quarta-feira, 5 de julho de 2017

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Fatos novos que reproduzem a marmota de sempre

A prisão de Geddel Vieira Lima é mais uma flechada no São Sebastião sangrado em que se transformou o governo Temer. Piora a situação, é evidente; mas, não constitui surpresa: o ex-ministro já antevia sua sorte e, ao que consta, tentava bloquear a Justiça. No Planalto, seu efeito máximo foi aumentar o temor pelos seus: a fila anda e o governo se preocupa com Eliseu Padilha e Wellington Moreira Franco, diz o Estadão.

Também a prisão de Jacob Barata Filho, no Rio de Janeiro, não implica em novidade: finalmente, a polícia chegou a um dos esquemas de corrupção mais manjados nos municípios, os transportes públicos. Como todos os setores que se envolvem com o Estado, este também começou a desmoronar. É mais um e é bom que assim seja. A questão é que esse processo parece não ter fim. No longo prazo, talvez, se construa o novo; o problema é que no presente só se vê o passado — um museu de grandes novidades que pode comprometer o futuro.

Com menos graça e inteligência que numa comédia, a conjuntura nacional pode ser comparada a um blockbuster americano, chamado ''O Feitiço do Tempo'' (ou ''O Dia da Marmota''). O filme, de 1993, retrata uma situação cômica em que o mesmo dia se reinicia a cada manhã; dezenas de vezes, cenas e situações se repetem e a confusão aumenta. Todavia, ao dar-se conta do fenômeno, o protagonista (Bill Murray) se ajusta, corrigindo as interações ao longo processo. Ao final, transforma-se num sujeito melhor e conquista o coração da mocinha (Andie MacDowell).

Já o Brasil de Geddéis e Baratas parece condenado à mesmice maldita mesmo: cenas de prisões e escândalos de corrupção se sucedem, como capítulos repetidos de uma novela que se arrasta. Os personagens insistem no velho enredo; a situação só piora. Desatento, o cidadão não percebe o feitiço que o domina: rostos mais ou menos conhecidos repetem desculpas, com sinais trocados; as condições gerais se deterioram. Nada de glamour hollywoodiano; trata-se de um filme B, de terror banal e sem fim.

Quando não é Eduardo Cunha, é Lúcio Funaro; quando não é Rodrigo Rocha Loures, é Henrique Eduardo Alves; quando não é o próprio Michel Temer, é Geddel Vieira Lima. Quando não é João Vaccari, é Antônio Palocci; quando não é Lula, é Aécio Neves. Todos enredados no roteiro que aos poucos ficou desinteressante. A polícia prende, os juízes liberam; a polícia torna a prender, novos prisioneiros ocupam as mesmas celas. Na infecção intestinal do país, prisões e solturas se alternam.

Sujeita à disposição dos protagonistas da política, a sociedade queda paralisada. À piora das condições fiscais e econômicas, se junta o agravamento de questões sociais: desemprego, endividamento, serviços públicos de péssima qualidade, violência rural e urbana; crianças baleadas no ventre da mãe. Ninguém sai às ruas — até porque não se acredita que resolvam; os movimentos de ontem mostraram que não tinham amanhã. O rancor da sociedade é, porém, guardado na geladeira para ser usado em outro momento.

Pesquisas divulgadas nos últimos dias demonstram que a desolação pode não ser um sentimento apenas estéril: ela evolui em revoltas subjetivas e protestos calados que somente mais tarde poderão explodir, se não nas ruas, nas urnas. Sem centro político, a polarização está posta. Oportunistas de qualquer canto e populistas de todos os matizes se movimentam pelo melhor lugar no grid de largada de 2018.

Na Câmara dos Deputados, como antenas, os parlamentares captam esse sentimento geral. Não o reproduzem como representantes da sociedade e, assim, tampouco se mobilizam pela solução do problema — à maioria falta estatura. Mas, se organizam em virtude do cenário que vislumbram: novas solturas e novas prisões; o labirinto sem saída; a fúria das ruas, o populismo e o oportunismo eleitoral. Correm recolher raspas e restos do governo; sugam o bagaço dos recursos. Acordos só os pontuais; amanhã tudo se repetirá. Os urubus pressentem a carniça.

Michel Temer não tem, desse modo, quem o defenda; há uma debandada em sua base. No pronunciamento que fez em sua defesa, o presidente atrasou o relógio à espera do público que não veio. Até os áulicos se escondem. Torce, assim, para manter meros 172 votos ou omissões suficientes apenas para que ganhe tempo, arrastando o jogo que não tem futuro. Mas, sabe que em três votações nominais, entremeadas por desgastes sucessivos, será difícil se segurar.

Dilma Rousseff repetiu Fernando Collor; a possibilidade de Temer seguir o destino de Dilma está posta. Se isto ocorrer, virá Rodrigo Maia e, depois dele, outro e possivelmente mais outro. O elenco de atores e personagens é limitado; sem renovação, o roteiro não evolui. Os protagonistas desse filme ainda não o compreenderam; não se corrigem, cometem os mesmos erros. Enquanto isto ocorrer, reproduzirão o mesmo dia e a mesma marmota.

Carlos Melo

Ruína de Temer é continuação de Lula e Dilma

Charge do dia 04/07/2017
A investigação que levou Geddel Vieira Lima para a cadeia envolve a Caixa Econômica Federal. Dinheiro do sacrossanto FGTS foi usado em empréstimos fraudulentos para empresas corruptas, entre elas a J&F do delator Joesley Batista. A encrenca que ameaça o mandato de Michel Temer é parte da roubalheira endêmica que transformou a rotina de Lula num tormento penal e levou a Presidência de Dilma ao abismo.

