quarta-feira, 8 de maio de 2024
Vida longa para os que fecham os olhos à destruição do meio ambiente
Pela maioria de suas vozes, independente de partidos e de tendências políticas, o Congresso mais conservador e de direita que já tivemos desde o fim da ditadura militar de 64 se diz horrorizado com a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul, e disposto a aprovar todas as medidas que a suavizem e permita a reparação dos estragos.
O mesmo Congresso, porém, por uma das suas casas, o Senado, está para votar um projeto que defende a redução da reserva legal da Amazônia. Por reserva legal, entenda-se o percentual da propriedade que deve ser protegida e preservada. O percentual é de 80%, segundo lei aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso.
No começo do governo de Jair Bolsonaro, o de triste memória, o senador Márcio Bittar (União-SC) propôs acabar com a reserva legal em todos os biomas. Isto é: pôr abaixo as florestas no Brasil. Apoiada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a proposta, de tão bizarra, não foi adiante. Mas “Bittar Motosserra” não desistiu dela.
Ele agora é relator e deu parecer favorável a um projeto que estipula: no município onde tiver 50% de área pública preservada, a reserva legal poderá ser reduzida à metade. Sim, foi isso o que você leu. Significa que o proprietário de terras poderá desmatar mais do que desmata hoje. Que lhe parece? Está de acordo? Se não estiver, faça barulho.
No dia 25 de abril último, os leitores do Correio do Povo, o mais antigo jornal do Rio Grande do Sul, foram alertados de que algo importante estava à sua disposição on-line. O título da notícia dizia:
“Cenário de perigo: RS terá chuva excessiva semelhante aos extremos de 2023, aponta MetSul.”
E a linha de apoio ao título completava:
“Episódio de instabilidade deve ocorrer entre final de abril e começo de maio.”
Ocorreu, e ainda está longe de terminar. Afeta 401 dos 497 municípios do Estado. Está confirmada a morte de 95 pessoas e o número de desaparecidos ultrapassou a casa dos 130. Há quase 160 mil desalojadas, e 40 mil em abrigos. Porto Alegre é uma cidade isolada por ar e terra. É a maior catástrofe da história do Estado.
O nível do Guaíba, na região do Cais Mauá, em Porto Alegre, alcançava 5m23cm no meio da tarde de ontem. Só deve baixar para os quatro metros na próxima terça-feira (14). Acontece que as previsões indicam mais chuvas no fim de semana, e o nível do Guaíba poderá subir se elas forem intensas.
O governador Eduardo Leite (PSDB) disse, e políticos seus aliados repetem, que não é a hora de apontar responsáveis ou discutir as causas das inundações; é hora de socorrer as vítimas. É uma fala de quem se sente culpado, mas não somente ele. A Prefeitura de Porto Alegre não gastou 1 real na prevenção de enchentes no ano passado.
Dados da Agência Espacial Europeia registram que abril de 2024 teve as temperaturas mais elevadas para esse mês já registradas na série histórica. A média global foi de 15,03°C no período, ficando 0,14°C acima do máximo anterior, de 2016. No mês passado, os termômetros ficaram 0,67°C além da média para abril entre 1991 e 2020.
Feito com base em análises geradas por computador a partir de bilhões de medições de satélites, aeronaves, embarcações e estações meteorológicas, os dados mostram que o planeta segue apresentando uma sequência de novos recordes de calor após 2023, que foi classificado como o ano mais quente da história da humanidade.
Estou muito velho para imaginar que poderei ver o planeta pegar fogo, mas esse é o risco que correm meus netos, e os netos deles com razoável certeza se o mundo não tomar consciência do que o aguarda se nada ou só pouca coisa for feita para evitar o Armagedon. Vida longa para os que se negam acreditar no que está à vista.
O mesmo Congresso, porém, por uma das suas casas, o Senado, está para votar um projeto que defende a redução da reserva legal da Amazônia. Por reserva legal, entenda-se o percentual da propriedade que deve ser protegida e preservada. O percentual é de 80%, segundo lei aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso.
No começo do governo de Jair Bolsonaro, o de triste memória, o senador Márcio Bittar (União-SC) propôs acabar com a reserva legal em todos os biomas. Isto é: pôr abaixo as florestas no Brasil. Apoiada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a proposta, de tão bizarra, não foi adiante. Mas “Bittar Motosserra” não desistiu dela.
Ele agora é relator e deu parecer favorável a um projeto que estipula: no município onde tiver 50% de área pública preservada, a reserva legal poderá ser reduzida à metade. Sim, foi isso o que você leu. Significa que o proprietário de terras poderá desmatar mais do que desmata hoje. Que lhe parece? Está de acordo? Se não estiver, faça barulho.
