quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Noventa anos em um instante

Você já se imaginou fazendo 90 anos? Como seria? Em sua imaginação, você é alguém com mobilidade ou paralisado em uma cama ou cadeira? Precisa de uma bengala ou, quem sabe, de um andador? Ou se imagina numa vida mais ou menos parecida com a que leva hoje, aos 70 anos?

Nunca pensamos muito na velhice. Pensamos mais nas idades. Na chegada dos 30, dos 40, dos 50, e por aí vai. Quase sempre achamos que as décadas que chegam significam piora de vida. Afinal, essa era a tendência. Foi assim com os nossos antepassados.

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Os tempos, porém, estão mudando. Assim como o Brasil, que mudou muito desde a década de 1920, quando muitas coisas que acontecerem moldaram o país atual. Um exemplo foi o movimento tenentista, que eclodiu em 1922; outro foi a Semana de Arte Moderna, ocorrida no mesmo ano, em São Paulo.

Imaginem como era o país em 1927. Washington Luís era presidente. Getúlio Vargas era ministro da Fazenda do presidente que ele acabaria destituindo mais adiante. O mundo ainda não havia enfrentado a crise de Wall Street em 1929. Tudo era muito diferente, mas já caminhava para mudanças profundas.

Em uma tarde de calor em Farroupilha, assisti à comemoração do aniversário de 90 anos da avó de minha mulher. Incrivelmente lúcida, a ponto de comentar sobre a política, as suas leituras e o passar do tempo. Só reclama de uma tonteira, às vezes persistente.

Enquanto a festa prosseguia, eu observava as pessoas e me lembrava do que aconteceu com o Brasil ao longo desse tempo. Entre outras coisas, as mulheres ganharam direitos e puderam votar e ser votadas. E ela, como matriarca da família, atravessou tudo, viu de perto todas essas mudanças.

Eu reparava nos sorrisos, nos olhares, na alegria de todos ao rever parentes que moram longe. Ou que não viam há décadas. Os filhos e os netos exibiam, orgulhosos, suas famílias. Os bisnetos corriam de um lado para outro, em contraste com a serenidade da homenageada, que a tudo acompanhava.

Gerações se misturavam nas mesas. Muitas idades presentes. Quase nove décadas representadas. Muitos ali tinham bem mais de 60 anos. Alguns até mesmo mais do que os 90 da homenageada. A serra gaúcha promove progresso e longevidade. Seriam a polenta, a fortaia e o vinho?

O que se passa na cabeça de uma pessoa que sentiu, ainda mocinha na colônia italiana, a repercussão da Segunda Guerra Mundial, quando o time Palestra Itália teve que mudar de nome para os brasileiríssimos Palmeiras, em São Paulo, e Cruzeiro, em Belo Horizonte, por conta da guerra?

E, depois, o que ela pensou vendo os colonos italianos promovendo o boom industrial na região? A ironia das ironias é que os gaúchos mandaram os imigrantes para a serra porque as terras da montanha de nada valiam para a criação de gado. Não queriam os imigrantes nas terras boas, os pampas.

Pois foram os imigrantes em terras ruins que fizeram a Randon, a Tramontina, a Marcopolo, a Grendene e tantos outros gigantes da indústria nacional. Sem a serra gaúcha, o que seria da economia do Rio Grande do Sul e mesmo do Brasil?

Como ela sentiu a lenta e gradual aquisição de direitos das mulheres na sociedade? Ainda mais ela que, além de bela e forte, gerou uma dinastia de mulheres belas e fortes como ela? Foram 90 anos intensamente vividos por alguém que viu o tempo passar e, nos últimos anos, com a internet a lhe fazer companhia.

Quando olho em seus olhos verdes profundos e sinto seu abraço forte, penso em tudo o que o país passou nas últimas décadas. Penso no que ela passou. Penso na casa de madeira, típica da colônia, que ela se recusa a deixar. Onde, é claro, em cada canto ela comprime 90 anos em um instante.
Charge O Tempo 18/01/2017

Na cadeia

Corria o ano de 1983, e este vosso escriba semanal, então vivendo da velha e permanente pindaíba de professor universitário do Museu Nacional, foi convidado pela então recém-inaugurada Rede Manchete de Televisão a escrever e apresentar uma série chamada “Os brasileiros”. Meu narcisismo exultou. Finalmente, eu ia ficar “bem de vida” e, quem sabe, famoso. A ponderação, essa amiga do ceticismo, hesitou mas foi vencida sobretudo porque, em 1979, eu havia publicado em “Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro” uma interpretação do Brasil a partir de dois dos seus rituais mais representativos, ainda que opostos: o carnaval, que fantasia as diferenças e promove uma mistura de tudo com todos; e o reprimido rito autoritário do “Você sabe com quem está falando?”, que — em contextos de plena igualdade — distingue um “Alguém” de um suposto “ninguém”. A oportunidade de traduzir em imagens os paradoxos e as contradições desta sociedade que eu tanto amo quanto estudo era irrecusável.