O PMDB da Câmara, coordenado por Michel Temer, aproximou-se do PT no segundo mandato de Lula. A exemplo do que já fazia o PMDB do Senado, de Renan Calheiros e José Sarney, o grupo de Temer plantou apadrinhados na máquina do Estado. Nessa época, Geddel virou ministro da Integração Nacional. Tocava a obra da Transposição do São Francisco.

No governo de Dilma, Geddel foi nomeado vice-presidente da área que lidava com empresas na Caixa Econômica. Eduardo Cunha nomeou um afilhado, Fábio Cleto, para a vice-presidência de loterias, FGTS e outras mumunhas. Hoje, Dilma silencia sobre a pilhagem. Lula diz em depoimento que não sabia. Temer faz pose de limpinho. E a plateia descobre o que Romero Jucá queria dizer quando declarou que era preciso estancar a sangria. Resta torcer para que a hemorragia seja levada às últimas consequências.

Em vídeo, Lula garante que Geddel é um exemplo a seguir

"Preso ex-ministro de Temer", noticiaram os grandes jornais nesta terça-feira. A informação é incompleta: Geddel Vieira Lima foi ministro-chefe da Secretaria de Governo do atual presidente, mas também foi ministro da Integração Nacional do governo Lula, entre 2007 e 2010, e vice-presidente da Caixa Econômica Federal de março de 2011 a dezembro de 2013, quando a presidente era Dilma Rousseff. Mais: a transferência para a gaiola ocorreu com o amigo Michel Temer alojado no Planalto. Mas as bandalheiras descobertas pela Polícia Federal foram praticadas no cargo que Geddel ganhou da amiga Dilma por ordem do amigo Lula, um entusiasta dos dotes administrativos do político baiano cuja gula por dinheiro lhe valeu o apelido de Jacaré.


Em 2010, ao saber que Geddel deixaria o primeiro escalão para ser surrado na disputa pelo governo da Bahia, Lula lamentou em vários comícios a perda irreparável. O vídeo acima registra um dos momentos da cerimônia do adeus a um servidor da nação. “Você foi um cumpridor de tarefa extraordinário”, derrama-se o orador de olhos postos no ministro que se vai. “E isso eu tenho ouvido não apenas da minha boca, que viajo com você, mas da companheira Dilma, que conviveu contigo”. Enquanto o motivo da choradeira retórica capricha na pose de estadista sertanejo, Lula contempla a plateia amestrada e segue em frente. “Eu disse ao Geddel outro dia: é uma pena que você deixa o governo, você poderia continuar no governo (…) pela grandeza do teu trabalho.

Não era pouca coisa. Mas não era tudo, informou a continuação do espetáculo da pieguice demagótica. “Eu acho que o Temer deveria pegar os deputados aqui, de todos os partidos, e levar pra ver algumas obras que estão acontecendo no Nordeste brasileiro, pra saber o que que tá acontecendo no Nordeste brasileiro”, viaja na redundância. Todas as obras tinham como parteiros o presidente e o ministro. Por exemplo, a transposição das águas do Rio São Francisco.“O canal da integração é uma obra que vocês vão perceber por que que Dom Pedro II queria fazer essa obra em 1847, e eu espero que até 2012 a gente conclua ela inteira. Então, Geddel, meus agradecimentos por todo o teu trabalho nesses três anos e meio de governo”.

Passados mais de sete anos, a promessa não desceu do palanque, o ministro insubstituível está na cadeia e o falastrão fantasiado de Pedro III tem sucessivos pesadelos que misturam celas, grades, catres e camburões com placas de Curitiba. Separados politicamente pelo impeachment, os dois prontuários ambulantes continuam atados por laços indissolúveis. Lutaram juntos pela institucionalização da corrupção impune, assaltaram juntos milhares de cofres públicos, conviveram fraternalmente na organização criminosa disfarçada de aliança partidária. Caso se reencontrem no mesmo pátio de presídio, Lula e Geddel imediatamente entenderão que nasceram um para o outro.

Só queria entender

A rigor, não tenho autoridade para criticar a Justiça, já que sou ignorante de suas leis e lógica — eu, a torcida do Flamengo e o porteiro de um prédio da minha rua. Portanto, não ouso discutir suas decisões, só queria entender algumas, até para poder explicá-las ao meu interlocutor matinal quando passo a caminho do calçadão, o porteiro. Temos discordâncias. Ele vivia repetindo que aqui a polícia prende, e a Justiça solta, e eu tentava convencê-lo de que esse Brasil não existia mais. Era aquele em que Millôr dizia: “a Justiça farda, mas não talha”. Hoje é diferente, eu garantia.

Outro dia, no entanto, ele declarou: “O senhor tem razão. Agora, ela mesma prende e ela mesma solta”. Levei alguns segundos para perceber a ironia. Ele se referia ao prende e solta da Justiça, às supremas razões que a razão dos pobres mortais da opinião pública desconhece. Eu mesmo não consigo explicar como e por que dois ministros do STF beneficiaram num mesmo dia dois políticos já denunciados na Lava-Jato — um, por ter sido flagrado carregando uma mala com R$ 500 mil de propina. O outro, senador afastado, por ter recebido R$ 2 milhões de um famoso corrupto-corruptor. O primeiro voltou para casa com tornozeleira; o segundo foi autorizado a retornar ao Senado com direito a elogio em sua carreira. Dias antes, o ex-tesoureiro de um partido teve revogada a condenação a 15 anos e quatro meses decretada pelo juiz Sergio Moro. Anteontem, o ex-ministro e “fraterno amigo” do presidente que teria recebido R$ 20 milhões indevidos foi finalmente preso, não se sabe até quando.


