Às vésperas do 23º aniversário do Plano Real, o Conselho Monetário Nacional tomou uma decisão histórica, por sua simbologia. Ao rebaixar o centro da meta inflacionária para 4,25% em 2019 e 4% em 2020, a equipe econômica capitaneada pelo ministro Henrique Meireles escreve um novo capítulo do compromisso assumido pelo Brasil em 1º de julho de 1994. O de defender o poder aquisitivo dos brasileiros e promover a estabilização de sua moeda para pôr fim a um tormento de 50 anos que corroía os salários, tornava a vida um inferno, desestruturava o Estado e inviabilizava os negócios.
Com a decisão do CMN retoma-se o rumo perdido a partir do segundo mandato de Lula, quando o abandono dos bons fundamentos econômicos - meta inflacionária, câmbio flutuante e superávit primário - trouxe de volta a inflação, levando-a para a casa de dois dígitos nos anos terminais de Dilma Rousseff.
Há 14 anos o centro da meta é de 4,5%, mas o que se assistiu nesse período foi o conformismo dos governos lulopetistas com o teto da meta, quando não propagavam a cantilena de que um pouco de inflação não faria mal algum.
A tolerância com a inflação foi uma decisão política.
Em 2007, quando presidia o Banco Central, Henrique Meirelles propôs o rebaixamento da meta para 4% em 2009. Estudos técnicos do BC davam fundamentos sólidos para fazê-lo, mas tido como neoliberal pelos petistas puro-sangue, Meirelles foi torpedeado pelos “nacional desenvolvimentistas” - capitaneados pela então ministro da Fazenda, Guido Mantega -, que defendiam a manutenção da meta em 4,5%.
Perdemos dez anos nessa brincadeira. O mais grave, a meta inflacionária poderia ter sido rebaixada em conjuntura extremamente favorável. Voávamos em céu de brigadeiro no cenário internacional. As commodities bombavam, a economia real estava em expansão, com maior geração de renda e de emprego.
Mas não poderia se esperar de Lula maiores compromissos com fundamentos macroeconômicos. Naquele mar de águas mansas, Antonio Palocci e Delfim Neto propuseram, em 2005, que o governo aproveitasse o momento favorável para realizar um choque de austeridade com vistas a zerar o déficit público.
Era algo muito parecido com o teto dos gastos aprovado no governo Michel Temer e teria, sem dúvidas, impactos positivos no controle da inflação, possibilitando o rebaixamento de sua meta. Lula chegou a autorizar Delfim a coordenar, junto com Palocci, Paulo Bernardo e o setor privado, o plano para zerar o déficit ao longo dos anos.
Mas veio o escândalo do mensalão e Lula, para sobreviver, cedeu às pressões dos “nacional desenvolvimentistas” e das corporações da sua base de sustentação. Escalou Dilma para acusar Palocci de “rudimentar”, com o discurso de que “despesa é vida”.
Ali se deu o sinal verde para a irresponsabilidade inflacionária, traduzida no expansionismo fiscal, nos preços represados, na política dos “campeões nacionais”; enfim na “nova matriz econômica” responsável pela perda, em dois anos, de 10% da renda dos brasileiros e por 14 milhões de desempregados.
Os argumentos de Henrique Meirelles de 2007 continuam atuais. A meta inflacionária brasileira é alta, mesmo quando comparada com países em desenvolvimento, como o México, Colômbia ou o Chile. Neles, ela oscila entre 2% a 3%.
Naturalmente não reduziremos a meta de forma drástica, da noite para o dia. Mas sinalizar que isso passa a ser um objetivo a ser perseguido pela política econômica fortalece a confiança dos investidores, contribuindo para um ambiente favorável aos negócios, o que, vale dizer, para a retomada, de forma sustentada, do crescimento.
O Conselho Monetário Nacional a rebaixou em um momento particularmente difícil em que o país se encontra mergulhado em uma crise política de graves proporções. Não se tem sequer a segurança de que o governo Temer chegará em 2018.
Não o fez por uma questão política, mas porque as condições estão amadurecidas para tal. A inflação está abaixo da meta para 2017 e não há indícios de que fugirá do controle, embora o déficit fiscal continue sendo uma espada de Dâmocles sobre a economia brasileira. Se houver alguma ameaça inflacionária no futuro de médio prazo, será pelo desequilíbrio das contas públicas.
De certa forma, a economia adquiriu relativa autonomia e vai sendo colocada nos eixos, descolada da crise política. Não deixa de ser uma conquista da sociedade, do amadurecimento do país: os fundamentos econômicos vão sendo mais de Estado do que de governos.
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