Nunca tivemos um estado modelar, mas tivemos sucesso, embora nem sempre duradouro, em alguns setores.
Nos últimos tempos, entretanto, percebe-se um processo contínuo e crescente de degradação institucional. Neste artigo, aponto algumas evidências dessa degradação, para a qual concorrem fortemente o corporativismo e o arbítrio.
O poder pessoal conferido a autoridades, em órgãos de deliberação colegiada, em tudo se assemelha a um absolutismo extemporâneo.
Decisões monocráticas permitem dar curso ou não, sem fundamentação, a processos de impeachment de autoridades, pautar votações, audiências ou julgamentos, obstruir processos judiciais, mediante desarrazoados pedidos de vista, e conceder liminares que se eternizam. Tudo isso com respaldo em regimentos que se prestam a qualquer interpretação, mesmo quando contrária à lei.
A ineficiência na gestão governamental tem muitas faces. Nos Poderes Legislativo e Judiciário, recessos, férias prolongadas e feriados especiais somados ultrapassam os dias de trabalho efetivo. Assim, não é surpreendente a existência de inúmeras leis, previstas na Constituição de 1988, que até hoje não lograram prosperar ou de processos judiciais que se arrastam por décadas, não raro gerando prescrições.
Medidas Provisórias quase nunca observam os requisitos constitucionais de urgência e relevância e, quando perdem eficácia, porque não convertidas em lei, as decorrentes relações jurídicas não são disciplinadas pelo Congresso, como determina a Constituição.
Tribunais sobrecarregados por competências excessivas e normas processuais tortuosas explicam, em boa medida, a morosidade do contencioso. Faz sentido, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar furtos de pequeno valor?
A frequente ingerência de um Poder sobre outro, em decisões administrativas, macula a independência e a harmonia que deveriam presidir suas relações.
Planejamento governamental não há mais. Tudo é improviso de má qualidade. O orçamento converteu-se em peça anárquica, com fatias vorazmente devoradas pelas “emendas parlamentares”. Tetos de remuneração e de gastos públicos são afrontados por leis casuísticas ou por subterfúgios administrativos. Federalismo fiscal consistente nunca tivemos.
Para reverter esse quadro, será indispensável implementar uma verdadeira reforma do Estado, o que demanda boa formulação e, sobretudo, uma complexa engenharia política. Caso contrário, parafraseando Claude Lévi-Strauss (1908-2009): passaremos da barbárie à decadência, sem conhecer o apogeu.
Às vezes falo aqui nos esbirros de Jair Bolsonaro. Já foi uma palavra comum na imprensa, mas ficou fora de moda, daí leitores me perguntarem o significado. Houve quem a confundisse com espirro, sem saber que, achando repulsivos os espirros de Bolsonaro, eu jamais macularia esse espaço com eles. Para outros, talvez eu quisesse escrever esporro, o que faria sentido —nunca houve presidente tão estúpido e dado a governar por esporros. E ainda outros arriscaram esparro e esbarro. De fato, as duas palavras têm a ver: esparro é aquele que dá um esbarro na vítima para o punguista bater-lhe a carteira. Bolsonaro fica bem nos dois papéis, de esparro e punguista.
Esbirro, tecnicamente, é um agente da polícia, um guarda, um guarda-costas. Mas é ainda sinônimo de beleguim, que, nos dicionários, remete a tira, capanga, jagunço, quadrilheiro, alguém entre a lei e fora dela. Os esbirros a que os velhos jornais se referiam eram a guarda pessoal de Getulio Vargas no Catete, comandada por Gregorio Fortunato, e os de Carlos Lacerda na Guanabara, em torno de Cecil Borer. Muita gente foi para o Caju ou para o Pronto-Socorro depois de passar por eles.
Bolsonaro ampliou o conceito de esbirro. Não se limita mais àqueles rapazes carecas e sarados, incrustados no Bope, na PM e até na Câmara dos Deputados, que ele e seus filhos gostam de condecorar. São agora qualquer um a quem ele delega o trabalho sujo, como o de executar certas medidas cruéis e violentas --Marcelo Queiroga, Augusto Heleno, Braga Neto, Luiz Eduardo Ramos, Fábio Faria, Mario Frias, Sérgio Camargo.