Para não dizer que o entra e sai da cadeia só acontece com políticos, há o caso do médico especialista em reprodução humana e em estupro, um crime que praticou 47 vezes em 37 pacientes. Condenado a 278 anos de reclusão, cumpriu pouco mais de quatro meses e foi solto pelo habeas corpus de um juiz do STF. Aí fugiu para o Paraguai, de onde veio deportado quatro anos depois. Esteve no presídio de Tremembé de 2013 até há pouco, foi solto e uma semana depois preso novamente. Agora aguarda um novo habeas corpus.

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, prometeu que a Corte “não vai ignorar o clamor por justiça que se ouve em todos os cantos do país”. Maravilha. Mas tomara que não ignore também o clamor por mais concisão e clareza nas doutas decisões, a começar pela linguagem. Por exemplo, ao justificar uma ordem de soltura, um magistrado escreveu: “À luz das atuais circunstâncias, se depreende mitigada a possibilidade da reiteração delitiva”. Desconfio que o autor quis dizer algo como “No momento, não há risco de novo delito”. Simples assim.

Zuenir Ventura

Gente fora do mapa

rain

O espanto e a maravilha

Nunca antes neste país tivemos um presidente denunciado criminalmente em pleno mandato. É um espanto. E está longe de ser o único no Brasil de hoje.

Temer deveria ter sido cassado em abril, mas o TSE alegou precisar de tempo para examinar as novas provas. No mês passado, o tribunal decidiu que não aceitaria as provas que tinham sido a razão do adiamento — uma cara de pau espantosa, mesmo em um país cujas autoridades têm na cara de pau um modo de vida — e o absolveu.

A denúncia contra o presidente não é menos espantosa do que aquilo que a motivou: Temer recebeu (em sua casa, tarde da noite, à sorrelfa) um empresário sabidamente investigado pela polícia, ouviu-o confessar crimes sem esboçar reação e o orientou a procurar um deputado “de sua inteira confiança”, deputado esse visto, em seguida, a correr pelas ruas com uma mala de dinheiro entregue pelo empresário.

Apesar disso tudo, o presidente, espantosamente, recusa-se a renunciar. E uma espantosa quantidade de gente continua a apoiá-lo para evitar um “mal maior”.

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Alguns defendem a permanência de Temer em nome da estabilidade. O presidente, denunciado, pode ser afastado a qualquer momento. Em breve, será denunciado de novo. E de novo. Funaro e Rocha Loures provavelmente delatarão Temer, Cunha avisou que vai delatar, e Geddel acaba de ser preso. Um projeto de impeachment tramita na Câmara. O STF logo revisará a decisão do TSE, com possibilidade concreta de cassar o presidente.

O desemprego está em 14 milhões. Os EUA suspenderam a importação de carne do Brasil. É quase impossível que o governo consiga aprovar a Reforma da Previdência. Inoperante, o governo tem chance real de não cumprir o orçamento. Temer tornou-se uma figura patética, cujo único interesse é manter-se no cargo para escapar, junto com seus apaniguados, à Justiça. E falam em estabilidade. É um espanto.

Outros defendem Temer porque têm medo de Lula ser eleito presidente — no caso de afastamento de Temer, a eleição será indireta, mas têm medo assim mesmo. Ainda que, por milagre (será necessário emendar a Constituição e desrespeitar todos os prazos regimentais), haja eleições diretas, Lula, seis vezes denunciado — em breve, condenado —, está no auge da rejeição: é um espanto alguém achar que possa se eleger em condições assim.

Só que Lula, apoiado por gente supostamente inteligente e bem informada, é, no momento, o primeiro em intenções de voto — e isso constitui o espanto insuperável: se, mesmo sabendo tudo o que sabemos a esta altura, formos capazes de eleger Lula, é melhor vir logo o dilúvio, pois só ele nos redimirá.

O Brasil de hoje é um tal exercício de surrealismo que temos um deputado federal que, de dia, ajuda a criar, na Câmara, a legislação que determina que ele próprio, de noite, durma na cadeia... e ninguém se espanta.

Ricardo Rangel

Quem deseja um político presidiário?

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O cadeado da cela se abre. É hora de despachar com assessores, assinar decretos, liberar recursos para uma obra e, é claro, acertar, durante o horário de visita, estratégias para destruir provas e dificultar o andamento da investigação que provocou a decretação de sua prisão.

Essa situação lhe parece absurda?

Pois não é! Trata-se da realidade brasileira que permite que um político preso mantenha o mandato, o salário e todos os benefícios do cargo, seja ele um vereador, prefeito, governador, deputado ou senador.

O mercado de votos no Congresso do Brasil

Existe a impressão de que o que mais importa para os deputados do Congresso não é se o presidente Temer deve ou não ser julgado por corrupção, e sim o preço material de cada voto.

E o que mais choca é que esse mercado não é escondido nem camuflado. Ao contrário, é discutido à luz do dia. Os deputados interrogados pela imprensa não dizem que estão ou não em dúvida sobre a culpabilidade de Temer e que será isso o que decidirá seu voto. Alegam motivos muito mais frugais.

