quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Como se encher de popularidade

O elemento comum às eleições municipais em todo o país, mesmo nos “grotões”, é o fuzilamento com desonra do “lulopetismo”.

Na conta nacional o partido perdeu 44,8% dos vereadores e quase 2/3 das prefeituras que tinha (de 638 para 256) e foi pouco porque o PT destruiu a obra de vida de uma geração inteira e o pior ainda está por vir. Depois de passar arrasando pelo país real enquanto o baile prosseguia na Corte a ressaca da tempestade começa, finalmente, a atingir seus autores. R$ 10 bi de déficit em junho, 12,8 bi em julho, mais de 20 bi em agosto. Vai em progressão geométrica a chuva de atestados de óbito de empregos e empregadores sobre o “cartório” insuspeitíssimo da Receita Federal. A Lava-Jato, sem querer diminuir a importância da catarse que produziu, foi só um coadjuvante nesta eleição como atesta a performance do PMDB, o co-réu “não sistêmico” dela. O PT foi esmagado mesmo pelo tal “conjunto da obra” de que vinha fugindo como o diabo da cruz.

O lado potencialmente positivo é a inédita janela de oportunidade que a virulência do desastre abre. Ele amarra uns aos outros por uma necessidade básica de sobrevivência todos os prefeitos, governadores e demais atores políticos eleitos domingo ou em campo há mais tempo. Estão todos igualmente falidos e, no extremo a que chegou a causa fundamental dessa falência que é a apropriação do Estado por uma casta que não por acaso constitui o núcleo duro da militância petista, não há meio de sair da situação senão pelo desafio como nunca antes na história deste país do império incontestável do “direito adquirido” que está nos destruindo.


Repete-se a toda hora que “o sistema político brasileiro fracassou”. Essa não é a exata expressão da verdade. O sistema que está aí entregou exatamente aquilo que foi desenhado para produzir. A pedra fundamental em que se apoia é a falsificação da representação política do país real pela compra com dinheiro público dos sindicatos, dos movimentos sociais e dos partidos políticos antes mesmo de se apresentarem aos seus eleitores e simpatizantes. Segue-se, na arquitetura do desastre brasileiro, a blindagem dos governos constituídos pelos produtos dessa primeira distorção subversiva contra qualquer revide de suas vítimas, a não ser com enorme prejuízo imposto a elas próprias como está acontecendo agora. E completa o anel de ferro a decretação da irreversibilidade perpétua de toda e qualquer mamata outorgada pelas criaturas desse caldo de cultura às castas por elas cooptadas para se apropriarem do trabalho alheio sem a obrigação de oferecer nada em troca, que é o tal “direito adquirido” que essa Constituição dita “Cidadã” mas que de cidadania é a antítese, torna pétreo.

Continuar chamando as coisas pelos nomes errados é induzir ao erro de diagnóstico e excluir a mera possibilidade da cura. Daí a importância que “O Sistema” dá à “construção de narrativas” que garantam que toda leitura da realidade será distorcida e do foco absoluto que mantem no controle dos instrumentos de propagação dessas leituras distorcidas.

O que estamos assistindo nesta eleição é a pré-estreia da “disrupção” da hegemonia da “narrativa” distorcida da realidade nacional. Ela continua formalmente prevalecendo nos meios políticos, acadêmicos e artísticos, em parte da imprensa e em muito da internet “organizada” mas o resultado prático produzido pelos seus autores no poder é mais forte que qualquer versão. Agora é de sobrevivência que se trata e quem se puser à frente dela será aplastado como ficou demonstrado domingo.

A conclusão da eleição de 2016 libera o governo interino para expor o problema nacional inteiro. O Brasil está na iminência de se transformar num imenso Rio de Janeiro. Não haverá, muito em breve, dinheiro para os serviços básicos, para salários do funcionalismo nem para as aposentadorias e pensões na União, nos estados ou nos municípios. As três reformas postas sobre a mesa por enquanto são genericamente essenciais mas, como sempre, deus ou o diabo estão nos detalhes. Até onde se ventilou por enquanto, nenhuma põe dinheiro no caixa já, a não ser com mais prejuízo ainda para a mais que periclitante “galinha dos ovos de ouro” pela míngua das já esquálidas infraestruturas física, de saúde e de educação, as únicas que não estão cobertas pela intocabilidade automática que a “Constituição Cidadã” garante a tudo quanto o país oficial conseguir surrupiar aos cidadãos.