Uma loteria: dobrava-me o salário, e aumentava a minha capacidade de conhecer e interpretar o Brasil, deixando de lado as limitações da antropologia acadêmica dos símbolos e dos rituais que eu praticava escrevendo para uma dúzia de colegas — metade dos quais a criticava, enquanto a outra não a compreendia.

A oportunidade de transpor parte do Brasil para a telinha permitiria alcançar multidões e ser admirado por todos, excetuando — é claro — os invejosos e ressentidos, falou de dentro de mim o meu lado igualmente invejoso e ressentido.

Dirigido por Maurice Capovilla, um realizador consagrado, e produzido pelo mestre e saudoso Fernando Barbosa Lima, então diretor da Intervídeo, ao lado de Roberto D'Avila (hoje um inspirado entrevistador) e Walter Salles Jr. (que faz parte do panteão glorioso dos cineastas nacionais), eu escrevi com a ajuda fraterna de Sérgio Augusto, outro consagrado jornalista e comentarista, dez episódios que cobriam o Brasil por ângulos singulares. Não falava de política, e muito menos de economia, mas de hábitos, comidas e do trabalho que obrigava a sair da casa para a rua. Passávamos pelas relações raciais, demonstrando o nosso clássico preconceito de não ter preconceito — conforme aprendi com Florestan Fernandes — e não deixamos de explorar as práticas religiosas. Havia, é claro, um capítulo sobre a malandragem que até hoje permite driblar as normas e a lei .

Resumo dizendo que deste programa dragado pelo tempo ficou a experiência de tentar registrar a dialética entre o oficial e o não oficial no Brasil.
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Na roteirização da malandragem, aquele fio de navalha entre o legal e o criminoso, decidiu-se visitar um presídio, esse espaço no qual malandros viravam presidiários.

Passamos o dia numa cadeia. A própria visita amedrontava, revelando como a prisão ainda é um espaço amaldiçoado porque qualquer contato direto com condenados tem o toque da contaminação, conforme acentuei na minha crônica anterior.

Desta experiência eu guardo a impressão de ajuntamento e de um claro controle do espaço interno pelos prisioneiros. Ali estava cristalizada a sociedade brasileira. Havia ricos e pobres, mandões e seguidores. Não me esqueci da cozinha especial, onde havia uma “comida” especial para certos presos. A superpopulação simplesmente salientava quem eram os “donos” e os comuns.

Naquele tempo não se falava em facções, mas elas certamente existiam. O crime — essa é uma das minhas impressões mais fortes — era desmoralizado ou simplesmente desfeito por um vergonhoso sistema penitenciário, destinado a marginalizar ainda mais os condenados. O que vi na cadeia não foi um sistema de punição, mas de castigo e vingança. Todos sabem que a opinião pública nacional considera um acinte que presos tenham direitos. Para ela, eles deveriam “pegar na enxada” e serem, como os escravos, castigados com trabalho forçado. Se você tem dúvida, faça um inquérito.

Uma última questão: quem deseja ir além das palavras fáceis para enxergar como as prisões superlotadas, controladas por bandidos, são o resultado de uma brutal desigualdade e pela total inversão do objetivo da política que, em vez de servir à sociedade da qual faz parte, faz o exato oposto e dela se serve para enriquecer a canalha que diz fazer “tudo dentro da lei?”

Resposta: ninguém!

Roberto DaMatta

Morrer por nada

Tenho muita pena dos governantes atuais. Velhos tempos aqueles em que ser um bom líder era sinônimo de boa gestão econômica. Velhos tempos aqueles em que os políticos ganhavam nas urnas para que depois o carniceiro das finanças de plantão oferecesse o sacrifício da sociedade no altar do FMI ou do Banco Mundial, segundo o princípio da política moderna que dita que saudável é a economia e doente, a população. Agora, para além do som e da fúria, do insulto e das contas pendentes que cada um temos com nosso país, onde está o grande bolsão da desesperança? Em todo o mundo, no mesmo lugar, nas pessoas castigadas porque ninguém quer confessar que o modelo que nasceu em Bretton Woods em 1944 já morreu.

Ninguém quer confessar que o Estado de bem-estar —conquista sem precedentes na história da humanidade— era feito para países ricos, pouco povoados, e cujo principal êxito consiste em que alguém se aposente do trabalho aos 55 anos e ainda aspire a 30 anos de golfe e sexualidade plena. Mas simplesmente se tornou inviável. Além disso, à medida que se avançou em conquistar espaços e territórios de liberdade individual, o senso coletivo de responsabilidade —por exemplo, dar filhos à pátria— foi caindo. E assim deparamos com o fato de que os Estados têm muitas obrigações e pouca gente para cumpri-las.

Rafal Olbinsk
Como se não fosse suficiente, nos metemos na maior revolução de todos os tempos em relação aos critérios de produção, ao mudar uma economia de coisas concretas, como pontes, estradas, aeroportos e trabalho, por uma economia de especulação financeira, colonização tecnológica e equilíbrio do terror baseado na quantidade de bombas nucleares fabricadas para despachar o resto do universo.