A Folha de S. Paulo escreve, por exemplo, que alguns parlamentares estão indecisos se votam a favor ou contra o processo contra Temer devido à insatisfação com nomeações não cumpridas ou com emendas parlamentares com pagamentos atrasados. Outros dizem que ainda não decidiram seu voto porque esperam conhecer a reação de seus colégios eleitorais ou das redes sociais. Que Temer seja ou não culpado parece despertar pouco interesse entre eles.

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O curioso e triste é que Temer conhece como ninguém esse mercado escancarado no Congresso. Por isso, parece menos preocupado em defender sua inocência – e convencer os congressistas de que não é corrupto – do que em identificar, uma a uma, as “insatisfações” dos indecisos para subir o preço da oferta.

Chegou a hora do comércio descarado de votos, algo bem parecido com o que vimos com o impeachment de Dilma, quando o ex-presidente Lula jogou suas cartas, em um hotel em Brasília, para “convencer” os senadores a salvar a mandatária. Também naquela ocasião, a culpabilidade ou não de Dilma contou menos na hora de votar do que os ganhos pessoais presentes ou futuros.

Não é preciso ter muita formação para que as pessoas nas ruas entendam que esse mercado de votos, em momentos tão cruciais e decisivos para a democracia e o futuro do país, é no mínimo indecente. Com a possível nova incriminação do senador Collor, seriam já cinco ex-presidentes da República com problemas na Justiça desde a redemocratização. Um número alto e perigoso demais para uma democracia ainda jovem como a brasileira.

O que fazer? Essa é a pergunta do milhão, feita até pelos analistas políticos mais independentes. Enquanto isso, o Brasil chora e se desespera, incrédulo, com a bala que atravessou o bebê ainda no ventre de uma mulher no Rio, metáfora de uma cidade que é símbolo, ao mesmo tempo, de um país que parece naufragar perseguido pelos fantasmas da corrupção de seus políticos e da aparente indiferença das pessoas, que preferem ficar em suas casas vendo os touros da janela a sair às ruas para expressar sua indignação.

Os corruptos agradecem.

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Lisboa, Portugal
Lisboa

Velório silencioso

Tudo se resumirá a uma pergunta que cada deputado se fará na hora de votar a favor ou contra o pedido de autorização para que o Supremo Tribunal Federal julgue o presidente Michel Temer, acusado de corrupção passiva: “O que eu posso ganhar ou perder com isso?”

Ganhar ou perder tem a ver com o futuro político de cada um. Os que pensam em se reeleger levarão em conta o que o governo lhes oferecerá em troca do voto – cargos, dinheiro para obras em suas bases eleitorais e demais benefícios sobre os quais não se fala em voz alta. Pelo contrário.

Mas também levarão em conta a pressão da opinião pública ou publicada. Ao compararem ganhos e perdas, definirão seu voto. O que menos importará para eles é se a denúncia contra Temer reúne de fato elementos concretos de sua possível culpa. Ou se é inconsistente.
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Quando lemos que a maioria dos deputados se declara indecisa isso não significa que de fato esteja. Significa que ainda não chegou a hora de declarar o voto. Deputado só tem a ganhar ao retardar sua definição. Ganha tempo para observar como as coisas evoluem. Valoriza seu voto.

O ex-tesoureiro de campanha do ex-presidente Fernando Collor juntou bastante dinheiro para tentar salvá-lo do impeachment. Sobrou dinheiro porque boa parte de deputados e senadores concluiu que o melhor para eles seria a deposição de Collor. O país conta pouco nessas ocasiões.

A princípio, investir na manutenção de um presidente com apenas 7% de aprovação, segundo a mais recente pesquisa do Instituto Datafolha, seria um mau negócio. Mas a Câmara está povoada de suspeitos e de investigados por crimes. E Temer se oferece para protegê-los.

Conseguirá? – muitos se perguntam preocupados com o avanço da Lava Jato. Não haverá outro nome capaz de substituir Temer e de ter mais êxito na missão? Temer foi atingido por uma denúncia, mas haverá outra em breve e talvez mais outra. Valerá a pena continuar a sustentá-lo?

Nos cálculos do governo, se a primeira denúncia for arquivada pela Câmara, ficará mais fácil derrotar a segunda e a terceira. Na verdade, quem pode garantir que assim será? Dependerá do conteúdo das próximas. E de fatos novos que possam surpreender.

Estão por vir as delações de Eduardo Cunha, preso em Curitiba, e do doleiro Lúcio Funaro, preso em Brasília. Nada do que eles contem favorecerá Temer. Rocha Loures, o homem da mala, mais dia, menos dia terá que responder à pergunta sobre a quem se destinava a mala.

Forçado a dividir uma cela na penitenciária da Papuda com mais nove presos, de cabelo cortado e sujeito a tomar banho frio, como reagirá o ex-ministro Geddel Vieira Lima? Permanecerá calado se começar a ruir a máquina movida a propinas montada pelo PMDB na Câmara?

Sob o fantasma de um golpe militar, a Constituinte de 1988 deu ao presidente José Sarney o que ele mais exigia – um mandato de cinco anos. Para quê? Sarney arrastou-se no cargo como um morto-vivo. Ao ir embora, legou uma inflação mensal de mais de 80%.

Com ou sem Temer, a inflação está contida pelo efeito da mais profunda recessão econômica que o país já enfrentou. Com ou sem ele, a reforma trabalhista será aprovada. Com Temer devastado, a da Previdência se limitará à idade mínima para aposentadoria.