Esbirros que ficarão na história foram também Eduardo Pazuello, Abraham Weintraub, Fabio Wajngarten, Ernesto Araújo, Ricardo Salles, Sergio Moro, muitos mais. Não importa que alguns se tenham voltado contra o chefe. Um dia, ladraram e morderam em seu nome.
Os esbirros de Bolsonaro se julgam finos. Mas não são, não. Esbirro é esbirro.
Em artigo de 2007 publicado no Journal of Economic Perspectives, Abhijit Banerjee e Esther Duflo, vencedores do prêmio Nobel de Economia de 2019, investigaram de forma detalhada a vida de pessoas que vivem na extrema pobreza em um conjunto de 13 países.
Verificou-se serem indivíduos que vivem em famílias numerosas, gastando de 56 a 75% da renda com alimentação. Cerca de 10% dos gastos dessas famílias são com ritos sociais, a exemplo de casamentos e velórios, enquanto, em média, 10% dos gastos são com álcool ou cigarro. Tais famílias quase não investem em educação e dependem do Estado ou de organizações não governamentais para receberem algum tipo de investimento em capital humano.
Os adultos vivendo na extrema pobreza na grande maioria trabalham por conta própria ou são pequenos empreendedores operando em baixa escala e com quase nenhum ativo produtivo, a exemplo de terras e máquinas. São pessoas com pouca especialização, exercendo mais de uma atividade e com acesso restrito ao crédito.
De fato, um dos principais problemas em desenvolvimento econômico é entender a razão pela qual grande contingente de indivíduos permanecem em situações de extrema pobreza e em atividades de baixíssimo rendimento. Quais são as principais restrições e barreiras que evitam que essas pessoas saiam da pobreza? Entender isso é importante para definir políticas efetivas que possam melhorar a vida de quase 1 bilhão de habitantes do planeta. Principalmente, quando o orçamento dos governos para gastos sociais é limitado.
A questão é longínqua e atraiu vários pensadores e economistas. O médico pernambucano Josué de Castro escreveu sobre o assunto ainda na primeira metade do século passado. Ele observou a vida dos pobres no Recife e postulou que alguns operários da época eram pouco produtivos porque eram mal alimentados. Assim, a má nutrição estaria causando a pobreza e políticas redistributivas e de combate à fome teriam efeitos positivos e significantes.
Partha Dasgupta e Debraj Ray nos anos de 1980 desenvolveram teoria consistente com os argumentos de Josué de Castro e mostraram como a má nutrição pode ser importante determinante de renda e da acumulação de ativos. Angus Deaton, prêmio Nobel de 2015, estudou o problema nos anos 1990 com trabalhos empíricos corroborando as ideias de Dasgupta e Ray.
A questão nutricional é certamente relevante para os casos de extrema carência material, mas mesmo quando essa questão parece resolvida a persistência da pobreza se mostra ainda relevante.
Há duas teorias principais para explicar essa persistência. Alguns economistas defendem a ideia que algumas pessoas trabalham em ocupações de baixo rendimento porque não possuem atributos, como capital humano ou talento, para exercerem outras atividades.
A educação, por exemplo, habilita as pessoas a aprenderem e utilizarem melhor as informações, os processos produtivos, abrindo oportunidades para diversas atividades. O baixo capital humano dos indivíduos explicaria a permanência das mesmas em certas atividades e em situação de privação material.
De acordo com essa teoria, a pobreza seria erradicada com um maior investimento nas pessoas através da expansão e melhoria da saúde e da educação públicas. Ações diretas de combate à pobreza, como a transferência de renda e/ou o acesso ao crédito, não teriam necessariamente efeitos significativos e permanentes na pobreza de longo prazo.
Uma outra visão entre os economistas é que as pessoas permanecem em atividades de baixo rendimento porque não têm ativos ou renda suficiente para fazerem certos investimentos e assim saírem da “armadilha da pobreza”. Um pequeno empresário pode precisar de máquinas e equipamentos para aumentar sua escala produtiva e vendas, assim podendo acumular ativos. Neste caso, acesso ao crédito barato e políticas de transferência de renda poderiam induzir investimentos e a saída de situações de extrema pobreza.