A “narrativa” falsa do momento é que as reformas necessárias são “polêmicas” porque requerem “decisões impopulares” dos governantes. O sinal claro desta eleição, no entanto, é que nada pode ser mais popular que fazer o que realmente precisa ser feito, e que quem ousar fazê-lo será carregado em triunfo pelos eleitores. Privatizar estatais feitas para o roubo e reapertar as “frouxidões deliberadas” que foram pendurando multidões de “não pobres” no sistema de assistência à pobreza, “não funcionários” nos quadros do funcionalismo, “não salários” isentos de IR nos mais polpudos salários públicos, “não trabalho” no serviço público; tudo isso garante avalanches de votos e píncaros de popularidade a quem abraça a causa e desanuvia o horizonte futuro mas não desarma a força devastadora do desastre presente. É essa e só essa a parcela do problema sensível à boa gestão que João Dória e outros candidatos vitoriosos venderam e o eleitorado comprou.

Não há como fazer o Estado voltar a um tamanho sustentável e conquistar uma popularidade ainda mais indiscutível senão desmontando os privilégios obscenos que tornam desembestados os números da Previdência que não são os que dizem respeito aos 33 milhões de quase misérias que ela remunera, mas sim os do milhãozinho de “marajás” que pesam sozinhos mais que todos os outros somados. Não há gestão que produza a mágica da necessária união nacional contra isso senão uma quase mágica gestão da política apoiada na arma invencível da verdade.

Os antiglobalistas

Hillary Clinton é a representante dos interesses da “elite globalista”. A acusação funciona como o tema articulador da campanha presidencial de Donald Trump. “Tornar os EUA grandes novamente” — o slogan do candidato republicano sintetiza uma mensagem nacionalista, que se completa com a promessa de proteção dos “empregos americanos”, supostamente ameaçados por imigrantes mexicanos e fluxos de mercadorias importadas da China e do México. Do mirante da Trump Tower, o antiglobalismo aparece como bandeira da ultradireita. De fato, porém, a aversão à globalização é uma partitura compartilhada nos polos extremos do espectro ideológico.

Trump classificou o apoio de Bernie Sanders a Hillary como uma traição aos eleitores da esquerda do Partido Democrata, conclamando-os à retribuição — ou seja, a aderir à sua campanha. São colossais as divergências entre Sanders e o magnata bufão. Entretanto, eles se encontram no coral do protecionismo. Cedendo ao assédio de Sanders nas primárias democratas, Hillary abdicou de sua antiga defesa do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), firmado por Bill Clinton, e reverteu sua posição favorável à Parceria Transpacífica, principal iniciativa de diplomacia econômica de Barack Obama. Na campanha eleitoral americana, o único arauto da liberdade de comércio e de investimentos é o caricatural candidato “libertário” Gary Johnson.

Ilustrações bacaníssimas do estúdio Brosmind:
Brosmind
A globalização não é um fenômeno recente. As Grandes Navegações foram seu impulso inicial, na aurora da Idade Moderna. Muito depois, na era industrial, entre as décadas finais do século XIX e a Grande Guerra, os fluxos de investimentos europeus e americanos no exterior configuraram um mercado mundial. Não ocorreu a Karl Marx ou Friedrich Engels, que naquela época fundavam o movimento comunista, produzir uma sentença condenatória da globalização. Os “pais fundadores” pensavam, pelo contrário, que o comércio e os investimentos difundiam a tecnologia moderna e as relações capitalistas de produção, semeando a terra na qual brotaria a árvore do socialismo. A esquerda só se tornou antiglobalista mais tarde, sob a influência de uma interpretação nacionalista do conceito de imperialismo.

