sábado, 17 de dezembro de 2016

Fora Tender

Denunciado novamente na Lava-Jato, Lula soltou uma nota, por intermédio de seu Instituto, criticando os procuradores da operação. Um trecho dela diz o seguinte: “Os procuradores da Lava-Jato não se conformam com o fato de Lula ter sido presidente da República.”

Esse argumento encerra toda a polêmica: os playboys da Lava-Jato não suportam a ideia de viver num país onde o poder já esteve nas mãos de um pobre. Felizmente, o ex-presidente tem amigos ricos, um partido rico e um instituto rico para bancar os advogados milionários que redigiram esse argumento matador. A nota complementa:

“Para a Lava-Jato, esse é o crime de Lula: ter sido presidente duas vezes. Temem que em 2018 Lula reincida nessa ousadia.”

Fim de papo. Está na cara que é essa a motivação do pessoal de Curitiba: se vingar de um nordestino petulante e cortar as asinhas dele. Mas este não é um país só de playboys fascistas e rancorosos. Ainda há espaço para a bondade e a fraternidade, como mostra a planilha “Amigo” da empreiteira progressista, socialista e gente boa Norberto Odebrecht.

Amigo era o codinome de Lula, a quem Marcelo Odebrecht contou ter dado dinheiro vivo — alguns milhões de reais, como acontece em toda amizade verdadeira. Eis o flagrante contra os procuradores elitistas da Lava-Jato: eles não aguentam ver um pobre com dinheiro na mão.

Enfim, um brasileiro humilde que teve a chance de transformar sua roça num belo laranjal — onde pôde plantar seus amigos, como dizia a canção, e também seus filhos, e os amigos dos filhos. Em lugar dos discos e livros, que não eram muito a dele, plantou Bumlai, Suassuna, Bittar, Teixeira e outros cítricos. A colheita foi uma beleza.


Empreiteiras e grandes empresas em geral costumam irrigar candidaturas de todos os matizes — como apareceu na delação da Odebrecht — no varejão eleitoral. Mas uma sólida amizade só se estabelece com retribuição farta — e foi aí que o homem pobre, com sua proverbial generosidade, resolveu retribuir com a Petrobras. Nunca antes neste país se hipotecou tamanha solidariedade ao caixa das empreiteiras amigas. Só mesmo um governo popular teria a sensibilidade de conectar os cofres públicos diretamente ao coração sofrido do cartel.

Não dá mesmo para engolir um presidente que põe o bilionário BNDES, antes elitista e tecnocrático, para avalizar esses laços de amizade profunda — do Itaquerão a Cuba, de Belo Monte à Namíbia. Ver um sorriso iluminando o rosto cansado de um presidente da OAS não tem preço. O que ele entrega de volta tem preço — mas isso é com o Maradona. Aqui só vamos falar de sentimento.

Ai, como se sabe, o pior aconteceu. A direita nazista que tomou conta do Brasil, mancomunada com os androides da Lava-Jato, deu um golpe de estado contra a presidenta mulher — só porque ela manteve os laços de amizade criados por seu mentor, dando uma retocada de batom e ruge nas contas públicas que estavam com cara de anteontem. Quem nunca escondeu umas cartinhas do baralho para surgir com um royal straight flash? Não tem nada de mais. Parem de perseguir quem rouba honestamente. O Brasil caiu em recessão porque quis.

Para defender o legado precioso do homem pobre e da mulher valente, militantes aguerridos foram às ruas lutar contra a PEC do Fim do Mundo. De fato, essa ideia de botar as contas públicas em ordem sem usar batom e ruge é o fim do mundo. Mas os protestos são pacíficos. O pessoal só joga pedra e coquetel molotov para dissuadir os que pensam em usar a violência. Eles desistem na hora.

Esse governo branco, careta e de direita botou para tomar conta da Petrobras, do BNDES, do Tesouro, do Banco Central, enfim, das joias da Coroa, gente que não tem o menor espírito de amizade. Grandes brasileiros como Cerveró, Duque e Youssef estão tendo sua memória desrespeitada por práticas hediondas, que negam aos companheiros a oportunidade de agregar um qualquer. Essa elite branca é egoísta mesmo.

Agora vêm com esse papo de reforma previdenciária. Não acredite no que eles falam. Confie nesses discursos que você recebe por WhatsApp dizendo que o rombo da Previdência não existe. De fato, todos os países do mundo estão passando por problemas fiscais causados pelo sistema de aposentadoria, por conta do crescimento demográfico das últimas décadas e do envelhecimento populacional. Menos o Brasil.

Como se vê, não faltam boas causas para os atos cívicos dessa gente indignada e espontânea, sempre pronta a barbarizar em defesa da paz e da amizade. Chega de baixo astral. Cada dia que o maior amigo da nação amanhece à solta é um milagre. A militância há de sair às ruas para celebrar tal graça, neste que ficará conhecido como o Natal da Mortadela. Fora Tender!

