quinta-feira, 13 de setembro de 2018

É bom sempre lembrar


Voto e realidade

O Brasil vem passando por testes de maturidade. Primeiro, os protestos iniciados em 2013. A inflação elevada e a fraqueza da economia geravam desconforto. A sociedade desconfiou que havia algo errado, antes da classe política.

O segundo teste foi o impeachment. A ex-presidente recebeu um “cartão-vermelho” da sociedade por provocar a mais grave crise da nossa história. O grito “Fora Dilma” foi mais alto do que o discurso do “golpe”.

O terceiro foi o governo do MDB promover uma reorientação da política econômica e avançar com reformas estruturais, em vez de adotar atalhos, como aumentar a carga tributária.

O quarto teste foi o silêncio das ruas. Mesmo na greve dos caminhoneiros, não houve “Fora Temer”. Sinal de que a sociedade tem apreço pela estabilidade da economia, apesar de não gostar do presidente.



Muitos outros testes virão, tendo em vista os desafios a serem urgentemente enfrentados. Temos adiante o teste da campanha eleitoral. Os sinais preocupam, pois cresce a polarização. Mas nem tudo está perdido.

As respostas da política ao infeliz ataque a Bolsonaro e à inviabilidade da candidatura de Lula são mistas. Muitos buscam a moderação, mas sobra insensatez nas falas de membros da campanha de Bolsonaro e do PT. Até o comandante do Exército derrapou. São posturas desrespeitosas com o eleitor e que alimentam o “nós contra eles”.

Moderação e comedimento são para os bons, para aqueles que compreendem que as fissuras no País reduzem nossa capacidade de avançar. A alguns players políticos falta a necessária contenção do jogo democrático.

As pesquisas eleitorais recentes não foram muito claras. Não sugerem, no entanto, um clima de comoção cega no País, pois não houve mudança estatisticamente relevante nas intenções de voto em Bolsonaro. A questão não é votar ou não no candidato, mas fazê-lo pela razão correta, e não por conta do triste episódio. Tampouco a transferência de votos de Lula para Haddad se mostra automática, apesar do discurso petista de que um é “enviado” do outro.

O teste da eleição será para todos. A imprensa ajudando o eleitor a conhecer os candidatos, ao questionar sobre suas propostas e sua capacidade de entrega. E a política respeitando as regras do jogo, fazendo críticas honestas a seus rivais e expondo suas propostas. É essencial haver ética na campanha. 

As pesquisas qualitativas mostram que o eleitor mediano, ou seja, aquele que melhor espelha a sociedade, é moderado, de centro, aprecia candidatos experientes, não gosta de agressões e busca um presidente com postura firme, mas não um “salvador da pátria”, como o fez em 1989, quando elegeu Collor.

Não à toa as candidaturas do centro são as que mais somam intenção de voto: em torno de 30% do total (inclui brancos, nulos e indecisos), incluindo Marina, Alckmin, Álvaro Dias, Amoêdo e Henrique Meirelles.

Aqui há uma grande complicação: a dispersão das candidaturas do centro poderá levar à polarização no segundo turno. Assim, o resultado eleitoral refletiria o desejo de uma minoria, e não o da maioria, que seria o desejável.

Os candidatos dos extremos somam hoje menos de 40% dos votos, o que significa que o presidente eleito em um pleito polarizado teria perdido a eleição de um candidato do centro no segundo turno. Uma aberração. Esse risco aumenta a responsabilidade dos políticos do centro. Quem quer que seja o vitorioso em um segundo turno polarizado, vai precisar construir pontes com a maioria restante da sociedade. Com a sociedade mais exigente, o esforço terá de ser maior, e passa pela capacidade de fazer o País voltar a crescer. Tremendo desafio.

Que a campanha eleitoral consiga potencializar as características do eleitor mediano, e não provocar a fúria. É a melhor forma de permitir que o resultado final reflita mais fielmente os anseios da sociedade, de forma a se reduzir o risco de decepções no futuro.

Fúria e comoção não são boas conselheiras.