E assim fomos avançando até deparar com uma realidade: um Ocidente que não trabalha e um Oriente que monopoliza grande parte dos postos de trabalho. No meio, o papel ridículo e terrível dos governantes. Nesse sentido, o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, leva uma grande vantagem já que, como se dedica ao cimento, seu conceito de política e de economia é muito realista. Por isso, choca tanto.

O Governo Trump vai parecer o regime absolutista de Maria Antonieta, formado por milionários que não compreendem as necessidades de quem está abaixo

No entanto, é uma pena que alguém bem-sucedido como ele — de “rei do tijolo” a conquistador da Casa Branca— não tenha tido mais curiosidade pelo equilíbrio humano. Seu Governo vai parecer o regime absolutista de Maria Antonieta, formado por milionários que não compreendem as necessidades de quem está abaixo e que se contentam em reproduzir aquela frase célebre, atribuída à Rainha da França, que acabou perdendo a cabeça: “Se têm fome, que comam brioches”. Apesar de que, pelo menos, Trump é realista, não como esses líderes que continuam com planos de austeridade selvagens, enquanto o mundo arde e eles queimam sua sociedade na pira de alguma ortodoxia econômica desaparecida.

A crise de 2008 foi desencadeada porque os políticos chegaram a níveis de cobiça, roubo e falta de vergonha similares aos de Sodoma e Gomorra. Desde então, ninguém foi capaz de enfrentar a realidade de que o modelo econômico ao qual estávamos acostumados chegou ao fim. Agora os governantes —sejam os mexicanos com seu “gasolinazo”, os espanhóis que apertam os mais frágeis com o pagamento dos remédios ou os que prometem mais austeridade para cumprir as metas econômicas da União Europeia— estão servindo ao passado, descuidando do presente e colocando em ação uma gigantesca revolução social que não será primavera, mas outono ou incêndio de verão que queimará tudo.

Oito anos depois da crise não há modelo, não há solução, não há culpados e ninguém sabe para onde ir. Enquanto isso, acabado o Welfare State, a mensagem não é só que o mundo será muito pior para nossos filhos, mas a constatação de que o que os ensinamos não teve muita serventia. Desse ponto de vista, o aventureirismo político, a loucura e a repetição das cenas de O grande ditador, de Chaplin, têm mais sentido do que nunca. A ficção cinematográfica tornou-se realidade e os únicos que perdem são os cinemas de bairro que cobram entrada para mostrar a seus espectadores que todos os seus sacrifícios não serviram de nada.

Imagem do Dia

Um:

Abandonados, os 'burros' sentem que seu esforço cotidiano não tem valor

Passado o frenesi da indignação com o ocorrido nas prisões, podemos pensar um pouco sobre aquele inferno. Digo de cara que não acredito na indignação regada a queijos e vinhos.

Vamos dos argumentos mais óbvios (e nem por isso menos verdadeiros), aos menos óbvios. Chegando mesmo aos que parecem obscuros aos inteligentinhos.

Óbvios: o Estado brasileiro é canalha, irresponsável, os dirigentes mentem, não estão nem aí para a vida dos presos (nem de ninguém), prender todo mundo num cubículo de lata é querer que se matem, o crime organizado cresce em meio ao vácuo do poder público, há uma crise no sistema prisional, há corrupção, as autoridades não fazem diferença entre um ladrão de galinha e um serial killer, pobre e preto sempre vai mais preso do que branco coxinha. Tudo verdade.

Menos óbvios: esse tema dá aos foucaultianos um gozo que beira o orgasmo porque Foucault achava que soltando os presos faríamos a verdadeira revolução. Será que ele alguma vez teve que encarar algum bandido querendo mata-lo?

O PCC chega mesmo a tirar lágrimas de alguns foucaultianos com sua declaração de fundação regada a direitos humanos. Uma das razões que torna muito do que os intelectuais falam risível é o fato de que vivem uma vida muito segura em seus casulos corporativos em universidades blindadas ao conhecimento e a qualquer tipo de risco.

Para foucaultianos sofisticados, os bandidos são vítimas da ordem social repressiva e mostram em seu comportamento a doença social, por isso, os trancamos nas cadeias para "esquecermos" de nossa patologia social. Esse tom surgiu em algumas indignações, mas com um certo cuidado porque essa moçada está um pouco assustada com a "revolta dos burros".

Quase obscuros: o que vem a ser essa "revolta dos burros"? Primeiro um reparo geopolítico mais amplo. Com a vitória de Trump, a inteligência pública começou a falar de novo em populismo. O segredo do Trump é ele falar o que o povo americano "burro" pensa. Os "burros" que falam inglês. A inteligência pública há muito tempo está alienada do "povo", entrincheirada nas universidades e nas redações da mídia, falando sempre a mesma coisa: "como esse povo é burro e fala que bandido bom é bandido morto?"

