sexta-feira, 20 de janeiro de 2017


Os indemissíveis não estão nem aí


Chamaram o Exército...

Declara-se, como justificativa, que as Forças Armadas nacionais entram na parada “pela credibilidade” que os funcionários do sistema presidiário não têm. O presidente da República admite publicamente, portanto, que a “falta de credibilidade”, vulgo corrupção, desses “servidores” está na base da tomada das prisões pelo crime organizado que culminou nos massacres dos últimos 20 dias, mas que é impotente para fazer qualquer coisa a respeito senão pedir vênia aos corruptos para colocá-los de lado, vez por outra, para tomar dos criminosos os telefones, as armas e as drogas que estes regularmente lhes servem nas celas.

A expectativa de eficácia dessa providência é, naturalmente, a mesma das outras “meias-solas” que vêm sendo anunciadas para “consertar a economia nacional” sem deter a hemorragia que a vai matando: essa que mantém o País em profunda depressão moral e material.

“Nada de contrapartidas! Nem de arresto de bens por calote! Demissões, então, nem pensar! Nem um passo atrás!”

No Estado paralelo do crime organizado, com enclaves inexpugnáveis espalhados por todo o grande favelão nacional, todo mundo trabalha pelo fortalecimento da organização e o chefe elimina sumariamente quem pisa a regra estabelecida. No Estado nacional todos trabalham para se locupletar e os chefes, em geral aqueles que tiveram maior sucesso nisso ao longo da carreira, cooptam todos os que são flagrados jogando contra a Nação. A grande novidade deste último meio milênio é haver quem, do lado de dentro da lei, esteja exigindo o cumprimento dela. Mas todos os demais lhes resistem, como sempre...

A declaração de independência dos presídios controlados pelo crime organizado decorre diretamente dessa independência dos agentes do Estado brasileiro da lei e da vontade do Brasil. Os nossos “representantes”, os nossos “servidores”, podem sempre se dar o luxo de ter vontades e comportamentos próprios, diferentes dos nossos, impunemente. Escrevem leis que só valem para eles e que nos impõem sem consulta; escolhem de quem vão cobrar ou deixar de cobrar as que valem para o resto da Nação. A mais “sagrada” de todas as leis escritas por eles só para eles é a que estabelece que cada indivíduo posto para dentro do Estado não sai nunca mais. Ele e a sua descendência. Basta entrar. Não estão obrigados a ser bons no que fazem, nem a mostrar resultados sob pena de perderem tudo, como você e eu aqui, no mundo real. Podem escolher se e quando jogarão a favor da “empresa” sem que isso lhes custe nada. São indemissíveis. São intocáveis.


Charge O Tempo 20/01/2017

O resto, desse marco inicial até a falência nacional e a submissão do País inteiro ao crime organizado, o tempo faz. O raciocínio é simples. Se você for contratar um empregado amanhã e começar a conversa garantindo que a partir do ato da contratação ele será indemissível para todo o sempre e passará a decidir o valor do seu próprio salário, em 15 dias ele estará na sua cama e você na casinha do cachorro. Nem o mais idiota dos idiotas, individualmente, entraria numa roubada como essa. Mas como coletivo, como sociedade, a brasileira tem sido muito mais que idiota. E há tanto tempo que nem casinha de cachorro tem mais. Está na rua, ao relento mesmo.

A dimensão psicológica do problema brasileiro tornou-se maior que a sua causa original. Apesar da obviedade de tudo isso, apesar de cada brasileiro conhecer pessoalmente tipos como os que o parasitam e a obscenidade do resultado que colhem comparado ao que ele próprio consegue suando, você pode ficar o dia inteiro na frente da TV, ler todos os jornais, ouvir todos os “especialistas” e, à altura já da centésima quinquagésima morte por esquartejamento em 18 dias, do sexagésimo milésimo assassinato dos últimos 12 meses, do décimo segundo milionésimo emprego perdido e do terceiro aniversário da morte da economia nacional, não ver a óbvia, a ululante causa original de tudo isso ser apontada uma única vez como tal. Os três Poderes, para cujos titulares até as prisões são “especiais”, podem continuar folgadamente falando apenas de si mesmos. E o quarto, que renunciou à condição de “player” ao deixar de propor e expor soluções, vai a reboque num “lero” infindável sobre o nada; sobre modos “progressistas” ou “conservadores” de fazer as coisas que são luxos de gente que já se libertou e ficou rica.