Há dois anos, as chuvas mataram 242 pessoas em Petrópolis, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, 64 perderam a vida em São Sebastião, em São Paulo. Entre final de 2023 e início de 2024, chuvas no Rio Grande do Sul mataram 110 pessoas, mais do que o total registrado em desastres naturais nas três décadas anteriores.
No dia 25 de abril último, os leitores do Correio do Povo, o mais antigo jornal do Rio Grande do Sul, foram alertados de que algo importante estava à sua disposição on-line. O título da notícia dizia:
“Cenário de perigo: RS terá chuva excessiva semelhante aos extremos de 2023, aponta MetSul.”
E a linha de apoio ao título completava:
“Episódio de instabilidade deve ocorrer entre final de abril e começo de maio.”
Ocorreu, e ainda está longe de terminar. Afeta 401 dos 497 municípios do Estado. Está confirmada a morte de 95 pessoas e o número de desaparecidos ultrapassou a casa dos 130. Há quase 160 mil desalojadas, e 40 mil em abrigos. Porto Alegre é uma cidade isolada por ar e terra. É a maior catástrofe da história do Estado.
O nível do Guaíba, na região do Cais Mauá, em Porto Alegre, alcançava 5m23cm no meio da tarde de ontem. Só deve baixar para os quatro metros na próxima terça-feira (14). Acontece que as previsões indicam mais chuvas no fim de semana, e o nível do Guaíba poderá subir se elas forem intensas.
O governador Eduardo Leite (PSDB) disse, e políticos seus aliados repetem, que não é a hora de apontar responsáveis ou discutir as causas das inundações; é hora de socorrer as vítimas. É uma fala de quem se sente culpado, mas não somente ele. A Prefeitura de Porto Alegre não gastou 1 real na prevenção de enchentes no ano passado.
Dados da Agência Espacial Europeia registram que abril de 2024 teve as temperaturas mais elevadas para esse mês já registradas na série histórica. A média global foi de 15,03°C no período, ficando 0,14°C acima do máximo anterior, de 2016. No mês passado, os termômetros ficaram 0,67°C além da média para abril entre 1991 e 2020.
Feito com base em análises geradas por computador a partir de bilhões de medições de satélites, aeronaves, embarcações e estações meteorológicas, os dados mostram que o planeta segue apresentando uma sequência de novos recordes de calor após 2023, que foi classificado como o ano mais quente da história da humanidade.
Estou muito velho para imaginar que poderei ver o planeta pegar fogo, mas esse é o risco que correm meus netos, e os netos deles com razoável certeza se o mundo não tomar consciência do que o aguarda se nada ou só pouca coisa for feita para evitar o Armagedon. Vida longa para os que se negam acreditar no que está à vista.
Copenhague virou 'cidade-esponja' contra cheias
Embora seja uma das rotatórias mais movimentadas do leste de Copenhague, o ar em Sankt Kjelds Plads não é pesado, não tem o cheiro e a textura dos gases de escape. E, em vez do rugido dos motores, a paisagem sonora é caracterizada pelo som melodioso produzido por pássaros.
A rotatória, que é cercada por arbustos e árvores, faz parte de um experimento em grande escala para transformar os espaços públicos da capital dinamarquesa. A ideia é tornar Copenhague mais "habitável", criando locais para os cidadãos se encontrarem e um habitat para a biodiversidade, ao mesmo tempo em que cria engrenagens em uma máquina de controle de enchentes.
Essa transformação foi desencadeada pelos eventos de 2 de julho de 2011, quando Copenhague foi atingida pelo que foi apelidado de "a chuva do milênio".
O aguaceiro maciço causou inundação de ruas e casas. E, sem ter para onde escoar, a água permaneceu por dias. Ratos mortos foram vistos flutuando pela cidade, e uma pesquisa posterior revelou que durante os trabalhos de limpeza um quarto dos trabalhadores do saneamento foi infectado com doenças como a leptospirose. Um deles até morreu.
Nos sete anos seguintes, esse tipo de tempestade começou a se tornar cada vez mais comum, com quatro eventos de "chuvas do século" registrados nesse período. Isso custou à cidade pelo menos 800 milhões de euros (R$ 4,3 bilhões) em prejuízos, deixando claro para os formuladores de políticas públicas que era hora de repensar a capital dinamarquesa.
Nos últimos séculos, o foco do desenvolvimento urbano em lugares como Copenhague foi a criação de "cidades-máquina" que pudessem ser construídas rapidamente e fossem eficientes para habitação, indústria e economia. Mas muitos desses centros urbanos acabaram interferindo no ciclo da água, especialmente aqueles que modificaram leitos de rios ou foram construídos sobre planícies aluviais.