A deriva nacionalista da esquerda é uma história essencialmente latino-americana, pontuada pelos flertes recorrentes dos comunistas com líderes populistas de diversas extrações. Hoje, contudo, o estandarte antiglobalista é empunhado também pela “nova esquerda” europeia, que se deixou seduzir pelo culto ao castrismo e ao chavismo. O grego Syriza e o espanhol Podemos traduziram sua aversão à globalização como rejeição à União Europeia, desenvolvendo um “euroceticismo” que se abranda aos poucos, sem desaparecer por completo. Jeremy Corbyn fez campanha contra o ingresso da Grã-Bretanha na Comunidade Europeia em 1975, quando era um jovem militante sindical. No referendo do Brexit, como líder esquerdista do Partido Trabalhista, simulou defender a permanência, posição partidária oficial, mas quase abandonou a cena pública e, nos seus raros discursos, reclamou das regras de livre comércio que formam os pilares da União Europeia.

Na Europa, o antiglobalismo de esquerda manifesta-se, cada vez mais nitidamente, como rejeição à Alemanha. Do lado de cá do Equador, na América Latina, a esquerda enxerga na globalização um veículo para a modernização do “imperialismo americano”. Curiosamente, mesmo se essa preferência tática deve permanecer oculta, uma vitória de Trump ajusta-se bem melhor aos interesses da esquerda que um triunfo da “globalista” Hillary.

Só o trecho “econômico” da partitura do antiglobalismo une os extremos do espectro ideológico. Sanders está proibido de aproximar-se de um Trump que anuncia a deportação de milhões de imigrantes ilegais e a construção de um muro na fronteira com o México. Corbyn não pode ultrapassar a linha divisória que o separa dos “eurocéticos” da direita xenófoba, organizados no Ukip. O Syriza e o Podemos precisam manter distância de partidos antieuropeus de extrema-direita. A acusação da esquerda é contra a livre circulação de bens e capitais, não contra o trânsito de imigrantes.

O antiglobalismo de direita não é apenas nacionalista, como o de esquerda, mas marcadamente nativista. A “nação do sangue”, referenciado na tradição e num conceito rudimentar de cultura, funciona como pedra basilar das correntes direitistas que se erguem contra a globalização. Trump descreveu-se como o “Mr. Brexit” dos EUA: de certa forma, essa é uma boa definição para o porta-bandeira da “nação de colonos”, por oposição à “nação de imigrantes”. No fim das contas, faz sentido a simpatia do magnata em relação a Vladimir Putin, um ídolo dos partidos europeus de ultradireita.

O diagnóstico dos antiglobalistas está fundamentalmente errado. As estatísticas evidenciam que globalização propiciou vastas reduções da miséria na Ásia, em especial na China, na América Latina e na África. Os principais beneficiários desse efeito foram os países mais abertos às correntes de comércio e investimentos. Entretanto, as rápidas mudanças tecnológicas impulsionadas pela globalização aprofundam as disparidades de renda e punem os trabalhadores assalariados das indústrias menos dinâmicas, particularmente na Europa e nos EUA. O antiglobalismo nutre-se desses fortes deslocamentos sociais, que atingem as bases eleitorais históricas dos partidos políticos tradicionais.

O Brexit só venceu porque atraiu os votos das velhas regiões industriais inglesas, antigas fortalezas trabalhistas. Na França, a Frente Nacional herdou parte significativa do eleitorado comunista do passado recente. No mapa do Colégio Eleitoral americano, a chance de Trump concentra-se nos eleitores brancos de baixa renda que tendiam a se inclinar para os democratas. O antiglobalismo de direita é politicamente mais eficiente que o de esquerda.

Demétrio Magnoli

Impressionante barroco

Continuo a ler o que está sendo escrito por aí com toda a desconfiança que as conclusões andam merecendo. Temos 12 milhões de desempregados no país. Alguém aí se deu conta de que isto impacta diretamente a abstenção eleitoral? Ou será que, entre comprar um biscoito de vento para a família e chacoalhar num ônibus lotado em direção à zona eleitoral de sua votação, o pobre cidadão tem alguma escolha? Democracia depende de GRANA, meus caros.

