itália não foi, desde então, a mesma. Toda a vida política da República ficou em pedaços. Ainda hoje é difícil dizer se o saldo final foi positivo ou não para a democracia.

Foi –sem dúvida– uma experiência traumática que puniu nas urnas os grandes partidos tradicionais e abriu caminho para uma recomposição da vida política.

Foi uma experiência judiciária moralizadora que contou sempre com o aplauso e o apoio da sociedade italiana e que foi apoiada, dia a dia, pelos meios de comunicação que foram uma espécie de braço direito das investigações.

Como hoje no Brasil, também na época, foram peça-chave da Mãos Limpas as confissões dos detidos que se sentiam abandonados e traídos por seus respectivos partidos.

Naquele momento, cada líder político se preocupava em salvar a própria pele, sem pressa excessiva para salvar seus subordinados capturados pelas redes da justiça.

Eles chegaram a dizer que se tratava de delatores “ressentidos e vingativos” que tinham sujado seus respectivos partidos.

No final, chefes e subordinados acabaram compartilhando a dura sorte da condenação e da prisão.

Tudo teve de ser recriado novamente após o deserto em que se havia se tornado a velha política.

A operação Mãos Limpas deu lugar à nova República.

Melhor ou pior do que a primeira?

Depende dos olhos com os quais se examine aquele cataclismo causado pelo transbordamento da corrupção política que havia gangrenado a Primeira República
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O povo não é bobo

 Lula, Roberto Marinho e Aluizio Mercadante. 

Os petistas foram pedir espaço em O Globo para ajudar a candidata Benedita da Silva na corrida à Prefeitura do Rio. Ganharam uma página e criaram o jingle contra a empresa. 

Lula pode ser tudo que acha que é, mas não é tudo aquilo que os camaradas companheiros acham que ele é. O que passar por uma peneira, será uma poeira tão insignificante que vão achar que é outra pessoa.

Jornal britânico sugere renúncia ou novas eleições

O jornal britânico The Observer (versão dominical do jornal The Guardian, de linha editorial de centro-esquerda) defendeu em editorial, neste domingo, que a presidente brasileira Dilma Rousseff renuncie ou que sejam convocadas novas eleições "se ela não consegue restabelecer a calma" no país.

"Uma preocupação óbvia é que esses protestos (contra e pró-governo), se saírem do controle, poderiam degenerar em violência desenfreada e no risco de intervenção pelas Forças Armadas", diz o jornal, um dos principais da Grã-Bretanha, no editorial intitulado "A visão do Observer para o Brasil".

"A democracia brasileira, restaurada em 1985 depois de 20 anos de ditadura militar, não chega a ser uma planta tão robusta que não possa ser desenraizada novamente por uma combinação de fracasso político e emergência econômica. O dever de Dilma é simples: se ela não pode restabelecer a calma, tem de convocar novas eleições - ou sair."


O cientista político da consultoria Tendências, Rafael Cortez, porém, explica que, em um sistema presidencialista como o brasileiro, Dilma não tem o poder de convocar novas eleições.

"O mecanismo institucional para a convocação de novas eleições aqui seria ou uma renúncia coletiva da presidente e do vice (Michel Temer) ou a cassação da chapa (Dilma-Temer) por uma ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em função de irregularidades na campanha. Talvez tenha havido alguma confusão com o sistema parlamentarista", afirma.

Punição, remédio insuficiente

Em seus mais de 15 anos de trabalho no combate à corrupção, a Transparência Brasil sempre se pautou por duas premissas: i) corrupção, no país, é uma prática suprapartidária; ii) combate-se esse fenômeno mirando suas causas – que em geral residem no mal funcionamento das instituições, não no comportamento de indivíduos. O debate público atual, no entanto, parece orbitar ao redor de pressupostos bem distintos.
Uma breve conferência no site do projeto Excelências, criado e mantido há quase dez anos pela Transparência Brasil, mostra que entre os maiores partidos na Câmara dos Deputados e no Senado (PMDB, PT e PSDB, nesta ordem) pelo menos 60% dos representantes sofrem ocorrências na Justiça e nos Tribunais de Contas. Desses, a maioria corresponde a processos por improbidade administrativa, peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e irregularidades em licitações.