Com o concreto e o asfalto cobrindo áreas antes destinadas à grama e ao solo, a água das chuvas mais fortes ficou sem ter para onde ir. Com muita frequência, isso resulta em enchentes, e cidades do mundo todo estão explorando maneiras de reverter esse tipo de desenvolvimento urbano. E elas fazem isso se transformando em "esponjas" urbanas.
A rotatória, que é cercada por arbustos e árvores, faz parte de um experimento em grande escala para transformar os espaços públicos da capital dinamarquesa. A ideia é tornar Copenhague mais "habitável", criando locais para os cidadãos se encontrarem e um habitat para a biodiversidade, ao mesmo tempo em que cria engrenagens em uma máquina de controle de enchentes.
Essa transformação foi desencadeada pelos eventos de 2 de julho de 2011, quando Copenhague foi atingida pelo que foi apelidado de "a chuva do milênio".
O aguaceiro maciço causou inundação de ruas e casas. E, sem ter para onde escoar, a água permaneceu por dias. Ratos mortos foram vistos flutuando pela cidade, e uma pesquisa posterior revelou que durante os trabalhos de limpeza um quarto dos trabalhadores do saneamento foi infectado com doenças como a leptospirose. Um deles até morreu.
Nos sete anos seguintes, esse tipo de tempestade começou a se tornar cada vez mais comum, com quatro eventos de "chuvas do século" registrados nesse período. Isso custou à cidade pelo menos 800 milhões de euros (R$ 4,3 bilhões) em prejuízos, deixando claro para os formuladores de políticas públicas que era hora de repensar a capital dinamarquesa.
Nos últimos séculos, o foco do desenvolvimento urbano em lugares como Copenhague foi a criação de "cidades-máquina" que pudessem ser construídas rapidamente e fossem eficientes para habitação, indústria e economia. Mas muitos desses centros urbanos acabaram interferindo no ciclo da água, especialmente aqueles que modificaram leitos de rios ou foram construídos sobre planícies aluviais.
Com o concreto e o asfalto cobrindo áreas antes destinadas à grama e ao solo, a água das chuvas mais fortes ficou sem ter para onde ir. Com muita frequência, isso resulta em enchentes, e cidades do mundo todo estão explorando maneiras de reverter esse tipo de desenvolvimento urbano. E elas fazem isso se transformando em "esponjas" urbanas.
Espaços públicos servirão para reter água |
Em outras palavras, essas cidades estão criando espaços e infraestrutura para absorver, reter e liberar a água de forma a permitir que ela flua de volta para seu ciclo.
A China está na liderança, com mais de 60 de suas cidades sendo reformadas e agora incorporando estruturas como biovaletas e jardins de chuva para reter a água. Jan Rasmussen, chefe do "Cloudburst Master Plan" (plano diretor para tempestades) de Copenhague, também viu potencial para a Dinamarca.
"Nossos políticos decidiram que há realmente uma necessidade de escoar a água da cidade muito rapidamente", disse Rasmussen. "Eles perguntaram se poderíamos fazer isso de forma inteligente, se poderíamos expandir o sistema de esgoto. Poderíamos lidar com as chuvas na superfície?"
Tendo estudado projetos de cidades-esponja em todo o mundo, a equipe de Rasmussen pensou na remodelação de cerca de 250 espaços públicos de forma a ajudar na retenção ou redirecionamento de águas pluviais, incluindo parques, parques infantis e a rotatória Sankt Kjelds Plads. A ideia é usar a capacidade natural de retenção das árvores, dos arbustos e do solo e deixar a água pluvial fluir para locais onde não seja destrutiva.
Uma dúzia de lagos que margeiam a rotatória foi então projetada de forma a reter o excesso de água da chuva no caso de uma tempestade. Assim como outros lagos semelhantes espalhados pela cidade e aberturas largas nas laterais de ruas baixas, eles servem para canalizar a água da enchente para uma rede de túneis que está sendo instalada 20 metros abaixo da superfície.
Durante uma chuva "normal", as águas pluviais são direcionadas para o porto por meio desse sistema de drenagem. No entanto, quando há um excesso, como em um cenário de tempestade, uma estação de bombeamento no porto entrará em ação, forçando para o mar a água acumulada nos túneis, criando assim espaço para mais água da chuva e evitando que as ruas sejam inundadas. Essa estação está sendo construída atualmente e estará pronta em 2026.