Guilherme Fiuza

Com teto, mas ainda sem chão

A diarista Rosemary das Mercês abre um sorrisão: “Agora tô aliviada. Vou embora feliz. É meu melhor presente de Natal”. Rosemary está contente porque conseguiu negociar o pagamento de sua dívida de R$ 3 mil nas contas de água em 18 prestações de R$ 184. Seu nome estava entre os 900 mil clientes em atraso na companhia de água de Minas Gerais, número recorde. Com o mutirão aberto no Sudeste para saldar dívidas de água e luz, quem paga à vista leva vantagem, como “seu” José, que comemorava o desconto de R$ 77 ao pagar sete contas de uma vez: “Saio feliz porque consegui a negociação”.

Os inadimplentes lotam os postos de atendimento para não deixar dívida para o ano seguinte, como mostrou o Bom dia Brasil. Nada de pedalada. Esse é o povo. São pessoas simples, muitas vezes forçadas a recorrer a armadilhas de crédito para pagar as contas básicas. Os juros ao consumidor, no Brasil, continuam a ser os mais altos do mundo, descontada a inflação: 8,53%. Depois do Brasil, vem a Rússia, com 4,56%, e a Colômbia, com 3,51%. O Banco Central reduziu a Selic, taxa referência para o mercado. Mas os bancos se recusam a repassar essa queda e baixar os juros por “medo do risco”. Quem paga a conta da insegurança dos bancos é o consumidor. Os juros no cartão de crédito subiram de 457,21% ao ano para 459,53% ao ano. Imoral. Curioso é que os aumentos, de combustível, luz, telefonia, ICMS, IPTU, são todos repassados ao consumidor.


Diante deste Brasil real, de desemprego e alto custo de vida, o pacote econômico do governo Temer, tão debatido e finalmente aprovado, é mais tímido do que polêmico. Só loucos ou mal-intencionados são contra impor um teto aos gastos públicos. É uma questão de bom-senso, responsabilidade com o país e com o bolso da população. Não dá para sair gastando mais que a inflação ou mais que a arrecadação. Como Rosemary e José, o governo quer zerar seu déficit. E o prazo é 2020.

Foi um delírio a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, e o Brasil paga um preço amargo hoje. O teto é uma obviedade. Tão grande que os ex-ministros petistas da Fazenda e do Planejamento, Antonio Palocci e Paulo Bernardo, foram os primeiros a sugerir. Isso aconteceu há 11 anos. Quem vetou? Dilma, que ainda era apenas a ministra da Casa Civil de Lula.

Temos então um teto para começar a sanear essa bagunça. O pacote tenta tirar a economia da atual inércia com medidas corretas que beneficiam o contribuinte, o empresário e o comerciante, e que reduzem a burocracia. Mas o projeto aprovado está muito aquém do que o Brasil necessita. Uma medida importante ficou de fora: o trabalhador deveria poder sacar de seu FGTS para pagar dívidas. O Fundo não é seu?

Há dúvidas e desconfianças – e elas são normais. Como Saúde e Educação são os maiores dramas do brasileiro, há um temor de que a população carente seja a mais prejudicada. Se 13 anos de governo do PT e do pai e da mãe dos pobres não foram capazes de dar dignidade a nossos hospitais e escolas, por que Temer conseguiria? Como vigiar as despesas públicas? Temer é um presidente impopular, entronizado pelo Congresso e citado 43 vezes por um delator da Odebrecht. E, também por isso, a “PEC do teto” é criticada. O único consolo de Temer é que sua rejeição nas pesquisas (45%) está empatada com a de Lula (44%).

Brasília e os políticos continuam a viver num mundo paralelo, apesar da crise escancarada. Não dá para aceitar que prefeitos, secretários de governo e vereadores em vários estados tenham aumentado seus subsídios agora, na véspera do recesso parlamentar, na maior cara de pau. Dizem que seus aumentos estão dentro da lei, para “repor as perdas”. Sabem que se comportam de forma imoral, mas não estão nem aí.

Somos obrigados a testemunhar um circo de retaliações entre os Poderes Legislativo e Judiciário. O Senado de Renan Calheiros votou contra os supersalários, acima do teto constitucional de R$ 33.700. Por que não se respeita esse “outro teto”? Por atingir magistrados, militares, chefes de Poderes e servidores de estatais. Por que dar auxílio-moradia a quem já tem propriedades de luxo? Então, nesse caso Renan está certo. Mas agiria por vingança?

Bando de lixo


Porque eu fui envolvido numa situação que eu não tenho culpa nenhuma. Eu perdi o meu emprego, perdi minha moradia e aí você vem querer me acusar, falar alguma coisa contra mim? O que você faria numa situação, como é que você sustentaria sua família?
José Afonso Pinheiro, ex-zelador do tríplex no edificio Solaris, no Guarujá, cuja propriedade é atribuída a Lula,durante depoimento em Curitiba

Imagem do Dia

                                                                             Pawel Kuczynski

Desrespeito como estratégia

Alvo de múltiplos inquéritos, todos bem comprovados, o ex-presidente Lula se acha perseguido pela Justiça. Indiciado mais uma vez pela Polícia Federal (PF) sob acusação de ter recebido propina de empreiteiros camaradas, o chefão petista considera que tudo o que se levantou até agora contra ele faz parte de um grande complô para impedir que volte, triunfante, à Presidência. A estratégia de desmoralizar o Judiciário, imputando-lhe segundas e inconfessáveis intenções, reafirma o cabal menosprezo de Lula pelas instituições, já devidamente comprovado pela conspurcação do Executivo e do Legislativo no lamaçal do mensalão e do petrolão, obras-primas do mandarinato lulopetista. Como não pode admitir nenhuma falha ética, já que tal confissão tisnaria a imagem de pureza que criou para si, Lula prefere arrastar para o fundo do poço moral todos os que dele cobrarem explicações sobre suas reinações.

