Temer deveria ter sido cassado em abril, mas o TSE alegou precisar de tempo para examinar as novas provas. No mês passado, o tribunal decidiu que não aceitaria as provas que tinham sido a razão do adiamento — uma cara de pau espantosa, mesmo em um país cujas autoridades têm na cara de pau um modo de vida — e o absolveu.
A denúncia contra o presidente não é menos espantosa do que aquilo que a motivou: Temer recebeu (em sua casa, tarde da noite, à sorrelfa) um empresário sabidamente investigado pela polícia, ouviu-o confessar crimes sem esboçar reação e o orientou a procurar um deputado “de sua inteira confiança”, deputado esse visto, em seguida, a correr pelas ruas com uma mala de dinheiro entregue pelo empresário.
Apesar disso tudo, o presidente, espantosamente, recusa-se a renunciar. E uma espantosa quantidade de gente continua a apoiá-lo para evitar um “mal maior”.
Alguns defendem a permanência de Temer em nome da estabilidade. O presidente, denunciado, pode ser afastado a qualquer momento. Em breve, será denunciado de novo. E de novo. Funaro e Rocha Loures provavelmente delatarão Temer, Cunha avisou que vai delatar, e Geddel acaba de ser preso. Um projeto de impeachment tramita na Câmara. O STF logo revisará a decisão do TSE, com possibilidade concreta de cassar o presidente.
O desemprego está em 14 milhões. Os EUA suspenderam a importação de carne do Brasil. É quase impossível que o governo consiga aprovar a Reforma da Previdência. Inoperante, o governo tem chance real de não cumprir o orçamento. Temer tornou-se uma figura patética, cujo único interesse é manter-se no cargo para escapar, junto com seus apaniguados, à Justiça. E falam em estabilidade. É um espanto.
Outros defendem Temer porque têm medo de Lula ser eleito presidente — no caso de afastamento de Temer, a eleição será indireta, mas têm medo assim mesmo. Ainda que, por milagre (será necessário emendar a Constituição e desrespeitar todos os prazos regimentais), haja eleições diretas, Lula, seis vezes denunciado — em breve, condenado —, está no auge da rejeição: é um espanto alguém achar que possa se eleger em condições assim.
Só que Lula, apoiado por gente supostamente inteligente e bem informada, é, no momento, o primeiro em intenções de voto — e isso constitui o espanto insuperável: se, mesmo sabendo tudo o que sabemos a esta altura, formos capazes de eleger Lula, é melhor vir logo o dilúvio, pois só ele nos redimirá.
O Brasil de hoje é um tal exercício de surrealismo que temos um deputado federal que, de dia, ajuda a criar, na Câmara, a legislação que determina que ele próprio, de noite, durma na cadeia... e ninguém se espanta.
Ricardo Rangel
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