"Ainda haverá água nas ruas. Quero dizer, elas não ficarão completamente secas. Mas passaremos de um metro [de água de enchente] para no máximo 20 centímetros", disse Jes Clauson-Kaas, engenheiro da Hofor, o departamento de gerenciamento de água responsável pela construção do túnel.
Benefícios de longo prazo
Parte do desafio é conseguir a adesão dos moradores locais. E isso nem sempre é fácil quando se trata de fechar parquinhos infantis ou os parques da cidade por longos períodos para transformá-los em zonas de inundação, ou financiar os planos de adaptação através de uma taxa extra nas contas de água.
Mas Clouson-Kaas diz que equipar para o futuro uma cidade propensa a inundações faz sentido do ponto de vista financeiro. "Perdemos cerca de 1 bilhão com esse único evento [em 2011], mas esperamos que haja vários eventos nos próximos 100 anos. Dizem que a perda potencial pode ser de pelo menos 4 ou 5 bilhões de euros. Portanto, se investirmos 2 bilhões de euros, ainda assim valerá a pena", disse ele.
Copenhague está em posição – financeira e política – de investir nessa infraestrutura agora, em vez de lidar com possíveis danos no futuro. A cidade se tornou um lugar na qual as outras cidades buscam um exemplo para aprender sobre os benefícios de se criar uma esponja urbana.
A China está na liderança, com mais de 60 de suas cidades sendo reformadas e agora incorporando estruturas como biovaletas e jardins de chuva para reter a água. Jan Rasmussen, chefe do "Cloudburst Master Plan" (plano diretor para tempestades) de Copenhague, também viu potencial para a Dinamarca.
"Nossos políticos decidiram que há realmente uma necessidade de escoar a água da cidade muito rapidamente", disse Rasmussen. "Eles perguntaram se poderíamos fazer isso de forma inteligente, se poderíamos expandir o sistema de esgoto. Poderíamos lidar com as chuvas na superfície?"
Tendo estudado projetos de cidades-esponja em todo o mundo, a equipe de Rasmussen pensou na remodelação de cerca de 250 espaços públicos de forma a ajudar na retenção ou redirecionamento de águas pluviais, incluindo parques, parques infantis e a rotatória Sankt Kjelds Plads. A ideia é usar a capacidade natural de retenção das árvores, dos arbustos e do solo e deixar a água pluvial fluir para locais onde não seja destrutiva.
Uma dúzia de lagos que margeiam a rotatória foi então projetada de forma a reter o excesso de água da chuva no caso de uma tempestade. Assim como outros lagos semelhantes espalhados pela cidade e aberturas largas nas laterais de ruas baixas, eles servem para canalizar a água da enchente para uma rede de túneis que está sendo instalada 20 metros abaixo da superfície.
Durante uma chuva "normal", as águas pluviais são direcionadas para o porto por meio desse sistema de drenagem. No entanto, quando há um excesso, como em um cenário de tempestade, uma estação de bombeamento no porto entrará em ação, forçando para o mar a água acumulada nos túneis, criando assim espaço para mais água da chuva e evitando que as ruas sejam inundadas. Essa estação está sendo construída atualmente e estará pronta em 2026.
"Ainda haverá água nas ruas. Quero dizer, elas não ficarão completamente secas. Mas passaremos de um metro [de água de enchente] para no máximo 20 centímetros", disse Jes Clauson-Kaas, engenheiro da Hofor, o departamento de gerenciamento de água responsável pela construção do túnel.
Benefícios de longo prazo
Parte do desafio é conseguir a adesão dos moradores locais. E isso nem sempre é fácil quando se trata de fechar parquinhos infantis ou os parques da cidade por longos períodos para transformá-los em zonas de inundação, ou financiar os planos de adaptação através de uma taxa extra nas contas de água.
Mas Clouson-Kaas diz que equipar para o futuro uma cidade propensa a inundações faz sentido do ponto de vista financeiro. "Perdemos cerca de 1 bilhão com esse único evento [em 2011], mas esperamos que haja vários eventos nos próximos 100 anos. Dizem que a perda potencial pode ser de pelo menos 4 ou 5 bilhões de euros. Portanto, se investirmos 2 bilhões de euros, ainda assim valerá a pena", disse ele.
Copenhague está em posição – financeira e política – de investir nessa infraestrutura agora, em vez de lidar com possíveis danos no futuro. A cidade se tornou um lugar na qual as outras cidades buscam um exemplo para aprender sobre os benefícios de se criar uma esponja urbana.
Ensina a água
A água não resiste. A água flui. Quando coloca a mão dentro dela, tudo o que você sente é carinho. Água não é uma parede sólida, ela não o impedirá. Mas a água sempre chega aonde quer chegar, e nada consegue ir contra a correnteza. A água é paciente. A água que pinga desgasta uma rocha. Lembre-se, minha criança. Lembre-se que é metade água. Se não pode atravessar um obstáculo, dê a volta, como faz a água.