A crise de homicídios e a falta de planos dos presidenciáveis

O número de soldados americanos mortos durante a guerra do Vietnã (58 mil), a quantidade de vítimas no ataque atômico à Hiroshima (66 mil) ou o público presente na partida entre Brasil e Croácia no jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014 (61 mil). Estas são analogias comuns à quantidade de vítimas de assassinatos no Brasil nos últimos anos. Em 2017, foram mais de 63 mil brasileiras e brasileiros mortos prematuramente e de forma violenta. A busca por paralelos, com alguns dos exemplos acima expressamente citados nos programas de governo dos candidatos à Presidência, indica uma tentativa de dimensionar a tragédia que assola anualmente o Brasil. Entretanto, a análise dos planos apresentados pelos candidatos não traz informações precisas sobre como pretendem transformar a situação aterradora que os crimes violentos representam para a nação.


Além da insuportável dimensão humana de uma quantidade tão elevada de mortes violentas, outro aspecto relevante e muito pouco explorado no debate eleitoral é o custo econômico, e seus respectivos impactos sociais, que tantos homicídios representam. Num momento em que o país enfrenta grave crise fiscal e que temas como a reforma da Previdência Social e a modernização tributária são absolutamente centrais para a política nacional, é surpreendente que nenhum candidato tenha ao menos mencionado, durante as dezenas de horas em que foram entrevistados ou sabatinados, o impacto avassalador que os assassinatos em massa que se reproduzem ano após ano representam para a economia e o desenvolvimento do país.

Estudo publicado em junho deste ano pela Secretaria Geral da Presidência da República estima que a criminalidade representou um custo equivalente a 4,4% da renda nacional no ano de 2015, o que equivale a R$ 80 bilhões. Se considerarmos apenas a perda de capacidade produtiva decorrente de homicídios, excluindo os custos das polícias, dos sistemas judicial e prisional e os custos médicos associados à violência, o custo dos assassinatos superou 450 bilhões entre 1996 e 2015. Por óbvio, não há montante financeiro que seja equivalente à dor de uma mãe que enterra o filho, morto prematuramente. Mas num momento em que o duro debate sobre a equilíbrio das contas públicas se tornou imprescindível, não podemos deixar de nos assombrar com o silêncio brutal quanto a esta questão.

De forma geral, os planos de governo são genéricos e superficiais. Se assemelham a cartas de princípios ou de intenções. Reduzir homicídios, aprimorar o patrulhamento de fronteiras e bordões como “inteligência, integração e tecnologia” são expressões que se repetem nos documentos apresentados pelos candidatos. Propostas mais concretas e detalhadas são, infelizmente, raras. Muito se anuncia a gravidade do problema, mas são poucos os candidatos que —em algum momento— apresentam propostas concretas de como pretendem enfrentar o problema.

A sociedade civil organizada tem buscado contribuir. No início de agosto, o Instituto Sou da Paz, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Igarapé lançaram a agenda “Segurança Pública é Solução”. O nome do documento busca consolidar a noção de que a segurança é um direito essencialmente público e que a única maneira de enfrentar a criminalidade que nos traumatiza é coletivamente, e não da forma aventureira e individualizada que candidatos que promovem o acesso indistinto a armas de fogo querem nos fazer acreditar. O documento traz 35 propostas objetivas, técnicas e de implementação imediata para que o país assuma sua responsabilidade frente à vida de cada um de seus cidadãos.

As propostas estão divididas em duas prioridades centrais, sendo uma delas a redução e prevenção dos crimes violentos, cujo objetivo é, ao fim e ao cabo, sufocar a insuportável crise de assassinatos em massa que o Brasil vive.

Diante desse cenário, é fundamental adotar medidas efetivas para reduzir os homicídios e outros crimes violentos no país, tais como a criação de um sistema eficiente de governança para a segurança pública, a melhoria do trabalho policial e de sua relação com a comunidade, a implementação de programas de prevenção, especialmente aos mais jovens, principais vítimas desse massacre e para quem o país tem o dever de promover oportunidades de trabalho e geração de renda. Também defendemos, de forma inequívoca, a reorientação da política de drogas —que enseja o conflito entre comunidades pobres e a polícia e que causa muito mais danos e mortes do que o abuso de qualquer substância pode produzir— assim como o efetivo controle de armas de fogo, cuja maior circulação é diretamente associada ao aumento de crimes violentos, conforme já comprovado de forma unânime por estudos técnicos e científicos.

Esperamos que o próximo líder da nação coordene um esforço inédito para a proteção do bem mais precioso que cada brasileiro traz consigo, sua própria vida.