Outros povos que viveram esse mesmo calvário tomaram a si, com a arma do “referendo” por iniciativa popular, a aprovação ou rejeição das leis escritas pelos seus representantes; instituíram o “recall” para demitir eles próprios os desviados protegidos pelos colegas; aprenderam que a única alternativa para o privilégio é a igualdade perante a lei e que qualquer exceção aberta, por menor e bem “justificada” que seja, acaba inevitavelmente no estouro da boiada. Mas para a alma latina e católica dos nosso intelectuais, dos nossos jornalistas, dos nossos “revolucionários”, essa solução parece muito pouco emocionante. Eles sempre começam cada batalha da sua proclamada guerra contra a miséria brasileira renovando a sua rendição incondicional; comprometendo-se a discutir todas as formas de “resolver o problema” exceto pela remoção da sua causa fundamental. A indulgência plenária, o perdão do comportamento pecaminoso mesmo que continuado, a graça conquistada mais com as orações que com os atos; o privilégio alcançado, seja através da fervorosa persistência do “concurseiro”, seja outorgado ao pobre mortal arrancado deste vale de lágrimas pelo toque miraculoso do poderoso da hora, está sempre pairando no horizonte. São fascinados pelo charme do privilégio. Botam sempre fé que “seremos todos incluídos” nele um dia.

Enquanto for assim, vamos como vamos: compra um carro blindado quem pode mais, uma arma quem pode menos, e segue-se em frente roubando ou sendo roubado, despedaçando ou sendo despedaçado.

Refugiado

o climatólogo James Hansen reforçou na última edição do TED o fato de que o aquecimento global tem afetado mais e mais o planeta. E que se providências sérias não forem tomadas, reverter o problema pode se tornar muito mais difícil e caro.:
Um presidente americano com as ideias e a índole de Donald Trump pode acabar com o mundo de muitas maneiras. Uma delas, em especial, faz-me suar. Literalmente. Ele não acredita em aquecimento global. Ou, como tuitou em 2012, vê o aquecimento global como uma lorota chinesa para tornar menos competitivos os produtos made in USA. Pretende roer a corda do Acordo de Paris e cortar pesquisas em clima e ecologia.

Trump enxerga a vida de modo paroquial. Talvez não ache que o mundo está ficando mais quente só porque seu domicílio eleitoral fica na área do planeta que, de acordo com as medições científicas, teve o clima menos alterado: Nova York, na costa nordeste dos EUA. Mesmo assim, os termômetros da cidade registraram espantosos 22,2° C positivos na véspera do Natal de 2015. Isso dá quase um inverno carioca.

Bem, eu também não acredito em aquecimento global. Eu o sinto na pele. Pode-se no máximo debater se o calorão é resultado de um ciclo que a Terra experimenta periodicamente, e para o qual os cientistas ainda não têm explicação, ou se é produto da industrialização destrambelhada, do consumo desenfreado e da superpopulação humana. Seja como for, acho que temos um papel a desempenhar na atenuação de seus efeitos.

Na quarta-feira, a agência governamental americana que cuida do meio ambiente e do clima divulgou: 2016 foi o ano mais quente registrado na História, desbancando 2015, que desbancara 2014. Nunca antes o recorde havia sido quebrado em três anos consecutivos. Se a temperatura continuar subindo, e nada indica que a tendência vá ser revertida no futuro imediato, fico feliz de estar morto em duas ou três décadas. “Fear no more the heat o’ the sun”, cantam dois personagens de Shakespeare. Num enterro.

Na minha infância e adolescência em Copacabana, o clima no verão tinha uma regularidade agradável. Não era necessário ter a menor noção do que fosse “sensação térmica”. De manhã, dava praia. Quente, mas não tórrida. Depois do almoço, fazia-se a sesta. No final da tarde, batia uma chuva que realmente refrescava. Lembro-me do cheiro das ruas molhadas quando saía para ir a uma livraria ou voltava à praia para jogar uma pelada. Em toda a casa, havia um único ventilador. Ninguém precisava de outro.