Saia ou fique Temer, os investidores estrangeiros e os nacionais parecem decididos a esperar os resultados das eleições do próximo ano para ver o que farão. O destino de Temer já não faz mais tanta diferença para eles.

Aposentados e pensionistas do governo receberam mais que servidores em 2016

O Senado gastou mais em 2016 com aposentados e pensionistas do que com salários de funcionários e servidores ativos. Em salários da folha de pessoal, a Casa Alta do Legislativo torrou R$1,64 bilhão no ano, enquanto aposentados custaram ao contribuinte quase R$1,33 bilhão. Somados aos R$350 milhões pagos aos pensionistas, o custo de quem já não trabalha foi de R$1,68 bilhão no Senado Federal. 

Com 5.980 servidores, efetivos e comissionados, cada um nos custou em média R$22.853 por mês. Aposentados custaram R$30.625.

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O custo médio mensal da folha de pessoal do Senado é de R$126 milhões, mas chega a quase R$ 200 milhões nos meses de 13º.

O gasto com quem já não trabalha é também maior na administração direta: Esplanada dos Ministérios e Presidência da República.

Os salários de militares da ativa em 2016 custaram R$21 bilhões, mas aposentadorias e pensões consumiram 72% a mais: R$36,2 bilhões.
Cláudio Humberto

Cinco perguntas sobre 'coisas inexplicáveis' do cotidiano brasileiro

Alguns meses atrás, encontrei um amigo que não via havia 25 anos. Ele trabalha viajando pelo mundo dando consultoria sobre sistemas de saúde, portanto tem milhas de sobra e me ofereceu uma viagem de graça para Austrália.

Não aceitei - ate agora, pelo menos - por causa de compromissos profissionais. De vez em quando fico lamentando. Além de ver as belezas do país, eu poderia aprender um pouco mais sobre um dos episódios mais fascinantes da história da humanidade: como essa grande terra austral foi povoada.

Os "indígenas" da Austrália - os aborígenes - têm uma das culturas mais antigas do mundo, senão a mais antiga. Mas "indígena" é uma palavra que só serve até certo ponto.

Nunca houve primatas na Austrália, portanto as pessoas vieram de outro lugar, saindo da África e atravessando a Ásia primeiro. Chegaram à Austrália há pelo menos 40 mil anos - alguns especialistas acham que pode ter sido 125 mil anos. Mas como?

A Austrália é uma ilha. Será que eles navegaram até chegar a uma terra antes desconhecida, com homens e mulheres em quantidades suficientes para fundar uma civilização que povoou um continente? Seria uma façanha e tanto, pois as primeiras evidências dessas habilidades só foram registradas na Humanidade séculos depois.

A pré-história dos aborígenes tem, então, mistérios intrigantes.

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Em comparação, o processo de povoamento do Brasil parece bem mais fácil de explicar. Os povos indígenas atravessaram o Estreito de Bering desde a Sibéria e acabaram se espalhando pelas Américas. Quinhentos anos atrás, chegaram os portugueses (e espanhóis, holandeses, franceses, etc.), que trouxeram milhões de africanos como escravos.

E, no fim do século 19 e início do século 20, aconteceu a imigração em massa vinda da Europa, do Japão e do Oriente Médio. Talvez o mistério aqui seja como um país de colonizadores tem tanta tendência a ver-se a si mesmo como uma vítima da colonização.

Mas não é isso que quero abordar nesta humilde coluna. Em vez disso, de uma maneira leve, procuro identificar minimistérios brasileiros, retratos inexplicáveis do cotidiano tupiniquim. Como por exemplo:

- Nas lojas de camas e colchões, por que os vendedores sempre vestem casacos brancos, que nem médicos? Será que querem se parecer com doutores do sono? E se existir tal coisa, onde se ganha o diploma?

- Que diabos, precisamente, significa "pois é"? Sem essa expressão, as conversas cariocas seriam reduzidas pela metade, mas uma definição de conteúdo confunde qualquer análise. Ela não necessariamente quer dizer que o sujeito esteja concordando com o interlocutor, nem o contrário. É tão vaga que desconfio que tenha sido inventada por um político. E nem estou entrando no mérito do "pois não?".

- Por que os donos dos motéis são sempre espanhóis? Vários daqueles que fugiram do regime de Franco acabaram se dedicando a esse ramo. Será uma reação à educação recebida em colégios de freiras? Ou uma extensão de princípios religiosos? Algo do tipo, "já que existe luxúria no mundo, o preço do pecado pode servir para o meu lucro".

- Precisam mesmo de tantas farmácias? Realmente tem mercado para todas elas? De vez em quando aquela mais perto da minha casa faz um evento promocional. Bota caixas de som na rua e coloca dois anões vestidos de super-heróis para dançar. Será que funciona? Será que quem estiver passando vai pensar o seguinte: "Olha só, tem uma pessoa vestida de Batman pulando! É aí que vou comprar os meus remédios!".

- Por que vocês brasileiros têm que usar tanta água? Torneiras abertas por horas, banhos eternos, mangueiras abertas... Tem momentos em casa que preciso fechar os ouvidos ou ir para rua para não pirar. Estão querendo provocar uma enchente para poder nadar até a Austrália? Pensando bem, será que foi assim que os aborígenes chegaram lá?