Margaret Atwood
Adaptação climática é uma questão de vida ou morte no Brasil
Ao longo dos últimos anos tem se intensificado os eventos extremos no País relacionados à mudança do clima — secas prolongadas, ondas de calor e chuvas extremas que passam a ser recorrentes em diferentes regiões. Entre 2013 e 2022, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 4 milhões de pessoas no Brasil foram afetadas diretamente por eventos relacionados às mudanças climáticas em mais de 90% dos municípios brasileiros, e o número de vítimas fatais tem aumentado a cada ano. Faltam investimentos e uma política robusta de adaptação.
Atualmente, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMAMC), 1.038 municípios são mais vulneráveis, e o órgão estuda formas de intensificar ações emergenciais e estruturantes, que passam, por exemplo, pela decretação de emergência para facilitar obras. Ao mesmo tempo, o MMAMC tem se debruçado sob o Plano Clima (2024-2035), que tem como objetivo principal “aumentar a resiliência do país”, articulando 15 planos setoriais e integrando políticas federais e a agenda do clima. Mas o desafio não é pequeno e tem inúmeros obstáculos, como garantia de orçamento, integração entre estados e municípios e participação.
O fato é que quanto mais tempo demoramos, mais vidas podemos perder.
Grandes metrópoles: onde a mudança do clima encontra a desigualdade e o racismo estrutural
Em grandes metrópoles como São Paulo, considerada a área mais suscetível às mudanças climáticas na América Latina, além do número alto de pessoas em áreas de risco, há menos investimentos do Estado nessas mesmas regiões e menos acesso a água encanada, tratamento de esgoto, estruturas para manejo de águas de chuva. Ou seja, racismo ambiental que potencializa não só as chuvas extremas, mas seus efeitos, como as enchentes.
De acordo a Defesa Civil, 750 mil casas estão localizadas em áreas de risco para deslizamento ou desabamento na região metropolitana de São Paulo, resultado direto da falta sistemática de uma política de moradia.
Em Manaus (AM), maior metrópole da Amazônia, o mesmo se repete. Somente a capital tem mais de 600 áreas de risco. Em 2023, durante as chuvas de março, nove casas foram engolidas pelo deslizamento no bairro Jorge Teixeira, zona leste da capital, matando oito pessoas. A ocupação existe há cerca de cinco anos, em área de risco, conhecida pelo poder público. Parte das famílias retornou para as casas após as chuvas, e convive com o risco por não ter condições econômicas de morar de aluguel ou comprar um imóvel em outro local. Essa é a realidade da maioria dos brasileiros que vivem nas áreas de risco pelo país.
Como se não bastasse, o número de ocupações em torno de rios e córregos urbanos tem aumentado 102% em pouco mais de três décadas. Segundo o Mapbiomas, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus e Curitiba concentram a maior parte do problema. Isso mostra que há um descompasso entre as políticas de adaptação e o planejamento da ocupação nos municípios, o que pode fazer com que o número de mortos em virtudes de enxurradas e enchentes, como no Vale do Taquari (RS) em novembro, se torne uma tendência.
Prevenção salva vidas e poupa recursos
Nos últimos dez anos, o país teve mais de R$500 bilhões de prejuízos calculados referentes a desastres provocados por secas e chuvas. De acordo com um estudo da ONU, a cada U$1 em prevenção, se economizava U$7 em recuperação. Ou seja, com a frequência e intensidade desses fenômenos aumentando, investir em estrutura de prevenção e adaptação poderia não só diminuir gastos a longo prazo, como também melhorar a qualidade de vida e risco que correm milhares de famílias.
Prevenir com ampla participação popular de moradores de áreas de risco e suscetíveis poderia ser outro diferencial de uma política robusta de adaptação. Hoje, o Estado tem uma ampla estrutura de monitoramento do Clima, a partir do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e de monitoramento de riscos com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), mas na ponta, as ações de comunicação e educação ainda ficam a cargo das defesas civis estaduais e municipais, que continuam com pouca estrutura, formação e capacidade de atuação.
Na prática, essa situação faz com que, em muitos casos, conforme ocorreu em São Sebastião, no último 27 de janeiro, mesmo com as sirenes acionadas diante de uma chuva de mais de 100 mm, quase ninguém apareça nos pontos de apoio, ou que a comunicação se dê com mensagens vagas e gerais, como “fique em casa”, o que pode ser a pior situação em caso de áreas próximas a córregos e rios.