Durante parte da adolescência, em busca de um pouco de privacidade, dormi no quarto destinado a uma empregada que não tínhamos. Cabíamos eu, minha cama de solteiro, uma estante para o toca-discos e os LPs, outra estante para os livros e, no alto, um prateleirão para as revistas. A janela basculante dava para uma área fechada que, por sua vez, tinha um único basculante para o mundo externo. Apesar disso, eu possuía só um pequeno ventilador de plástico. Eu conseguia viver — e dormir — dessa maneira.

Após uma breve passagem pelo Flamengo, já adulto e casado, mudei-me para Laranjeiras, que graças à razoável arborização está longe de ser o bairro mais quente do Rio (eu e Marcelo Madureira já apresentamos um documentário no GNT sobre o verão de Bangu, sei do que falo). Estou nesse mesmo apartamento há 21 anos. Vejo o aquecimento global também nas mudanças pelas quais ele passou. Primeiro, vieram os ventiladores de teto. O último a ser instalado substituiu o belo lustre que havia na sala.

Depois, pouco a pouco, vieram, ou melhor, tiveram de vir os aparelhos de ar-condicionado. Um no quarto das meninas. Outro aqui no quarto que uso como escritório e biblioteca. O do nosso quarto de dormir é a aquisição mais recente, tem um ano e pouco de muito uso. Contudo, em dias como a última segunda-feira (sensação térmica de 48,6° C em Guaratiba, delícia), ele não está dando conta do inferno. Para onde ir?

Especula-se que o agravamento das condições climáticas virá a ocasionar guerras por recursos hídricos e movimentos migratórios de massas sedentas e famintas em dimensões inéditas. O Brasil tem problemas de desertificação na Região Nordeste e em áreas do Rio Grande do Sul, além do desmatamento endêmico na Amazônia, mas nesse quadro pré-apocalíptico ainda parece ter salvação. Porém, há momentos em que o meu cérebro frita dentro da caixa craniana, e me imagino como um refugiado do clima.

Três cenários. Pacote Imperial: deixo o Rio de Janeiro e me instalo na cidade de Petrópolis, próxima, simpática e amena. Pacote Maju: deixo o Rio de Janeiro e me instalo em Urupema, Santa Catarina, que superou São Joaquim, no mesmo estado, como a capital nacional das temperaturas mínimas. Pacote Ferrou-a-Parada-Toda: deixo o Rio de Janeiro e me instalo na América do Norte. Fica frio, Donald, no Canadá, no Canadá.

Costumo brincar que sou geneticamente programado para me sentir à vontade no frio e sofrer horrores no calor. Porque, embora eu seja carioca da gema, três galhos da minha árvore ginecológica — quem comeu quem, onde e quando, não é disso que se trata? — cresceram em regiões montanhosas, nas quais costuma ou costumava nevar no inverno. Ou seja, Donald, você tem razão: eu devo ser um fresco.

Arthur Dapieve

Paisagem brasileira

Mauro Ferreira

Alegria e dor nos calendários

A maioria dos calendários apresenta os dias em vermelho para os feriados, e preto ou azul para os dias úteis.

Calendários explicitam algumas coisas, mas ocultam outras tantas. A etimologia pode indicar o verdadeiro significado. Calendário veio do latim calendarium, caderno para anotar as calendae, dias de pagar as contas, quando as autoridades dedicavam-se a calere, convocar, a população para o pagamento de impostos e outras contas.

O nosso calendário é gregoriano, assim chamado em homenagem ao Papa Gregório XIII, que em 1582 ajustou uma diferença do calendário juliano, do qual foram suprimidos dez dias, para fixar corretamente a data da Páscoa, das estações e de outros eventos. Assim, o dia seguinte a 4 de outubro foi 15 de outubro.

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Há calendários mais antigos, como o hebraico e o chinês. Mas hoje todos aceitam o padrão gregoriano de contar o tempo. A folhinha, como é popularmente conhecida, guarda a memória das folhas das árvores em que as sibilas, mulheres adivinhas, escreviam as profecias do ano que começava. Estas profecias há muito tempo são outras: fases da Lua, eclipses, previsão de chuvas, dias em que vão cair os feriados móveis, dias de jejum e de abstinência, efemérides etc.