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A inteligência pública está de costas para o povo comum e preocupada com sua carreira e seu sucesso nas redes sociais. Avancemos um pouco mais nesses argumentos obscuros.

Pois é. Os populistas atuais crescem na mesma medida em que insistimos em pensar que vivemos uma "revolta dos burros", mesmo que não digamos dessa forma explícita. A inteligência está tão acostumada com queijos e vinhos que esquece o tal do povo.

Os populistas crescem na mesma medida em que os "burros" sentem que o sistema político profissional e os inteligentes não estão nem aí pra eles. Por isso sentem que os inteligentes "só defendem os bandidos". Um adendo: existe "burro" preto e pobre e "burro" branco e rico, ok?

Vamos "ouvir os burros" um pouco? Pelo menos imaginar que podemos ouvi-los. Quem sabe essa "revolta dos burros" pode indicar algo importante por detrás?

Eu arriscaria dizer que esses "burros" se sentem abandonados pelo Estado e pela inteligência pública de forma crassa no seu dia a dia. Esquecidos em seus impostos, acharcados por uma burocracia assassina e destruidora de qualquer iniciativa profissional que não seja apenas viver de salário e "direitos trabalhistas", em suas filas da saúde e do transporte público. Escolas são um lixo. Andam com medo nas ruas. E não dá pra convencer ninguém que de fato pode ser assaltado ou morto por um bandido de que Foucault tem razão e que quando você é assaltado, você é o bandido, e o bandido é a vítima. Risadas?

Abandonados a sua solidão de "cidadãos honestos" (atenção! Os inteligentinhos acham que ninguém é mais honesto do que um traficante de drogas), "os burros" sentem que seu esforço cotidiano para viver dentro da lei, cuidando de suas famílias (mas que coisa mais classe média, não?) não tem nenhum valor. E estão aprendendo a dizer o que pensam. Ai virá a "revolta dos burros" de carga.

O século XXI está atolado no XIX

É muito provável que mais da metade dos brasileiros ache razoável que integrantes de facções criminosas assassinem inimigos em brigas de presídios. Essa suspeita ampara-se no fato de que, há poucos meses, 49% dos entrevistados pelo Ibope se declararam favoráveis à pena de morte. (Em 2010 eram 31%.) Essa questão faz parte da agenda do século XIX, e o Brasil politicamente correto do século XXI finge não percebê-la. A sociedade cosmopolita, globalizada, nada teria a ver com o país dos presídios lotados, das milícias e do tráfico infiltrado no aparelho de segurança dos estados.

O governo de Michel Temer, como os de seus antecessores, lida com a questão da segurança manipulando dois truques destinados a empulhar a plateia. A primeira é a síndrome da reivindicação sucessiva, muito ao gosto dos burocratas que gostam de apresentar uma agenda futurista que lhes permite não fazer o que devem. As facções criminosas que estão nos presídios só poderiam ser contidas com bloqueadores de celulares. Instalados os bloqueadores, será necessário um satélite para vigiar a fronteira e assim por diante. (Presos de Manaus denunciavam a venda de alvarás de prisão domiciliar.) As cadeias estão superlotadas porque prende-se demais e, em vez de botar pra trabalhar quem nunca trabalhou, defende-se a mudança na legislação penal. A síndrome da reivindicação sucessiva atinge outras áreas. Por exemplo, não se podia regularizar a situação de um terreno na periferia porque a região não tinha esgoto, e não tinha esgoto porque não estava urbanizada. À falta do futuro, o trabalhador não conseguia (e ainda não consegue) legalizar seu lote.

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Ao truque da reivindicação sucessiva junta-se a síndrome da responsabilização regressiva. O campeão dessa mágica vem sendo o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. Sempre que pode, o doutor lembra que a situação dos presídios resulta de uma crise antiga, secular, cuja origem está nos tempos coloniais. Tudo bem, a responsabilidade é de Tomé de Souza. Nada a ver com os governos de José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma, todos apoiados pelo atual presidente Michel Temer.

O doutor Moraes é um homem do seu tempo. Atento às sutilezas do vocabulário, sempre que fala em “homicídio”, acrescenta a palavra “feminicídio”. No mundo do politicamente correto, lixo é “resíduo sólido”, e não se deve buscar a regeneração dos delinquentes, mas a “ressocialização” dos presos. Tudo seria uma questão de palavras que não fazem mal a ninguém, se na fantasia de modernidade e cosmopolitismo não se escondesse o atraso.

Finge-se que tornozeleiras, satélites, radares, censos e mudanças pontuais nas leis podem resolver o problema das prisões brasileiras. Eles resolvem o problema da ocupação do noticiário, nada mais que isso.

O que há de mais dramático nessa grande representação é que boa parte da plateia que se pretende iludir está em outra faixa de onda, achando que massacres de presídios onde facções se matam são uma simples limpeza social.

