Um presidente americano com as ideias e a índole de Donald Trump pode acabar com o mundo de muitas maneiras. Uma delas, em especial, faz-me suar. Literalmente. Ele não acredita em aquecimento global. Ou, como tuitou em 2012, vê o aquecimento global como uma lorota chinesa para tornar menos competitivos os produtos made in USA. Pretende roer a corda do Acordo de Paris e cortar pesquisas em clima e ecologia.
Trump enxerga a vida de modo paroquial. Talvez não ache que o mundo está ficando mais quente só porque seu domicílio eleitoral fica na área do planeta que, de acordo com as medições científicas, teve o clima menos alterado: Nova York, na costa nordeste dos EUA. Mesmo assim, os termômetros da cidade registraram espantosos 22,2° C positivos na véspera do Natal de 2015. Isso dá quase um inverno carioca.
Bem, eu também não acredito em aquecimento global. Eu o sinto na pele. Pode-se no máximo debater se o calorão é resultado de um ciclo que a Terra experimenta periodicamente, e para o qual os cientistas ainda não têm explicação, ou se é produto da industrialização destrambelhada, do consumo desenfreado e da superpopulação humana. Seja como for, acho que temos um papel a desempenhar na atenuação de seus efeitos.
Na quarta-feira, a agência governamental americana que cuida do meio ambiente e do clima divulgou: 2016 foi o ano mais quente registrado na História, desbancando 2015, que desbancara 2014. Nunca antes o recorde havia sido quebrado em três anos consecutivos. Se a temperatura continuar subindo, e nada indica que a tendência vá ser revertida no futuro imediato, fico feliz de estar morto em duas ou três décadas. “Fear no more the heat o’ the sun”, cantam dois personagens de Shakespeare. Num enterro.
Na minha infância e adolescência em Copacabana, o clima no verão tinha uma regularidade agradável. Não era necessário ter a menor noção do que fosse “sensação térmica”. De manhã, dava praia. Quente, mas não tórrida. Depois do almoço, fazia-se a sesta. No final da tarde, batia uma chuva que realmente refrescava. Lembro-me do cheiro das ruas molhadas quando saía para ir a uma livraria ou voltava à praia para jogar uma pelada. Em toda a casa, havia um único ventilador. Ninguém precisava de outro.
Durante parte da adolescência, em busca de um pouco de privacidade, dormi no quarto destinado a uma empregada que não tínhamos. Cabíamos eu, minha cama de solteiro, uma estante para o toca-discos e os LPs, outra estante para os livros e, no alto, um prateleirão para as revistas. A janela basculante dava para uma área fechada que, por sua vez, tinha um único basculante para o mundo externo. Apesar disso, eu possuía só um pequeno ventilador de plástico. Eu conseguia viver — e dormir — dessa maneira.
Após uma breve passagem pelo Flamengo, já adulto e casado, mudei-me para Laranjeiras, que graças à razoável arborização está longe de ser o bairro mais quente do Rio (eu e Marcelo Madureira já apresentamos um documentário no GNT sobre o verão de Bangu, sei do que falo). Estou nesse mesmo apartamento há 21 anos. Vejo o aquecimento global também nas mudanças pelas quais ele passou. Primeiro, vieram os ventiladores de teto. O último a ser instalado substituiu o belo lustre que havia na sala.
Depois, pouco a pouco, vieram, ou melhor, tiveram de vir os aparelhos de ar-condicionado. Um no quarto das meninas. Outro aqui no quarto que uso como escritório e biblioteca. O do nosso quarto de dormir é a aquisição mais recente, tem um ano e pouco de muito uso. Contudo, em dias como a última segunda-feira (sensação térmica de 48,6° C em Guaratiba, delícia), ele não está dando conta do inferno. Para onde ir?
Especula-se que o agravamento das condições climáticas virá a ocasionar guerras por recursos hídricos e movimentos migratórios de massas sedentas e famintas em dimensões inéditas. O Brasil tem problemas de desertificação na Região Nordeste e em áreas do Rio Grande do Sul, além do desmatamento endêmico na Amazônia, mas nesse quadro pré-apocalíptico ainda parece ter salvação. Porém, há momentos em que o meu cérebro frita dentro da caixa craniana, e me imagino como um refugiado do clima.
Três cenários. Pacote Imperial: deixo o Rio de Janeiro e me instalo na cidade de Petrópolis, próxima, simpática e amena. Pacote Maju: deixo o Rio de Janeiro e me instalo em Urupema, Santa Catarina, que superou São Joaquim, no mesmo estado, como a capital nacional das temperaturas mínimas. Pacote Ferrou-a-Parada-Toda: deixo o Rio de Janeiro e me instalo na América do Norte. Fica frio, Donald, no Canadá, no Canadá.
Costumo brincar que sou geneticamente programado para me sentir à vontade no frio e sofrer horrores no calor. Porque, embora eu seja carioca da gema, três galhos da minha árvore ginecológica — quem comeu quem, onde e quando, não é disso que se trata? — cresceram em regiões montanhosas, nas quais costuma ou costumava nevar no inverno. Ou seja, Donald, você tem razão: eu devo ser um fresco.
Arthur Dapieve
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