Os dias úteis, marcados na cor escura para diferenciá-los dos feriados civis e dias santificados, ainda fixam como castigo o significado do trabalho, segundo a primeira condenação bíblica que expulsou nossos primeiros pais da esfera das coisas sagradas, condenando o homem a ganhar o pão com o suor de seu rosto e a mulher a sofrer nos partos.

Nesta metáfora, Adão e Eva, expulsos do paraíso e condenados ao trabalho, foram os primeiros imigrantes e refugiados do mundo. Trabalho veio do latim tripalium, um instrumento de tortura de três paus, como indica o étimo, no qual a vítima era supliciada, como ainda o é em muitos empregos.

A incontida alegria que a todos afeta nas sextas-feiras remete a um jazigo do inconsciente de onde podemos ressuscitar por dois dias, ainda que tenhamos que voltar na segunda-feira para cumprir mais uma daquelas perpétuas parcelas semanais da mítica e antiga condenação.

As palavras que designam as cores do calendário também têm uma etimologia curiosa. Vermelho veio do latim vermiculus, minúsculo verme que fornecia o pigmento para tingir a roupa da gente fina e nobre: chefes religiosos, chefes políticos, chefes militares, às vezes englobados numa pessoa só. Seu outro nome era púrpura, molusco de difícil captura. Na antiguidade, a caça e a pesca do porphiros, seu nome grego, e da purpura, seu nome latino, eram proibidas para que somente os poderosos tivessem acesso a essa cor.

Os cardeais da Santa Sé, príncipes herdeiros da monarquia mais antiga do mundo, vestem vermelho ou púrpura, esta última a cor preferida das altas insígnias da realeza e da magistratura. De resto, tapetes vermelhos são estendidos, literal ou metaforicamente, para personalidades a honrar.

O calendário das nações lusófonas como o Brasil tem uma singularidade única: os dias da semana não homenageiam deuses pagãos desde o século VI, quando o bispo de Braga aboliu as referências ao Sol, à Lua, a Vênus e a outras divindades, que continuam homenageadas em outras línguas, de que são exemplos o Sol e a Lua no inglês Sunday e Monday.

Com exceção de sábado, do hebraico xabbat, dia do descanso, pelo latim sabbatum, nossas semanas começam sempre com o domingo, dia de feria, que pode ser festa ou feira, e segue de segunda a sexta, lembrando que todos são dias de festejar, comprar e vender.

Quem será grande em 2017? Quem foi grande em 2016? Fazemos diversas retrospectivas, mas ainda é cedo para sabermos quem teve importância no ano passado ou terá importância no ano que começou. Como disse o romancista francês Gustave Flaubert,“quem cria os grandes homens é a posteridade”.

A posteridade cria os pequenos também. Ou apequena os grandes e engrandece os pequenos.

Deonísio da Silva

Há diferença?

Enquanto não negociarem, este prédio continuará ocupado
Guilherme Boulos, do MTST. dando ordens durante a invasão da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, em São Paulo
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A gente só sai quando derramar a última gota de sangue
Detento da penitenciária de Alcaçuz (RN)  

Em jogo, o futuro da Lava-Jato

Com a morte do ministro Teori Zavaski, caberá, a princípio, a um dos integrantes da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a relatoria provisória de ações urgentes da Lava-Jato até que o presidente Michel Temer, como manda a Constituição, nomeie um novo ministro e submeta o seu nome à aprovação do Senado.

Fazem parte da 2ª. Turma: Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowiski e Dias Toffoli. A escolha de um relator provisório poderá ser feita mediante sorteio ou de comum acordo entre os demais 10 ministros do STF, que em breve trocarão ideias a respeito com Cármen Lúcia, presidente do Tribunal.

Temer não tem prazo para indicar o substituto de Teori. Nem o Senado para aprovar a indicação. Dada às circunstâncias, o processo não deverá ser tão demorado quanto foi o que resultou na substituição de Joaquim Barbosa por Edson Fachin, a última que aconteceu ali. Passaram-se longos 11 meses.