O Brasil tem uma oportunidade única — um país continental, desigual, em crescimento, com quase 9 milhões de pessoas em áreas de risco (o equivalente a uma Áustria) —, fazer uma política de resiliência climática e adaptação com participação, transformando as cidades brasileiras para um novo tempo.
Atualmente, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMAMC), 1.038 municípios são mais vulneráveis, e o órgão estuda formas de intensificar ações emergenciais e estruturantes, que passam, por exemplo, pela decretação de emergência para facilitar obras. Ao mesmo tempo, o MMAMC tem se debruçado sob o Plano Clima (2024-2035), que tem como objetivo principal “aumentar a resiliência do país”, articulando 15 planos setoriais e integrando políticas federais e a agenda do clima. Mas o desafio não é pequeno e tem inúmeros obstáculos, como garantia de orçamento, integração entre estados e municípios e participação.
O fato é que quanto mais tempo demoramos, mais vidas podemos perder.
Grandes metrópoles: onde a mudança do clima encontra a desigualdade e o racismo estrutural
Em grandes metrópoles como São Paulo, considerada a área mais suscetível às mudanças climáticas na América Latina, além do número alto de pessoas em áreas de risco, há menos investimentos do Estado nessas mesmas regiões e menos acesso a água encanada, tratamento de esgoto, estruturas para manejo de águas de chuva. Ou seja, racismo ambiental que potencializa não só as chuvas extremas, mas seus efeitos, como as enchentes.
De acordo a Defesa Civil, 750 mil casas estão localizadas em áreas de risco para deslizamento ou desabamento na região metropolitana de São Paulo, resultado direto da falta sistemática de uma política de moradia.
Em Manaus (AM), maior metrópole da Amazônia, o mesmo se repete. Somente a capital tem mais de 600 áreas de risco. Em 2023, durante as chuvas de março, nove casas foram engolidas pelo deslizamento no bairro Jorge Teixeira, zona leste da capital, matando oito pessoas. A ocupação existe há cerca de cinco anos, em área de risco, conhecida pelo poder público. Parte das famílias retornou para as casas após as chuvas, e convive com o risco por não ter condições econômicas de morar de aluguel ou comprar um imóvel em outro local. Essa é a realidade da maioria dos brasileiros que vivem nas áreas de risco pelo país.
Como se não bastasse, o número de ocupações em torno de rios e córregos urbanos tem aumentado 102% em pouco mais de três décadas. Segundo o Mapbiomas, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus e Curitiba concentram a maior parte do problema. Isso mostra que há um descompasso entre as políticas de adaptação e o planejamento da ocupação nos municípios, o que pode fazer com que o número de mortos em virtudes de enxurradas e enchentes, como no Vale do Taquari (RS) em novembro, se torne uma tendência.
Prevenção salva vidas e poupa recursos
Nos últimos dez anos, o país teve mais de R$500 bilhões de prejuízos calculados referentes a desastres provocados por secas e chuvas. De acordo com um estudo da ONU, a cada U$1 em prevenção, se economizava U$7 em recuperação. Ou seja, com a frequência e intensidade desses fenômenos aumentando, investir em estrutura de prevenção e adaptação poderia não só diminuir gastos a longo prazo, como também melhorar a qualidade de vida e risco que correm milhares de famílias.
Prevenir com ampla participação popular de moradores de áreas de risco e suscetíveis poderia ser outro diferencial de uma política robusta de adaptação. Hoje, o Estado tem uma ampla estrutura de monitoramento do Clima, a partir do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e de monitoramento de riscos com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), mas na ponta, as ações de comunicação e educação ainda ficam a cargo das defesas civis estaduais e municipais, que continuam com pouca estrutura, formação e capacidade de atuação.
Na prática, essa situação faz com que, em muitos casos, conforme ocorreu em São Sebastião, no último 27 de janeiro, mesmo com as sirenes acionadas diante de uma chuva de mais de 100 mm, quase ninguém apareça nos pontos de apoio, ou que a comunicação se dê com mensagens vagas e gerais, como “fique em casa”, o que pode ser a pior situação em caso de áreas próximas a córregos e rios.
O Brasil tem uma oportunidade única — um país continental, desigual, em crescimento, com quase 9 milhões de pessoas em áreas de risco (o equivalente a uma Áustria) —, fazer uma política de resiliência climática e adaptação com participação, transformando as cidades brasileiras para um novo tempo.
'Dane-se o clima'
Quem seriam, no início do século 21, os maiores adversários do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), conhecido por suas credenciais neonazistas? A resposta pode surpreender, quando 83 pessoas morrem no sul do Brasil por causa das enchentes: os verdes.