Já para os defensores do “deixa como está para ver como é que fica”, tenho uma péssima notícia: a impressão generalizada de que estas eleições foram muito melhores do que as anteriores já se disseminou por todo o eleitorado. Primeiro porque, na maioria das vezes, ganharam os “certos”, e não os “petistas”. Depois porque não houve sujeira, santinhos e o maldito horário eleitoral de uma hora seguida para nos aporrinhar. Não houve o que assistir.

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Sem o tal “financiamento das grandes empresas”, teve-se a nítida impressão de que, pela falta de agenda e interesses a defender, os políticos não tiveram bala na agulha para distorcer os fatos e as verdades com visualzinho elegante. É lógico que, para os seres pensantes como os que habitam este garboso espaço editorial, tudo o que estou afirmando é relativo e sujeito à críticas. O que estou afirmando, no entanto, não são as minhas convicções, mas as minhas impressões, baseadas no que ouvi dizer durante o pleito e depois dele.

Como publicitário que sou, minha vontade não conta na parada. O que conta é o que se afere. Com institutos de pesquisa avariados pelo pensamento manco das esquerdas e cravando 18% de margem de erro no que afirmam, fica fácil afirmar qualquer coisa, não é mesmo? O que me impressiona é que, quanto mais o eleitorado “se endireita”, mais eu descubro as viúvas vivas desse esquerdismo pixuleco, espalhadas por todo canto.

É por isso que demorou tanto tempo para o PT cair, meus caros. Não é por conta do “presidencialismo de coalisão”. É por conta da “roubocracia da comissão” mesmo. Gente até hoje fascinada pela grana distribuída pelo PT e seus aviõezinhos de quadrilha. Gente que não tem a menor ideia de onde essa grana veio, nem que quebrou o país, nem quantos biscoitos de vento compraria para a família que já comemora um ano de desemprego na fila.

Eleição não é um fim em si; é um começo. Pois vamos ver como começam os novos administradores eleitos. Desconfio que serão muito melhores que o PT no poder e suas pedaladas nas ideias e bolsos alheios. Só isso já conta muito. O PT só tem espaço mesmo na agenda da tevê vermelha da platinada, junto aos “coleguinhas de luta”. Façam suas apostas, amigos. O enterro disso aí que nós estamos vendo está próximo.

Decisão do Supremo pode ajudar brasileiros a perderem complexo de vira-lata

Nelson Rodrigues estava com a razão. Brasileiro tem mesmo complexo de vira-lata. Quer mostrar que é rico, superior, grandioso, e justamente por isso, tudo acaba dando errado. Conseguimos chegar lá, somos o quinto maior país em território e população e a oitava economia mundial, mas isso não significa nada, porque não houve a necessária distribuição de renda nem o apoio aos carentes. Pelo contrário, a riqueza total insiste em conviver com a miséria absoluta, e assim a criminalidade ficou descontrolada, as elites e até a classe média tiveram de passar a viver literalmente atrás das grades.

O pior reflexo desse complexo de vira-lata foi o surgimento dos novos ricos na política e na administração pública, todos eles prosperando à custa do erário ou da “viúva”, como se dizia antigamente. Com o surgimento do PT, houve forte esperança de que isso pudesse mudar, a política fosse moralizada, a exploração dos recursos públicos diminuísse, a vida se tornasse mais simples e igualitária, mas foi apenas um sonho.

Na verdade, o PT de Lula & Cia conseguiu ser pior do que os outros partidos, a decepção hoje é enorme, conforme ficou demonstrado nas urnas pelo número recorde de abstenções, votos brancos e nulos, embora no Brasil votar ainda seja obrigatório.