A visão de Josué de Castro sobre o efeito negativo na produtividade do trabalho de uma nutrição inadequada se insere também nesta teoria da existência de uma “armadilha da pobreza”.
É pouco questionável que políticas que levem a melhoria do capital humano possam tirar os indivíduos da pobreza. A questão que levanta mais dúvidas é se há ou não evidência sobre a existência de uma “armadilha da pobreza” e se políticas redistributivas podem ter efeitos duradouros sobre a incidência da pobreza.
Em um trabalho a sair no Quartely Journal of Economics, economistas da London School of Economics analisam um experimento controlado de 2007 com cerca de 26.000 famílias em Bangladesh, quando mulheres dessas famílias aleatoriamente receberam uma transferência de um ativo com valor de aproximadamente US$ 490 ou aproximadamente 90% do valor anual de gastos com consumo dessas famílias.
Se a pobreza em Bangladesh é determinada principalmente por atributos individuais dessas mulheres, era esperado que tal transferência geraria efeitos temporários no consumo das famílias beneficiadas pelo programa, mas não necessariamente teria levado a alterações relevantes nas atividades laborais e na renda.
No entanto, após 11 anos, os autores do estudo mostram que essa transferência gerou de fato mudanças duradouras, afetando positivamente o número de horas trabalhadas, assim como as atividades exercidas e o acúmulo permanente de ativos das mulheres. Os economistas indicam que a taxa interna de retorno do programa foi bem mais elevada do que as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras em Bangladesh.
O referido estudo revela que a “armadilha da pobreza” pode ser um determinante importante da persistência de indivíduos em atividades de baixa remuneração. Portanto, não só políticas de investimento de capital humano são efetivas para combater a pobreza de curto e longo prazos; ações redistributivas podem também ter um papel relevante.
Contudo, é essencial pensar em como melhorar o desenho de políticas redistributivas em larga escala. É importante desmontar as “armadilhas da pobreza”, evitando a dependência crônica das políticas públicas. Temos sim que dar o peixe para todos que passam fome, mas o objetivo fundamental é ensinar a pescar e promover os incentivos para a criação de valor e o fortalecimento do trabalho produtivo.
“Ela está no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para caminhar".
O uruguaio Eduardo Galeano ouviu esse comentário sobre utopia numa conversa com o cineasta argentino Fernando Birri e o relatou no livro “As palavras andantes”. Utopia, como você lembra,é o clássico do inglês Thomas Morus que descreve uma sociedade fictícia onde não acontece nada de ruim. Utopia é felicidade. Nestes dias de renovação da esperança, o horizonte parece mais perto e a gente volta a crer que é só mais um passo e pronto, aí está a utopia!
Utopia é sonho e sonho cada um tem o seu e caminha com ele. O da moça, desesperada com o desemprego e portando um cartaz no sinal fechado na pista do Lago Sul, em Brasília, é arrumar dinheiro pro aluguel atrasado… A utopia da família protegida da chuva só pela copa da mangueira, como o arremedo miserável de um presépio vivo, ali bem pertinho do Palácio do Planalto, é que algum mago jogue uma coberta qualquer, um brinquedinho pras crianças pela janela do carro (oficial?)…O sonho de felicidade do homem que gritava “é a fome, é a fome” numa quadra residencial da Asa Sul da capital federal era que lhe caísse na cabeça um resto do filé mignon de algum almoço abastado (verba de gabinete?), o dos milhões na fila do auxílio desemprego é ter a carteira profissional assinada de novo, ou pela primeira vez (nem precisa ser um DAS…).
O horizonte de cada um estava bem ali, mas se afastava na velocidade do sinal que abria, da janela que se fechava, do carro que passava, na dureza da frase “não há vagas” e levava a utopia de cada um…
Todo dia, toda hora, somos obrigados a dar mais um passo no caminho dessa vida melhor. A busca da Utopia é trabalho pra todos nós. Se andarmos juntos, ela, um dia, não nos escapa. Me atrevo, aqui, a uma receita:
Primeiro, misture suas aspirações com as de seus amigos, parentes, colegas de trabalho e de toda a sua comunidade. Tempere com a suavidade da liberdade, com o gosto forte da verdade, elimine o ardor da intolerância, o amargo da corrupção e leve tudo ao calor das ruas. Vá adicionando o melhor de cada sonho encontrado…Mas, importante: não desista, nunca, desse caminhar no rumo da Utopia. 2022 chegou. Hora de dar mais um passo na busca do Brasil mais livre, mais solidário, mais igual. Feliz Ano Novo. Vote bem em 2022!