Felippe Angeli (Instituto Sou da Paz)

A verdade sobre o atentado a Bolsonaro

Quem tenta assassinar um candidato a presidente da República, da forma como o fez o ex-pedreiro Adélio Bispo de Oliveira, em Juiz de Fora, é um louco, mentalmente desequilibrado a julgar pelas mensagens confusas que costumava postar em sua página no Facebook, à procura de fama instantânea.

Mas pode também não ser só isso. O agressor do deputado Jair Bolsonaro (PSL) pode ter estado a serviço de quem desejava tirar Bolsonaro do páreo presidencial ou simplesmente implodir o processo eleitoral brasileiro, sabe-se lá por que e com qual objetivo. É o que precisa e deve ser investigado também.

A princípio, dava-se como certo que Bispo agira por sua própria conta e risco, sem ajuda de ninguém. O ministro Raul Jungmann, da Segurança Pública, até falou em ação de “um lobo solitário”. Mas surgiram evidências para reforçar a suspeita de que Bispo obedeceu a ordens de um desconhecido, ou de mais de um.

Bispo treinou tiro ao alvo em um clube paulista, frequentado por filhos de Bolsonaro. Bispo pagou adiantada sua hospedagem por 15 dias em uma pensão de Juiz de Fora. Bispo tinha um laptop novo. Bispo usou computadores de uma lan house por mais de uma semana antes de dar a facada no candidato.

E aqui vem a parte mais interessante da história: o sujeito que passara por 12 empregos em sete anos e estava desempregado, possuía um cartão de crédito internacional do Itaú, dois cartões da Caixa Econômica Federal (um de conta corrente e outro de conta poupança), além de extratos dos dois bancos em nome dele.

A quem interessava matar ou apenas ferir Bolsonaro – e por quê? O que esperava ganhar com isso? A mesma pergunta espera há seis meses uma resposta que esclareça de uma vez por todas o assassinato no centro do Rio da vereadora Marielle Franco (PSOL).
Ricardo Noblat

Pensamento do Dia


À distância

Li que implantaram um troço no cérebro de um macaco, e ele conseguiu mexer outro troço com o pensamento.

Um eletrodo acionado por neurônios, ou coisa parecida, permitiu ao macaco deslocar um objeto a alguns metros de distância só com a sua vontade.

De certa maneira, isto é o fim de um ciclo que começou na primeira vez em que um hominídeo pensou na possibilidade de afetar algo distante dele sem sair do lugar. Pode-se resumir o desenvolvimento da humanidade e da sua ciência no cumprimento desta vontade de não precisar ir lá.

A penúltima fase do processo foi o controle remoto. A última, lógica, fase será a da telepatia. Hoje o macaco; amanhã, nós todos.

Sempre defendi a tese de que foi a preguiça que trouxe a civilização. O que foi a invenção da roda se não o prenúncio da charrete e um triunfo do comodismo?

Fomos a primeira espécie a criar um jeito de não ir, mas ser levada.

A razão do hominídeo para deflagrar o processo que resultou no controle remoto foi prática, a de atingir uma presa sem se arriscar a ser mordido, ou almoçar sem ser almoçado.

O primeiro lance do longo processo que terminou com o implante no cérebro foi a pedra arremes sada. Depois, vieram a lança, o estilingue, o arco e a flecha, a catapulta, as armas de fogo, o foguete intercontinental, o drone — todos engenhos para evitar chegar perto.

A distância sempre foi um inimigo natural do homem, ou pelo menos do homem preguiçoso. Vencê-la foi o nosso grande desafio intelectual, e agora se abre a possibilidade de subjugá-la só com o intelecto, desprezando os instrumentos que, da pedra à internet, nos ajudaram até aqui.

Estamos simbolicamente de volta à savana primeva pensando em como empurrar aquele mamute para dentro do fosso sem precisar ir lá, mas agora o pensamento basta. A vontade se realizará sozinha, sem as mãos, sem mais nada. A preguiça cumpriu sua missão histórica.

Agora, só precisamos encontrar um jeito de pedir ao macaco que mexa alguma coisa por nós.

Novo capítulo da farsa

“Haddad é Lula” é o novo capítulo da farsa “Lula candidato”. Uma coisa é um candidato ter o apoio de um ex-candidato. Outra é fazer de conta que é o outro e que o outro é ele.

Os petistas dirão que se trata de discurso político, e que neste país o discurso político ainda não foi proibido. Concordo. Mas posso dizer que é mais um truque para enganar os trouxas.


