Outro dia, no entanto, ele declarou: “O senhor tem razão. Agora, ela mesma prende e ela mesma solta”. Levei alguns segundos para perceber a ironia. Ele se referia ao prende e solta da Justiça, às supremas razões que a razão dos pobres mortais da opinião pública desconhece. Eu mesmo não consigo explicar como e por que dois ministros do STF beneficiaram num mesmo dia dois políticos já denunciados na Lava-Jato — um, por ter sido flagrado carregando uma mala com R$ 500 mil de propina. O outro, senador afastado, por ter recebido R$ 2 milhões de um famoso corrupto-corruptor. O primeiro voltou para casa com tornozeleira; o segundo foi autorizado a retornar ao Senado com direito a elogio em sua carreira. Dias antes, o ex-tesoureiro de um partido teve revogada a condenação a 15 anos e quatro meses decretada pelo juiz Sergio Moro. Anteontem, o ex-ministro e “fraterno amigo” do presidente que teria recebido R$ 20 milhões indevidos foi finalmente preso, não se sabe até quando.
A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, prometeu que a Corte “não vai ignorar o clamor por justiça que se ouve em todos os cantos do país”. Maravilha. Mas tomara que não ignore também o clamor por mais concisão e clareza nas doutas decisões, a começar pela linguagem. Por exemplo, ao justificar uma ordem de soltura, um magistrado escreveu: “À luz das atuais circunstâncias, se depreende mitigada a possibilidade da reiteração delitiva”. Desconfio que o autor quis dizer algo como “No momento, não há risco de novo delito”. Simples assim.
Zuenir Ventura
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