Se milhões de brasileiros acham que massacres fazem bem à sociedade, a primeira coisa que se pode fazer para reverter essa situação é desligar a máquina de propaganda e empulhações. Pode ser pouco, mas ajuda.

Elio Gaspari

A matança de Alcaçuz no país dos insensatos

A matança em Alcaçuz esclareceu ao distinto público pagante deste país dos insensatos que o inferno fica ao lado do verão ao mar e que tudo o que pode ser feito é exatamente o que não foi feito e de nada adiantou
José Nêumanne

Teu Sonho Não Acabou

Uma basta ao circo de horrores

A população continua a assistir – chocada e com medo de fugas em massa – ao circo de horrores que se instalou nas prisões do País, promovido por grupos criminosos rivais. Depois de controlar o sistema penitenciário, de onde comandam ações criminosas, entre elas o tráfico de drogas, esses grupos passaram a usá-lo como campo de batalhas para acertar suas diferenças e disputas por predomínio, travadas com requintes de selvageria.

O mais recente episódio, no Rio Grande do Norte, repetiu o roteiro sinistro dos que o antecederam – o de Manaus, no dia 1.º, quando presos do grupo Família do Norte (FDN), aliado do Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, matou 60 presos do Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo; e o de Boa Vista, em Roraima, cinco dias depois, quando o PCC se vingou promovendo a matança de 33 presos dos grupos rivais. Vingança que prosseguiu na rebelião, que durou 14 horas, entre a tarde de sábado e a manhã de domingo passado, na Penitenciária de Alcaçuz e no Pavilhão Rogério Coutinho Madruga, que integram o mesmo complexo, situado a 25 km de Natal.


Presos do PCC, abrigados no Pavilhão, conseguiram desligar a energia elétrica e pularam o muro da Penitenciária, onde ficam os presos do Sindicato RN, aliados da FDN e do CV, matando 26 deles. Pelo menos, porque até segunda-feira as autoridades não conseguiam determinar o número com precisão. Todos eles decapitados e dois ainda esquartejados, alguns jogados numa fossa. Na manhã de domingo, por volta das 7h30, a Polícia conseguiu pôr um mínimo de ordem no complexo. Só um mínimo, porque, como as celas foram quase todas destruídas numa rebelião em março de 2015 e não reconstruídas até agora, 200 presos circulavam pelo pátio. Na segunda-feira, muitos deles, dos dois grupos em luta, ocuparam partes distintas do teto da penitenciária.

Uma situação que resume bem o que se passa na maioria dos outros presídios do País, dos Estados mais ricos aos mais pobres, e cria um clima justificado de medo e inquietação. Com essas condições desfavoráveis reunidas, e sem nenhum sinal – ao contrário – de que terminou a luta pelo predomínio nas prisões e o controle do tráfico de drogas entre o PCC e o CV, com seus aliados de ocasião entre os outros 25 grupos menores, é muito provável que as rebeliões e os bárbaros ajustes de contas entre bandidos continuem. E como sempre sob as barbas das autoridades e a proteção do Estado, porque dentro de prisões.

Que a população se prepare, portanto, para o pior. Voltar-se para o governo federal à espera de uma solução é um erro. Erro compreensível por parte da população, ansiosa por ver uma luz no final do túnel – e que precisa ser esclarecida a respeito –, mas não dos governos estaduais, que ao apelar para a União querem se eximir da responsabilidade pelo desastre, que é sua. Cabe aos Estados cuidar das prisões. Mesmo que o governo federal – como já vem fazendo – aumente a ajuda aos Estados para criar mais vagas e aliviar o superlotado sistema penitenciário, isso não acontece da noite para o dia, demanda tempo.

As macabras rebeliões que se sucedem exigem medidas de emergência. É preciso retomar o controle das prisões, que não podem continuar entregues à selvageria de grupos criminosos que parecem ter perdido noções elementares de humanidade. E a essa altura só há uma maneira de fazer isso – a intervenção das polícias estaduais para estabelecer um mínimo de ordem no sistema penitenciário.

Feito isso, cabe aos Estados assumir suas obrigações para reformar o sistema. O Espírito Santo é um exemplo de que isso é possível. De 2003 até hoje – nos governos de Paulo Hartung, Renato Casagrande e novamente Hartung –, esse Estado, que tinha algumas das piores prisões do País, conseguiu modernizá-las e diminuir consideravelmente o déficit de vagas. E reduziu tanto a violência que há dois anos não se registram homicídios nos 35 presídios do Estado. Se o Espírito Santo pôde, por que os outros não podem também?

Reduzir ou protelar a Lava Jato

Antes que a lista da Odebrecht seja conhecida, outra igual vem sendo preparada, a da Camargo Corrêa. Foram 77 ex-funcionários da primeira, serão 40 os da segunda, encarregados de aprontá-las. Nas duas, entre 100 e 200 políticos denunciados em cada uma como tendo participado das propinas. Muitos relacionados duas vezes, numa e outra empreiteira. Os que são parlamentares poderão ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Outros vão para Curitiba, entregues ao juiz Sérgio Moro.