Para isso conta com a ajuda de uma dispendiosa banca de causídicos, todos devidamente empenhados em provocar policiais, promotores e juízes, acusando-os sistematicamente de má-fé contra Lula e de cercear-lhe a defesa. Assim, esperam que esses agentes públicos finalmente tomem providências legais para pôr cobro a tanto desrespeito, uma reação que, imaginam, comprovaria sua esdrúxula tese de perseguição política.

É claro que se trata da mais pura chicana, levada a um extremo raramente visto na história do País. Em nota, o time de advogados do ex-presidente diz que tanto o delegado da Polícia Federal Márcio Anselmo, responsável pelo novo indiciamento, como a própria Operação Lava Jato “perderam hoje qualquer pudor ou senso do ridículo”. Um dos advogados de Lula chegou a dizer que Anselmo “é conhecido apoiador de Aécio Neves”, insinuando que o delegado estaria a serviço do senador tucano.

Marcelo Odebrecht

O indiciamento diz respeito a dois casos. O primeiro trata da compra de terreno onde seria erguido o Instituto Lula e que, segundo a acusação, foi usada para disfarçar o recebimento de propina por parte da Odebrecht. O negócio teria sido intermediado pelo ex-ministro Antonio Palocci, visto como operador de propinas pagas pela Odebrecht ao PT, razão pela qual também foi indiciado.

O segundo caso trata do aluguel de um apartamento vizinho ao de Lula em São Bernardo. Também aqui, o imóvel teria sido alugado ao ex-presidente, em um contrato firmado pela ex-primeira-dama Marisa Letícia, como forma de ocultar o fato de que o apartamento na verdade pertence a Lula e foi obtido com dinheiro de propina da Odebrecht. Por esse motivo, Marisa Letícia também está entre os indiciados. Esses indiciamentos se juntam ao do inquérito sobre o triplex do Guarujá, imóvel que também teria servido para ocultar o pagamento de suborno, nesse caso por parte da empreiteira OAS.

Tudo isso precisa ser provado em juízo, e Lula, como qualquer cidadão, terá amplo direito de se defender. Mas o chefão petista não se considera um cidadão comum. Ele pensa habitar uma espécie de Olimpo, reservado aos deuses infalíveis, aos quais a justiça dos homens não se aplica. Só isso é capaz de dar sentido à declaração dos advogados de Lula segundo a qual os indiciamentos da PF saíram “no mesmo dia em que pesquisas revelam que Lula lidera a corrida presidencial” e, portanto, têm o único propósito de inviabilizar a candidatura do demiurgo petista.

Em outra frente dessa bufonaria, os advogados de Lula empenharam-se mais uma vez em tentar tirar o juiz Sérgio Moro do sério e estiveram a um passo de conseguir, fazendo o geralmente frio magistrado perder as estribeiras diante da reiterada insolência da defesa do ex-presidente durante uma oitiva. Isso é tudo o que a tigrada quer, para que possa caracterizar, para os incautos, a “perseguição” que vive a denunciar, aqui e no exterior.

Espera-se que os agentes da lei envolvidos na tarefa de levar Lula a responder por seus atos não se deixem intimidar e não hesitem em usar os instrumentos jurídicos disponíveis para finalmente impor o respeito que lhes é devido como representantes da Justiça.

Pacotinho de bondades para as elites

É preciso aguardar a reação das centrais sindicais, dos grandes sindicatos e dos partidos e entidades voltadas para o trabalhador. Só então saberemos se o pacotinho de bondades anunciado quinta-feira pelo governo foi nova manifestação dos donos do poder em favor das elites e das empresas, de preferência as grandes.

Porque em se tratando do trabalhador, nem paliativos. Nada com relação ao combate ao desemprego que atinge muito mais do que 12 milhões de pessoas.


Acesso mais fácil ao crédito dos que já se valem dele; abatimento e refinanciamento de dívidas empresariais e de valores devidos a prejuízos; eliminação de multas no caso de demissões sem justa causa; cobrança de preços diversificados nas compras com cartão de crédito e outras iniciativas que, com muita justiça, contemplarão o capital no meio da crise. Agora, para o trabalho, nada.
É esse o retrato da administração Temer que dia a dia perde índices de popularidade. Levaram sete meses na gestação desse pacotinho que só irá favorecer as elites, mas nenhuma menção à abertura de frentes de trabalho para criar novos empregos.

Dirão os inocentes que a melhoria da situação das empresas, com o tempo, levará à diminuição do desemprego, o que é verdade. Mas essa equação capenga o palácio do Planalto continuará devendo aos que mais necessitam de ajuda no país. Ajuda imediata, por sinal.

Lamenta-se o silêncio do PT e penduricalhos. Pode ser estarem dedicando o fim de semana à exegese mais profunda das medidas anunciadas. Também pode ser que não.