Para passar o país a limpo, a palavra mágica é “simplicidade”. Em algum ponto da curva, perdemos o rumo do interesse público, que se confunde com o interesse nacional. Governantes, parlamentares, autoridades em geral e até mesmo juízes passaram a se mover em função de interesses meramente pessoais. Não que estivessem corrompidos, na expressão mais rigorosa do termo, mas se deixaram impregnar pelo luxo das mordomias, dos cartões corporativos, dos carrões de chapa branca, dos múltiplos penduricalhos em suas remunerações.

De repente, a simplicidade se perdeu, o complexo de vira-lata passou a prevalecer, é preciso ser cada vez mais sofisticado, viajar para o exterior, ter contas bancárias em paraísos fiscais, e tudo isso na ilusão de ser possível se tornar um cidadão do mundo, sem perceber que isso não existe, é uma quimera, ninguém consegue se despir do passado e de suas origens, a menos que se torne um completo débil mental.

Diante dessa postura decepcionante e constrangedora das elites brasileiras, às quais se incorporaram grotescamente as lideranças políticas e sindicais que antes diziam lutar pelo povo, é fundamental que os milhões de brasileiros que ainda não se deixaram contaminar pelo complexo de vira-lata agora ajudem a repensar o Brasil e educar adequadamente as gerações futuras, para que se dispam dessas fantasias exóticas e passem a valorizar nosso país, nossa terra e nossa gente.

As gerações mais velhas, que ainda estão no poder, fracassaram inteiramente e estão tomando uma lição dos jovens que acreditam na meritocracia, estudaram, fizeram concursos públicos e estão hoje mostrando serviço em três instituições que honram este país – a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República e a Magistratura Federal.
Precisamos nos esforçar para que o exemplo desses jovens frutifique e se espalhe pela administração pública nos três Poderes, impregnando também os colégios e as universidades. Eles representam o melhor que nós temos, é fundamental que sejam prestigiados.

Nesta quarta-feira, o gigantesco esforço deles quase caiu por terra, no julgamento do Supremo que poderia libertar todos os réus da Lava Jato e outros criminosos desprezíveis, como o ex-senador Luiz Estevão. Por apenas um voto, a Lava Jato foi preservada e milhares de réus que continuavam impunes podem se preparar para cumprir as penas a que já foram condenados.

Portanto, nem tudo está perdido. Os brasileiros têm bons motivos para comemorar.

Imagem do Dia

Ilha de Burano, Itália

O desemprego derrotou o PT

Domingo à noite, já conhecidos os principais resultados eleitorais, fui a um restaurante paulistano daqueles bem ecumênicos. Ali se cruzam políticos, economistas, profissionais liberais, executivos dos setores público e privado, um ambiente que se chamaria de elite intelectual, formadores de opinião, por aí. E sendo São Paulo, há uma clara dominância de tucanos e petistas.

Reparem: no eleitorado, o PSDB tem dado banhos seguidos. Mas o PT ainda é mais forte na elite do que no povão. Bem mais forte. Por exemplo: em eleições simuladas entre alunos de ensino médio em colégios caros da cidade de São Paulo, Fernando Haddad ganhava no primeiro turno. Isso resulta do espírito socialista da juventude — hoje centrado em temas que vão da igualdade de gêneros e racial, até as famosas ciclovias — turbinado por uma verdadeira doutrinação aplicada por professores entre os quais ser do PT é até moderado.

Tudo considerado, caem na esquerda: ciclovias, parada gay, pichação, fechar avenidas aos domingos, atrapalhar tudo que é privado. Vão para a direita: 90 km/h nas avenidas marginais, abrir ruas aos carros, privatizar até cemitérios, ganhar dinheiro.

O Uber é gozado. Sendo uma multinacional americana, deveria ser odiada pela elite/esquerda, mas, sabem como é, quebra um galho, funciona tão bem — melhor deixar pra lá.

Já os funcionários daquele restaurante onde iniciamos esta história votaram quase todos no tucano João Doria — que, aliás, não faz parte do grupo típico de frequentadores. Mais exatamente, os garçons, caixas e cozinheiros votaram contra o PT.