Esses jovens idealistas, que pretendem proteger o país e o planeta dos efeitos das mudanças climáticas, como as enchentes de agora no Rio Grande do Sul, atraem o ódio da extrema-direita no país que foi o berço do nazismo.
“Sim, os verdes são os nossos maiores inimigos”, disse o vereador Lutz Jankus, da cidade de Görlitz, na fronteira com a Polônia, ao jornal britânico The Guardian, em reportagem sobre o crescimento do partido em estados que foram parte da Alemanha Oriental.
Junto a uma manifestação na praça principal da cidade, o vereador admitiu a importância do tema climático, mas por causa da forte alta nos preços da energia. Para seu partido, não se pode resolver tudo com energia do sol ou dos ventos.
“Eu não acredito que a mudança do clima seja produto do homem”, afirmou Jankus. “A mudança do clima sempre existiu”.
Manifestantes da extrema-direita presentes à manifestação, ainda que anônimos, foram mais contundentes diante das câmeras da equipe inglesa. “Clima, clima, clima!”, disse um deles. “Dane-se o clima!”
Os simpatizantes do partido neonazista queixam-se do aumento dos preços da energia e do aumento da presença de migrantes, muitos dos quais justificam sua presença no país pela condição de refugiados do clima.
A alegação não convence a AfD, que também não aceita que a Alemanha pague preço tão alto pela proteção do clima como a desindustrialização e a queda na economia.
O debate pode parecer algo distante da realidade brasileira, especialmente por tratar de estados que fizeram parte da República Democrática Alemã, que até hoje não conseguiram equiparar os índices de desenvolvimento do lado ocidental.
Mas a antipatia a causas ambientais, quando interesses econômicos estão envolvidos, podem facilmente se espalhar por outras regiões e outros países. E podem igualmente contribuir para maior radicalização nas posições políticas.
Basta lembrar que o ex-presidente americano Donald Trump, mais uma vez candidato ao cargo, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, de proteção ao clima. E que existe forte lobby no próprio Rio Grande do Sul contra a desativação de minas de carvão, ainda usado para a produção de energia.
Enquanto as cenas de inundações ainda são apenas imagens de um país distante, a 11 mil quilômetros de distância, os manifestantes de Görlitz podem, talvez, atribuir menor importância às transformações climáticas que começam a transformar o planeta.
“Que se dane o clima”, como disse um deles. Nas eleições americanas deste ano muitos outros dirão o mesmo. Enquanto manifestantes se preocupam com seus empregos, populistas com senso de oportunismo buscam seus votos.
Nos Estados Unidos, Trump pescou muitos votos há quatro anos junto a eleitores insatisfeitos com a decadência econômica de estados com indústrias desatualizadas. Ele vai fazer o mesmo agora, com a sua permanente defesa do carvão e do petróleo.
A Rússia ainda depende em grande parte de suas exportações de petróleo e gás. A própria Alemanha era grande cliente do gás russo, até a invasão russa da Ucrânia. Agora busca alternativas nem sempre tão baratas, o que preocupa os consumidores-eleitores.
Trata-se de uma equação que envolve alguma negociação entre o presente e o futuro. No presente todos querem seus empregos e seu bem-estar econômico. E o futuro? Pode-se ignorar o problema ao dizer que não há verdadeira ameaça climática.
O debate está aberto. Haverá sempre os que argumentem que os riscos representados por enchentes e outros eventos extremos não são suficientes para prejudicar a economia. Pelo menos não a economia de seus próprios países, especialmente os mais ricos.
Como as áreas potencialmente mais vulneráveis geralmente se encontram em regiões onde estão países em desenvolvimento, pode ser que a maioria das imagens desses eventos extremos só cheguem mesmo aos negacionistas pelas telas de televisão.
A União Europeia, cuja principal economia é a Alemanha, país dos manifestantes de Görlitz, está entre os maiores emissores de gás carbônico, grande responsável pela mudança climática. Nos primeiros lugares estão China, Estados Unidos, Índia, União Europeia e Rússia. Em seguida vem o Brasil.
O clima já contagia a política entre os países democráticos que estão na lista, como os Estados Unidos e os que integram a União Europeia. Mais cedo ou mais tarde o tema também estará no debate político do Brasil.
O Sul, até agora o mais prejudicado pelas enchentes e pela mudança climática, tem apoiado muitos candidatos de direita ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, conhecido pelo negacionismo em relação à ciência.
O clima estará entre as principais preocupações dos eleitores nos próximos anos? Ainda é difícil prever. O que se sabe, desde agora, é que o tema não deixará as manchetes dos principais meios de comunicação tão cedo.