O início da confissão dos Odebrecht anuncia o fim do Amigo Lula

Dura é a vida de petista no Brasil da Lava Jato. No começo desta semana, por exemplo, a seita dos devotos de Lula fez o possível para animar-se com o desempenho do chefão no Datafolha. A pesquisa informa que, se a eleição de 2018 fosse realizada agora, o único líder popular do mundo que só se apresenta para plateias amestradas venceria no primeiro turno candidatos que, como ele, acabarão impugnados pela Odebrecht. Se o índice obtido pelo ex-presidente não é lá essas coisas, a taxa de rejeição está perto de 50%. Metade do eleitorado quer ver pelas costas o antigo campeão de popularidade. O que restou do PT também fez o possível para entusiasmar-se com a chegada da Lava Jato a figurões do PMDB instalados na cúpula do governo Michel Temer, como se ninguém soubesse que a ladroagem do Petrolão resultou da parceria entre o partido do governo e a sigla que não consegue respirar longe do poder.

O restante da semana reafirmou que, no Brasil enfim inconformado com a canalhice hegemônica, alegria de adorador de gatuno agora dura pouco. Nesta quinta-feira, a ofensiva contra os corruptos foi retomada pelas primeiras revelações de Marcelo Odebrecht e pelo detalhamento de bandalheiras envolvendo o patrimônio imobiliário do ex-presidente. Como insiste em jurar que não lhe pertencem propriedades que ganhou de empreiteiros amigos, o dono do triplex no Guarujá e do sítio em Atibaia só não recebeu de Guilherme Boulos uma carteirinha de sócio do clube dos sem-teto por ter registrado em cartório a posse do apartamento onde mora em São Bernardo. Alcançada no fígado pelo primeiro golpe da Odebrecht, a defesa de Lula avisou que não comentaria “especulação de delação” e enfiou o rabo entre as pernas.


A imagem pode conter: texto

O que a tropa de bacharéis sem álibi chama de “especulação” reduziu sensivelmente a distância que separa seu cliente da cadeia. Na segunda-feira e na terça, já nos depoimentos inaugurais, Marcelo Odebrecht confirmou que fez pagamentos ao ex-presidente, alguns deles em espécie. Os maços de cédulas foram providenciados pelo Setor de Operações Estruturadas, codinome do departamento de propinas da maior empreiteira do país. O Ministério Público e a Polícia Federal já podem provar que é Lula o “Amigo”, codinome que identifica nas planilhas o beneficiário de 23 milhões de reais. Desse total, 8 milhões de reais foram pagos em 2012, “sob solicitação e coordenação de [Antonio] Palocci”, informa o relatório de indiciamento do ex-ministro dos governos Lula e Dilma, hoje dando expediente na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.

Só na terça-feira, a abertura da caixa-preta controlada por Marcelo Odebrecht, acompanhada por dois advogados e quatro procuradores federais, consumiram 10 horas de revelações. Não é pouca coisa, e no entanto é um quase nada diante do que está por chegar. Além de Marcelo, o herdeiro que sabe muito, logo estará em cena o patriarca que tudo sabe. O codinome do mais poderoso lobista a serviço do departamento de bandidagens da empreiteira foi sugerido pela fraterna ligação que unia o ex-presidente a Emilio Odebrecht, que cuidava pessoalmente da estratégica parceria com o Amigo. O começo da confissão de Marcelo acabou com a amizade. O depoimento de Emílio vai acabar com Lula.

Tempo de Big Band

Odor do inferno

Dia desses li que a poluição do ar está relacionada a 550 mil mortes prematuras somente na Europa. São pessoas em idade produtiva, cujas vidas se encerram prematuramente por conta de doenças cardíacas, câncer etc.

Retiremos da equação o aspecto humano, e fiquemos apenas com o material. Será quando constataremos, abismados, que estas mortes custam ao continente europeu, a cada ano, nada menos que 115 bilhões de Euros.

Decidi pesquisar mais sobre o tema. Descobri que, apenas em 2013, a poluição do ar - e só ela - tirou a vida de 5,5 milhões de pessoas. Vamos aos custos econômicos desta mortandade: 1% do PIB planetário, consideradas as perdas em produtividade, gastos com tratamentos etc.

Mas voltemos ao aspecto humano. Segundo constatado pelo UNICEF, os "poluentes não se limitam a causar danos aos pulmões em desenvolvimento das crianças - eles podem se infiltrar no sistema vascular cerebral, causando danos permanentes ao cérebro". 

Muitas vezes não nos ligamos, mas também somos parte da natureza, do meio ambiente... Então, nos ajudarmos e preservarmos o planeta significa questão de sobrevivência. www.eCycle.com.br Sua pegada mais leve.:
São elas, as crianças inocentes, por tantos maus cinicamente apontadas como "o nosso futuro", as principais vítimas desta poluição assassina. Só em mortes, desconsiderados os casos de doenças crônicas, foram 658.000 em 2012, conforme estimativa da OMS (crianças com menos de cinco anos de idade).

Diante destes dados, fiquei a recordar uma pesquisa divulgada, nos idos de 2008, pelo IBGE, segundo a qual Vitória apresenta uma quantidade de enxofre no ar superior à de São Paulo - nesta, oito microgramas por metro cúbico de ar, contra dez daquela.