Não, não são de direita. São trabalhadores, por isso são antipetistas. Simples: dois anos atrás, o restaurante tinha o dobro de funcionários. A crise foi cortando cabeças e espalhando o temor entre os que ficavam. Temor e mais serviço, do que, aliás, não reclamavam. Ao contrário, contavam animados que o movimento estava voltando.

A Lava-Jato ajudou a dizimar o PT. Mas se a economia estivesse caminhando bem, como estava na época do mensalão, o povão seria mais tolerante. Até deixaria passar a tese de que roubar era coisa de rico.

O mensalão é dinheiro de troco diante do petrolão. Também era mais difícil de entender, porque os culpados juraram inocência até o fim. Já agora, o pessoal confessa o roubo de centenas de milhões de reais e dólares, ao vivo na TV. E não dá para dizer que roubam mas fazem, ou que roubam para ajudar o partido do povo. Como dizer isso diante de 12 milhões de desempregados, inflação acima de 10% ao ano, perda do poder aquisitivo e colapso dos serviços públicos?

Dilma, Lula e sua turma tentaram dizer que foi tudo culpa da crise do imperialismo. Não colou, lógico, pois os mesmos Lula e Dilma alardeavam que seu governo sabia driblar as crises dos outros. Além disso, os mais ou menos informados viram que, dos países importantes, o Brasil é o único em recessão.

Por tudo isso, vai ser muito difícil a recuperação do PT. O primeiro passo seria reconhecer o equívoco da política econômica aplicada desde o segundo governo de Lula, quando, sob o comando de Dilma, abandonou o projeto de estabilização e pró-mercado herdado de FHC. Mas no debate do PT as primeiras vozes dizem que o partido se perdeu por ter ido demais à direita.

Ora, o partido não se desviou para a direita. Se desviou para a corrupção e para a velha politicagem brasileira — aliás também condenada pelo “não voto” (nulos, brancos e abstenções). Caímos no pior dos mundos: uma política econômica da esquerda falida, a bolivariana, tocada por um partido que aderiu às piores práticas dos velhos políticos.

Momento difícil, portanto.

A eleição deixou mais perdedores do que vencedores. Os eleitores condenaram o PT, a esquerda velha e corrupta, o modo de fazer política que nos atrasa há tanto tempo. Mas não ficou claramente de pé uma nova agenda, a das reformas liberais e pró-mercado.

O prefeito eleito de São Paulo, João Doria, falou dessa agenda. Também a defendeu o prefeito reeleito de Salvador, ACM Neto, campeão de votos.

A questão é saber se foram eleitos principalmente por causa dessa agenda ou se o fator dominante foi a onda anti-PT e antipolíticos. Saberemos ao longo dos próximos meses, dependendo, sim, da atuação desses prefeitos, mas que é limitada e local.

O serviço maior para a saída da crise depende do da atuação do presidente Temer e sua base de deputados e senadores. Sim, daqueles nos quais o povo não votou.

Complicado.

Carlos Alberto Sardenberg

Arrumação

Pat Perry's work captures the idea of having memories staying with us forever. This work shows a woman and an image of tragedy inside her head. #BID #BeforeIDieUA #BIDTucson:
 Pat Perry 
Somos quase esquizofrênicos, temos algum TOC, mania? Pode ser, mas repara quantas vezes você pratica esse verbo por dia. Acordou? Arruma a cama. Arruma a mesa para o café da manhã ou arruma no espelho essa cara amassada. Arruma uma desculpa porque o despertador não tocou ou se arruma toda ou todo para sair.

Se bobear e estiver de mau humor logo pode arrumar uma encrenca – pode até ser enquanto arruma uma vaga para estacionar o carro ou arruma a bolsa que era tanta a pressa que deixou cair aberta, de boca para baixo. Arruma a gravata, dá uma arrumada no cabelo, joga para lá, joga para cá, passa a mão. Arruma essa postura.