Se eleito, Fernando Haddad será ele mesmo, como Dilma foi ela mesma, embora reverente a Lula. Pode-se subir a rampa do poder como um poste apagado. Uma vez lá, o poste ganha luz.

Só não será assim com Haddad se ele ficar ao pé da rampa, derrotado. Ou caso se conforme em subir e fazer jus à suspeita de que não passará de um pau mandado de Lula. Improvável!

No dia em que Haddad virou candidato a presidente, Lula continuou sendo a estrela do programa de propaganda eleitoral do PT no rádio e na TV. Mais um drible escandaloso na Justiça.

Se lei existisse por aqui para ser respeitada, o PT seria punido com perda de tempo de propaganda. Mas, se muito, será punido com uma multa a ser paga com dinheiro público.

Democracia sem povo

Estamos à beira de uma eleição em que o candidato em primeiro lugar nas pesquisas está preso e impedido pelo judiciário de disputar a eleição. E o candidato em segundo lugar levou uma facada num evento de campanha.

É crescente o sentimento de que o judiciário não faz justiça, de que o voto vale cada vez menos e de que vivemos o que poderíamos chamar de democracia sem povo: a cada dia mais um direito a menos
Eliane Brum

Qualquer previsão sobre o resultado das eleições pode ser furado

Antigamente, leitor, mas não tão antigamente (no meu tempo, por exemplo), ninguém jamais aventurava sobre qual seria o sexo do filho (ou filha) que estava para nascer. Existiam crenças, provenientes das dedicadas parteiras. Às vezes, algumas delas acertavam – por sorte, experiência ou sabedoria. O médico nem sempre estava por perto, a não ser em algum parto crítico, que necessitasse de intervenção cirúrgica. Se a barriga tiver esse formato, será mulher; se tiver aquele, será homem – diziam avós entendidas do assunto. Você poderia preferir a vinda de um menino (ou de uma menina), mas todos eram sempre bem-vindos.

Lembrei-me dessa época porque o quadro eleitoral que velozmente se avizinha está totalmente imprevisível. Faz-nos recordar daquele outro dito: “De cabeça de juiz, barriga de mulher e urna eleitoral nunca se sabe o que virá”. E, também, porque li a crônica do jornalista Arthur Xexéo, “A falta da falta de assunto”, publicada no jornal “O Globo”, no último domingo. Xexéo despertou em mim, talvez mais do que nele, saudade de cronistas que conheci pessoalmente – como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, José Carlos de Oliveira (o Carlinhos) e Rubem Braga. Ao citá-los, Xexéo jamais imaginou que provocaria em mim doída saudade do meu irmão Otto Lara Resende.

“Hoje no Brasil, nenhum cronista sofre por falta de assunto. A gente sofre por excesso de assunto. É assunto demais para pouca crônica”. A inveja confessada por Xexéo não é só em consequência do reconhecido talento dos cronistas citados: “Invejo-os – frisou ele – por terem exercitado o gênero numa época em que o cronista podia se dar o luxo de não ter assunto. Invejo-os porque eles podiam chegar diante da máquina de escrever com nenhum tema em pauta”.

Bem que poderia, leitor, deixar de lado os inúmeros assuntos, e, afinal, escrever, mas só depois de pedir licença ao capixaba Rubem Braga (conterrâneo do Carlinhos) sobre, por exemplo, o beija-flor que fez ninho na minha varanda, mas me traiu, sumiu e nunca mais apareceu. Podia dizer algo sobre o tempo em que, para adiar o infarto, me dediquei aos cuidados de uma fazenda, mas submetido às leis da natureza. Quando chegava lá, os problemas, bem como os assuntos, sumiam de vista. Minha mente, às vezes atormentada, me impunha o silêncio. Lembrava-me somente do que era ser de fato mineiro, definido e eternizado por Fernando Sabino: “Ser mineiro é ver o nascer do sol e o brilhar da lua, é ouvir o cantar dos pássaros e o mugir do gado, é sentir o despertar do tempo e o amanhecer da vida”. E o tempo se dissipava!

Depois do incêndio de parte do maior e mais precioso acervo da nossa história, tratada, quase sempre, como lixo, o dilúvio! Segundo o Gênesis, dilúvio é a inundação cataclísmica de toda a superfície da terra. Vivemos um verdadeiro dilúvio político! Políticos e eleitores, em boa parte, conseguiram sujar a política – que é o meio ou a única ponte viável capaz de nos levar ao regime democrático, nosso porto seguro. E, agora, para onde vamos? Essa seria, com certeza, a pergunta que faria minha mãe. Sua única resposta? Só Deus sabe!