Passados uns oito anos, li na imprensa que "o médico Luiz Werber Bandeira, chefe da área de Imunologia Clínica e Experimental da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, é definitivo ao afirmar que nenhum dos moradores da Grande Vitória ficará livre de doenças produzidas pela poluição do ar".

Destas moléstias, esclarece, "80% são cardiovasculares; o restante se divide entre doenças pulmonares crônicas, infecções respiratórias agudas e câncer de pulmão".

Pois é. A esta altura, algum desavisado poderia imaginar que o título deste texto é relativo ao odor característico do enxofre. Nada mais falso. Seja ele, antes, um alerta aos tantos que, por ação ou omissão, vitimam impunemente toda uma população indefesa há décadas, esquecendo-se de que as coisas da vida passam, e passam muito depressa...

Pedro Valls Feu Rosa 

Falácia

A estimativa de crescimento do país para 2017, de 1,6% do produto Interno Bruto (PIB), porém, é uma falácia. Ninguém trabalha com essa expectativa. O orçamento foi inflado para permitir as emendas parlamentares e os aumentos dos servidores, num jogo de faz de conta cujo objetivo é mitigar os efeitos da PEC do teto dos gastos em 2017.
TEMER tras pacote grafico subindo desaprovacao de 39 para 46 meirelles costa pesquisa 
É uma solução de compromisso entre a equipe econômica do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o dispositivo parlamentar de Temer, que vem atuando como um rolo compressor para aprovar as propostas do governo. O problema é que a verdade das contas públicas será ditada pelo equilíbrio receita versus despesas. Ou seja, o governo terá que fazer um brutal corte de gastos ou tentará aumentar os impostos.
Luiz Carlos Azedo

Brasília paga os erros de nascença

Capital projetada por Lúcio Costa e embelezada pelo gênio do centenário Oscar Niemeyer está pagando com a crise ética e moral dos três poderes, que atinge em cheio o Legislativo, em tese o mais democrático e o mais alvejado pelo esguicho de lama das roubalheiras em série sem fim, que só não podem surpreender a quem tenha acompanhado com visão crítica a série funesta de erros de uma sucessão de desatinos.

O presidente Bossa Nova, de justa popularidade, carimbou com a leviandade a promessa de cumprir o dispositivo constitucional de construir a nova capital para a mudança ainda no seu governo. O aparte de um popular em comício da campanha reclamou a inclusão da mudança da capital nas metas do candidato. E o JK, sem hesitar um segundo, ali, na bucha, prometeu construir e transferir a capital do Rio para os cafundós do cerrado.

Entre os muitos acertos e realizações do seu governo, Juscelino Kubitschek dedicou uma atenção especial ao acompanhamento das obras, gerenciadas por Israel Pinheiro. Uma epopeia badalada pelos sinos da propaganda e acompanhada pelo país, a princípio pela cobertura da Manchete, com a prioridade do entusiasmo de Adolfo Bloch, e por toda a mídia.

No mutirão final, para descontar o inevitável atraso, o rodízio das turmas emendava o dia com a noite. E a correria disparou nas cutucadas da urgência a mais absoluta e descarada irresponsabilidade de pagar qualquer preço para vencer as resistências dos ministros, parlamentares, altos funcionários em mudar com a família para um canteiro de obras de uma cidade sem as mínimas condições de habitabilidade.

Resultado de imagem para civilidade
No lamaçal das pancadas de chuva ou no poeirento calorão do sol inclemente, a praga das mordomias brotou e floresceu com a solidez de árvores centenárias. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e demais órgãos do Judiciário ganharam mansões à beira do lago, que seriam compradas na aposentadoria por preço módico e pagamentos a perder de vista. Que se saiba, apenas o ministro Célio Borba recusou a prenda.
No Legislativo, a bambochata disparou como foguete interplanetário que nunca foi detido ou controlado: verba indenizatória, passagens aéreas para o fim de semana com a família no reduto eleitoral, assessores de coisa nenhuma, vantagens e, na atual temporada, o festival da roubalheira, até o megaescândalo do governador de Brasília, o big boss José Roberto Arruda, campeão absoluto da gatunagem debochada com os flagrantes da distribuição de pacotes de notas de milhares de reais aos secretários de governo, deputados distritais, cúmplices, e que eram escondidas nas cuecas, meias, sapatos e outros locais de difícil acesso.

Afinal, o escândalo passou da conta e não pode ser esquecido com as clássicas manobras protelatórias.
A proximidade da campanha eleitoral adverte o nosso presidente, comandante da campanha da sua candidata, a ministra Dilma Rousseff que ora acumula tarefas com excelente disposição e exuberante entusiasmo de chegar ao pódio com as bênçãos do padrinho todo-poderoso.

Mas, e até lá como limpar a imundície espalhada pelos cantos, escorrendo das paredes? Se a tolerância elástica do presidente proclama que a imagem de políticos, com o governador de Brasília, José Roberto Arruda, comandando a distribuição de pacotes de notas “não fala por si”, a recomendação de aguardar em respeitoso silêncio “todo o processo de investigação e apuração” equivale a um prévio aviso que é melhor esperar sentado em poltrona macia.

Falta o complemento lógico de que cadeia foi feita para os pobres, já atendidos pelo Bolsa Família.