Se está indo arrumar emprego, boa sorte, que a coisa está difícil, e neste país já são 12 milhões fazendo a mesma coisa – e taxa de desemprego só é contada em quem sai para buscar, acredita? Imagine se calculassem a realidade – quantas pessoas estão sem trabalho, coisa que também é preciso arrumar.

As mães arrumam seus filhos para mandar às escolas, pensando que depois eles poderão se arrumar na vida. Quando eles saem, elas ficam ali arrumando a cozinha, a coisas, as gavetas, pensando na vida que lhes foi arrumada, se o marido arrumou alguma amante. Ou como vão arrumar o dinheiro para pagar as contas do mês.

Pensa que deveria se arrumar mais, o cabelo, as unhas. Ou se deveria logo arrumar as malas, ou as suas para se mandar, ou as dele, se acabou concluindo que sim, ele arrumou uma amante. Ou apenas para arrumar algum lugar para ir. Arrumar um lugar ao Sol.

Arrumação é coisa contínua, demorada. Algumas precisam ser planejadas com mais tempo, para que não tenham de ser feitas de novo, desarrumadas. Pensa se tem exemplo melhor do que o país em que vivemos, onde esperamos que parem de querer primeiro se arrumar a eles próprios, os que podem mudar as coisas, dão as ordens. Onde arrumar paciência? Onde arrumar esperança?

A hora é essa, de arrumação danada. Fosse um jardim, e o caminho seria o mesmo, o de primeiro arrancar as ervas daninhas, depois limpar a área, preparar a terra, semear, adubar e regar.

É preciso arrumar tempo para pensar sobre isso e fazer pressão.

Câmara discute novo fundo público de eleições: R$ 2.9 bi

Em reunião sobre reforma política, na Câmara, o ministro Gilberto Kassab (Comunicações), presidente do PSD, sugeriu aos líderes partidários a criação de um novo fundo público para financiar as eleições no Brasil. Em anos eleitorais, seriam repassados aos partidos R$ 2,9 bilhões em verbas públicas —o equivalente a quatro vezes o atual Fundo Partidário, orçado em 2016 em R$ 724 milhões.

Líder do PSD na Câmara, o deputado Rogério Rosso (DF) traduziu a novidade: “Não existe mais espaço para a volta do financiamento privado, a sociedade brasileira não vai aceitar isso. O que o ministro Kassab sugeriu foi que, no ano da eleição, fosse criada uma conta alocando recursos para os partidos enfrentarem as eleições.”

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Exposta na presença dos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a ideia de Kassab soou como música aos ouvidos da maioria dos líderes, cujos partidos vivem uma crise de abstinência com a proibição de doações eleitorais de empresas.

Também presente à reunião, o ministro Marcos Pereira (Desenvolvimento), que preside o PRB, declarou-se simpático à proposta do colega de Eplanada. Decidido a votar alguma proposta sobre financiamento eleitoral público até o final do ano, Rodrigo Maia afirmou que será necessário esmiuçar o projeto de Kassab.

Até onde foi possível alcançar o raciocínio de Kassab, o atual Fundo Partidário não deixaria de existir. Assim, em anos eleitorais, os partidos beliscariam os cerca de R$ 2,9 bilhões do fundo novo e os R$ 724 milhões do fundo antigo. Ou seja: a cada dois anos escorreriam para as arcas partidárias algo como R$ 3,6 bilhões em verbas arrancadas compulsoriamente do bolso do contribuinte.

O presidente da Câmara defende que seja debatida também a hipótese de institucionalizar o modelo de lista fechada. Nele, os candidatos a cargos eletivos seriam definidos pelas direções das legendas.

Juntando-se as duas ideias, os dirigentes partidários chegariam a uma mistura do tipo mamão (o direito de vetar candidatos) com açúcar (o dinheiro fácil do Tesouro). E o contribuinte entraria com o bolso num sistema político que, a julgar pela quantidade de votos brancos, nulos e abstenções contabilizadas no primeiro turno da disputa municipal de 2016, ele abomina.