A morte inesperada de Teori deixa a Lava-Jato em xeque. O ex-ministro era respeitado por envolvidos, desafetos e aliados da operação comandada pelo juiz Sérgio Moro. Não será fácil encontrar um sucessor para ele com um perfil igual ou parecido. O novo ministro levará um bom tempo para dominar o assunto.

Teori estava pronto para homologar no início do próximo mês a delação dos executivos da Odebrecht. Não tinha data marcada para fazê-lo, e nenhum prazo que o obrigasse a isso. Mas era o quer faria. O relator provisório da Lava-Jato assumirá esse compromisso? Difícil que assuma. É razoável que peça mais tempo para concluir a tarefa.

Quanto mais se arrastar a Lava-Jato no STF, melhor para os que ali são denunciados ou réus. Pior para o país que cobra mais agilidade da Justiça. Enquanto, em Curitiba, Moro coleciona condenações já confirmadas pela 2ª instância da Justiça, o STF ainda não julgou ninguém da Lava-Jato. Tudo no STF se arrasta com a velocidade de uma tartaruga.

É possível que desta vez, preocupado com sua imagem, o STF ofereca uma saída rápida pelo menos para a escolha de quem tocará ali a Lava-Jato depois da morte de Teori. Em tese, caberia ao ministro a ser nomeado por Temer herdar os processos que estavam a cargo de Teori. Mas, se quiser, o STF poderá dar outra solução.

A morte de Teori abriu uma vaga na 2ª Turma do STF que cuida da Lava-Jato. Um ministro da 1ª Turma poderá vir a ocupar tal vaga. E a dele, na 1ª. Turma seria preenchida mais tarde com o nome a ser indicado por Temer. Portanto, quem herdaria em definitivo os processos que eram de Teori seria um dos integrantes da 2ª. Turma recomposta.

Só não será Celso de Mello, o decano do STF e membro da 2ª. Turma, se ele não quiser. Ou se Cármen Lúcia quiser acumular a presidência do tribunal com a relatoria da Lava-Jato. Improvável. O que se configuraria um absurdo seria deixar a Lava-Jato no STF aos cuidados de um ministro indicado por Temer e aprovado pelo Senado.

Temer e vários dos seus parceiros foram citados em delações da Lava-Jato. Um terço dos senadores, entre eles Renan e seu possível sucessor, Eunício Oliveira, também foi. Quem convenceria o distinto público de que um ministro agora avalizado por essa gente se comportaria com isenção à frente da Lava-Jato?

É bom não cutucar a “fera”. A “fera” atende também pelo nome de opinião pública.

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Vespa na lente de insetos de Muhammad Roem

Sob luto, Supremo precisa proteger a Lava Jato

A morte do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, reclama providências urgentes. Convém investigar com rigor máximo todas as circunstâncias que envolvem a queda do avião que transportava o magistrado. Simultaneamante, o Supremo precisa tomar providências urgentes para proteger a Operação Lava Jato.

Relator da Lava Jato, Teori se equipava nas férias para homologar ao longo de fevereiro os acordos de colaboração de 77 delatores da Odebrecht. Em condições normais, os processos do ministro seriam herdados por seu substituto, a ser indicado pelo presidente Michel Temer. Mas o Supremo cometerá um erro histórico se tratar a Lava Jato como um processo normal. Não é.


O bom senso recomenda que o Supremo escolha imediatamente, por sorteio, um novo relator para a Lava Jato. Se tiver juízo —e parece ter—, a presidente do tribunal, Cármen Lúcia, se entenderá com seus nove colegas para que o novo titular do processo seja anunciado nos primeiros dias de fevereiro, na volta das férias.

Ponto alto da Lava Jato, a delação coletiva da Odebrecht lança na fogueira do maior caso de corrupção da história da República a nata da política nacional. Foram mencionados de Michel Temer a Lula, passando por Dilma Rousseff, Renan Calheiros, Rodrigo Maia, José Serra, Aécio Neves e um interminável etcétera.