Ou seja, ao contrário do que se diz por aí, corrupção não é prática exclusiva do PT.

Cassio Cunha Lima, líder do PSDB no Senado, recentemente afirmou que a democracia brasileira sofre uma “infecção generalizada provocada pela superbactéria da corrupção”. O mesmo senador que reclama da corrupção teve o mandato de governador da Paraíba cassado em 2009 por abusos de poder econômico e político, compra de votos e conduta vedada a agente público.Eduardo Cunha (PMDB), sobre quem pesam acusações gravíssimas de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, com provas materiais fartas coletadas pela Procuradoria Geral da República, segue comandando (e manobrando) a Câmara dos Deputados, com pouca pressão das ruas.

Isso sem mencionar a pouca energia com que algumas malfeitorias são investigadas e punidas. Por exemplo: a Polícia Federal investiga desde 2008 um esquema de fraude em licitações na CPTM e no Metrô de São Paulo que teria desviado cerca de R$ 1 bilhão dos cofres públicos desde 1998, nos governos dos tucanos Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin. A PF indiciou 33 pessoas em novembro de 2014, mas até agora o procurador não decidiu sobre apresentar denúncia ou não. Ele alega “aguardar o envio de documentos bancários por autoridades estrangeiras”. Enquanto isso, crimes já começaram a prescrever.

Outro exemplo é o Mensalão Mineiro, um esquema de desvio de verbas estatais para o financiamento da campanha do tucano Eduardo Azeredo ao governo mineiro em 1998. O inquérito foi aberto no STF em 2005. Após 18 anos dos crimes, há um acusado já falecido, dois beneficiados por prescrição, oito que aguardam um primeiro julgamento (entre eles, o ex-senador do PDMB Clesio Andrade) e cinco condenados em primeira instância (entre eles, o próprio Azeredo e Marcos Valério). Alguns chegaram a ser presos, mas por envolvimento em crimes parecidos cometidos no Mensalão Petista.

A politização da corrupção é, em geral, um movimento contra quem está no Executivo, de modo que faz sentido que a opinião pública se indigne muito mais com o PT, que comanda o Executivo Nacional, do que com PMDB e PSDB – sem contar legendas com taxa de processados ainda maiores, como o PP de Paulo Maluf, o Solidariedade de Paulinho da Força e o PSC de Jair Bolsonaro. Mas ela produz poucos resultados concretos.

É comum que jornalistas nos perguntem se “a Operação Lava-Jato vai acabar com a corrupção no Brasil”. O que seguimos afirmando é que a punição de atos de corrupção é uma condição necessária, porém insuficiente, para que haja mudanças permanentes. O fato de um empreiteiro como Marcelo Odebrecht ser condenado coloca algum limite nos atos de alguns empresários, mas estes acabarão encontrando outros meios para continuar a realizar negócios de modo parecido ao que faziam antes, se assim for rentável e houver vulnerabilidades administrativas e institucionais. Precificam o risco e tocam o barco. A chave da questão está no outro lado da equação: os controles das práticas administrativas.

No caso específico do chamado Petrolão, que é um escândalo gigantesco orquestrado por PT, PMDB e aliados, a chave está no loteamento político da Petrobras – a saber: a ocupação de diretorias e coordenações da estatal por indicados de partidos políticos. Faz-se isso sem nenhum constrangimento, com o agravante de que a imprensa reporta esse tipo de coisa como se fosse algo natural.