O país está arruinado! Foi possuído pelo ódio entre duas “facções”. Mesmo assim, nada intimidados, só estamos de olho na carceragem da PF em Curitiba (Lula dirá o nome do poste…) e na UTI do Hospital Albert Einstein (Jair Bolsonaro é a salvação do país…). Que se virem os 206 milhões de brasileiros! Afinal, só Deus é quem sabe!

O trágico é se Deus faltar, cansado de tanta burrice!

Brasil com novo presidente


O enfrentamento da corrupção transnacional na América Latina

A Transparência Internacional acaba de lançar seu relatório “Exportando Corrupção 2018: Avaliando a Aplicação da Convenção Anti-Suborno da OCDE”, que monitora o cumprimento deste que é atualmente o principal marco global para coibir a corrupção transnacional. A Convenção determina que os países investiguem e imponham sanções a suas empresas nacionais por corrupção em operações no exterior. Ela ataca o que é ainda uma enorme incoerência, principalmente entre os países ricos, que coíbem significativamente a corrupção em seu território nacional, mas fecham os olhos para o suborno que suas empresas pagam no exterior – afetando principalmente as nações mais pobres. Cada vez mais, no entanto, os países emergentes também estão sendo cobrados a assumir as mesmas responsabilidades, pois a participação de suas empresas no comércio internacional há muito deixou de ser insignificante. No caso da América Latina, as autoridades ainda têm falhado na tarefa de combater a corrupção transfronteiriça.


Entre os países latino-americanos avaliados, a Colômbia e o México figuram na categoria mais baixa (“pouca ou nenhuma aplicação”); a Argentina e o Chile na categoria logo acima (“aplicação limitada”); e o destaque do relatório foi o Brasil, que alcançou a segunda categoria mais alta (“aplicação moderada”).

Epicentro do mega-esquema criminoso revelado pela Operação Lava Jato, o Brasil viu sua reputação ser prejudicada severamente nos últimos anos pela atuação corrupta de suas empresas no exterior. A Odebrecht, principal empresa do esquema, relatou ter subornado autoridades (na maioria dos casos chegando ao nível presidencial) em 12 países – dois africanos e nove latino-americanos, além do Brasil.

No entanto, a resposta contundente das autoridades brasileiras vem revertendo esta imagem negativa para uma muito mais positiva: a de um país que começou a enfrentar verdadeiramente o problema da corrupção e da impunidade. O trabalho dos procuradores da Força-Tarefa Lava Jato tem inspirado ações semelhantes em diversos países latino-americanos, além de estar fornecendo evidências valiosas para aquelas nações que firmaram a extensão do acordo de cooperação com a Odebrecht. Se as investigações brasileiras revelaram o maior caso de grande corrupção da história da região, elas também deram início à maior onda de investigações simultâneas de corrupção transnacional na história do continente.

Apesar dos avanços, ainda há sérias limitações na resposta das autoridades brasileiras no que diz respeito à corrupção de suas empresas no exterior. Os procuradores brasileiros da Força-Tarefa da Lava Jato dizem abertamente que, com a enormidade dos casos revelados e a escassez de seus recursos, a dimensão internacional dos esquemas não está entre as prioridades de investigação. Além disso, existe desconhecimento da maioria destas autoridades sobre a criminalização do suborno transnacional, apesar de esta conduta estar tipificada penalmente no Brasil há anos.

Outro grande desafio vem com o novo fenômeno dos acordos de colaboração (“acordos de leniência” e “delação premiada” como se chamam no Brasil) envolvendo múltiplos países. Não existe entre os países da América Latina regulação, jurisprudência ou institucionalidade para lidar com esta novidade; ao contrário do espaço europeu, que conta com sistemas integrados como Europol (o Serviço Europeu de Polícia) e o Eurojust (serviço que integra os sistemas de Justiça e Ministério Público do continente).