Tim Vickery

Paisagem brasileira

Serra do Roncador, Barra do Garças (MT)

A flecha e o bambu

Na semana em que o relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) comemorou, em silêncio cerimonioso, a vitória por 11 a 0 contra os colegas que desafiam seu poder absoluto sobre os destinos dos réus sob o peso de seu martelo, seu parceiro procurador-geral da República recorreu a uma metáfora primitiva. O ministro do STF Luiz Edson Fachin e o chefão do Ministério Público Federal (MPF), Rodrigo Janot, este em fim de linha não se sentem forçados a dar explicações por terem patrocinado a delação premiada mais generosa da História da humanidade, que ambos concederam a Joesley Batista, o bamba do abate.

Todo mundo sabe, pelo menos dentro dos limites do Distrito Federal, que Ricardo Saud, um dos delatores premiados da holding J&F, que deixaram Anápolis, em Goiás, para brilhar nesse mundão grandão de Deus, foi solícito parceiro do excelentíssimo e eminentíssimo relator em sua peregrinação à cata de votos a seu favor na sabatina do Senado para aprovar sua nomeação para o Supremo. É ainda de conhecimento público que sua escolha não foi abençoada pela ausência de suspeitas e desconfianças, no momento em que a dra. Dilma Vana Rousseff Linhares resolveu substituir o relator do mensalão, Joaquim Barbosa, por ele. E não eram meros detalhes desprezáveis, como diria o dr. Michel Miguel, devoto de palavras dicionarizadas que não têm uso corriqueiro. Ou, como o lente de Direito Constitucional da PUC de São Paulo podia preferir, lana caprina.

Assim que findou sua passagem pela presidência do STF, alegando ter sido ameaçado, Barbosa aposentou-se. A chefa do Poder Executivo levou oito longos meses, quase uma gestação, para substituí-lo. Os cheios de pruridos éticos na escolha para ser membro tão poderoso de uma instituição que deveria ficar acima de qualquer suspeita na vida toda – entre os quais o autor destas linhas – insistiram na tecla de que o ilustre jurista tinha advogado quando ainda era procurador do Estado do Paraná, o que fora proibido pela Constituição. Usei fora e não era porque a mudança constitucional foi usada como argumento para defendê-lo por entidades que não tinham por que se meter no caso: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação dos Procuradores do Estado do Paraná, que apresentaram pareceres jurídicos a respeito. Ao aprová-lo na sabatina, o Senado estendeu aos pretendentes ao STF o princípio básico do direito de defesa no Direito Romano in dubio pro reo (ou seja, na dúvida a favor do réu) para os insignes candidatos à colenda Corte. Outro princípio dos tempos de Roma – à mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer – foi às favas, como os escrúpulos do coronel Passarinho e a modéstia daquele que seria seu colega e contendor no órgão máximo, o ministro Gilmar Mendes. Escrúpulos e modéstia não são comuns no grupo em tela.

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Em benefício da dúvida velha de guerra, o doutor foi liberado para exercer a extrema magistratura, mas seus aliados também tiveram de superar outros óbices, hoje já não se sabendo se mais ou menos espinhosos. Jurista respeitado por colegas de ofício de ideologias opostas, ele se fez conhecido por duas posições que põem eleitores e eleitos em pé de guerra. Esquerdista, militou em favor das causas de movimentos sociais que passam ao largo da legalidade, como o famigerado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). E, católico devoto, frequentador de missas dominicais com a mulher, com quem é casado há longa data, esposou com fervor causas do Instituto Brasileiro do Direito de Família (IBDFAM), presidido pela gaúcha Maria Berenice Dias. Aos senadores conservadores explicou que a Constituição se sobreporia a eventuais posições políticas, partidárias ou referentes a causas que defendeu, entre elas, a múltipla paternidade e o convívio conjugal entre parceiros casados (ou não) de quaisquer opções sexuais. Convincente, foi aprovado.

Críticos mais renitentes lembraram que o professor foi remunerado por uma empresa controlada pelo Estado do Paraná numa causa contra uma concorrente americana, ao arrepio da lei, pois, sendo procurador, teria obrigação de defender a estatal estadual gratuitamente. Como titular do mesmo escritório de advogados, prestou serviços a uma empresa paraguaia contra a estatal binacional (meio brasileira) Itaipu. O mesmo escritório atuou em causas julgadas no Tribunal de Justiça do Paraná, no qual sua mulher, Rosana Amara Girardi Fachin, é desembargadora.

Sua Excelência também postou vídeo de apoio à candidata do PT à Presidência da República em 2010, Dilma Rousseff, que o indicaria. Não há proibição legal para fazê-lo. Mas isso criou mais problemas do que os outros seis pecados capitais, pois põe em dúvida a imparcialidade. No STF, contudo, isso não é lana caprina e, sim, favas contadas. Gilmar Mendes foi advogado-geral na gestão tucana de Fernando Henrique. Ricardo Lewandowski é amigo antigo da família Lula da Silva. Dias Toffoli foi advogado do PT e, depois da União nos mandatos de Lula. E Alexandre de Moraes é duas vezes comprometido: com o governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin, de quem foi secretário de Segurança Pública, e do presidente Michel Temer (PMDB-SP), de quem é amigo pessoal e foi ministro da Justiça. Vai longe a data em que Marco Aurélio Mello, primo de Collor e por ele nomeado para o STF, se declarou impedido de participar da decisão final sobre o impeachment do parente e benfeitor.

Aliás, quando o assunto foi aventado, Gilmar Mendes, inimigo declarado da Lava Jato e da delação premiada em geral, não apenas a dos irmãos Batista, recorreu ao princípio evangélico do “atire a primeira pedra”, advertindo que muito poucos colegas não contaram com a ajuda de empresários ou políticos investigados, processados ou apenados.

