quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Por que as pessoas seguem na pobreza?

Em artigo de 2007 publicado no Journal of Economic Perspectives, Abhijit Banerjee e Esther Duflo, vencedores do prêmio Nobel de Economia de 2019, investigaram de forma detalhada a vida de pessoas que vivem na extrema pobreza em um conjunto de 13 países.

Verificou-se serem indivíduos que vivem em famílias numerosas, gastando de 56 a 75% da renda com alimentação. Cerca de 10% dos gastos dessas famílias são com ritos sociais, a exemplo de casamentos e velórios, enquanto, em média, 10% dos gastos são com álcool ou cigarro. Tais famílias quase não investem em educação e dependem do Estado ou de organizações não governamentais para receberem algum tipo de investimento em capital humano.

Os adultos vivendo na extrema pobreza na grande maioria trabalham por conta própria ou são pequenos empreendedores operando em baixa escala e com quase nenhum ativo produtivo, a exemplo de terras e máquinas. São pessoas com pouca especialização, exercendo mais de uma atividade e com acesso restrito ao crédito.

De fato, um dos principais problemas em desenvolvimento econômico é entender a razão pela qual grande contingente de indivíduos permanecem em situações de extrema pobreza e em atividades de baixíssimo rendimento. Quais são as principais restrições e barreiras que evitam que essas pessoas saiam da pobreza? Entender isso é importante para definir políticas efetivas que possam melhorar a vida de quase 1 bilhão de habitantes do planeta. Principalmente, quando o orçamento dos governos para gastos sociais é limitado.


A questão é longínqua e atraiu vários pensadores e economistas. O médico pernambucano Josué de Castro escreveu sobre o assunto ainda na primeira metade do século passado. Ele observou a vida dos pobres no Recife e postulou que alguns operários da época eram pouco produtivos porque eram mal alimentados. Assim, a má nutrição estaria causando a pobreza e políticas redistributivas e de combate à fome teriam efeitos positivos e significantes.

Partha Dasgupta e Debraj Ray nos anos de 1980 desenvolveram teoria consistente com os argumentos de Josué de Castro e mostraram como a má nutrição pode ser importante determinante de renda e da acumulação de ativos. Angus Deaton, prêmio Nobel de 2015, estudou o problema nos anos 1990 com trabalhos empíricos corroborando as ideias de Dasgupta e Ray.

A questão nutricional é certamente relevante para os casos de extrema carência material, mas mesmo quando essa questão parece resolvida a persistência da pobreza se mostra ainda relevante.

Há duas teorias principais para explicar essa persistência. Alguns economistas defendem a ideia que algumas pessoas trabalham em ocupações de baixo rendimento porque não possuem atributos, como capital humano ou talento, para exercerem outras atividades.

A educação, por exemplo, habilita as pessoas a aprenderem e utilizarem melhor as informações, os processos produtivos, abrindo oportunidades para diversas atividades. O baixo capital humano dos indivíduos explicaria a permanência das mesmas em certas atividades e em situação de privação material.

De acordo com essa teoria, a pobreza seria erradicada com um maior investimento nas pessoas através da expansão e melhoria da saúde e da educação públicas. Ações diretas de combate à pobreza, como a transferência de renda e/ou o acesso ao crédito, não teriam necessariamente efeitos significativos e permanentes na pobreza de longo prazo.

Uma outra visão entre os economistas é que as pessoas permanecem em atividades de baixo rendimento porque não têm ativos ou renda suficiente para fazerem certos investimentos e assim saírem da “armadilha da pobreza”. Um pequeno empresário pode precisar de máquinas e equipamentos para aumentar sua escala produtiva e vendas, assim podendo acumular ativos. Neste caso, acesso ao crédito barato e políticas de transferência de renda poderiam induzir investimentos e a saída de situações de extrema pobreza.

A visão de Josué de Castro sobre o efeito negativo na produtividade do trabalho de uma nutrição inadequada se insere também nesta teoria da existência de uma “armadilha da pobreza”.

É pouco questionável que políticas que levem a melhoria do capital humano possam tirar os indivíduos da pobreza. A questão que levanta mais dúvidas é se há ou não evidência sobre a existência de uma “armadilha da pobreza” e se políticas redistributivas podem ter efeitos duradouros sobre a incidência da pobreza.

Em um trabalho a sair no Quartely Journal of Economics, economistas da London School of Economics analisam um experimento controlado de 2007 com cerca de 26.000 famílias em Bangladesh, quando mulheres dessas famílias aleatoriamente receberam uma transferência de um ativo com valor de aproximadamente US$ 490 ou aproximadamente 90% do valor anual de gastos com consumo dessas famílias.

Se a pobreza em Bangladesh é determinada principalmente por atributos individuais dessas mulheres, era esperado que tal transferência geraria efeitos temporários no consumo das famílias beneficiadas pelo programa, mas não necessariamente teria levado a alterações relevantes nas atividades laborais e na renda.

No entanto, após 11 anos, os autores do estudo mostram que essa transferência gerou de fato mudanças duradouras, afetando positivamente o número de horas trabalhadas, assim como as atividades exercidas e o acúmulo permanente de ativos das mulheres. Os economistas indicam que a taxa interna de retorno do programa foi bem mais elevada do que as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras em Bangladesh.

O referido estudo revela que a “armadilha da pobreza” pode ser um determinante importante da persistência de indivíduos em atividades de baixa remuneração. Portanto, não só políticas de investimento de capital humano são efetivas para combater a pobreza de curto e longo prazos; ações redistributivas podem também ter um papel relevante.

Contudo, é essencial pensar em como melhorar o desenho de políticas redistributivas em larga escala. É importante desmontar as “armadilhas da pobreza”, evitando a dependência crônica das políticas públicas. Temos sim que dar o peixe para todos que passam fome, mas o objetivo fundamental é ensinar a pescar e promover os incentivos para a criação de valor e o fortalecimento do trabalho produtivo.

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