Pois bem. Tratando-se a Lava Jato como algo trivial, a encrenca seria herdada pelo escolhiodo de Temer, um potencial investigado. O nome teria de ser sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, cuja presidência é reivindicada pelo réu Renan Calheiros. Na sequência, o indicado precisaria ser aprovado pelo plenário do Senado, apinhado de suspeitos. A moralidade pública não e a paciência dos brasileiros não merecem passar por semelhante tortura.

Felicidade de corrupto

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E quando disserem que o crime não compensa, você tem de lembrar que isso é porque, quando compensa, não é crime
Millor Fernandes

Sobreviver a grandes naufrágios é uma via estreita e de final incerto

Entro na livraria e pasmo: duas mesas, longas, cheias, com títulos que se repetem. A lista é exaustiva mas exaustão é preciso: "Como Viver sem Ansiedade"; "Livre de Ansiedade"; "As 10 Melhores Técnicas para Vencer a Ansiedade" etc., etc.

Depois, os dramas sobem de tom: "Cure os Seus Medos"; "As Regras Essenciais para Viver sem Medo"; "Como Parar o Envelhecimento"; "A Dieta Anti-idade" etc., etc.

Finalmente, e após todas as tormentas, o santo graal: "Pequenos Passos para a Imortalidade"; "Curar para a Imortalidade"; "A Promessa de Imortalidade" etc., etc.

A moda não começou hoje. Mas só hoje reparei na moda. Duas conclusões. A primeira é que a nossa sociedade já não admite certos traços da condição humana que os nossos antepassados compreendiam e com os quais conviviam do berço até a cova. Ansiedade. Medo. Velhice. Mortalidade.

A história da literatura, desde Homero, é um catálogo desse rio permanente. Hoje, é uma mancha que estraga a "euforia perpétua", como a chamou Pascal Bruckner, e que humilha os seus sofredores.

Amigos meus, ansiosos, não sofrem apenas de ansiedade. Eles sofrem com a ansiedade de terem ansiedade. Eles têm medo de terem medo. Eles olham para a velhice e para a morte como os homens primitivos olhavam para trovões e tempestades.

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Mas os títulos mostram outra coisa: a pós-modernidade não passa de uma ilusão. Vivemos ainda tempos racionalistas: se existe um problema, qualquer problema, então existe uma solução para ele. Nem a morte escapa a estes "engenheiros de almas humanas". A ideia de que alguns problemas não têm solução –uma solução clara e distinta, como diriam os cartesianos– é intolerável para a sociedade "prêt-à-porter". Que fazer?

Sugestão: assistir ao filme "Manchester à Beira-Mar", que estreia nesta semana, uma espécie de "missa solemnis" filmada por Kenneth Lonergan. Então encontramos Lee (Casey Affleck, em papel que só aparece uma vez na vida), um "handyman" que vive em Boston.

Ele cumpre o trabalho com o entusiasmo dos condenados. Bebe forte e bate forte, normalmente no mesmo bar. Não admite os floreados sociais que decoram as nossas existências –conversas, alegrias, intimidades. Para quem gosta de mortos-vivos, Lee é a prova de que é possível encontrar um fora da fantasia.

Mas eis que chega um telefonema com uma notícia funesta. É o primeiro momento em que Lee permite a sombra de uma emoção. De volta à cidade de Manchester, de onde saiu anos antes, Lee volta também ao passado –um passado brutal, infernal, inominável.

"Manchester à Beira-Mar", apesar de alguns excessos formais que se dispensam (quem ainda usa a música de Albinoni para momentos dramáticos?), cumpre duas ideias antiquadas.

A primeira, explorada em tempos por um certo escritor russo, é a certeza de que não existe nada de tão insuportável como um crime sem castigo –e, por essa via, sem expiação.

Nesse passado, que se vai revelando em sutis "flashbacks", Lee confessou à polícia a sua tragédia. A polícia escutou-o, compreendeu-o e liberou-o.

A reação de Lee é uma mistura de incredulidade e revolta –a revolta de quem não terá punição externa; apenas interna. Em dez minutos, Kenneth Lonergan joga no lixo a ideia simpática de que a "culpa" não passa de uma relíquia judaico-cristã.