A falência do sistema penitenciário se acoplará à batalha contra a corrupção. Não parece provável que os supostos condenados venham a misturar-se à massa carcerária hoje em revolta. Seria sentenciá-los a penas capitais, superiores às que devem responder. Mas criar estabelecimentos penais especiais, onde ficariam a salvo de degolas e estripações variadas, não vai dar. Uma alternativa seria transformá-los em delatores, concorrendo a cumprir em prisão domiciliar a maior parte de seus crimes, desde que reconhecidos. Equivaleria a premiá-los, como muitos já se encontram.

Por conta dessa dúvida, há quem suponha reduzir ou protelar a Operação Lava Jato. Esticar ao máximo o julgamento dos envolvidos com a Odebrecht e a Camargo Corrêa. E outras.

Cabe ao Ministério Público e ao Judiciário decidir a sorte dos corruptos, bem como dos animais que em variadas penitenciárias são responsáveis pelo assassinato de mais cem presos, só este ano. Tomara que a ninguém seja dado imaginar a mistura de uns e outros.

O nada admirável mundo novo

O TEMPO noticiou há poucos dias que dois terços dos brasileiros que formam a chamada “geração Y” (entre 25 e 35 anos) prefeririam abrir o próprio negócio a seguir uma carreira profissional. Ouso afirmar que as palavras que mais rondam as mentes desses jovens, atualmente, são “empreendedorismo” e “startup”. Doce ilusão da juventude!

A ideia de capacitar-se para futura inserção em alguma organização funcionalmente hierárquica parece cada vez mais distante dessa moçada. Também, pudera: a crise fiscal do Estado aponta para o enxugamento do número de servidores públicos; e, na iniciativa privada, o imperativo do aumento de produtividade faz com que as empresas incrementem investimentos em capital fixo (notadamente, automação), em detrimento de inversões em capital variável, ou seja, em mão de obra.

theispot:  David Plunkert’s illustration for the article “The Future of Evil” is featured in the spectacular 60th Anniversary issue of Playb...:
David Plunker
Novos estudos evidenciam a vultosa dimensão da crise estrutural de empregabilidade das futuras gerações. Um relatório de Carl Frey e Michael Osborne – dois professores da Universidade de Oxford –, publicado em 2016, sobre as chances de automatização em 702 profissões nos próximos anos, apresenta conclusões estarrecedoras. A título de ilustração, as chances de a inteligência artificial substituir um juiz de direito chegariam a 40%. E dane-se quem for mandado para um presídio por um replicante ou “terminator” de última geração! Tarefas levadas a efeito por jornalistas ou médicos também não tardariam a ser executadas por robôs. E ainda: de acordo com uma pesquisa feita na Austrália, intitulada “The New Work Order”, 60% dos jovens daquele país que estão em vias de entrar no mercado de trabalho escolheram profissões que, no período dos próximos dez a 15 anos, serão “radicalmente afetadas pela automação”. Entrementes, a Foxconn, a famosa montadora chinesa dos gadgets da Apple e da Samsung (conhecida pelo elevado número de funcionários que se suicidam), resolveu, neste ano, reduzir o número de seus empregados de 110 mil para 50 mil.

Mas não se iludam os que apostam no empreendedorismo, especialmente na área digital, como válvula de escape para tão dramática situação. O “The Wall Street Journal”, em matéria veiculada no dia 13 de outubro do ano passado, ao revelar o número pífio de contratações nas empresas consideradas, na atualidade, o “cutting-edge” do setor (entre elas o Facebook e o Google), mostrou, também, que o número de startups de tecnologia, nos EUA, parou de crescer: 64 mil em 1992, 113 mil em 2001. Esse número caiu para 79 mil em 2011 e não se recuperou mais. E vale lembrar para iniciantes que não é bom se meter em briga de cachorro grande. Alguém ainda se lembra do que aconteceu com o Netscape?

Desculpem-me se não pinto o porvir em cores róseas; antevejo um nada admirável mundo novo. E o mais incrível é que um barbudo chamado Karl Marx já previa tudo isso em suas anotações conhecidas como “Grundrisse”, escritas em meados do século XIX. Sorry, jovens empreendedores, mas o horizonte que já desponta no neocapitalismo não é dourado: em vez dos sonhos, believe it or not, barbárie à vista.

Paisagem brasileira

Edgar Walter

Qual a diferença?

Houve uma época — durante o regime militar — em que havia somente dois partidos políticos no país (Arena e MDB). Houve também uma época — mais recente — em que o Brasil tinha apenas duas facções criminosas (CV e PCC). Com o correr do tempo e o andar da carruagem, os partidos políticos foram se multiplicando feito coelho, e as facções criminosas acompanharam este milagre da multiplicação. Hoje, o país abriga 35 partidos políticos e 25 facções criminosas. Nunca ninguém moveu uma palha — muita conversa fiada apenas — para conter o crescimento dos partidos e das facções.