É difícil encontrar em Brasília quem não saiba que o substituto de Joaquim Barbosa foi instruído por um caríssimo gestor de crises contratado para o serviço não pelo ministro, mas pela mesma mão que o indicou para o cargo, a de Dilma. Pode não ter sido ilícito, mas não é nenhum indício de lisura a se exigir do membro da cúpula de um poder que decide querelas judiciais em última instância. Pode não ser o oitavo pecado, mas não deixa de ser uma mácula na fantasia de Batman que o ministro usa no trabalho.

Antes de chegar a Fachin, contudo, a generosíssima delação premiada de Saud & Batista foi negociada com o MPF, com o beneplácito de seu chefe, Janot, E este, com informações colhidas pelos depoimentos dos delatores, está entrando na História como autor do primeiro libelo acusatório contra um presidente da República no exercício da função

Os procuradores chefiados por Janot não deram a menor importância à lacuna imensa existente na delação dos irmãos Batista e do parceiro de Fachin na preparação da sabatina. Zé Mineiro, cujas iniciais inspiraram o nome JBS com a qual a carne da Friboi ganhou o mundo todo, começou sua vida num açougue de duas portas no longínquo interior goiano. Seus filhos Joesley e Wesley são hoje os mais bem-sucedidos produtores e vendedores de proteína animal do planeta. Até a neta grávida de Lula, notória por sua sem-cerimônia no uso de gestos obscenos, sabe que isso ocorreu mercê do uso de empréstimos pra lá de beneméritos do BNDES.

Aos federais e procuradores que negociaram sua delação a prêmio Joesley Batista contou que administrara contas de Lula e Dilma, que movimentaram US$ 150 milhões, na Suíça. A denúncia tem o valor de uma nota de R$ 3, pois o público pagante de seu vertiginoso enriquecimento não ficou sabendo de um documento habilitado a comprovar “no papel” a denúncia. É, digamos, uma delação de saliva, mas sem prova de tinta.

Depois de acusar Temer, alvo preferencial de uma ação controlada, que os sócios e amigos do presidente chamam de “armação”, Janot, aprovado por Fachin, que homologou os prêmios, pode até acusá-lo de ser réu confesso. Pois o presidente nunca negou as circunstâncias delituosas de seu encontro noturno em palácio com um bandido conhecido até em Tietê, sua cidade natal. Pode ser que isso dê um pouco de substância probatória à denúncia histórica do procurador. Mas não justifica o desinteresse dele pelas origens da fortuna criminosa da família Batista, em si só um delito.

Temer vingou-se dele nomeando uma desafeta, Raquel Dodge, para o lugar que Janot terá de abandonar em 17 de setembro. Mas, como Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, Janot prometeu uma “vingança maligna” até lá: “Enquanto houver bambu, vai ter flecha”. Resta saber quem, Janot ou Fachin, é a flecha. E qual dos dois é o bambu.

Na política brasileira, não existe altivez

Não, caro Acílio, não nos deixemos enganar, esperando algum gesto altivo da parte do presidente Temer.

Agora, nem outra pessoa que em seu lugar estivesse teria a dignidade de sair de cena em nome do interesse geral. E nem se pense que esse apego ao cargo seja um ponto fora da curva. O próprio João Goulart, vítima – este, sim – de um golpe parlamentar (quando o presidente do Congresso, Auro Moura Andrade, declarou vago seu cargo, antes de as tropas completarem seu serviço), nem ele saberia eu dizer se renunciaria. E Jânio Quadros não o fez a sério, dizem os historiadores: julgava poder voltar nos braços do povo. Se houve ponto fora da curva, esse foi Getúlio Vargas... mas os tempos eram outros... e muitos ainda não viviam sob a égide do “em terra de murici, cada um cuida de si”.


Mal comparando, nem Deus em Sua infinita bondade resolveria o problema dos presidentes para nós, brasileiros. Não se esqueça, Acílio, de que, ao tirar a vida de Tancredo Neves (nem se aventure a dizer que este teria sido melhor!), Ele não pôde ou não quis dar-nos outra coisa que não o Sarney. E, como cruéis babás fazem ao tentar apavorar crianças birrentas ameaçando chamar o “lobo mau”, Sarney agora é lembrado ao se dizer que, com Temer, estamos em pleno processo de “sarneyrização”...

Aliás, andei refletindo sobre os limites da vontade divina em relação às coisas humanas, quando imaginei uma cruzeirense, como eu, apelando a Deus para não nos humilhar com uma derrota depois dos 3 a 0 do primeiro tempo sobre o Palmeiras. E um palmeirense, com a mesma fé, querendo a todo custo nos liquidar. E no domingo?! Como Deus poderia arbitrar um jogo de futebol?!

Conheço um bocado de coisas na política. Assim como você. Não sejamos ingênuos, caro Acílio.

Aliás, de tanto pensar, consegui encontrar algo de bom no desastre que foi Dilma Rousseff: para elegê-la, o Brasil foi obrigado a colocar o PMDB na roda. Deixou de ser o partido que serviu a todos os governos (com as exceções de praxe) desde o de Collor, passando pelos dois de FHC e dois de Lula, sem ninguém conseguir pôr a nu o mal que nos faz um conglomerado de caciques regionais, acostumados a todas as boquinhas, nunca sendo o responsável principal por coisa alguma. Agora, tendo sido vice de Dilma duas vezes, Temer pôde mostrar sua cara, assim como Moreira Franco, Eliseu Padilha, Eunício de Oliveira e tantos quantos que com eles formam a República do Pudim. Sem dúvida alguma, bem pior que a República do Pão de Queijo, ora bolas!