Mas existe uma segunda ideia que nos permite medir a vida de Lee e a vida daqueles que "seguiram em frente", para usar a expressão das novelas. Acontece quando ele conversa com a ex-mulher, ou melhor, quando contemplamos a incapacidade de haver qualquer conversa porque até as palavras têm limites.

Só então perguntamos qual dos destinos será pior: o mundo petrificado de Lee ou a busca desesperada de fugir desse mundo rumo a um simulacro de normalidade.

"Manchester à Beira-Mar" não é o filme ideal para quem lê "Como Viver sem Ansiedade" ou "Cure os Seus Medos". Mas é o filme ideal para uma classe de adultos que sabe, ou pelo menos suspeita, que sobreviver a grandes naufrágios é uma via estreita, longa e de final incerto.

No primeiro diálogo do filme, quando a vida ainda era uma vida, Lee conversa com o sobrinho pequeno para lhe perguntar quem ele levaria para uma lha deserta: o pai ou o tio?

Ironicamente, para essa ilha deserta só viajou Lee. E quando nos perguntamos se algum dia haverá um barco para o visitar ou até resgatar, o pano desce com pudor. O futuro é um porto distante para quem navega um dia de cada vez.

Velhos tempos

"Velho realejo", de Sadi Cabral e Custódio Mesquita.

Os dois 'pobrema'

A “mídia” tenta vender a ideia de que a roubalheira é suprapartidária – e é – disseminada e parte da alma do cidadão brasileiro, o que obviamente é uma vigarice retórica das mais calhordas. Esconde-se com isso o segundo “pobrema”, que é o fato de que, dentro da roubalheira institucionalizada, infiltrou-se uma quadrilha de esquerdistas em botão – muito bem organizada, por sinal – que rouba, mas rouba por uma causa, com método, interesses e ações bem definidas.

Esta quadrilha é reflexo e ressonância de uma outra, muito maior, disseminada numa boa conjunção de países que professam em suas administrações a presença do organismo público – e sua consequente inflexão ao roubo do dinheiro alheio – como parte de um tipo de administração onde o “azeite” da máquina pública é a confraria ou o dinheiro, distribuído em inconfessáveis interesses. Na margem de tudo isso, a sociedade pagante.

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Assim como não há um “censo presidiário”, para sabermos quantos bandidos estamos bancando no falido sistema prisional brasileiro, não há também um censo – ou senso – para a ocupação do serviço público e sua devida eficiência. Não sabemos portanto, quantos bandidos estamos patrocinando do lado de fora dos presídios, eleitos em tenebrosas eleições para manter a massa bovina sob controle, debaixo da maior carga tributária de que se tem notícia.

Vamos ter um pingo de bom senso, meus caros e pacatos cidadãos. Eu topo pagar mais imposto, desde que me provem que o judiciário funciona, que as instituições funcionam, que o peleguismo sindical será combatido junto com as organizações criminosas, que as organizações não-governamentais narco-dependentes do Governo serão varridas da coisa pública e que os nossos agentes públicos pimpões terão rígidas funções de mérito e metas a cumprir.

Que tal isso? Isso ninguém quer defender, não é mesmo? Preferem defender mesmo o simplismo tacanho da volta da CPMF ao lombo dos contribuintes. Eu sabia que desse mato não sairia coelho. Eu lamento pelo jornalismo que se professa por aí. Está perdendo o senso do ridículo e a pouca vergonha ostentada na cara parva. É um espanto.

Tiros de chumbinho

Escalar militares para inspecionar presídios equivale a enfrentar o crime organizado empunhando uma espingarda de chumbinho. É o que diz Walter Maierovitch, desembargador aposentado e ex-secretário nacional Antidrogas. O professor assistiu com ceticismo ao anúncio feito pelo porta-voz do presidente Michel Temer. “Mais uma vez, estão fazendo uso político das Forças Armadas diante de uma situação de descontrole. Já vimos isso acontecer antes, nos governos Lula e FHC”, critica.

Para o especialista Maierovitch, a medida não conterá a barbárie nas cadeias. Ele diverge da ideia de usar as tropas como força auxiliar das polícias estaduais, “que não conseguiram fazer nada para conter a crise”. “Isso é populismo. O que o governo pretende, botar soldados de fuzil ao lado dos carcereiros?”, questiona.