Pelo menos até as eleições de 5 de outubro de 2010 vamos conviver com as cautelas oficiais para não derramar o balde dos dejetos. A única saída passa por muitos desvios e mundéus até o ponto final de uma Constituinte, despoluída pela reação popular do voto, com a renovação de senadores e deputados, eleitos com explícitos compromissos de acabar com todas as mordomias.

E o que fazer com Brasília, construída para sediar a capital, planejada para uma população de 500 mil habitantes, que já passam de 2,5 milhões, e se transformou num estado, com governador, prefeito e assembleia legislativa?

A capital tranquila está cercada de favelas, que nada ficam a dever ao Rio. Só não tem mar, praias e a Baía de Guanabara.

Villas-Bôas Corrêa, “Coisas da Política”, do Jornal do Brasil, em 19/12/2009

Paisagem brasileira


Resultado de imagem para wim van dijk quadros de igrejas
Barbacena, Willem Leendert van Dijk (1969)

O futuro com dignidade

 A cada dia fica mais evidente a exacerbação do ódio nas relações humanas. A agressividade manifestada através das redes sociais extrapolou os limites do mundo virtual e se instalou sem o menor pudor em nossa vida cotidiana. Esse comportamento raivoso, insensível ao sentimento do outro, revela a intolerância, o preconceito e a incapacidade do indivíduo ou de certos grupos aceitarem pacificamente as convicções alheias.

Haverá algum meio para reverter essa perversa realidade? Para o dramaturgo Nelson Rodrigues, “o homem não vive sem ódio. Quando não tem a quem odiar, odeia a si mesmo. Um dia, arrancará a própria carótida e chupará o sangue como um vampiro de si mesmo”. Não obstante o fatalismo desta afirmativa, deverá existir alguma maneira de resgatar os princípios básicos da formação humanista e do bom convívio social. Não dá para aceitar passivamente a postura egocêntrica de quem tem o olhar voltado unicamente para os seus interesses pessoais.

As próprias nações europeias estão sendo obrigadas a enfrentar o refluxo das ações predatórias que praticaram durante anos em suas antigas colônias. Diante do crescente fluxo migratório, alguns países tentam fechar suas fronteiras para impedir a entrada dos miseráveis que fogem das guerras civis e de algumas ditaduras cruéis apoiadas veladamente por essas mesmas nações. Até onde chegará esse sectarismo que deixa em seu rastro sementes de ódio e revanchismo? Os reflexos das políticas discriminatórias já despontam no contexto urbano de várias cidades europeias.


2000 as Seen in 1910 (23 pics)
Ilustração de 1910 sobre o futuro em 2000
No Brasil, vivemos outra espécie de radicalização política. Estimulada por fanatismos de diversas naturezas, a síndrome da intolerância tem afastado pessoas próximas e desfeito antigas amizades. Esse tipo de violência tem sido recorrente no cotidiano de nossas cidades. Não é possível admitir que tal postura esteja dentro dos padrões de normalidade comportamental. Conviver com esse conflito tem sido tão difícil quanto encontrar uma saída capaz de pacificar corações e mentes.

No Rio, a violência se apresenta com diversas facetas. O processo de retomada dos territórios dominados pelas facções do tráfico e milícias, ao que tudo indica, está indo por água abaixo. O projeto das Unidades de Polícia Pacificadora foi desvirtuado por um governo desinteressado em melhorar a qualidade de vida nas comunidades pacificadas. As obras de infraestrutura e a implantação de equipamentos de interesse social ficaram no esquecimento. Com a crise econômica, esse quadro tende a se agravar consideravelmente.

Em seu livro “Cidades invisíveis”, o escritor italiano Ítalo Calvino afirma que o inferno dos vivos, se existe, é aquele que está aqui e que ajudamos a construir nos ambientes onde ocorre a vida cotidiana. Para escapar desse inferno, muitas pessoas se sujeitam a conviver com ele até não mais percebê-lo como tal. Outras, porém, tentam identificar o que é e o que não é verdadeiramente um inferno e, assim, melhor compreender os verdadeiros significados da cidade.

Essa parábola demonstra que em uma cidade como o Rio não se pode considerar inferno tudo aquilo que causa estranheza. Para evitar avaliações precipitadas ou mesmo preconceituosas, é preciso conhecer, de perto, como vivem as populações nos diversos bairros da cidade e nas inúmeras aglomerações urbanas informais. Certamente, essa experiência será um caminho proveitoso para compreender os diferentes modos de vida em nossa cidade.

Independentemente das críticas feitas aos poderes constituídos, não podemos abrir mão do regime democrático conquistado ao longo dos anos com muito esforço e sacrifício. Neste momento singular da nossa História, esperamos que a nossa sociedade construa para si um futuro com mais dignidade. Há que se restabelecer o quanto antes a urbanidade perdida, para evitar o esfacelamento definitivo das relações sociais. Não há mais tempo a perder.