Lula, o invisível

O prestígio de um político se mede pela honestidade e pela quantidade de votos que ele tem ou transfere para outro. Quando ele perde uma eleição fica invisível, não é convidado nem para batizado de criança até se reeleger e voltar ao poder. Ou pendurar as chuteiras, como fazem alguns. Pois bem, o ex-presidente Lula, no quesito honestidade, foi reprovado. Mas agora começa a sentir na pele o desprestígio político ao não conseguir transferir votos nem para eleger um dos seus filhos vereador. Se não pendurar as chuteiras como fez Pelé sabiamente, corre o risco de ir para ostracismo. O saldo que fica dessas eleições municipais é de um PT desidratado de votos, os seus líderes na prisão e um Lula falando bobagens como se ainda fosse um líder de massa.

O PT ganhou uma capital lá no Norte do país e está pendurado em outra, no Recife, com possibilidade remota de vitória. Perdeu inclusive no seu mais importante colégio eleitoral, berço do partido, São Paulo, não reelegendo Haddad, um poste que chegou à prefeitura com o auxílio de Paulo Maluf, com quem Lula compôs para eleger seu pupilo. O diagnóstico é de que o PT precisa se reinventar se quiser continuar dando as cartas na política do país e o seu líder, José Inácio Lula da Silva, passar o bastão para alguém antes que ele enterre de vez o partido que criou para combater as elites com quem, depois, se acumpliciou para roubar o país.


O maior problema do PT é encontrar um substituto de Lula que, a exemplo dos déspotas populistas, aniquila aqueles que se atrevem a atravessar o seu caminho. Foi assim com Zé Dirceu, Genoíno, Mercadante, Marta, Marina, Heloisa Helena, Palocci e tantos outros que tentaram um dia ousar desafiá-lo. Como um egocêntrico, preferiu, portanto, tirar a Dilma do anonimato e elegê-la presidente a prestigiar prata da casa porque temia perder as rédeas do poder. O resultado, como se esperava, foi o desastre do impeachment e a fragmentação do partido que sonhou com vinte anos no poder.

Os primeiros sinais de que hoje Lula mais atrapalha do que contribui ocorreram nessas eleições municipais. João Paulo, candidato do PT no Recife, queixa-se de ter caído nas pesquisas depois que o seu guia foi dar uma forcinha na sua eleição. Ficou com a metade dos votos do seu adversário, mas, mesmo assim, chegou ao segundo turno numa penúria de votos danada. Lula também foi ao Ceará. Nenhum dos candidatos que apoiou no estado ganhou a eleição. E para complicar a sua vida e as suas pretensões políticas, o nordestino foi às urnas e disse não a ele e ao seu partido, um sinal claro de que a corrupção começa a ser sentida pela população mais carente como uma erva daninha, coisa sem muita importância até pouco tempo para quem se submetia aos currais.

A população brasileira dá nítidos sinais da valorização do voto e de como ele é fundamental como meio de transformação social e econômico do país. Ao contrário do que pensam alguns retrógrados, a democracia – que elege seus dirigentes pelo voto – ainda é o melhor caminho do desenvolvimento e das mudanças estruturais.

Quase a metade dos prefeitos de capitais, que tentaram a reeleição, ficou no meio do caminho. Foram contaminados pelos escândalos que envolveram políticos de quase todos os partidos. Os candidatos novos, que fizeram campanha com o discurso da negação política, tiveram mais êxito. Caso de São Paulo, por exemplo, onde Dorea, um apresentador de televisão, sem nenhuma tradição política, ganhou as eleições no primeiro tuno deixando para trás as raposas políticas sem discurso. Se ele vai administrar bem a maior capital do país é outra história, mas ao elegê-lo os eleitores de todas as classes sociais entenderam que é melhor apostar no novo, porque os “velhos” eles já conhecem – e estão cada vez mais velhos.

É diante desse quadro que o PT vai tentar se reestruturar para sobreviver, com a adversidade das urnas. E se preparar para o pior caso seu líder maior, político espiritual, agora invisível, caia nas garras de Sergio Moro.