Esses jovens idealistas, que pretendem proteger o país e o planeta dos efeitos das mudanças climáticas, como as enchentes de agora no Rio Grande do Sul, atraem o ódio da extrema-direita no país que foi o berço do nazismo.
“Sim, os verdes são os nossos maiores inimigos”, disse o vereador Lutz Jankus, da cidade de Görlitz, na fronteira com a Polônia, ao jornal britânico The Guardian, em reportagem sobre o crescimento do partido em estados que foram parte da Alemanha Oriental.
Junto a uma manifestação na praça principal da cidade, o vereador admitiu a importância do tema climático, mas por causa da forte alta nos preços da energia. Para seu partido, não se pode resolver tudo com energia do sol ou dos ventos.
“Eu não acredito que a mudança do clima seja produto do homem”, afirmou Jankus. “A mudança do clima sempre existiu”.
Manifestantes da extrema-direita presentes à manifestação, ainda que anônimos, foram mais contundentes diante das câmeras da equipe inglesa. “Clima, clima, clima!”, disse um deles. “Dane-se o clima!”
Os simpatizantes do partido neonazista queixam-se do aumento dos preços da energia e do aumento da presença de migrantes, muitos dos quais justificam sua presença no país pela condição de refugiados do clima.
A alegação não convence a AfD, que também não aceita que a Alemanha pague preço tão alto pela proteção do clima como a desindustrialização e a queda na economia.
O debate pode parecer algo distante da realidade brasileira, especialmente por tratar de estados que fizeram parte da República Democrática Alemã, que até hoje não conseguiram equiparar os índices de desenvolvimento do lado ocidental.
Mas a antipatia a causas ambientais, quando interesses econômicos estão envolvidos, podem facilmente se espalhar por outras regiões e outros países. E podem igualmente contribuir para maior radicalização nas posições políticas.
Basta lembrar que o ex-presidente americano Donald Trump, mais uma vez candidato ao cargo, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, de proteção ao clima. E que existe forte lobby no próprio Rio Grande do Sul contra a desativação de minas de carvão, ainda usado para a produção de energia.
Enquanto as cenas de inundações ainda são apenas imagens de um país distante, a 11 mil quilômetros de distância, os manifestantes de Görlitz podem, talvez, atribuir menor importância às transformações climáticas que começam a transformar o planeta.
“Que se dane o clima”, como disse um deles. Nas eleições americanas deste ano muitos outros dirão o mesmo. Enquanto manifestantes se preocupam com seus empregos, populistas com senso de oportunismo buscam seus votos.
Nos Estados Unidos, Trump pescou muitos votos há quatro anos junto a eleitores insatisfeitos com a decadência econômica de estados com indústrias desatualizadas. Ele vai fazer o mesmo agora, com a sua permanente defesa do carvão e do petróleo.
A Rússia ainda depende em grande parte de suas exportações de petróleo e gás. A própria Alemanha era grande cliente do gás russo, até a invasão russa da Ucrânia. Agora busca alternativas nem sempre tão baratas, o que preocupa os consumidores-eleitores.
Trata-se de uma equação que envolve alguma negociação entre o presente e o futuro. No presente todos querem seus empregos e seu bem-estar econômico. E o futuro? Pode-se ignorar o problema ao dizer que não há verdadeira ameaça climática.
O debate está aberto. Haverá sempre os que argumentem que os riscos representados por enchentes e outros eventos extremos não são suficientes para prejudicar a economia. Pelo menos não a economia de seus próprios países, especialmente os mais ricos.
Como as áreas potencialmente mais vulneráveis geralmente se encontram em regiões onde estão países em desenvolvimento, pode ser que a maioria das imagens desses eventos extremos só cheguem mesmo aos negacionistas pelas telas de televisão.
A União Europeia, cuja principal economia é a Alemanha, país dos manifestantes de Görlitz, está entre os maiores emissores de gás carbônico, grande responsável pela mudança climática. Nos primeiros lugares estão China, Estados Unidos, Índia, União Europeia e Rússia. Em seguida vem o Brasil.
O clima já contagia a política entre os países democráticos que estão na lista, como os Estados Unidos e os que integram a União Europeia. Mais cedo ou mais tarde o tema também estará no debate político do Brasil.
O Sul, até agora o mais prejudicado pelas enchentes e pela mudança climática, tem apoiado muitos candidatos de direita ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, conhecido pelo negacionismo em relação à ciência.
O clima estará entre as principais preocupações dos eleitores nos próximos anos? Ainda é difícil prever. O que se sabe, desde agora, é que o tema não deixará as manchetes dos principais meios de comunicação tão cedo.
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