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Especialista no estudo de máfias, o professor recebeu com igual descrença o Plano Nacional de Segurança Pública, anunciado pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. Ele diz ter visto pouca substância e muita pirotecnia no pacote.

“O que o plano pode fazer diante de presídios superlotados de pequenos traficantes? Estão botando esparadrapo em fratura exposta. Parece que o ministro só está lá para fazer autopromoção”, ironiza.

Na opinião de Maierovitch, o governo deveria encampar ideias mais ousadas, como descriminalizar o uso de drogas e reservar as cadeias para criminosos de alta periculosidade. Ele diz que os últimos presidentes não tiveram coragem de enfrentar o debate quando estavam no poder. “E parece que o Temer amarela a cada dia”, acrescenta.

O professor também não se animou com as declarações da presidente do Supremo, Cármen Lúcia. “Tenho respeito pela ministra, que quer fazer um recenseamento dos presídios. Ótimo, mas o que isso vai adiantar? Quanto tempo vai demorar? As cadeias estão lotadas porque a Justiça não funciona”, afirma.

A fila hospitalar é virtual

A todo momento entramos numa fila, portanto, chegue primeiro!

É justo?

Quem vai a um grande parque temático no estrangeiro enfrenta filas, separadas em labirintos gradeados, onde ficam pais e filhos durante longas horas e sem reclamar “muito” da espera. Na fila todos são iguais, alegres, coloridos, e a música ajuda a comer o tempo. Pessoas com necessidades especiais são bem recebidas e têm prioridade.

Pode-se divertir quantas vezes quiser na mesma atração e não se paga mais por isso. Quem consegue driblar o “tô cansado, quero dormir um pouco mais” consegue ir a muitas atrações no mesmo dia. Criaram-se passes rápidos, otimizando o tempo, e, com isso, outros parques podem ser visitados. É mais divertimento, consumo e lucro.

Imaginemos essa estratégia no sistema de saúde.

Como seria a fila de consulta para a clínica geral, ginecologia, pediatria e ortopedia? E a da mamografia, endoscopia, tomografia ou ressonância magnética? E a fila das pessoas aguardando cirurgia, radioterapia ou quimioterapia?

Tudo visível, sem tons de cinza. Faltaria música, mas OK!

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O passe rápido facilitaria vencer várias filas, sem a necessidade de trocar de hospital. Alguns não seriam atendidos no que esperavam, mas perceberiam a organização, transparência e compromisso para fazer o melhor do possível. Ninguém furaria a fila. Pessoas com necessidades especiais receberiam a justa prioridade, levando-se em conta que todo ser humano, quando doente, tem necessidades especiais.

Mas o sistema de saúde brasileiro, com sua casa dos espelhos, sempre distorce nossa imagem. Há anos inventou o Sistema Nacional de Regulação - SISREG, para “gerenciamento através de módulos que permitem a solicitação de consultas, [...] exames e procedimentos de média e alta complexidade, bem como a regulação dos leitos hospitalares, maior otimização na utilização dos recursos e humanização no atendimento”.

Há também uma outra invenção: a Central Estadual de Regulação, para “organizar a lista de espera por procedimentos no SUS”; com “gestão estadual”, permite a “regulação de procedimentos ambulatoriais de alta complexidade, iniciando sua atuação nos serviços de radioterapia, hematologia, cirurgia bariátrica, gestação de alto risco e terapia renal substitutiva”, sendo “responsável pela regulação de toda a rede de Hospitais Federais e Institutos do Rio de Janeiro, além das redes estadual e municipal”. Haja regulação!

Mas a cereja do bolo é que “as listas de espera [...] têm a finalidade de controlar [...] dar mais transparência ao acesso da população aos serviços especializados de saúde.

Não somos patetas.

Se há uma coisa que gestores não gostam é a filmagem de pacientes em filas que invadem calçadas. Agora as longas filas saíram das ruas e estão escondidas em computadores protegidos por senhas.

As pessoas passaram a morrer em “bancos” (de dados) e não em calçadas frias, longe de atentos fotógrafos e cinegrafistas.

Hoje a fila hospitalar é virtual.