O acordo da Odebrecht com as autoridades brasileiras está marcado por inovações e improvisos principalmente em sua dimensão internacional. Alguns destes arranjos relativos às limitações no compartilhamento de provas e ao sigilo das informações são justificáveis, mas a realidade é que, após quase dois anos da celebração do acordo e entrega aos procuradores brasileiros de toda a informação dos crimes internacionais, muito pouco se avançou na apuração dos delitos nos países afetados. Alguns países aceitaram as condições impostas pelas autoridades brasileiras (dar imunidade à Odebrecht e seus executivos ou fechar seus próprios acordos de colaboração) e receberam as provas, mas, na maioria deles, o avanço das investigações e processos tem sido lento ou seletivo. Em outros casos mais extremos, como a Venezuela, as autoridades mantêm-se absolutamente inertes e até perseguem os procuradores que se atrevem a investigar os casos. Se a impunidade impera nestes países, há de se perguntar se o Brasil tem o direito de manter indefinidamente o sigilo das informações ou tem a obrigação de torná-las públicas para que haja maior pressão sobre estas autoridades para agirem.

É nestas águas não cartografadas que as autoridades brasileiras e latino-americanas estão navegando para lidar com o novo desafio da grande corrupção transnacional, que vem se somar ao rol de crimes globalizados que nosso continente já enfrenta, como o tráfico de drogas, armas e pessoas.

A última Cúpula das Américas, que se reuniu no Peru em abril, teve como tema a Governança Democrática contra a Corrupção. A Declaração de Lima que surgiu dali aponta caminhos que podem fortalecer a capacidade de nossos países e do sistema interamericano para enfrentar de forma coordenada a corrupção transfronteiriça.

É, portanto, fundamental que a sociedade esteja vigilante e pressionando para que marcos como a Declaração de Lima e a Convenção Anti-Suborno da OCDE sejam efetivamente implementados, pois a corrupção impacta profundamente as maiores mazelas da nossa região, como a desigualdade, a insegurança e instabilidade democrática.

Bruno Brandão (Transparência Internacional Brasil)

Como se arma a população

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Tentativas de blindagem pioram as maracutaias

No Brasil, a corrupção sempre foi full time. A apuração, um feriadão hipertrofiado. Nunca deixe para amanhã o que pode ser deixado hoje, eis a máxima que norteava as investigações. Na era pós-Lava Jato, surgiram rachaduras no sistema de blindagem de malfeitores. Desde então, visitas dos rapazes da Polícia Federal e ações do Ministério Público provocam chiadeira. Em época eleitoral, investigados julgam-se seres inimputáveis. E investigadores são tratados como usurpadores.

É grande a gritaria provocada pelas ações praticadas por procuradores e promotores contra o petista Fernando Haddad e os tucanos Geraldo Alckmin e Beto Richa. O ministro Gilmar Mendes farejou nas iniciativas um “abuso do poder de litigar”. Avalia que é preciso “colocar freios”. O ministro parece desconsiderar a hipótese de que o abuso possa ter ocorrido na efetivação da eventual delinquência. Prefere, desde logo, frear a apuração.


O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) abriu procedimentos disciplinares para averiguar se promotores e procuradores agiram com motivação política. A iniciativa foi requerida pelo advogado Luiz Fernando Bandeira de Mello. Trata-se de um ex-subordinado dos senadores Renan Calheiros e Eunício Oliveira, ambos encrencados na Lava Jato. Ele representa o Senado no CNMP.

Bandeira de Mello escreveu o seguinte no seu requerimento: “Estou seguro (…) que essa verificação da Corregedoria Nacional confirmará minha percepção de que tais procedimentos refletirão a conduta correta, imparcial e não dirigida ao calendário eleitoral dos membros do Ministério Público. Mas entendo que a ausência de uma apuração mínima permitirá que desconfianças maldosas possam fermentar dúvidas…” Faltou informar de onde vem a fermentação.

Ouviu-se um lero-lero parecido no ano eleitoral de 2014. Candidata à reeleição, Dilma Rousseff chamou de ''golpe'' a divulgação dos depoimentos dos dois primeiros delatores da Lava Jato: Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, e Alberto Youssef, doleiro e operador financeiro do petrolão. Sergio Moro interrogou-os entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial. Hoje, sabe-se que o golpe ocorrera no assalto às arcas da Petrobras, não na exposição dos resultados do trabalho do juiz.

Onde os incomodados enxergam vício costuma haver virtude. Em boa parte dos casos, os inquéritos invadem o cenário eleitoral porque os réus, com seus advogados caros e seus foros especiais, apostam no efeito-barriga. De resto, prisões e diligências requisitadas por promotores e procuradores são sindicadas pelo Judiciário, a quem cabe deferir ou arquivar os pedidos.