Os partidos são representados no Congresso e nas Assembleias, enquanto as facções são representadas nas cadeias e penitenciárias. Tanto os partidos quanto as facções são organizações de alcance nacional, com seus símbolos, estatutos e conselhos. O Partido Popular (ex-PPB), por exemplo, se propõe à construção de uma sociedade justa, livre, democrática, solidária e pluralista. Já o código de conduta da facção Família do Norte (FDN) propõe “luta, união, justiça, respeito e liberdade”.

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Como ocorre entre os partidos, nas facções também há grandes e pequenas agremiações. A facção do PCC, por seu tamanho e capilaridade, é considerada o PMDB da bandidagem (sem colarinho branco). As minúsculas facções Cerol Fino e Consórcio do Crime são comparadas ao Partido Pátria Livre. Como ocorre entre os partidos, as facções também fazem alianças. Agora mesmo, no massacre de Manaus, descobriu-se que o CV e a FDN se aliaram contra o PCC. Não há noticias de nenhum membro das diversas facções presente nas Câmaras e Assembleias Legislativas. Mas todos sabemos que vários representantes de partidos políticos estão presentes em cadeias ou na penitenciária em Curitiba.

Tanto os representantes dos partidos quanto os das facções estão atrás das grades porque, é obvio, cometeram algum tipo de delito. Caso, no entanto, seja feita uma pesquisa, ela vai revelar que boa parte dos detentos jogados como animais nas penitenciárias cometeu crimes menores do que os membros de partidos instalados no Complexo Penal de Pinhais. O presídio tem capacidade para abrigar 700 presos. Sabe quantos estão engaiolados lá dentro? 700! As penitenciárias que mantêm as facções transbordam, com mais de 200 mil apenados acima de suas capacidades. No espaço reservado para um detento estão espremidos cinco!

Conclui-se então — mais uma vez — que aquele texto constitucional que afirma que “todos são iguais perante a lei” é pura cascata. Quer uma prova? José Dirceu foi flagrado com um carregador de celular em sua cela e foi castigado: 20 dias sem receber visitas. Entre a rapaziada de chinelo e camiseta que é apanhada com celulares — algo que quase nunca acontece —, o castigo é outro: uma temporada na “solitária” e cancelamento do tempo que estava contando para redução da pena.

As semelhanças são muitas; mas as diferenças, maiores ainda. Os bem-nascidos detentos de partidos não precisam ir além do tráfico de influência. A bandidagem das facções mata, esfola, degola, trafica armas e drogas e nem sabe pronunciar “Odebrecht”.

Carlos Eduardo Novaes

Quando as cabeças rolaram na tevê...

As cabeças degoladas agora frequentam o horário nobre da casa brasileira para horror e arrepio de quem não conhece o Brasil. Acredita piamente que seu país é aquele do hino cantado para as equipes brasileiras em estádios, se recusando a ver o Brasil do outro lado do noticiário e das manifestações de nacionalismo piegas .

O ano começa dando um sacode em quem vê o Brasil pelas telinhas. Quem se horrorizou com a barbárie do Estado Islâmico agora assiste às mesmas barbaridades neste antro de ordem e progresso. E se envergonha, se revolta?

Menos, bem menos. O brasileiro não é melhor nem pior, apenas gente igual a gente dos outros países. Este orgulho nacionalista serve apenas para discurso político diante da boçalidade. 


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A barbaridade brasileira vem de longe. Se os caetés paparam o bispo Sardinha, e havia muita comilança de carne portuguesa moqueada, não falta atrocidade por todo território. desde aquele tempo. Filipe dos Santos, enforcado, teve o corpo estraçalhado ao ser arrastado pela ruas de Vila Rica preso ao rabo do cavalo. E Tiradentes, fatiado entre Rio e Minas? As barbaridades na guerra contra o Paraguai? Isso só para citar a atrocidade com selo governamental.

Cabeças decepadas rolam pelas páginas da história do Brasil e mais rolariam se fossem computadas as execuções urbanas, que ficaram apenas em jornais populares. No Rio, nos anos 1990, a onda por bom tempo foi bandido decepar inimigo. Mas a grande mídia não quis embrulhar o estômago daqueles que sempre viraram as costas para a realidade.

A brutalidade deste início de ano nas penitenciárias deveria provocar menos alvoroço e muito mais questionamento sobre a falência estrutural do Estado e a incompetência administrativa dos tais governantes de ontem e de hoje, que nunca souberam (ou desprezaram) tratar o problema. A começar pela construção e a manutenção do que chamam penitenciária. Gastam fortunas em construir e uma dinheirama para manter cada preso em meio à favelização arquitetônica - cenário digno de Canudos. Em meio àquela miserabilidade de condições, não há ressocialização, mas revolta. E as facções, com o dinheiro público, se apropriam facilmente das instalações. Com casa, comida e roupa lavada, às custas dos outros, fica mais fácil instalar Estado Maior para o comando da criminalidade. Ainda mais contando com a compra político-empresarial.