A origem da nossa tragédia está na queda da democracia.
Juan Guaidó, líder da oposição na Venezuela
O Brasil ingressa no ano do seu bicentenário carregando o fardo de mais uma década perdida e atormentado por dois binômios perversos: estagnação-inflação e fome-desemprego. Nossa economia anda de lado, crescendo em média 0,3% ao ano entre 2011 e 2021. O ufanismo do ministro da economia, Paulo Guedes, quanto a um PIB turbinado em 2022 não é compartilhado pelo mercado ou especialistas, cujas projeções apontam para mais um ano de economia estagnada, beirando a recessão.
Há causas estruturais impeditivas da conquista do crescimento sustentado, condição imprescindível para termos uma nação moderna e sem miséria. Entre elas, o baixíssimo investimento na inovação e a não realização das reformas que eram necessárias para a continuidade do ciclo modernizante que se iniciou nos anos 90 com FHC e até hoje não se completou.
Esses problemas antecedem ao governo Bolsonaro, mas não se pode isentar o presidente do agravamento da situação. A “revolução liberal” prometida por Guedes foi um grande blefe. No último ano do atual mandato, a prioridade do presidente não são as reformas, mas sim a sua reeleição às custas da gastança pública. Quanto mais as pesquisas apontarem dificuldades de Jair Bolsonaro para se reeleger, maior será o apelo a medidas populistas.
O Auxílio Brasil, subsidiado pelo calote dos precatórios e pela irresponsabilidade fiscal, é uma clara evidência de que, em aliança com o “Centrão” os bons fundamentos econômicos serão mandado às favas em nome da reeleição. Quando Bolsonaro disse que gastaria esse ano para se eleger mas fecharia as torneiras em 2023, o ministro da Economia respondeu “estamos juntos”
O Brasil se perdeu da trajetória iniciada no final do século vinte, quando conquistou a estabilidade da economia, modernizou o estado e adotou fundamentos econômicos como meta para a inflação, superávit primário, câmbio flutuante ou responsabilidade fiscal.
Em 2021, voltamos aos tempos dos juros altos, da desvalorização da moeda, da escalada inflacionária, do avanço do patrimonialismo na esfera pública e do aparelhamento do Estado. E não custa lembrar que o lulopetismo também foi pródigo em diversos pontos desta seara.
Parte significativa do Orçamento da União foi capturada pelo “Centrão” por meio das emendas secretas. E o financiamento público de campanhas e dos partidos, teoricamente uma medida positiva, na verdade está a serviço da perpetuação das oligarquias partidárias, se transformando num fator que restringe a alternância do poder ou a renovação partidária.
Deter essa marcha da insensatez é o grande desafio para nos reconectarmos com o futuro. A deterioração do quadro social torna premente a retomada do fio da meada para chegarmos a um Brasil justo e moderno.
A Educação é uma das áreas estratégicas neste objetivo. É fundamental que ela retome a trajetória interrompida por concepções ideológicas ou, mais recentemente, religiosas. É preciso acabar com a guerra cultural. Desde 1995 tivemos governos e parlamentares que contribuíram para a construção de um arcabouço institucional de financiamento do ensino público e para a criação do um moderno sistema de avaliação que possibilitou ao país formular políticas de Estado, como a reforma do ensino médio e a definição da Base Nacional Comum Curricular. Criminosamente tudo isto foi deixado de lado.
Saúde, segurança, habitação, transporte público, matriz energética, meio ambiente…. O ano é novo, mas os desafios são antigos.
E o andar da carruagem não nos autoriza a imaginar que seja possível uma reviravolta ainda nesse governo. Tudo indica que o Brasil só irá se conectar com o futuro a médio prazo, a depender do resultado da disputa presidencial. Os candidatos estão na obrigação de apresentar o seu projeto de nação, que seja capaz de unir os brasileiros num horizonte comum. Por enquanto, não é o que vislumbramos.