Se há eleições, aí mesmo é que deve ser assegurado ao eleitor o direito a uma campanha eticamente sustentável. A exposição dos indícios de sujeira não impede o eleitor de jogar o seu voto no lixo. Às vezes falta opção.

Em 2014, Dilma reelegeu-se apesar dos depoimentos de Paulo Roberto e de Youssef. Hoje, sabe-se que a lama estava dos dois lados. A Lava Jato corroeu a presidência de Dilma e prendeu Lula. Mas também carbonizou a pose de limpinho de Aécio Neves. A despeito de tudo, Lula carrega outro poste e as fotos de Dilma e Aécio estarão nas urnas de outubro.

Num ambiente assim, tão intoxicado, quando vê uma reação coordenada e suprapartidária de pessoas que desconhecem os inquéritos contra o avanço das apurações, o brasileiro fica tentado a desconfiar que há algo de muito estranho no ar. Se alguma coisa corre risco, certamente não é o processo eleitoral. A história mostra que as tentativas de blindagem sempre pioram as maracutaias.

O problema não é Bolsonaro, mas quem vota nele

O problema não é Jair Bolsonaro. O problema são os que se dispõem a votar nele e que constituem, segundo o mais recente Datafolha, um terço dos eleitores (no segundo turno). Ou, mais corretamente, o problema é o sinal enviado por essa parcela do eleitorado. Por que o problema não é Bolsonaro? Porque, conforme ensinam os especialistas em sociologia e política, a liquidação da democracia não se dá mais, hoje em dia, pelos tanques e canhões, mas pela erosão lenta, gradual e segura promovida por quem chega ao poder, de farda ou de terno, pelo voto popular.

Venezuela e Nicarágua são os dois exemplos do momento na América Latina. Há outros até na Europa ultracivilizada.

Parece altamente improvável, primeiro, que Bolsonaro se eleja, conforme mostraram as simulações de segundo turno no Datafolha. E, se ganhar, é mais improvável ainda que consiga levar adiante o trabalho de demolição da democracia.

Não digo que não queira. É, visivelmente, um autoritário empedernido. O problema é que não terá a colaboração da maioria do Congresso, da maioria dos governadores, da maioria dos partidos e, acima de tudo, enfrentará uma sociedade civil razoavelmente articulada.

Dividida, é verdade, mas naturalmente pouco inclinada a ceder os espaços de liberdade e de participação que foi conquistando. Democracia é oxigênio para a sociedade civil.

Mesmo os militares, salvo alguns alucinados, não têm em tese incentivo para estrangular a democracia. O fantasma do comunismo, usado como pretexto para o golpe de 1964, já foi exorcizado.

As elites, que conspiram contra a democracia sempre que sentem seus interesses ameaçados, não têm com que se preocupar. Até o PT deixou de ser aquele partido cuja vitória, em 1989, levaria 800 mil empresários a deixar o país, na famosa frase de Mario Amato, então presidente da Fiesp.

Lula acabou ganhando 13 anos depois e, em seu governo, os empresários nunca ganharam tanto dinheiro, segundo o próprio Lula diria mil e uma vezes. Os 13 anos e algo de governos petistas não tocaram em um só fio de cabelo das elites.

O problema, do meu ponto de vista de militante pela democracia, é que ela, nesses seus 33 anos de vigência no Brasil, não conseguiu convencer um terço do eleitorado de que é o pior dos regimes, fora todos os outros, para citar Winston Churchill.

Há uma parcela nada desprezível de brasileiros que prefere o pior dos regimes, uma ditadura, resgatada, pela primeira vez nas oito eleições democráticas, das catacumbas a que havia sido felizmente condenada.

Posso até ver algo de positivo nesse ressurgimento: é melhor que os viúvos e viúvas da ditadura trabalhem à luz do dia, no processo eleitoral, do que conspirem nas sombras, como fizeram nos anos 60, até derrubar o governo e impor 21 anos de trevas.

Mas é importante que os que rejeitam o autoritarismo que Bolsonaro simboliza tomem consciência de que a eleição de 2018 é uma demonstração de que a democracia está capengando. Uma muleta —rejeitar o autoritarismo— não vai bastar. É preciso restabelecer a confiança no modelo democrático, sob pena de que, em algum próximo assalto, ele vá a nocaute.