O governo finge que põe na cadeia pela segurança nacional; e os bandidos que cumprem pena para felicidade geral.
Luiz Gadelha

Só gênio!


Brasil gasta R$ 2,4 mil por mês para manter um criminoso atrás das grades. E investe R$ 2,2 mil por ano para bancar em escola pública um estudante do ensino médio 

Como o Espírito Santo conseguiu zerar mortes em prisões

Antes de Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, havia o Maranhão. E antes ainda, há pouco mais de dez anos, eram as prisões do Espírito Santo que dominavam as manchetes por causa de rebeliões que terminavam com mortes brutais - incluindo decapitações -, colocando em evidência a superlotação, a falta de estrutura e os problemas de gestão das cadeias do Estado.

Para driblar a falta de vagas, contêineres eram usados como celas dentro de unidades prisionais à época, criando ambientes tão quentes e insalubres que acabaram apelidados de "micro-ondas". Uma situação que chegou a ser denunciada por ativistas e juristas a organismos internacionais de defesa de direitos humanos.

O caos acelerou o início de uma reestruturação do sistema prisional, que, segundo o governo estadual, foi a principal responsável pela redução do número de mortes nas prisões do Espírito Santo. Em 2016, nenhum assassinato foi registrado.

"Arquitetura prisional" é uma das expressões mais usadas pelo secretário de Justiça, Walace Tarcísio Pontes, ao explicar para a BBC Brasil como o Estado passou de exemplo de crise a exemplo de gestão.
Presídios novos e reformados de modelo padronizado
nos EUA, também estão cheios acima da capacidade
O governo investiu cerca de R$ 500 milhões na reforma e construção de presídios. Eram 13 unidades em 2005 e são 35 em 2017, com mais três previstas para o próximo ano. Mas o mais importante, segundo Pontes, é a forma como foram construídas.

"Hoje, não temos mais o 'cadeião', aqueles quadriláteros em que você jogava um monte de gente, com vigilância nos muros. O espaço das prisões não permitia que o Estado implantasse políticas públicas", disse.

As prisões capixabas agora seguem um modelo arquitetônico criado nos Estados Unidos, no qual os detentos ficam divididos em três galerias de celas que não se comunicam.

Os edifícios também têm salas específicas onde os presos podem ter aulas - escolas funcionam em 29 unidades - e participar de oficinas profissionalizantes, além de espaços para atendimento médico.

De acordo com Pontes, a nova estrutura permitiu que o governo aumentasse o controle sobre o dia a dia e implantasse iniciativas de ressocialização que ajudam a diminuir a tensão nos presídios.

O rigor no tratamento dos detentos, no entanto, ainda é criticado por juristas do Estado, que apontam ocorrências de maus-tratos, violação de direitos e problemas causados pela superlotação.

O Espírito Santo reduziu drasticamente seu deficit de vagas entre 2003 e 2014, mas ainda é um dos que mais prende no país.

"Há avanços, sem dúvida. Não temos situações graves como em outros Estados hoje em dia. Mas não é o paraíso que estão pintando", disse à BBC Brasil o advogado e pesquisador da Universidade Vila Velha (UVV) Humberto Ribeiro Jr., que é membro da Comissão Estadual de Combate à Tortura.
'Receita' contra rebeliões

O controle das cadeias, segundo o secretário de Justiça, passa pela oferta de assistência material, educacional, jurídica e de saúde aos detentos - ideia que, admite, não é sempre apoiada pela população, apesar de estar prevista na lei brasileira.

"As pessoas têm que entender que o problema não se resolve no tacape e que as soluções não aparecem da noite para o dia", diz.

Mas, além da oferta de assistência, Pontes defende também um controle rígido sobre as interações dos presos, inclusive com seus familiares.

"Proibimos que a família envie malotes com objetos para os detentos, por exemplo. Agora, o Estado dá um kit de higiene. Senão, além de causar fragilidade pela introdução de coisas que você não tem controle dentro do sistema, você cria moedas de troca. No início isso deu muito problema, convulsionou muito as prisões, mas não permitimos", afirma.

"Hoje, temos pouco mais de 70% das nossas unidades com assistência de saúde dentro delas. Queremos universalizar ao longo desse ano. Mas isso ajudou muito. Um preso com dor de dente inicia uma rebelião. Uma comida estragada tensiona o sistema."

Os governos dos últimos anos também implantaram programas de educação e capacitação profissional dos detentos. Hoje, segundo a secretaria, o Estado tem cerca de 3,5 mil presos estudando nas unidades, com o mesmo currículo da rede pública.

Além disso, cerca de 2,5 mil trabalham, seja em fábricas instaladas dentro das prisões de regime fechado, seja saindo das unidades de regime semiaberto para retornar no fim do dia.

"Precisamos de mais parceiros para oferecer cursos e de mais empresas querendo contratar os detentos. O que não falta é preso que quer trabalhar, mas não temos vagas suficientes para todos. Eles disputam as que são oferecidas", afirmou Pontes.