A prática não ocorre somente na Petrobras, obviamente, mas em todos os órgãos nas três esferas de poder. Um em cada cinco ocupantes do alto escalão da administração pública federal, por exemplo, é servidor sem vínculo; no mais alto grau (DAS-6), 1/3 dos ocupantes é filiado a partidos políticos. Mais do que isso: não há processos claros, transparentes e accountable para o exercício de funções de gerência e assessoramento nas administrações públicas. Ou seja, um cargo de alta direção – em estatal, principalmente – ainda pode servir de barganha em acordos entre os partidos.

Assim, não tem como haver mudança real quando se mudam apenas os comandantes e deixam estar as mesmas estruturas que permitem que os atos de corrupção ocorram. Por isso, não deve haver engano: combater corrupção é ir além de partidos e de punições; é focar as causas e pressionar por mudanças nos desenhos institucionais – investigando e punindo também, obviamente.

De outro modo, perderemos uma oportunidade de ouro para avançar de verdade nesta agenda – e ainda corremos o risco de vê-la instrumentalizada por grupos políticos que, uma vez no poder, podem rapidamente enterrar a Lava-Jato para salvar suas próprias peles.

Natália Paiva, diretora-executiva da organização Transparência Brasil,

O poder político ilusório e imaginário

Charge Super 18/03
Em 1930, o filósofo francês Henri Bergson queixava-se do mau hábito de os homens inteligentes confundirem o possível com o real. O possível são hipóteses múltiplas em qualidade e quantidade, porque o possível é simplesmente o não impossível e aquilo que (em relação com o futuro) não é impossível de acontecer é de uma multiplicidade quase infinita. Ora, aquilo que afinal aconteceu, o fato real (a hipótese que realmente se realizou), é único e irreversível. Quem exerce o poder político no Brasil superou a observação de Bergson, pois confunde o impossível com o real.

O poder hoje exercido é prisioneiro de suas próprias mentiras e por este motivo necessita continuar falsificando o passado, o presente e, especialmente, o futuro. Falsifica os dados estatísticos. Finge não ter aparato policial todo-poderoso capaz de tudo; finge não ter medo; finge não ter nada a temer. O indivíduo não tem, forçosamente, de acreditar em todas as mistificações, mas deve conduzir-se como se nelas cresse, ou , quando menos, tolerá-las em silêncio; ou, ainda, estar em boas relações com os que as produzem. Tudo isso o obriga a viver na mentira e no impossível.

Esquece-se o homúnculo que exerce o poder político que este deverá fundar-se na vida e na verdade, e aí reside o fato de que, uma vez descoberto, possui um aliado certamente invisível, mas onipresente, que trará inevitavelmente problemas: a “esfera oculta” de que fala Václav Havel, ou maioria silenciosa, que tem o imenso papel de garantir a liberdade e a segurança paralela, a democracia. A esfera oculta vê-se mais uma vez enganada, mas retornará para cobrar o segundo engano.

Veja-se que se alcançou aqui uma consolidação exterior do poder e se pagou com a crise espiritual e moral da sociedade.

Mas o pior nesta crise que se aprofunda é que basta elevar-se acima do cotidiano para se ter consciência, com horror, da rapidez com que abandonamos posições que antes jamais podíamos deixar; coisas que a consciência social ontem considerava como indecentes são costumeiramente desculpadas, para amanhã podê-las seguramente aceitar como naturais e, quiçá, depois de amanhã, como decência exemplar. Hoje aceitamos sem nenhum assombro, como uma realidade, coisas às quais ainda ontem dizíamos que nunca nos acostumaríamos ou que considerávamos impossível aceitar. Pelo contrário, hoje consideramos como um ideal algo que faz pouco nos resultava evidente.

As transformações da medida do natural e do normal e o desfazimento no sentido moral surgido nos últimos anos pelo exercício de um poder menor, na sociedade, resultam maiores do que possa parecer à primeira vista. E, causa-nos certo torpor a capacidade de se dar conta deste embrutecimento e de como ele se desenvolve. É como se a enfermidade caísse das folhas e os frutos, ao tronco e raízes. Por isso existe a inquietude que se apresenta no setor de perspectivas oferecidas pelo presente.