Luiz Fernando Janot

Poder comprado: a lista da Odebreht e o coronel Dagoberto

Acabo de ouvir que a ministra Carmen Lúcia cancelou as comemorações de fim de ano no Supremo. O tempo fecha em Brasília e redondezas. Os dias finais de 2016 não poderiam ser mais inquietantes e melancólicos para homens e mulheres de bem e honrados no Brasil. Sim, mesmo que os escândalos quase diários insistam em apontar na direção oposta, sigo na crença de que “gente de bem”, como dizia meu falecido pai, existe ainda – e em boa quantidade – espalhada por aí, embora cada vez mais silenciosa e escondida. Tomada, talvez, por aquele sentimento terrível que Rui Barbosa antecipou em palavras proféticas na sua época: “...de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da honra, desanimar-se da justiça e ter vergonha de ser honesto”.

Resultado de imagem para odebrecht do brasil charge
Admito que possa estar enganado, mas o fato é: levando em conta o conselho de que “é preciso comparar”, repetido pelo garoto sueco Ingemar, personagem central do “cult” cinematográfico “Minha Vida de Cachorro”, não recordo - na vida pessoal e profissional de muitas décadas de coberturas jornalísticas de tantos e tão sucessivos episódios de malfeitos políticos e governamentais - nada comparável em deslavada desonra e enxovalhamento moral, aos fatos clamorosos desta antepenúltima semana do ano. Nem lembro ter visto a sociedade brasileira tão duramente atingida por esta sensação perversa de que falava o notável jurista baiano, quanto agora: em seguida à divulgação da primeira lista de nomes de pol&iacut e;ticos, governantes, ministros e ex-ministros de alto coturno do mando nacional, “dengados” pela Odebrecht e seus tentáculos empresariais na área petroquímica – acompanhados de suas respectivas, acabrunhantes e desmoralizantes alcunhas - , a partir da delação premiada de Claudio Melo Filho, ex-executivo da maior empreiteira da América Latina. Que demonstra, cabalmente, ter feito a sua opção de crescimento e sucesso privado, apostando na corrupção. No controle do poder público à partir de políticos e governantes venais.

A memória e o convite à comparação conduzem o jornalista a um mergulho nos anos 70, época do chamado “milagre brasileiro”, com Delfim Neto no comando da Economia.

De férias no Jornal do Brasil, eis que desembarco com Margarida mais uma vez em Montevidéu: a airosa e acolhedora capital do Uruguai onde costumava descansar e rever exilados políticos acolhidos na beira do Rio da Prata, depois do ataque civil-militar que derrubou o governo democrático de João Goulart no Brasil, em 1964. Entre eles, dois se tornaram especiais amigos. Um deles, o jornalista alagoano Paulo Cavalcante Valente, que ouvi pessoalmente Neuzinha, filha do ex-governador Leonel Brizola, definir como “o mais firme e mais leal amigo de meu pai”. E que dona Neuza, mulher de Brizola , honrada e destemida ex-primeira dama do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, chamava de “Doutor Paulo”.

O outro é o falecido coronel Dagoberto Rodrigues, ex-chefe do Departamento de Correios e Telégrafos (DCT), que no governo Juscelino Kubitscheck, às vésperas da inauguração de Brasília, funcionava como uma espécie de Ministério das Comunicações e, no período de Jango, conforme revela Fernando Gabeira em um de seus livros de relatos da época, era também importante reduto de articulação política na definição de estratégias de resistência ao golpe.

Mais que um estrategista militar e político, intelectual culto e brilhante, figura afável e sem arrogância (apesar do grande poder que teve nas mãos à época), Dagoberto Rodrigues foi – nos governos aos quais serviu e no exílio – uma figura exemplar de homem público. Foi protagonista de um dos episódios mais dignificantes e exemplares no terreno da ética na gestão da coisa pública no país, narrado em um dos capítulos mais empolgantes do livro “O Dia que Getúlio Matou Allende”, do jornalista Flávio Tavares. Algo a ser lembrado e exaltado em dias de tanta indignidade.

Conta Tavares que a visita de Eisenhower a Brasília foi a antecipada glória de Juscelino: até os telefones provisórios da “Casa Branca em trânsito” funcionaram com perfeição. Mas o presidente brasileiro não mandou alterar a licitação em curso para implantação do sistema de telefonia da capital em construção, como pretendia a ITT, gigante das telecomunicações nos Estados Unidos. A multinacional decidiu então mandar ao Brasil ninguém menos que Henri Kissinger, seu melhor negociador na época , “para tentar modificar os resultados e assumir a central telefônica , obra de “interesse estratégico”, cuja condução fora entregue por Juscelino a Dagoberto, então jovem oficial engenheiro do Exército, a quem o presidente dera plenos poderes.

Dagoberto ouviu o negociador “durante quase uma hora, no Rio, em longa e histórica conversa, narrada no livro do jornalista gaúcho. O que interessa aqui é registrar: a certa altura, sem condições de equiparar-se aos suecos nos prazos de entregas do sistema de telefonia em plena operação, Kissinger apelou para a sua notória habilidade maior: disse que estava disposto a conceder tudo e, com um jeito suave de quem conhece o caminho do êxito, perguntou quanto teria que pagar, além do contrato, para obter o combinado. Quanto? Quanto?”.

-Please, can you repeat? – perguntou Dagoberto. E o negociador repetiu lentamente, com um sorriso de cumplicidade. Era o suficiente. A deixa para o suborno estava no ar, conta Flavio Tavares. Dagoberto Rodrigues deu por encerrada a conversa, levantou-se da cadeira e não poderia ter sido mais claro e direto na reação.“Levante-se e saia. Fora! Ponha-se na rua agora mesmo e nunca mais volte a uma repartição brasileira!”.