Agora se anuncia que até o abono salarial – criado pelo mais cruel dos ditadores pós-64, Garrastazu Médici – pode ser abolido. Já tinha sido parcelado por Dilma e agora talvez venha a ser definitivamente extinto. Coitados dos trabalhadores de baixa renda! O abono foi criado quando se reconheceu que o arrocho salarial havia passado dos limites. E agora querem acabar até com esse “trocado”.

Mas, para não dizer que não falei de flores, aí está Aécio Neves, lépido e lampeiro, a alardear que “sempre acreditou na Justiça”.

Haja justiça!

Reencontro histórico

Às vésperas do 23º aniversário do Plano Real, o Conselho Monetário Nacional tomou uma decisão histórica, por sua simbologia. Ao rebaixar o centro da meta inflacionária para 4,25% em 2019 e 4% em 2020, a equipe econômica capitaneada pelo ministro Henrique Meireles escreve um novo capítulo do compromisso assumido pelo Brasil em 1º de julho de 1994. O de defender o poder aquisitivo dos brasileiros e promover a estabilização de sua moeda para pôr fim a um tormento de 50 anos que corroía os salários, tornava a vida um inferno, desestruturava o Estado e inviabilizava os negócios.

Com a decisão do CMN retoma-se o rumo perdido a partir do segundo mandato de Lula, quando o abandono dos bons fundamentos econômicos - meta inflacionária, câmbio flutuante e superávit primário - trouxe de volta a inflação, levando-a para a casa de dois dígitos nos anos terminais de Dilma Rousseff.

Há 14 anos o centro da meta é de 4,5%, mas o que se assistiu nesse período foi o conformismo dos governos lulopetistas com o teto da meta, quando não propagavam a cantilena de que um pouco de inflação não faria mal algum.

A tolerância com a inflação foi uma decisão política.

Em 2007, quando presidia o Banco Central, Henrique Meirelles propôs o rebaixamento da meta para 4% em 2009. Estudos técnicos do BC davam fundamentos sólidos para fazê-lo, mas tido como neoliberal pelos petistas puro-sangue, Meirelles foi torpedeado pelos “nacional desenvolvimentistas” - capitaneados pela então ministro da Fazenda, Guido Mantega -, que defendiam a manutenção da meta em 4,5%.

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Lula decidiu a parada em favor de Mantega, sob o pretexto de que seu governo já tinha feito muitos sacrifícios no primeiro mandato e que era hora de afrouxar os laços para a economia deslanchar.

Perdemos dez anos nessa brincadeira. O mais grave, a meta inflacionária poderia ter sido rebaixada em conjuntura extremamente favorável. Voávamos em céu de brigadeiro no cenário internacional. As commodities bombavam, a economia real estava em expansão, com maior geração de renda e de emprego.

Mas não poderia se esperar de Lula maiores compromissos com fundamentos macroeconômicos. Naquele mar de águas mansas, Antonio Palocci e Delfim Neto propuseram, em 2005, que o governo aproveitasse o momento favorável para realizar um choque de austeridade com vistas a zerar o déficit público.

Era algo muito parecido com o teto dos gastos aprovado no governo Michel Temer e teria, sem dúvidas, impactos positivos no controle da inflação, possibilitando o rebaixamento de sua meta. Lula chegou a autorizar Delfim a coordenar, junto com Palocci, Paulo Bernardo e o setor privado, o plano para zerar o déficit ao longo dos anos.

Mas veio o escândalo do mensalão e Lula, para sobreviver, cedeu às pressões dos “nacional desenvolvimentistas” e das corporações da sua base de sustentação. Escalou Dilma para acusar Palocci de “rudimentar”, com o discurso de que “despesa é vida”.

Ali se deu o sinal verde para a irresponsabilidade inflacionária, traduzida no expansionismo fiscal, nos preços represados, na política dos “campeões nacionais”; enfim na “nova matriz econômica” responsável pela perda, em dois anos, de 10% da renda dos brasileiros e por 14 milhões de desempregados.

Os argumentos de Henrique Meirelles de 2007 continuam atuais. A meta inflacionária brasileira é alta, mesmo quando comparada com países em desenvolvimento, como o México, Colômbia ou o Chile. Neles, ela oscila entre 2% a 3%.

Naturalmente não reduziremos a meta de forma drástica, da noite para o dia. Mas sinalizar que isso passa a ser um objetivo a ser perseguido pela política econômica fortalece a confiança dos investidores, contribuindo para um ambiente favorável aos negócios, o que, vale dizer, para a retomada, de forma sustentada, do crescimento.

O Conselho Monetário Nacional a rebaixou em um momento particularmente difícil em que o país se encontra mergulhado em uma crise política de graves proporções. Não se tem sequer a segurança de que o governo Temer chegará em 2018.

Não o fez por uma questão política, mas porque as condições estão amadurecidas para tal. A inflação está abaixo da meta para 2017 e não há indícios de que fugirá do controle, embora o déficit fiscal continue sendo uma espada de Dâmocles sobre a economia brasileira. Se houver alguma ameaça inflacionária no futuro de médio prazo, será pelo desequilíbrio das contas públicas.

De certa forma, a economia adquiriu relativa autonomia e vai sendo colocada nos eixos, descolada da crise política. Não deixa de ser uma conquista da sociedade, do amadurecimento do país: os fundamentos econômicos vão sendo mais de Estado do que de governos.