Internamente a sociedade se desenvolve, enriquece e cultiva em primeiro lugar em ter uma consciência, cada dia mais profunda e diferenciada de si mesma. O mundo de tal verdade jamais poderá ser reprimido ou policiado, como se tentou. A sociedade aprofunda e sustenta sua liberdade e descobre a verdade.

A gravidade é a resposta à pergunta global que se deve fazer e que é a seguinte: que profundidade terá a impotência espiritual e moral do Estado no futuro próximo?

Se a lei fundamental do cosmos é levar à entropia, a lei fundamental da vida é, pelo contrário, incrementar a estruturação e a luta contra a entropia; a vida resiste a toda uniformidade e unidade.

Há de se perguntar primeiro de onde vem o poder e que razões lhe conferem justiça, utilidade necessidade e legalidade que determinam ao cidadão o dever moral de obediência.

A existência do poder se prova por si mesma, mas é o poder atual que nos interessa efetivamente, e é ele que origina o poder político menor que nos obriga a com ele conviver. Montesquieu dizia que é uma experiência eterna a de que todo homem que tem poder é levado a dele abusar. Vai até onde encontra limites, ou até onde lhe são impostos limites; aqui, o Poder Judiciário impõe as restrições, ou deveria impô-las e fazê-las cumprir. A “esfera oculta” isso espera, pois, como afirmou Platão em Criton: “Pensas que pode existir um Estado sem leis, ou que as leis não sejam destruídas ou aniquiladas, quando julgados não têm força, quando cada qual as possa violar, subtraindo-lhes a execução?”

Há cerca de 25 séculos que isto ensinava o filho de Ariston, diz Ruy Barbosa, e, obra de 2,5 mil anos depois, se com esse critério quisermos avaliar certas democracias, como a nossa, acharemos que o governo ainda não se embebeu dessas milenares vulgaridades e ainda não se convenceu de que a Justiça é a essência do Estado e, consequentemente, do poder político.

Vive-se hoje no Brasil uma imensa mentira. Quanto mais se fala em democracia, menos se oferecem ao povo suas liberdades, vilipendiado que é em sua dignidade, em sua honra, em seus interesses permanentes e aspirações mais nobres.

Os semimarxistas e os frios ganhadores de dinheiro que infelizmente regem o país esqueceram-se de que as forças morais libertárias e legais determinam as reações de um povo. A “esfera oculta”, mais dia, menos dia, irá se manifestar quando tomar consciência de que o Congresso Nacional não o faz por ela. Todos pagarão, nas urnas ou não.

O interesse do povo, em vez de uma razão, converteu-se num pretexto para privar o mesmo povo de atender, como bem entender, seu próprio interesse. O poder político passou a ser regido por interesses de grupos que, constituindo o governo, dominam o Estado. Mas esse domínio não se dá pelas regras da razão, e sim pelas regras do imaginário e da ilusão. Todos os atos do poder político atual são ilusórios e imaginários, não são reais e verdadeiros, são mentiras que passaram a ser verdades.

Enfim, o poder político que se exerce e conduz a nação se parece e faz parecer ao Estado como totalitário. E o poder imaginário e ilusório conduziu o país a um extremo abalo moral; assim também se dá com a maioria de seus estados membros. A grande maioria está chafurdada. Esperemos o fim desse melancólico e triste espaço que estamos vivendo. Há de ter um paradeiro. O Congresso há de exercer suas prerrogativas, o mesmo ocorrendo com o Judiciário. A democracia e a “esfera oculta” assim o exigem, para que se ponha fim a uma página negra de nossa história, em que o povo se encantou com um governante que exerce um poder ilusório e imaginário, em que mentiras são verdades e verdades são mentiras.