Esta parte está no livro . Outra parte deste caso, ninguém me contou. Eu vi: anos depois, Kissinger virou o todo poderoso negociador do governo de Richard Nixon, de triste memória. E o golpe que derrubou Jango, levou Dagoberto ao duro e doloroso exílio de quase 15 anos. Em um dos nossos muitos encontros, quando o entrevistava para o JB, percebi que em sua modesta casa no Barrio Viejo de Montevidéu, ele não tinha sequer um aparelho de telefone instalado.

Ele partiu há anos, mas seus filhos, netos e amigos que andam por aí, se orgulham dele. Neste final de 2016, faço votos de que os alcunhados da lista da Odebrecht paguem com rigor pelos malfeitos, e que o exemplo de Dagoberto Rodrigues seja o que frutifique para o próximo e os futuros anos do Brasil.

Pobreza cresce na Alemanha, aponta relatório governamental

Os ricos da Alemanha estão ficando mais ricos, e os pobres, se não necessariamente mais pobres, estão ficando mais numerosos. Essa é uma conclusão que se pode extrair do quinto "Relatório sobre Pobreza e Riqueza" do governo alemão. O documento não será publicado até o início de 2017, mas detalhes preliminares foram divulgados por vários jornais.

A boa notícia: o número de milionários na Alemanha subiu para 16.495, contra 12.424 em 2009, e os salários dos empregados fixos aumentou mais de 10% nos últimos quatro anos. Os lucros para autônomos aumentaram numa margem similar.

A má notícia: 4,17 milhões de alemães – cerca de 6,1% da população – estão fortemente endividados, e a remuneração no setor de baixos salários não manteve o mesmo ritmo da média nacional. O número dos sem-teto passou de 223 mil em 2008 para 335 mil em 2014. Cerca de 5,6% da população é oficialmente classificada como pobre.

"O centro está se estabilizando", resumiu a ministra do Trabalho da Alemanha, Andrea Nahles, ao jornal Bild. "Mas nas margens, a sociedade está um tanto debilitada."


O documento de cerca de 600 páginas é publicado pelo governo alemão a cada quatro anos, visando, entre outras metas, fornecer um panorama da situação no mercado de trabalho e do desenvolvimento dos salários e rendimentos dos cidadãos.

Antes mesmo da divulgação, o relatório já provocou controvérsia, depois que o jornal Süddeutsche Zeitung afirmou, em reportagem publicada nesta quinta-feira (15/12), que o governo teria cortado do texto passagens sobre a influência política dos mais ricos, como um trecho afirmando que é mais provável as mudanças políticas ocorrerem se forem "apoiadas por um grande número de pessoas de rendimento mais elevado".

As reações iniciais aos dados se dividiram entre especular se os ricos estariam lucrando em detrimento dos pobres e se o governo deveria fazer mais para redistribuir a riqueza. Para melhorar a compreensão de uma situação complexa, a DW conversou com dois especialistas com perspectivas muito diferentes.

Christoph Butterwegge, professor de ciência política da Universidade de Colônia e candidato do partido A Esquerda ao cargo de presidente da Alemanha, pede um aumento imediato do salário mínimo alemão para 10 euros por hora e acusa o governo de não estar realmente preocupado com o combate à pobreza. "Os relatórios ficam cada vez mais volumosos, mas os problemas não são enfrentados. Seria bom se a ação acompanhasse esses dados. Posso dar uma série de exemplos específicos."

Além do salário mínimo, Butterwegge cita divergências sobre se o apoio às mães solteiras deve ser financiado pelo governo federal ou pelos estaduais, a falta de assistência para aposentados com baixos rendimentos e aposentados por invalidez, e a relutância em financiar programas sociais com um imposto sobre o patrimônio ou um imposto sobre altos ganhos de capital.

"Isso é luta contra a pobreza?", pergunta retoricamente o esquerdista. "Só se tem que olhar o acordo de coalizão [entre conservadores e social-democratas], para ver que essa não é uma prioridade central."

Markus Grabka é especialista em pobreza e pesquisador do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica em Berlim, tendo colaborado em todas as edições anteriores do relatório. Tendo também ficado surpreso que o risco de se tornar pobre tenha aumentado na Alemanha, ele diz acreditar que isso tenha a ver com o número de idosos, particularmente da Alemanha Oriental, que recebem aposentadorias mínimas.

Mas ele contesta a ideia de que o governo não esteja interessado em combater a pobreza. "O atual governo alemão criou um salário mínimo. Isso foi um sinal importante. Nós ainda não sabemos que efeito isso terá."

Grabka não vê necessariamente a redistribuição da riqueza como uma panaceia para a pobreza. "É sensato cortar a torta ainda mais? Ou será que não deveríamos estar tentando aumentar o tamanho da torta como um todo? A posição do nosso instituto é que há redistribuição suficiente na Alemanha. Pessoalmente, penso que precisamos de políticas diferentes destinadas a criar riqueza, para que as pessoas no centro da sociedade tenham uma parcela maior."

Leia mais